Iron Maiden – Dance of Death

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Toda vez que o Iron Maiden lança um trabalho é a mesma coisa: um verdadeiro evento, uma festa para muitos convidados. É o preço que se paga pelo status de maior banda de heavy metal do planeta. No entanto, também não é de hoje que o um disco da banda é a mesma coisa. O grande problema de Dance of Death reside justamente no fato de que Bruce Dickinson e Adrian Smith já voltaram à Donzela, ou seja, não houve a euforia causada por Brave New World (2000). Sem novidades, volta a ser um risco e um teste de paciência analisar o novo CD de um grupo que criou verdadeiras obras-primas, mas cujo último grande álbum foi lançado em 1988 e atende pelo nome de Seventh Son of a Seventh Son.

Não, Dance of Death está longe de ser controverso como os dois discos – The X Factor (1995) e Virtual XI (1998) – nos quais o microfone era de Blaze Bayley. Mas também não é animador, apesar de ser infinitamente melhor que o ruim No Prayer for the Dying (1990) e o irregular Fear of the Dark (1992) – está vendo? Não vamos colocar toda a culpa na voz de Bayley. Como na capa do novo álbum só se salva o mascote Eddie (com o restante feito digitalmente, é inegavelmente a mais feia de todas), o lance é colocar o CD no aparelho.

Primeiro single, Wildest Dreams é a típica música de abertura. Bacana, apesar de mais simples. Não assusta, assim como Rainmaker, que tem pique e refrão bem legais. Até aí tudo bem, não há nada de novo, o velho estilo Iron Maiden está intacto, e o fã já afirma que é o melhor disco do ano. Mas chega a vez de No More Lies, e com ela vem um dos vícios mais irritantes da banda. Alguém ainda tem paciência para as longas introduções comandadas pelo baixo de Steve Harris? Se tem, leva um pote de doce de leite. São quase dois minutos com aquele dedilhado batido e, para piorar, uma repetição de “no more lies” que dá nos nervos (pode contar, porque você vai desistir quando passar de 20).


O nível de boa vontade diminui, mas ganha um refresco com a boa Montségur, canção que remete ao clima do maravilhoso Powerslave (1984), principalmente da instrumental Losfer Words (Big ‘Orra). São os velhos clichês do Iron Maiden que, guardadas as devidas proporções, ainda agradam. Mas não demora e a faixa-título traz o que de volta? Mais uma introdução longa, muito longa e maçante. Fica difícil acreditar que Steve Harris, o melhor cabeção de acorde da história do metal (trata-se de um elogio), realmente não se cansa disso. Ainda assim, para aliviar um pouco, Dance of Death (a canção) tem uma interessante levada medieval na melodia, o que não acontece em Gates of Tomorrow, de longe a pior música do CD. Janick Gers, guitarrista e dublê de contorcionista, resolveu fazer uso do autoplágio e requentou The Angel and the Gambler (péssima canção de Virtual XI).

Primeira música do Iron Maiden com a participação do baterista Nicko McBrain na composição, New Frontier só por isso seria interessante, mas também é um dos bons momentos do álbum. Depois, você pode cortar os dois minutos iniciais de Paschendale e o primeiro de Face in the Sand (sim, são quatro faixas começando com a introdução-chata-de-guitarra-dedilhada-e-baixo!) para obter duas canções muito boas, mas o melhor de Dance of Death ficou para o fim.

Riff de guitarra muito legal e um refrão ótimo, um dos mais comerciais escritos pela banda, fazem de Age of Innocense a segunda melhor música do disco, já que a linda balada Journeyman ocupa o primeiro lugar com louvor. Bom gosto nos arranjos, clima melancólico e um ótimo trabalho de orquestração resultam na única novidade do disco. Apesar dos velhos hábitos (uns ainda bons, outros longe disso), é impossível fugir de três aspectos que, ainda bem, são imutáveis: as letras inteligentes, a classe de Adrian Smith e a garganta de Bruce Dickinson, que não apenas continua cantando muito, mas dá às músicas interpretações recheadas de sentimento.

Resenha publicada na edição 98 do International Magazine, em novembro de 2003.

Living Colour

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Dezembro de 2000. No palco do lendário CBGB, em Nova York, o show era do HeadFake, grupo do baterista Will Calhoun e do baixista Doug Wimbish, mas a frase “featuring surprise guests” estampada no cartaz era o prenúncio de que algo especial iria acontecer. E foi mais do que isso: a noite reservou uma das melhores notícias – senão a melhor – do mundo da música nos últimos anos: ao lado de Calhoun e Wimbish estavam o vocalista Corey Glover e o guitarrista Vernon Reid. Depois de sete anos sem que os quatro tocassem juntos ao vivo, seis depois do anúncio da separação, o Living Colour estava de volta. A apresentação foi o ponto de partida para o retorno da melhor banda de rock surgida nas últimas duas décadas. Daí em diante a agenda foi tomada por turnês, mas o primeiro registro em estúdio da reunião foi a participação de todo o grupo no último trabalho do brasileiro Lenine, Falange Canibal, de 2002. Apenas um aperitivo para os fãs, claro, já que no início de outubro chega às lojas o tão aguardado novo disco, Collideøscope. Para falar de tudo isso e mais um pouco, no dia 12 de setembro batemos um divertido papo telefônico com Corey Glover, que ratificou tudo aquilo que falam dele: é um tremendo boa-praça!

A volta do Living Colour aconteceu há quase três anos. Por que tanto tempo para lançar o novo disco?
Nós esperamos sete anos para voltar, por isso não estávamos com tanta pressa (risos). Bom, nós queríamos ter certeza de que o disco ficaria bom, de que estávamos preparados para gravá-lo. Não era suficiente apenas sentar e começar a fazê-lo, por isso levou todo esse tempo.

Obviamente, as turnês realizadas durante o período ajudaram a ter essa certeza, não?
Sim, porque fazer apenas por fazer não teria sentido algum. Era necessário saber o que as pessoas pensavam e como seria trabalharmos todos juntos novamente. Trabalhar não musicalmente, mas pessoalmente, descobrir como seria nossa relação agora.

Em Collideøscope vocês gravaram Back in Black, do AC/DC, e Tomorrow Never Knows, dos Beatles. Por quê?
Back in Black pode soar um tanto quanto óbvio, não? (risos) Na verdade, sempre quisemos gravá-la, e o momento era certo. Precisávamos apenas ver se ficaria legal, mas ficou ainda melhor do que esperávamos! Tomorrow Never Knows deveria ter feito parte de um tributo aos Beatles, mas o projeto foi cancelado. Decidimos colocá-la no disco porque gostamos muito dela.


E como foi juntar todas as experiências acumuladas nos sete anos de separação, já que o Living Colour sempre foi uma banda sem limites criativos?
Um dos principais motivos por que assinamos com a Sanctuary Records foi não precisar fazer um “disco da volta”. Era algo que não queríamos, e Collideøscope definitivamente está longe disso. Podemos falar que é uma continuação do Stain (N.R.: último álbum de estúdio, lançado em 1993), uma evolução do que fizemos nele. Trabalhamos muito duro para fazer com que soasse ao mesmo tempo contemporâneo e Living Colour, mas o mais importante é que temos algo a dizer a respeito do mundo atual.

E as expectativas para o novo disco, já que o cenário musical mudou bastante nos últimos anos?
Uma das razões para termos voltado foi a certeza de que podemos fazer alguma diferença. Quer dizer, há muita música boa por aí, mas mesmo assim estamos muito bem no meio de tudo isso.

Depois da turnê do Stain, você gravaram uma versão de Sunshine of Your Love, do Cream (N.R.: para a trilha sonora do filme “True Lies”, com Arnold Schwarzenegger)…
… Sim! Mas depois disso ainda lançamos as quatro músicas inéditas (N.R.: Release the Pressure, Sacred Ground, Visions e These Are Happy Times, gravadas em outubro de 1994) do Pride (N.R.: coletânea lançada no ano seguinte).

Exatamente, e também por isso o anúncio do fim do Living Colour foi surpreendente. Na verdade, à época não se sabia até mesmo se a banda havia acabado definitivamente.
Honestamente, nós precisávamos de um tempo… Um tempo de sete anos (risos). Nós chegamos a um ponto em que estávamos realmente cansados de tudo aquilo. A comunicação na banda estava difícil. Não musicalmente, mas pessoalmente. Muitas coisas estavam acontecendo em nossas vidas, e não nos falávamos como antes. No fim já havia um problema de comunicação, não sabíamos como fazer as coisas funcionarem. Em uma banda sempre é preciso ir a diferentes lugares, por isso é preciso falar a mesma língua. Quando voltamos, fizemos um esforço e aprendemos novamente a nos relacionar, como falar um com o outro.

E de quem foi a ideia da volta, do show no CBGB?
Foi do Will, na verdade, mas já vínhamos conversando sobre a possibilidade de voltar com a banda. Falamos o que poderíamos fazer para que as coisas dessem certo, mas não era hora, e também não estávamos preparados. Quando Will deu a ideia do lance com o HeadFake, pensamos que era o momento certo, tipo “vamos ver o que pode acontecer, vamos tocar no CBGB, onde já estivemos várias vezes”. Foi muito bom todos estarem juntos novamente. Depois de cada um ter realizado vários projetos individuais, percebemos que a música nunca foi o nosso problema. Nós nos sentimos muito bem, mas aí fomos ver se as pessoas ainda se importavam com o Living Colour, se ainda queriam nos ver e ouvir, se tínhamos algo importante para dizer. E a repercussão foi ótima, mas não apenas isso, porque aproveitamos a chance para nos relacionar melhor e entender o que precisamos um do outro.

Vocês tocaram em vários lugares depois disso, foram à Argentina mas não vieram ao Brasil. Muito se falou de uma turnê por aqui em 2001, mas por que não aconteceu?
Nós tínhamos um acordo para uma turnê brasileira, mas houve uma série de problemas, de dificuldade na nossa agenda à dificuldade dos promotores para acharem um local adequado para os shows. Acabou que tudo deu errado, e infelizmente não fomos ao Brasil, mas definitivamente isso não irá acontecer novamente. Iremos tocar aí novamente, provavelmente no início do próximo ano.


Isso é ótimo! O Living Colour esteve no Brasil em duas oportunidades, sendo que em situações bem peculiares. O Hollywood Rock, em 1992, foi a estreia do Doug Wimbish…
(N.R.: interrompendo, empolgado) Isso! Foram os primeiros shows do Doug na banda! Encerramos a turnê (N.R.: do álbum Time’s Up, de 1990), e o Muzzy (N.R.: o ex-baixista Muzz Skillings) saiu da banda, mas nos reunimos e ensaiamos com Doug para fazer o festival. Foi um dos nossos maiores shows como headliners, e nos divertimos bastante. Abrimos para o Rolling Stones em 1989, mas nunca havíamos tocado num estádio (N.R.: Morumbi em São Paulo, Praça da Apoteose no Rio de Janeiro) como atração principal. O Hollywood Rock foi ótimo, com Seal, Extreme… Havia milhares de pessoas, e foi incrível ver todas elas indo a um estádio para assistir ao nosso show! Eu não sabia que gostavam tanto de nós (risos). No dia seguinte, pegamos os jornais e ficamos impressionados com as resenhas, com o entusiasmo das pessoas depois da nossa apresentação. Foi interessantes saber que o nosso show foi eleito o melhor do festival (risos)

No ano seguinte, a banda fez apenas um show no país (N.R.: no dia 23 de novembro, no Palace, em São Paulo). Foi o último antes da separação, não?
Sim, foi nossa última apresentação. Nossa! Você se lembra disso? (risos)

Eu estava lá. Lembro-me que foi uma passagem com boa cobertura da MTV, programas inusitados, como a visita ao Instituto Butantã e você maravilhado com refrigerante de guaraná…
(N.R.: interrompendo, muito empolgado) Eu adoro guaraná! Eu adoro guaraná! (risos) Você não tem ideia! Eu adoro guaraná e não consigo achar esse refrigerante em lugar nenhum (risos). Eu tive de voltar para os Estados Unidos levando várias caixas comigo! (risos)

Você falou que foi necessário ver se as pessoas ainda se interessariam pelo Living Colour. Fora isso, a banda sempre gozou de grande prestígio junto à imprensa. Como tem sido a recepção nesse sentido?
Parece que as pessoas realmente adoram o Living Colour! Fizemos várias entrevistas nas últimas semanas, incluindo a imprensa brasileira, e todos têm elogiado bastante o novo álbum. Um dos comentários feitos até agora realmente me deixou muito feliz, pois o jornalista comparou Collideøscope ao Sandinista! (1980), no sentido de ser um disco clássico. Eu adorei essa comparação, pois o The Clash é uma das minhas bandas favoritas. Em todos esses anos foi raro ler algo ruim a nosso respeito, por isso me assusta a possibilidade de deixarem de gostar da banda (risos).

Durante o hiato do Living Colour, você gravou algumas músicas para tributos ao Deep Purple e Jimi Hendrix, apresentou um programa no VH1 (N.R.: canal musical de TV a cabo)…
(N.R.: interrompendo, rindo) Você também se lembra disso? (risos) Sim, fui VJ da VH1 durante cinco meses.


Mas em sete anos você gravou apenas um disco solo (N.R.: Hymns, de 1998). Por quê?
E eu adoraria ter tocado na América do Sul para promovê-lo, pois acho que é um ótimo álbum. O problema é que as vendas não foram boas nos Estados Unidos, por uma série de razões. A gravadora (N.R.: LaFace Records) rescindiu o contrato comigo quando eu estava no meio das gravações do segundo disco. Depois, quando já estava acertando com um novo selo, aconteceu a volta do Living Colour.

E você pretende lançar esse álbum? Mesmo que o Living Colour vá tomar bastante tempo com o novo trabalho, de repente daqui a três ou quatro anos?
Pode apostar que sim, e não vai demorar tanto! Minha intenção é finalizar o próximo disco solo e, se tudo der certo, lançá-lo no fim de 2004. Assim, poderei ir ao Brasil outra vez, tocar com a minha banda e beber mais guaraná! (risos)

Uma das coisas mais legais no Living Colour é que vocês sempre tocam uma mesma música de maneiras diferentes. A cada show há improvisos, e sua interpretação é diferente. Dá para colecionar bootlegs e ter várias versões de uma mesma canção (risos). Como funcionam para você essas improvisações instrumentais?
Sim, o legal é que somos realmente músicos. Eu mesmo me vejo como um instrumento na banda. Ao mesmo tempo, nós nos completamos musicalmente e em energia. Se alguém vai por um caminho, os outros vão atrás. Se um de nós faz algo interessante, o restante tem capacidade de acompanhar. A maneira como vejo a música muda dia a dia, e o modo como escuto música também.

Você falou em energia, e ela não falta ao Living Colour. No Hollywood Rock você desceu até o público, em São Paulo se atirou na plateia umas três vezes… Não acha que está cada vez mais difícil encontrar bandas, principalmente as mais novas, que realmente sintam prazer em estar no palco, tocando para os fãs?
Bom, há bandas com bastante energia por aí. Eu adoro P.O.D., Linkin Park e Incubus, por exemplo. São grupos que têm isso de sobra. A questão é se divertir ou não. O mais importante é gostar do que está fazendo, porque sempre há dias ruins, em que os shows acabam não sendo bons. Nós mesmos já subimos no palco e estivemos longe de fazer o melhor show do mundo, mas sempre tentamos fazer o melhor. Hoje em dia, o problema é que muitas músicas são feitas por pessoas que parecem estar furiosas, mas é uma raiva manufaturada. Eu não sei de onde surge tanto ódio, mas talvez seja minha idade. Estou mais velho e não vejo sentido em tanta raiva. Claro que algumas coisas me deixam irritado às vezes, inclusive música, mas não faço disso um produto. Nossa música vem do que somos, das nossas frustrações e do orgulho que sentimos de nós mesmos. Não há raiva apenas pela raiva, mas um pouco de cada uma das emoções que temos.


Você citou P.O.D. e Linkin Park, bandas de um estilo que é adorado e detestado com a mesma intensidade. O que você acha da polêmica envolvendo o new metal?
Há muitos grupos que surgem e desaparecem com a mesma facilidade. Estilos musicais são assim também. Infelizmente, nenhuma banda dura para sempre. Se você souber esperar, a música que você gosta terá sua vez. É preciso aprender a lidar com isso, pois há muita coisa não muito boa por aí que as pessoas aprendem a suportar. O negócio é procurar saber o que está acontecendo e as pessoas se preocuparem com a música que curtem.

Em nenhum momento foi cogitada a participação do Muzz Skillings nessa volta. Na verdade, não se falou muito a respeito da saída dele em 1991. Por quê? Você tem contato com ele?
Sim, encontro com Muzzy de vez em quando. Ele está bem, montou uma banda e quer fazer seu próprio trabalho. Na verdade, a razão da saída foi a tensão interna que levou ao fim da banda em 1995. Muzzy tinha problemas particulares da mesma maneira que todos nós, sendo que também não encontrava tempo para resolvê-los. Entendemos quando ele quis sair, já que o problema não era individual, mas coletivo. Doug entrou numa época em que já não conseguíamos mais nos comunicar muito bem, por isso Muzzy quis pular fora.

A turnê de Collideøscope começa em 20 de setembro, na Europa. Como estão os preparativos?
Ficaremos três semanas e meia na Europa, passando por Inglaterra, Holanda, França, Bélgica, Alemanha… No fim do ano faremos a primeira parte da turnê nos Estados Unidos, indo para a América do Sul em janeiro ou fevereiro de 2004. Voltamos para os EUA e depois começamos tudo de novo na Europa.

Há algum DVD ou CD ao vivo nos planos? Pergunto porque o único disco ao vivo (N.R.: Dread, de 1993) do Living Colour foi lançado apenas no Japão.
Por enquanto, iremos lançar uma edição especial do Collideøscope com som 5.1 surround, incluindo algumas faixas ao vivo. Isso deve acontecer no início do próximo ano. A próxima prensagem do disco terá material enhanced (N.R.: para computadores), com material ao vivo, entrevistas e coisas do tipo.

Como o Living Colour vem ao Brasil daqui a alguns meses, o lançamento de Collideøscope por aqui, em outubro, vai amenizar a expectativa (risos). Obrigado pela entrevista e até breve!
(N.R.: rindo) Sim! Obrigado a você, e vamos tomar muito guaraná e nos divertir bastante (risos).


Entrevista publicada na edição 97 do International Magazine, em outubro de 2003.