Por Daniel Dutra | Fotos: Lee Millward/Divulgação
Revisitado e estendido. Um dos guitarristas mais importantes da história do rock desembarca no Brasil no início de março para mostrar muito mais do que as raízes de sua carreira musical. Steve Hackett chega com a missão de saciar a sede dos fãs da – para a esmagadora maioria deles, acredite – melhor fase do Genesis, um dos ícones do rock progressivo. Com shows no Rio de Janeiro (dia 8, no Citibank Hall) e em São Paulo (10, também no Citibank Hall), o músico apresentará a Genesis Extended Tour, uma continuação de Genesis Revisited Tour, o giro ao redor do mundo respaldado pelos discos Genesis Revisited II (2012) e Genesis Revisited II: Selection (2013) – e que gerou também o ao vivo Genesis Revisited: Live at the Royal Albert Hall (2014) em DVD, Blu-ray e CD duplo.
“Devido ao sucesso dos shows, estamos estendendo tanto as datas quanto o conceito da turnê. Vamos apresentar um repertório inteiro de Genesis, com as músicas favoritas, como The Musical Box, Dancing With the Moonlit Knight e Supper’s Ready, e somá-las a outros clássicos que são sempre pedidos e a plateia merece escutar… Estou muito animado”, explicou Hackett, que em seguida levará o espetáculo para Argentina e Chile. Uma chance única de viajar no tempo através de muitas das joias contidas em álbuns seminais como Nursery Cryme (1971), Foxtrot (1972), Selling England By the Pound (1973), The Lamb Lies Down on Broadway (1974) e A Trick of the Tail (1976), do período em que integrou a banda inglesa (de 1970 a 1977).
E o melhor: com a guitarra original que deu brilho ao clássico material – Nad Sylvan (vocal), Lee Pomeroy (baixo), Roger King (teclados), Rob Townsend (sax, flauta e percussão) e Gary O’Toole (bateria, percussão e vocais) completam o grupo que ajuda a dar vida às canções. Em bate-papo com a ROADIE CREW por telefone, diretamente de Londres, Hackett falou da expectativa por sua volta ao Brasil, mostrou empolgação com o novo álbum de inéditas (Wolflight) que está para chegar às lojas e, com a singular e agradável cortesia britânica, também fez um resumo de sua rica carreira, incluindo a ligação com nosso país. Você sabia que ele gravou a faixa-título do disco Voo de Coração (1984) do inglês radicado no Brasil Ritchie? Sim, aquele do hit Menina Veneno. Ou que colaborou com Sergio Herval, baterista e vocalista do Roupa Nova? Sim, isso e muito mais.
Daqui a poucas semanas você chega ao Brasil para realizar o sonho de muitos fãs do Genesis, então a pergunta é inevitável. Qual a sua expectativa?
Estou realmente ansioso para tocar no Brasil novamente, pois faz muito tempo que estive aí pela última vez. Já são dez anos (N.R.: um pouco mais do que isso, pois o guitarrista se apresentou em São Paulo no dia 10 de julho de 2001), e o mais legal é que desta vez, além de São Paulo, irei tocar na sua cidade. Faz muito tempo que não vou aí, você sabe (N.R.: com o Genesis em 1977), mas sempre tive grandes momentos no Rio de Janeiro. Os brasileiros são bem conhecidos no mundo por sua paixão pela música, e espero que a plateia também se sinta assim agora, que seja tão entusiasmada como daquela última vez, quando mostrou sua paixão pela música do Genesis.
Você está com um novo disco prestes a ser lançado, mas estendeu a turnê em que passa a limpo a sua era no Genesis. Teremos alguma mudança em relação à primeira parte? O que os fãs podem esperar?
Desta vez levarei ao Brasil realmente apenas o espetáculo Genesis Revisited, e todos poderão ouvir versões autênticas dos clássicos. Algumas músicas têm solos mais extensos, ganharam algumas peculiaridades, porque são outros músicos ao meu lado. Mas se os fãs assistiram ao DVD gravado no Royal Albert Hall, então eles podem ter uma boa noção do que irão presenciar. Será muito similar, contando a história daquela época do Genesis, com os clássicos tocados da maneira como eles gostam de ouvir. E hoje tão bem tocados como no passado.
Você passou os últimos nos regravando antigas pérolas do Genesis e levando o material para o palco, tanto para antigos admiradores como também para uma nova geração de fãs. Isso o influenciou na hora de compor o novo material?
Com certeza! E muito mais do que isso. Peter Gabriel, Tony Banks, Mike Rutherford e eu influenciamos uns aos outros quando começamos a tocar juntos, porque tínhamos uma abordagem musical muito ampla. Todos gostavam de diferentes tipos de música, o que ajudou a formar o estilo único do Genesis, o trabalho que fizemos juntos. Esse estilo foi a junção de vários outros, e acabamos criando algo atemporal. Então, sim, isso me influenciou novamente. Eu queria me envolver novamente com uma banda heterogênea, que fosse da música clássica ao blues, que não tivesse limites. Meu objetivo era não ter nenhuma regra, mas sim a paixão pela música. Conceitualmente, o Wolflight é até world music. Curiosamente, apesar de buscarmos influências nas raízes da música, fazendo algo bem arqueológico, há muita tecnologia envolvida. É uma máquina do tempo, indo ao passado e voltando ao presente.
Esse amplo horizonte musical nunca foi uma novidade em sua carreira, vide as incursões em trilhas sonoras, discos orquestrados de música clássica, de blues…
Os melhores músicos não têm problema algum com isso, não têm problema algum em se aprofundar em diversos estilos. Eles são capazes de assimilar muito bem e transformar tudo em algo próprio. Não há prejuízo nisso. Minhas influências incluem black music, folk, músicas oriental e psicodélica, por exemplo, e qualquer um deveria encarar esse comportamento como um complemento. E tirar o melhor disso.
Então, é isso que encontraremos em Wolflight? Uma mistura de elementos musicais que culminam no estilo Steve Hackett?
Basicamente, sim. Mas também quis fazer algo diferente depois de passar um tempo apenas tocando músicas do Genesis. Foi por isso, aliás, que resolvi gravar um novo disco solo (N.R.: o anterior, Beyond the Shrouded Horizon, foi lançado em 2011). Claro que há elementos similares ao Genesis, mas é diferente. É uma combinação, uma mistura de várias coisas: rock, orquestrações, folk, ópera… De certo modo, há algumas coisas de Beatles, bem do início da banda, quando eles eram mais simples e crus. Imagine tudo isso com uma abordagem rock’n’roll. É um trabalho que quis fazer durante toda a minha vida, com músicos de várias partes do mundo, do Azerbaijão a Inglaterra, Hungria e Armênia. É um álbum bem diverso, mas que acredito ser bem atual. Levei anos para fazê-lo, mas trata-se de algo que representa bem a música mundial.
E entre esses músicos há também nomes ilustres, como Chris Squire, baixista do Yes (N.R.: os dois já haviam feito juntos em 2012 o CD A Life Within a Day, do projeto Squackett).
Eu tenho um longo histórico de convidar as pessoas para participar de meus discos. Mesmo quando estava gravando os Genesis Revisited chamei músicos para colaborar, pessoas de diversos estilos. Rock, pop, música clássica, jazz… Então quando todos se juntam o trabalho torna-se um híbrido interessante. Wolflight tem esse aspecto, o que torna fácil levá-lo a qualquer canto do mundo. Claro, à parte do meu compromisso com a música do Genesis, que é bem popular em todos os lugares, torna-se uma porta de entrada para o meu trabalho solo. Acredite, não tenho tido muitos dias livres (risos).
Você entrou no Genesis quando tinha 20 anos. Hoje, quase 45 anos depois, com todas as mudanças na indústria e no mundo, o que ainda o inspira a compor, gravar e sair em turnê?
Boa pergunta. Minha inspiração é a paixão que tenho pela música. Amo música, simplesmente. Quando ouço algo legal de algum guitarrista, isso logo me inspira a pegar o instrumento e começar a tocar. Quando ouço algo que gosto, fico inspirado a compor, a criar. Sou envolvido com a música de todas as maneiras, inclusive do campo tecnológico, de equipamentos. Gosto de ir a workshops. Estive recentemente num em Paris porque a Marshall estava com um novo amplificador, e eu queria ver de perto. Ainda sou muito ligado a esse tipo de coisa. E também sou muito inspirado pela minha esposa, Jo Hackett, que sempre viaja comigo. Ela também é apaixonada por música, é uma historiadora e compõe comigo para os meus discos. Temos uma parceria em tudo. Além disso, é sempre um prazer conhecer pessoas novas, por isso gosto de sair em turnê.
E você também influenciou um grande número de guitarristas ao longo desse tempo…
Realmente, e isso me deixa muito orgulhoso. Também tive o prazer de tocar com alguns deles, mas gostaria de tocar com todos. Quando for a hora certa, isso vai acontecer. E estarei pronto.
Trata-se de um ciclo, pois você também teve suas influências no início de carreira antes de se tornar uma referência, certo?
Bem no começo, ouvia muito o trabalho de Brian Jones e Keith Richards no Rolling Stones.Também gostava bastante de Eric Clapton, Jeff Beck, Andrés Segovia e, obviamente, Jimi Hendrix. Há um brasileiro que admirava demais, o Raphael Rabello, que infelizmente não está mais entre nós (N.R.: falecido em 1995, com apenas 32 anos). Ele era um violonista fantástico, tinha um incrível senso melódico. Ainda hoje existem guitarristas fabulosos ao redor do mundo, e tem um gosto bastante: Joe Bonamassa. Ele é ótimo.
Obrigado pela entrevista, Steve. E aproveitando que falamos um pouco de sua carreira, parabéns adiantado pelo aniversário em alguns dias (N.R.: Hackett fez 65 anos em 12 de fevereiro, e o papo rolou no dia 3).
Oh, obrigado! Espero ver todos vocês nos shows no Brasil, para celebrarmos a música do Genesis.
Entrevista feita por telefone no dia 3 de fevereiro de 2015, visando à divulgação da turnê que Steve Hackett faria no mês seguinte no Brasil. Vinte minutos disponíveis, 20 minutos utilizados. E tinha caixa para mais. Foi a terceira entrevista feita para a Roadie Crew, publicada diretamente no site da revista. A reedição aqui coincide com o retorno do guitarrista ao Brasil em março deste ano para a Genesis Revisited, Solo Gems & GTR 2018 Tour de Force, que passará por quatro cidades: Porto Alegre (20), São Paulo (22), Rio de Janeiro (23) e Belo Horizonte (25).
Clique aqui para acessar a entrevista original no site da Roadie Crew.