Pearl Jam

Por Daniel Dutra | Fotos: Alessandra Tolc

Não foi a primeira e certamente não será a última vez do Pearl Jam no Brasil – e no Rio de Janeiro, para ser mais preciso –, mas era a segunda vez no Maracanã, praticamente o quintal de casa, então foi inevitável atender ao chamado. E a decisão de finalmente conferir a banda ao vivo nada tem a ver com qualquer aversão ao grunge, uma vez que o movimento serviu tanto para o bem, caso de grupos como Alice in Chains e Soundgarden, como para o mal – a rigor, seu principal representante, aquele aborto musical malsucedido chamado Nirvana.

No caso deste escriba, a verdade é uma só: a paciência foi gradativamente acabando depois do álbum de estreia, o excelente Ten (1991). De fato, ela durou pouco. Foi até Vitalogy (1994), mas como quem sabe faz ao vivo… Mas antes teve o Royal Blood e a curiosidade de ver o que Mike Kerr (vocal, baixo e teclados) e Ben Thatcher (bateria) aprontariam agora que têm dois álbuns na discografia – Royal Blood (2014) e How Did We Get So Dark? (2017). Resumindo, o que a experiência havia acrescentado ao trabalho dos ingleses depois da apresentação no Palco Mundo do Rock in Rio em 2015.

O resultado prático continua o mesmo. A dupla passa de ano graças àquela média entra as boas intenções em estúdio e a óbvia e esperada ausência de dinâmica no palco. Kerr troca de baixo música sim, música também, o que deixa um vácuo que se torna ainda mais incômodo num estádio. Em um momento o instrumento é de quatro cordas, em outro tem cinco, e algumas vezes as duas primeiras cordas têm espessura menor porque é preciso um timbre para a execução de um, digamos, solo.

“É uma honra voltar a um de nossos lugares favoritos no mundo”, disse ele enquanto era preparado o teclado para Hole in Your Heart, como se os intervalos entre as canções já não fossem grandes o suficiente. Leve em consideração que até mesmo Thatcher foi à frente do palco, antes de Figure it Out, para puxar palmas da plateia. Ele ainda repetiu o feito em Out of the Black, na qual é o destaque com uma levada bem criativa, indo até o pit para fazer média com quem já esperava ansiosamente pelos anfitriões da noite. E que chegou a ser distraído com o funcional joguinho de dividir a plateia em direita e esquerda.

Talvez os 55 minutos de show tivessem funcionado melhor num local menor e fechado. No entanto, apesar da ausência de um terceiro instrumento – desculpa aí, mas rock tem que ter guitarra – e de um frontman de carteirinha, as boas ideias estão lá. Come on Over conta com um refrão muito legal, I Only Lie When I Love You possui um agradável quê de Beatles, Little Monster e Hook, Line & Sinker apresentam ótimos e pesados riffs de baixo, e Loose Change tem um groove que remete ao soul e funk de gente grande.

Royal BloodRoyal BloodRoyal BloodRoyal BloodRoyal Blood

Só que tudo isso se mostrou descartável quando, com meia de hora atraso, os primeiros acordes de Release marcaram o início da apresentação do Pearl Jam. É o risco que qualquer banda corre ao abrir o show de um grande nome, mas Eddie Vedder (vocal), Mike McCready e Stone Gossard (guitarras), Jeff Ament (baixo) e Matt Cameron (bateria) apelaram – o tecladista Boom Gaspar, que acompanha o quinteto de Seattle ao vivo desde 2002, foi uma figura meramente decorativa. Com um palco belíssimo – com destaque para as 11 bolas móveis (cinco de cada lado e uma, a maior, no centro) – e uma iluminação azul, vermelho e verde em tons mais escuros, o grupo começou como se estivesse tocando num pub.

A bela Release foi apenas o início de uma trilogia completamente intimista, completada por Low Light e Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town. Foi um momento de estado transe coletivo que não chegou ao fim com Go: foi amplificado por uma versão arrasadora da faixa que abre Vs. (1993), teve um momento de baixa com All Night e voltou com toda força em Animal, não à toa, mas uma amostra do segundo disco do grupo. Os fãs foram à loucura, e os telões que já haviam captado a imagem de Chris Cornell nas costas da camisa de Cameron – ex-companheiro do saudoso vocalista no Soundgarden – pareciam ter sido programados. Até mesmo com tomadas aéreas o foco no público era sempre nos momentos certos, de mãos para o alto, cantoria e pula-pula.

“Uma garrafa grande para um grande show”, disse Vedder ao mostrar uma das garrafas de vinho que tomou durante o show, antes de iniciar Given to Fly. E o vocalista fez questão de se comunicar em português na maior parte do tempo, uma simpática iniciativa ajudada por algumas folhas de papel com a necessária cola. Desnecessário dizer que Jeremy provocou comoção, ou que Corduroy foi bem recebida, mas foi em Even Flow que o bicho pegou. Cortesia de McCready, é bom dizer.

Com um longo solo – enfadonho para alguns, como o rapazinho que não parava de gritar pedindo por Leash –, o guitarrista mostrou de onde vem a sua inspiração. Rolaram menção a Third Stone from the Sun, de Jimi Hendrix, e improvisos que entregam o desejo de McCready de ser Jimmy Page (pergunte se ele usou aquela Gibson SG de dois braços…), Ace Frehley e, principalmente, Michael Schenker, seu grande herói (nota importante e necessária: o cara tem uma banda-tributo ao UFO, a Flight to Mars).

E depois de bons momentos (Mind Your Manners e sua veia punk rock e a beleza de Garden) e outros longe disso (Wishlist, dedicada ao Red Hot Chili Peppers, e Lightning Bolt), Vedder e cia. resolveram mostrar ao vivo a primeira música inédita em cinco anos. Can’t Deny Me foi precedida de um breve discurso político – “Quando se tem um líder ruim, o povo deve liderar”, bradou o vocalista, que por alguns instantes usou uma máscara do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump – e teve a figuração do baterista do RHCP, Chad Smith, tocando um cowbell amarrado numa cadeira. Valeu pela experiência, porque animador mesmo foi o fim da primeira parte do show, com a energética Porch.

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Em um bis para bater o recorde do KISS, que em sua turnê Alive 35 mandava ver seis músicas sem sair de cima, o Pearl Jam voltou ao palco para reiniciar os serviços de forma acústica, com Sleeping By Myself – do segundo disco solo de Vedder, Ukelele Songs (2011) – e Inside Job. Mas foi a trinca seguinte que voltou a levantar os ânimos, e pouca importa se apenas Do the Evolution tirou do chão os pés de quem estava na pista. Daughter e Black têm aquela beleza que emociona. Simples assim.

“Esta música é para as mulheres fortes de nossas vidas. Mães, irmãs, namoradas, esposas… Fracos são os homens que não apoiam as mulheres, então ela é também para os homens que são fortes o bastante para ajudar na luta pela igualdade”, discursou Vedder antes de Leaving Here, canção imortalizada pelo The Who. Palavras sinceras de alguém que estava radiando felicidade – o início do bis, aliás, foi marcado por um agradecimento do vocalista ao bem comportado público, já que “há muito tempo não fazíamos um show sem precisar pedir a vocês que deem um passo para trás porque pessoas estavam sendo imprensadas aqui na frente.”

Depois de mais um alto (Blood) e outro baixo (Better Man), o Pearl Jam fez aquele que poderia ter sido um encerramento apoteótico. Precedido pelo riff de Burn, do Deep Purple, puxado por McCready (viu só?), Alive foi um momento de catarse. Na pista, nas arquibancadas, nos camarotes e também no palco, e nem mesmo as luzes do Maracanã todas acesas (sinal de que o tempo havia estourado) tiraram o brilho. E o auge não foi quando McCready entregou seu instrumento nas mãos de Josh Klinghoffer, que saiu solando como se não houvesse amanhã. O guitarrista do RCHP continuou no palco, e o Pearl Jam ganhou novamente a companhia de Smith para uma versão arrasadora de Rockin’ in the Free World – Smith, diga-se, assumiu o comando das baquetas na metade final e acrescentou um toque ainda mais visceral ao clássico de Neil Young.

Completamente alucinado, Vedder pulava e dançava como se disso dependesse sua própria vida – depois dos vários goles de vinho que tomou ao longo da noite, compreensível. Sim, ele já não estava necessariamente sóbrio, mas ainda assim não aceitou o pedido de casamento de uma fã que levou até as alianças e saiu apenas com uma foto e um aperto de mão. Ah, sim: o show de duas horas e 45 minutos terminou mesmo com Yellow Ledbetter, completamente dispensável àquele momento, mesmo para quem já havia assistido a um show do Pearl Jam. Para um estreante como este que vos escreve, um set de 29 músicas com 12 extraídas dos dois primeiros álbuns – sete de Ten, cinco de Vs. – apenas ratificou a decisão de abandonar os discos da banda, há 24 anos.

Set list Pearl Jam
1. Release
2. Low Light
3. Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town
4. Go
5. All Night
6. Animal
7. Given to Fly
8. In Hiding
9. Jeremy
10. Corduroy
11. Even Flow
12. Immortality
13. Wishlist
14. Mind Your Manners
15. Lightning Bolt
16. Garden
17. Can’t Deny Me
18. Porch
Bis
19. Sleeping By Myself
20. Inside Job
21. Daughter
22. Do the Evolution
23. Black
24. Leaving Here
25. Blood
26. Better Man
27. Alive
28. Rockin’ in the Free World
29. Yellow Ledbetter

Set list Royal Blood
1. Where Are You Now?
2. Lights Out
3. Come on Over
4. I Only Lie When I Love You
5. Little Monster
6. Hook, Line & Sinker
7. Hole in Your Heart
8. Loose Change
9. Figure it Out
10. Out of the Black

Clique aqui para acessar a resenha no site da Roadie Crew.

Angra

Por Daniel Dutra | Fotos: Henrique Grandi/Divulgação

A entrevista de capa da ed. #229 da Roadie Crew leva o amigo leitor ao mundo de ØMNI, o novo disco do Angra, através do papo com Rafael Bittencourt e Felipe Andreoli. Mas a conversa com os dois músicos foi longa e frutífera, então as seis páginas da revista precisavam de uma continuação para que o conceito do álbum pudesse ser absorvido da melhor forma possível. Aqui você encontra todo o restante do bate-papo sobre o nono trabalho de estúdio da banda – completada por Fabio Lione (vocal), Marcelo Barbosa (guitarras) e Bruno Valverde (bateria) – e outros assuntos igualmente interessantes. Portanto, o segredo é simples: devore as páginas da revista, depois mergulhe no site. De preferência ouvindo as 11 músicas de ØMNI em ‘loooping’. Mãos à obra e boa leitura.

ØMNI é um disco conceitual que mistura realidade e ficção de maneira mais complexa do que se imagina. Então podemos começar explicando a história.
Felipe Andreoli: É um conceito idealizado pelo Rafael, baseado em várias pesquisas que tem feito. Ele criou o conceito unindo todos os elementos, como geometria sagrada, ficção científica e viagem no tempo, e unindo também os elementos às histórias de outros discos do Angra, mais precisamente Holy Land, Rebirth e Temple of Shadows, para juntar todos eles numa só história. O Rafael pega várias doutrinas, bate no liquidificador da cabeça dele e encontra uma coerência entre todas elas. Isso pode não refletir a religião de cada um dentro da banda, porque temos crenças diferentes, mas no fim faz muito sentido. É uma mistura de religião, filosofia e ciência que criou uma história muito legal, e uma que não acho impossível vivermos ainda neste século. Como nos comunicarmos com pessoas de outras dimensões ou de outras épocas. São situações intocáveis para nós agora, mas que estão sendo estudadas no campo da ciência, astrofísica, astronomia e física quântica. Ele escreveu todas as letras, que contam diferentes partes dessa história, então é o cara ideal para falar como o conceito se desenvolveu.

E como foi o desenvolvimento da ideia que culminou no conceito do ØMNI?
Rafael Bittencourt: Eu li muita coisa sobre hinduísmo e meditação, por exemplo. À época, lembro-me que a banda estava divulgando o Aqua e depois teve problemas de formação, então eu anotava várias coisas num caderno, mas era algo muito pessoal. Quando fizemos o Secret Garden, optei por outro tipo de história, mais realista e pontual, sem caráter épico. Quando começamos a trabalhar no ØMNI e as músicas estavam tomando forma, peguei meus cadernos porque em todas as épocas criativas eu resgato as ideias que tenho guardadas, minhas linhas de raciocínio. A todo instante estou fazendo desenhos e anotações, até em bloquinhos de hotel, e guardo tudo, afinal, não sei o que pode valer a pena mais para frente. (N.R.: Rafael mostra várias folhas com imagens e frases, incluindo alguns numa folha do Radisson Hotels & Resorts) Este aqui tem uma reflexão sobre como fazer um cruzamento de ideias, então desenhei esse esquadro, escrevi quatro ideias e fui criando um sistema geométrico para que as ideias se cruzassem de maneira mais ou menos equilibrada. Este outro tem um quadrante como se fosse Yin e Yang, e separei dentro dele tudo o que não se vê e não se pode tocar; tudo o que se vê e o que se pode tocar; e tudo o que não se vê, mas se pode tocar. Aí você pensa na emoção, que é abstrata e se aproxima da realidade, e por aí vai. Esses papéis e cadernos são a minha linha condutora quando reflito sobre algo, se quero falar de amor ou se vejo na TV alguém que atropelou uma mulher e fugiu, porque imagino dentro desse quadrante o que eu falaria para essa pessoa. Quando faço isso, todos os assuntos dentro do quadrante se conectam porque dou uma linha condutora a eles. A conexão existe na hora de bolar um título, e o nome vira uma síntese. Não usei esses exemplos no ØMNI, que é um sistema que vinha criando faz bastante tempo, mas tem a ver com a metodologia de trabalho que elaboro na minha mente e vou usando para ter assuntos. Tenho algo chamado diálogos internos, porque converso muito comigo mesmo, mas imaginando que estou falando com outra pessoa. Por exemplo, estou com raiva e fico horas conversando com essa pessoa, mas chega um momento em que ela mostra que eu não estou tão certo como imaginava. O diálogo fica tão real que começo a tentar encontrar um ponto de equilíbrio, e o Sistema ØMNI é isso: tentar sair de você mesmo, ficar fora do seu lobo frontal, do seu sistema de crenças e da sua identidade, para enxergar o que está orbitando ao seu redor. E quando encontro outro ponto de vista dentro de determinada situação, um ponto de vista que não é meu, a resolução é incontestável. A resposta é imparcial.

Dentro de tudo isso, a maneira como foram incluídos Shadow Hunter e Carolina IV acabou mesmo fazendo sentido.
Rafael: Sim, porque o Shadow Hunter, como viajante do tempo, participou da descoberta da Arca de Salomão, um objeto cheio de segredos e mistérios. É a Arca da Aliança que Hitler e Napoleão tentaram encontrar. Até Indiana Jones foi atrás dela (risos) (N.R.: assista ao primeiro filme da saga, “Indiana Jones e Os Caçadores da Arca Perdida”, de 1981). Com ela, os Templários adquiriram o conhecimento para desenvolver a nova arquitetura, a mesma das igrejas góticas, um novo sistema socioeconômico, com a criação dos bancos, e outras coisas que, de certa forma, tiraram a Europa da idade das trevas e, 400 anos depois, culminaram na Renascença. Ou seja, por que não usar o Shadow Hunter como personagem em ØMNI? Com Carolina IV existe um paralelo na história com a nova e iminente civilização, porque a consciência superior nos coloca no papel dos índios quando os europeus foram conquistar as Américas. A civilização ocidental como é hoje vai se enxergar como os índios no exato momento em que isso acontecer. Tem o ímpeto da descoberta. É um paralelo com a própria banda, porque ØMNI representa o que ela é hoje: abriu caminho, tem uma história de heroísmo e é precursora em várias coisas. O Angra ainda não é um grande herói porque continua navegando, e nós não temos como saber qual é o fim dessa história, mas é uma das caravelas que desbravou o mar para chegar à Europa, aos Estados Unidos e ao resto do mundo. Estamos levando de volta para os nossos colonizadores a grande mistura cultural e racial que somos hoje.


E que bibliografia você indica para quem deseja se aprofundar no conceito do disco?
Rafael: As pessoas podem achar que sou maluco ou arrogante, mas a verdade é que sou aficionado por encontrar ideias que conectem quatro formas do conhecimento humano: filosofia, ciência, arte e teologia, a fé em várias religiões. Seria uma dica suficiente para começar a pesquisar, mas na ciência um cara que fala muito bem para nós, leigos, e eu sou um leigo, é o Carl Sagan (N.R.: respeitado cientista falecido em 1996, responsável pela série “Cosmos: Uma Viagem Pessoal”, de 1980, e autor de mais de 20 livros, incluindo “Contato”, de 1985 e que originou o filme de mesmo nome em 1997). Na religião há várias coisas que podem ser lidas, como as obras dos grandes mestres da humanidade, e posso citar Paramahansa Yogananda (N.R.: guru indiano) e Deepak Chopra (N.R.: médico e escritor indiano), que misturam filosofia e religião. Estudei estética e um pouco de história da arquitetura, então vale ir atrás do impacto da arte na sociedade, de como ela se revela nos movimentos gótico, renascentista e barroco, por exemplo. Eu não leio coisas que são difíceis, como trabalhos de historiadores que seguem por um caminho complicado, e recentemente tenho lido menos porque o tempo está cada vez mais escasso. Mas tenho assistido a muitas séries, principalmente da Netflix que misturam muito esses assuntos, e pesquiso muito na internet. Isso sempre gera um insight, então busco no Google se já existe algo relacionado ao assunto, começo a discernir o que no meu insight é diferente dos assuntos que já existem. Se eu penso num roteiro, pesquiso e encontro coisas semelhantes, mas não exatamente o que pensei, assisto ao que é diferente, ou leio, e vou encontrando meu próprio caminho. Tenho livros de todos os tipos de assunto, mas posso indicar “Pilares da Terra”, do Ken Follett, que mistura as histórias da arte e da religião, fala da construção das igrejas góticas e lida com momentos de ignorância moral e de sabedoria da humanidade; “A Arte da Guerra” (N.R.: de Sun Tzu), que vez ou outra pego para pesquisar; “Uma Breve História do Tempo”, do Stephen Hawking; e “Breve História de Quase Tudo”, de Bill Bryson, cientista que pega várias teorias e as explica. Ele vai do Big Bang ao homo sapiens, e a minha história no ØMNI vai do homo sapiens à transcendência. Misturei essas coisas e tudo o que vejo pela frente. Às vezes caio em reflexão até ouvindo um funk, aí essa reflexão emenda em outra coisa… O lance é não reprimir os sentidos. ‘Ah, isso é uma merda. Ah, isso é ruim.’ Não. Acredito que o artista é uma antena de captação, recebe as vibrações ao seu redor e tem de convertê-las em alguma coisa.

Sobre a questão da arrogância, creio que não é por aí. O artista não pode deixar de fazer algo porque pode parecer complexo demais, e me refiro ao aspecto lírico. Isso não é subestimar quem ouve, mas podar a criatividade.
Rafael: Concordo completamente. Inclusive, estava conversando ontem sobre isso com uns amigos aqui em casa. Nós mostramos a capa do ØMNI, feita pelo Daniel Martin Diaz, um artista que me comove. Eu chorei quando vi o desenho, que já existia, não foi feito para o CD. Liguei e perguntei se gostaria de fazer a capa do disco, e ele disse que faria uns dois ou três desenhos originais para eu ver. Disse que gostaria daquele, porque é o que melhor representa o conceito, por uma série de razões. Poderia passar umas duas horas falando sobre essa ilustração, porque ela mexe com meus lados emocional e racional. Não estou brincando quando digo que chorei quando vi a arte, mas aí as pessoas vêm e dizem que não gostaram da capa. Tudo bem não gostar, não é disso que estou falando. Quando um artista apresenta algo, ele faz isso para mexer com o público, mas hoje as pessoas estão tão acostumadas com arte superficial que acabam fazendo um julgamento artificial. É uma pena, porque se trata de um ciclo de ignorância, de falta de educação artística e de educação geral. A verdade é que não temos cultura no Brasil, e muitas vezes o público de heavy metal quer o óbvio porque isso conforta as suas inseguranças. Não quer algo que mexa com a sua expectativa, apenas que ela seja atendida, porque o público não quer mudar. Não está pronto para receber algo novo, que mexa com ele e o faça amadurecer. O ØMNI é um disco que veio para mexer com esse tipo de público, porque tem um sabor diferente, é algo que ele nunca provou, então é preciso mastigar um pouco mais para sentir esse sabor. Quando um artista lança uma nova peça nas artes plásticas, as pessoas ficam pensando ‘Puta merda, não entendi’, então é preciso que elas façam o trabalho de tentar entender. No heavy metal não existe esse trabalho, porque o cara não entende e já parte para o ‘não gostei’. Isso é falta de cultura.

A capa não tem espadas e dragões, mas acredito que o fã do Angra pode se acostumar com ela. É o que acontece desde o início, até mesmo com o nome da banda.
Rafael: Sim, desde o começo eu gosto de provocar. As pessoas falaram ‘Porra, banda com nome de praia?’ quando ouviram (risos), mas Angra é uma deusa na nossa mitologia. Além disso, é uma palavra que tem pronúncia forte no mundo todo. Quando colocamos ritmos brasileiros, a primeira reação foi negativa, mas aos poucos fomos mostrando ao público que aquilo fazia sentido, porque é possível recorrer às próprias raízes para ser original. Não é possível ser original copiando Steve Vai ou Yngwie Malmsteen, então minhas raízes podem deixar meu som espontâneo e consistente, afinal, a consistência está na minha identidade. Fizemos o carnaval com o Carlinhos Brown em 2016 para afirmar isso, e o público não entendeu. Mas é normal. Há quem se diga cristão, mas não sabe perdoar e é preconceituoso. O ser humano é incoerente, não sabe praticar as próprias crenças, colocar em prática a teoria em que acredita, então muitas vezes se comporta da maneira que ele mesmo considera errada, mas é tão natural e inconsciente que não percebe. Paciência. O que temos de fazer? Acreditar e levantar a bandeira do que estamos fazendo, que é arte, cultura, reflexão, transformação de padrões, amadurecimento nosso e das pessoas. Fazer isso é nossa obrigação.

Voltando à realidade criada para o Sistema ØMNI, dá para dizer que a relação com a ficção científica é mais plausível do que se possa imaginar?
Rafael: As dimensões a que me refiro são bolhas que ficam flutuando no multiverso e que poderão ser abertas por quem está no futuro, e as pessoas que precisam de ajuda estão transitando e são viajantes do tempo. Elas procuram por uma consciência coletiva em busca da salvação. Quando sairmos da consciência individual para a coletiva, poderemos nos comunicar com outros seres humanos, mortos ou vivos. Vamos abrir as portas das dimensões do multiverso, e a comunicação com os universos paralelos vai deixar de ser fantasia. Recentemente, li uma reportagem sobre um cara que se afogou e ficou 35 minutos embaixo d’água, ou seja, estava morto. Levado a superfície por uma onda, ele bateu com o peito num pedaço de madeira de um barco e, com o impacto fazendo-o expelir água dos pulmões, voltou à vida. Como explicar isso? Ele disse que viu uma luz que o chamava, mas não sentiu algo como ‘Meu Deus, estou morrendo! Estou deixando minha realidade, meus filhos, minhas coisas.’ Ele sentiu que estava retornando, e isso deu a ele uma sensação de conforto. Baseei-me também nesse relato para chegar a uma conclusão que por enquanto é fantástica e uma profecia, mas que vou enfatizar até que se prove o contrário.

Ou seja, se o futuro se mostra assustador, há uma mensagem positiva em ØMNI.
Rafael: Sempre espero acontecer algo que vai mudar as coisas para melhor. Isso me faz bem, e acho que cultivar isso faria bem para qualquer um. Quem está vencendo a guerra para manter a cortina fechada quer uma humanidade desesperada, sem esperança, porque é isso que mantém a cortina fechada.

Inclusive na questão do efeito borboleta, não estragando ainda mais o presente e o futuro ao mexer no passado.
Felipe: Sim, porque de certa forma a viagem no tempo pode ser uma tecnologia pacificadora. Seria uma maneira de os seres humanos mais evoluídos conseguirem dar o alerta, olhando para o futuro para corrigir o passado.
Rafael: Vamos entender a suspeita, o medo de quando ficamos sozinhos, o diálogo interno e uma série de coisas que achamos ser apenas nosso pensamento e imaginação. Teremos uma sensação de conforto e de retorno.

E por que 2046 para o Sistema ØMNI acontecer?
Rafael: Não tem uma explicação, realmente, porque é intuitivo. Quando faço imersão criativa, a meditação sobre os assuntos que resultam na criação de um sistema, alguns assuntos surgem intuitivamente. A mente gira em torno desse sistema até o momento em que passa a andar sozinha, e é aí que eu me ausento para apenas observar o que está acontecendo, como se assistisse a filmes passando nessa linha de raciocínio. 2046 surgiu quando fechei os olhos para imaginar quando tudo poderia acontecer. Vejo isso como uma profecia, mas o ano tem uma coerência com a viagem dos dias de hoje até o momento em que a consciência entra em ação, e ela já está em andamento. É uma questão do momento em que ela estará suficientemente amadurecida para deixar de ser ficção e virar realidade. O que falta para isso? Acredito que vamos viver uma revolução de novos tipos de fontes de energia, politicamente falando, porque o poder no mundo está nas mãos de quem detém o petróleo e das empresas que dependem do petróleo. É uma revolução que já está tomando forma. Acredito que estamos diante de um sistema de economia virtual que vai mudar o mundo, porque os bitcoins e afins serão responsáveis por uma transformação muito grande ao lado da deep web (N.R.: conteúdo da internet inacessível para ferramentas de busca porque está em redes que não têm ligação entre elas), porque na deep web há grandes grupos que querem revolucionar o sistema financeiro, fazer uma virada econômica e geopolítica. O poder estará nas moedas virtuais, num primeiro momento, e depois nas fontes de energia, então imaginei que levaria uns 30 anos para tudo isso acontecer. Seriam dez anos para o surgimento de uma nova economia, dez anos de uma guerra de resistência e mais dez anos para a consolidação dessa nova economia. Começando em 2016, quando comecei a estruturar o conceito, acredito que seja uma linha bem razoável.

E como a frase ‘flying missiles, atomic bombs and the second coming of Jesus’, de Jimmy Swaggart e que está no fim de War Horns, se encaixa no conceito (N.R.: a frase faz parte de um discurso que virou o disco Flying Missiles, Atomic Bombs and the Second Coming of Jesus Christ, lançado pelo pastor em 1972)?
Rafael: (rindo) Isso foi ideia do Jens Bogren, porque War Horns é praticamente inteira feita com partes da Bíblia. Usei trechos do Apocalipse e de São Mateus, e apenas o refrão foi escrito por mim. Há algo muito inquietante para mim dentro do Apocalipse, a descrição de uma situação estrelar que acontece de cinco mil em cinco mil anos, e João escreveu que no apocalipse isso aconteceria. É um assunto que entrou na minha cabeça e me deixou sem dormir, me fez ficar pesquisando. João fala da Sétima Trombeta, e a Festa das Trombetas é a virada do ano judeu, que em 2017 foi em 23 de setembro, mesma época do solstício de outono (N.R.: a data seria mais uma apontando o fim do mundo e a volta de Jesus Cristo). Foi também a época em que estávamos terminando o disco, quando a sétima trombeta seria tocada, ou seja, o apocalipse estava de fato começando. Há uma teoria de que todos os anúncios de fim do mundo, como 21 de dezembro 2012, acontecem porque o Vaticano não quer pânico com o verdadeiro início do apocalipse, e em tese ele já começou. E sem alarde para não ser vulgarizado, virar filme da Disney, coisa de Hollywood.


Como foi a reação da banda no momento em que o Rafael chegou com o conceito?
Felipe: Nós começamos o trabalho pelo instrumental, em algum camarim na Alemanha durante a turnê que fizemos com a Tarja em 2016. Foi quando esboçamos as primeiras ideias, porque o clima era muito bom, Bruno, Marcelo e o Fabio estavam com muita vontade de compor. Ao longo dos meses fomos juntando material, mas foi a partir de março de 2017 que passamos a nos reunir periodicamente para transformar as ideias em músicas. E o mais o legal do ØMNI é o aspecto coletivo, porque nos discos anteriores nós trabalhamos com bateria eletrônica para programar partes de músicas ou músicas completas, então depois as mostrávamos para o resto do pessoal. Desta vez, não. O Bruno estava o tempo inteiro na bateria, e tudo surgiu de uma maneira muito orgânica, com a banda fazendo jams. Alguém chegava com uma ideia, um colocava algo, outro adicionava mais alguma coisa, e o resultado final não lembrava em nada a ideia inicial. Muitas vezes descartávamos a original em favor de sugestões que vieram depois, porque eram mais legais, e o tempo todo nós estávamos tocando juntos. Isso fez uma enorme diferença, especialmente na hora de conectar as partes, porque no som mais progressivo, por exemplo, há o risco de a música parecer uma colagem e várias canções que não se conversam. Por estarmos num processo orgânico, as partes eram derivadas uma da outra e assim por diante, então tivemos sucesso ao transformar mesmo o material mais complicado em músicas coerentes, com começo, meio e fim.

E acredito que o Jens Bogren captura muito bem esse lado orgânico. Ao contrário de outros produtores conceituados, como Andy Sneap, suas produções não têm aquela bateria gritando para todo mundo que está trigada.
Felipe: E como já conhecíamos o método de trabalho dele, chegamos ao estúdio mais bem preparados para receber o seu input. Fizemos uma pré-produção maior do que a do Secret Garden exatamente porque já sabíamos da importância desse input, então chegamos sabendo muito bem as músicas, porque as tocamos durante bastante tempo. Além de ser um produtor que tira um som fantástico, o Jens é também um cara muito musical. Mais do que isso, ele entende o som do Angra, enquanto alguns produtores poderiam achar bizarras algumas coisas que fazemos. Tem produtor na Europa que simplesmente não entende o lance brasileiro, aí quer esconder apenas porque não faz parte do seu universo. O Jens abraça essas ideias e nos provoca para irmos além, explorando e ousando mais. E agora ele também já sabia o que esperar de nós como banda, ou seja, o conceito musical, e também como indivíduos, a maneira como cada um trabalha. No fim, o som do ØMNI é ainda mais orgânico do que o do disco anterior porque, por exemplo, o Bruno toca demais e tem uma pegada fantástica, então seria um pecado esconder o som da bateria com um monte de trigger. Um monte de banda europeia tem um som de bumbo que parece um canhão, parece que vai derrubar a parede da sala a cada bumbada (risos), mas não é isso que estávamos buscando. Queríamos um som bonito, pesado e moderno, mas sem perder a característica do instrumento. A bateria é o instrumento que mais sofre com o lance digital, mas hoje em dia o mercado tem como praxe editar tudo no grid, ou seja, pegar todas as peças e colocá-las milimetricamente no tempo, como se a bateria tivesse sido programada. O Jens é absolutamente contra isso, e nós também, por isso você consegue ouvir a música do Angra respirar. Se em determinada canção ele tocou um pouco mais para frente ou para trás, não importa. As flutuações de tempo na música são respeitadas no processo que adotamos, e acredito que isso transparece no resultado final.

E faz todo sentido, uma vez que é assim que acontece ao vivo.
Felipe: Exatamente! É o mais próximo que se pode chegar da vibração de uma banda tocando ao vivo. No estúdio os instrumentos são gravados separadamente, então seria inviável capturar nos moldes atuais exatamente como o Angra soa ao vivo. Mas é definitivamente o mais perto que chegamos, com os artifícios de hoje em dia, da banda interpretando a música, não apenas a colagem das partes gravadas por cada um.

Como o Rafael é hoje o único integrante da formação original, o Felipe é o segundo membro com mais tempo de casa. O que mudou na relação interna?
Felipe: Mudou muita coisa, com certeza. O Kiko era um cara muito ativo na banda como um todo, não apenas no processo de composição, e nos últimos anos a banda vinha sendo gerida por nós três e o Paulo Baron, nosso empresário. Tivemos de suprir essa carga de trabalho e criação do Kiko, e a divisão ficou para mim e o Rafael. Foi um processo legal, porque tenho a oportunidade de participar e estar mais presente, de contribuir cada vez mais. O Kiko participou em War Horns, que tem uma parte escrita por ele, mas foi uma contribuição pequena por causa de seus compromissos com o Megadeth. O Kiko é um cara que compõe muito sozinho, faz aquele processo de gravar com bateria eletrônica e depois mostrar as músicas prontas ou bem adiantadas para a banda, e agora ficou tudo muito concentrado em mim, no Rafael e no Bruno, porque moramos em São Paulo. Sempre que pôde, o Marcelo veio de Brasília passar um tempo conosco, e o Fabio ficou um grande período participando da composição. Ele escreveu a grande maioria das melodias vocais. A ausência do Kiko deixou o Angra mais unido como banda, então a criação ficou mais bem dividida entre os integrantes. Mais democrática, porque deu a todos a oportunidade de se expressar no disco. Em uma banda com mais de 25 anos de carreira, é difícil um membro que entrou há dois anos participar do processo de composição. Geralmente é algo fechado, centrado nos líderes ou fundadores, porque é assim que funciona. São as regras do jogo, e imagino que no Megadeth deve ser assim, centrado no Dave Mustaine, embora o Kiko tenha contribuído em algumas músicas. Mas não no Angra. Queremos o input dos novos integrantes, que o trabalho reflita também suas influências e ideias e que eles se sintam parte do processo. E o disco se beneficia dessa riqueza, dessa variedade.
Rafael: Felizmente, ainda tenho parceiros de confiança, talento e competência para continuar trabalhando. Eu prefiro trabalhar em equipe, porque empaco individualmente. Sou bom em grupo e me preparei para isso, então ter alguém como o Felipe é uma bênção, porque eu trabalhava muito mais com o Kiko, naturalmente. Agora tenho o Felipe ao lado, e ele é um cara extremamente motivado e entusiasmado na hora de colocar suas ideias.

Creio que o tempo na estrada azeitou o processo no estúdio, mas tem o lado de trabalhar com um novo guitarrista depois de tanto tempo.
Rafael: O Marcelo foi uma sucessão infinita de surpresas. Eu já sabia que era dedicado, mas ele superou minhas expectativas, porque não sabia que era tanto. Todos os dias, realmente todos os dias o cara acorda e começa a tocar (risos). Ele fica horas estudando, com metrônomo e tal, e me ajudou a recuperar uma motivação para também estudar. Como guitarrista, havia aquele pensamento de ‘Será que ele está à altura do Kiko?’, nos sentidos criativo, técnico e versátil. O Marcelo superou minhas expectativas também nisso, porque apareceu com um solo mais bonito do que o outro, e era a peça que faltava em termos de empatia. Ele é um cara leve no convívio, tranquilo e sempre de bom humor, e no palco eu vejo nele um escudo muito forte, uma solidez emocional e espiritual. É muito consistente como profissional, tem ideias de marketing e uma visão de mercado de como o Angra deve ou não deve ser. Eu não poderia estar mais feliz com a atual formação, porque ela representa como estou hoje. Os caras têm muito gás, mas não são uns loucos. São focados e disciplinados, e isso é muito importante.

Como a história de ØMNI passa por outros três discos, fiz um exercício de imaginação musical para buscar referências. Por exemplo, Caveman poderia entrar em Holy Land, e Light of Transcendence tem a ver com Temple of Shadows. Ela tem algo da bateria de Spread Your Fire
Rafael: É verdade. Eu tenho um molde que uso desde o Angels Cry. O disco do Angra começa com um speed metal, depois vem uma canção mid-tempo, um heavy metal mais lento, mas que não chega a ser uma balada, que pode ser a terceira ou quarta faixa. Só que depois da balada vem uma música mais prog ou étnica, com ritmos brasileiros, e na sequência volta o speed metal, que é para o álbum não ficar leve. Vem outra balada, que pode ser mais pop ou metal, e novamente um speed metal com toques clássicos e misturas brasileiras. É uma moldura que gosto de utilizar, mas nem sempre temos material suficiente para completá-la. Quando temos, no entanto, o CD é um sucesso. Só que não adianta apenas copiar o material antigo, é preciso ter inspiração para renová-lo. Posso dizer que ØMNI é a minha obra-prima, o que não significa que fiz o disco sozinho. É porque conseguir aprimorar a minha capacidade de criar estruturas eficazes e de desenvolver a ideia dos integrantes. Além das minhas ideias, consigo apropriar as ideias dos outros para a estética do Angra.

Isso tem a ver com o fato de você ser o único membro da formação original?
Rafael: Sem dúvida, e isso me dá a propriedade de dizer que sou o único que realmente sabe, porque uma opinião minha nesse sentido podia ser questionada quando o Kiko estava na banda. Em termos de estrutura, desenvolvimento de ideias, direcionamento e criação de conceito, eu sei que me aprimorei porque venho fazendo isso há 26 anos. É por isso que digo que o ØMNI é minha obra-prima, porque pude guiar todas as ideias para que elas se transformassem num disco cem por cento do Angra. As pessoas podem ouvir e falar ‘Isso é Angra!’, então acho que sou o cara que pode adaptar qualquer ideia ao som da banda, seja uma batucada de samba ou um riff de thrash metal. O que fiz agora foi pegar as ideias e convertê-las para linguagens que já haviam sido usadas no Angra, porque eu não queria que as pessoas estranhassem a nova formação, afinal, hoje temos o Marcelo na banda. Quando o Felipe trazia um riff mais thrash metal, eu tinha de fazer com que soasse uma novidade no sistema que o fã reconhece. É um sistema padrão que precisa ser uma surpresa, e o tempo todo eu tive que pensar em satisfazer a expectativa do fã e surpreendê-lo ao mesmo tempo. Existe uma linha fina que separa isso. Às vezes você satisfaz o fã, mas não inova absolutamente nada. Em outras, inova tanto que acaba gerando uma decepção. É minha obra-prima porque encontrei o equilíbrio entre até onde poderíamos inovar e experimentar e até onde o estilo do Angra deveria ser preservado, continuar intocável.

O Angra já teve Milton Nascimento como convidado especial, então não é surpresa alguém fora do heavy metal. Mas agora tem a Sandy, e a patrulha do metal infelizmente pode não receber muito bem a ideia. Pouco importa se Black Widow’s Web é uma das melhores músicas do disco.
Rafael: A Sandy foi convidada porque havia um propósito artístico. A música é uma história, e ela desempenhou um papel que tem um lado ingênuo da mulher, o lado que ingenuamente cativa e seduz. A Sandy fez isso a vida inteira, porque faz parte da vida do brasileiro e da cultura do país. Ela canta desde que era uma criança fofa, mas hoje é um ícone, e para nós é uma grande honra tê-la nos ajudando a contar a história. Existe o propósito artístico e existe o privilégio de ter alguém da nobreza da Sandy. Quanto às possíveis críticas, hoje, com a internet, a comunicação com os fãs ficou melhor e dá para saber imediatamente quais são suas expectativas. Isso é até uma base para criar, mas em hipótese alguma vamos ficar reféns dessas expectativas, por causa do que conversamos antes. O perfil psicológico do fã do Angra é de alguém muito conservador, fechado para novas ideias, inflexível e inseguro, o que gera uma dificuldade para aceitar a quebra de paradigmas. Não vamos nos render a isso, porque nosso papel é educá-lo musicalmente, fazer com que ele amadureça e cresça culturalmente. É assim que vai apreciar com mais abrangência a música e a arte em geral.


Eu iria perguntar exatamente se a música foi pensada para duas vozes femininas, não que vocês já tivessem os nomes em mente.
Felipe: Sim, precisávamos desse contraste. Não funcionaria se cada uma cantasse toda a música. A Alissa também canta limpo, mas a sua voz é naturalmente mais agressiva. A Sandy tem uma voz doce, perfeita para o momento em que a Viúva Negra está seduzindo o parceiro. Depois, quando chega a hora de partir para cima e matá-lo, tinha que ser a Alissa. Foi justamente para servir à música que as convidamos.

Mas vocês pensaram em outros nomes que não fossem as duas? E foi o Fabio quem convidou a Alissa, certo?
Felipe: Sim, e a história é a seguinte: estávamos no 70000 Tons of Metal, e a Alissa estava com o Arch Enemy e também com o Kamelot, banda com a qual já havia feito algumas turnês, justamente quando ela conheceu o Fabio. Nós ficamos bem impressionados com a presença e o talento da Alissa, então pensamos em compor algo para ela cantar. Tínhamos os riffs que casavam bem com o estilo dela, então terminamos a música com Alissa em mente. Nunca cogitamos outro nome, então teríamos de pensar o que faríamos com a música se ela dissesse não (risos). A Sandy veio um pouco depois, quando fizemos a introdução de Black Widow’s Web, porque vimos que precisaríamos de alguém como ela. E a Sandy também foi nossa primeira opção, então teríamos de correr atrás de uma cantora do mesmo estilo caso ela tivesse recusado.

No fim das contas, o contraste não foi apenas das vozes, mas artístico, de nomes com backgrounds completamente diferentes. O que é ótimo, diga-se.
Felipe: Sim, e também acho legal esse lado inusitado. Se eu pedisse o nome de dez cantoras, acredito que ninguém acertaria. Honestamente, admiro muito a Sandy. Acompanho sua carreira solo e vejo que ela faz tudo com muita qualidade e zelo. Para mim, é uma honra tê-la num disco do Angra.

É também uma questão de liberdade artística.
Felipe: É parte da função do artista ser quem vai mostrar ao público o que é vanguarda, mostrar qual é a sua expressão artística naquele momento, e em nenhum momento nos sentimos pressionados a repetir o sucesso do passado usando as mesmas fórmulas. É muito difícil replicar o sentimento de descoberta, mas é o que tentamos trazer em todo álbum: ‘Olha o que os caras fizeram dessa vez! Que coisa nova legal!’ Podemos fazer isso andando para frente, sem repetir as fórmulas do passado, assim ficamos satisfeitos como artistas, respeitando e contemplando as raízes do Angra.

Todos nós somos fãs, mas quem tem de ficar satisfeito em primeiro lugar é o artista. Não dá agradar a todos. Tem fã do KISS que não ouve mais a banda porque o Peter Criss não está mais lá, só que ele não tem mais condições de tocar.
Felipe: Exatamente porque o fã busca aquela sensação de quando viu o Peter Criss tocar há muitos e muitos anos. Não dá para culpá-lo por isso. Eu também queria de volta a sensação que tive quando escutei o Ride the Lightning pela primeira vez, mas eu sei que o Metallica mudou, andou para frente. Não tem como esperar que algo como aquilo se repita. Se a pessoa não quer se abrir para ouvir o que o Metallica tem para oferecer hoje, pode ficar em casa curtindo os discos antigos, sem dar a mínima para o que eles estão fazendo. O que eu acho chato é ficar forçando a barra, tipo ‘Porra, vocês não fizeram um álbum como o Master of Puppets! Estou chateado!’ Cara, eles já fizeram. O disco está aí, você pode ouvir quantas vezes quiser até morrer (risos). E mesmo se fizesse hoje um trabalho exatamente nos moldes do Master of Puppets, o Metallica continuaria sendo criticado, afinal, não seria o Masters of Puppets. Mas quem reclama não lembra que não tem mais os 12, 13 ou 15 anos da primeira vez que ouviu o disco. É mesmo uma sensação muito difícil de replicar, e eu tenho uma teoria: se você não ouve e assimila determinadas bandas quando está formando sua personalidade, vai ser muito complicado gostar delas depois de velho e cricri. Para mim, por exemplo, é difícil aceitar o Accept, que não fez parte da minha formação musical, da mesma maneira que uma pessoa que cresceu ouvindo a banda. As referências são diferentes.

Especificamente sobre o Angra, o curioso é que o primeiro álbum já foi um marco dentro do estilo. E o Angels Cry foi sucedido por um divisor de águas, porque o Holy Land mostra que não é qualquer banda que pode inserir no trabalho a cultura musical do próprio país, e isso inclui convidados fora do heavy metal. O Brasil tem essa singularidade.
Felipe: Com certeza, e tentamos tirar o máximo de proveito disso. Antes de começarmos a fazer o Temple of Shadows, e acredito que tenha sido assim com o Holy Land, estávamos com a sensação do dever cumprido por termos feito um disco que, apesar de gostarmos dele, foi bem calculado. Então tivemos liberdade para pirar, para sermos completamente espontâneos no processo de criação. Aconteceu a mesma coisa agora, pudemos colocar em práticas essas ideias malucas, como ter vocal gutural pela primeira vez num disco do Angra e convidar a Sandy, porque é uma participação inusitada. É preciso lembrar que o Milton Nascimento tem status de lenda, é inquestionável… O cara que questiona a presença dele não conhece história. Se for falar bobagem por aí, é melhor pensar bem, porque está falando do Milton Nascimento. Embora seja uma artista consolidada, porque é impossível alguém no Brasil não conhecê-la, já que ela canta na TV desde os cinco anos de idade, a Sandy não está no patamar de lenda. Ou seja, é mais arriscado. Quando o Rafael veio com a ideia, admito que fiquei como cachorro que entorta a cabeça para o lado (risos), mas não precisei pensar nem cinco segundos para perceber que fazia sentido. Não apenas pelo contexto da música, mas por ser a Sandy. Precisamos aproveitar que nosso legado permite uma ida por caminhos diferentes, mas também o fato de termos acesso a essas pessoas, porque elas respeitam o Angra e sua trajetória, o que a banda representa no país e lá fora. Levamos a nossa cultura para o mundo inteiro, e é por isso que em festivais Brasil afora, ao encontramos com as bandas mais pop e diferentes possíveis, percebemos que o respeito é gigante. Tenho certeza de que qualquer artista dessas bandas aceitaria um convite nosso, porque enxerga a importância do Angra.
Rafael: O fã do Angra também é fã de outros grupos do estilo, e o fã de power metal e metal melódico tem aquele estereótipo um pouco conservador. E esses estilos não são dos mais transgressores dentro do rock pesado, como são thrash metal e o punk ou até mesmo o rock alternativo e o grunge, então tentar quebrar paradigmas no power metal é uma dificuldade. Você basicamente se comunica com um público que, por opção, prefere ser conservador. E isso é um direito que ele tem, chegar em casa e tomar um Toddy quentinho feito pela vovó enquanto ouve Angra e Nightwish (risos). É assim que vai dormir feliz, achando que a vida é fantasia. Como somos uma banda brasileira, acredito que temos a responsabilidade de não iludir o fã. Por exemplo, a música Angels Cry fala de crianças que passam fome na rua, porque eu não queria falar de castelos, dragões e um mundo belo. Seria hipocrisia. Não moro na Inglaterra, minha realidade é diferente. Essa pegada sempre esteve presente nas nossas letras, mesmo com metáforas e analogias que dizem respeito à realidade do ser humano e à sua crueldade, uma reflexão sobre injustiças, desigualdade social e incoerências. Nossas burrices, e me incluo quando falo nossas.

E a percepção geral é que esse caminho sempre é mais bem aceito lá fora.
Rafael: Eu vou além, porque é mais bem aceito nos países desenvolvidos, curiosamente. Nos países do Terceiro Mundo é a mesma coisa. Quando digo que faltam cultura e educação no Brasil, não estou falando dos analfabetos. Falo da grande massa, de uma classe média que não tem consciência e civilidade, não sabe qual é o seu papel como individuo e cidadão, qual é o papel do país no mundo em relação a mudanças. Isso faz do Brasil um país ignorante, que não sabe avaliar para onde está indo a sua cultura, porque há 30 anos as rádios tocavam Tom Jobim e Elis Regina. Essa era a nossa música pop. Gilberto Gil era a música mais prostituída que tínhamos, e havia Amado Batista e Roberto Carlos nas rádios AM. Aí falamos ‘Puta merda, bons tempos’. O samba no Brasil sempre foi foda, mas hoje você não consegue mais assistir a um show com artistas do calibre dos icônicos, porque não há mais interesse. Estamos vivendo um período de trevas na cultura brasileira, então temos de dar educação ao povo para que ele tenha critério e faça um bom julgamento. Como o povo não tem educação, a música acaba nivelada por baixo. A gravadora tenta vender o novo disco da Alcione, mas ninguém quer saber, ninguém compra o CD, então ela lança o que está aí, porque precisa vender.

E está ficando cada vez mais difícil, porque essa falta de cultura faz com que a discussão não seja mais artística e musical. Ninguém quer saber se os dois nomes da moda, Anitta e Pabllo Vittar, têm talento. Os focos são a bunda de uma e a orientação sexual do outro.
Rafael: A música popular sempre foi, desde a era do rádio, música, tendência e comportamento. Os Beatles surgiram vendendo também comportamento, aqueles quatro caras bem comportados e de terninho, mas depois foram um dos pilares da revolução hippie e das grandes transformações comportamentais na sociedade. Mas eles fizeram isso com a música tendo peso e relevância. O KISS é comportamento com Gene Simmons cuspindo sangue, mas também é música. Hoje, a questão comportamental é mesmo muito mais forte que a música, então é preciso encontrar um equilíbrio entre conceito e conteúdo. O mundo precisa voltar a ser criativo.

Você falou que Z.I.T.O. está ligado ao conceito de ØMNI, que houve situações estranhas durante a gravação de Holy Land. Por exemplo?
Rafael: Acho que o Kiko lembra vagamente, talvez o Ricardo e o Luís lembrem, e o Andre levou um choque durante uma tempestade, por isso pode ser o que menos recorde de algo. Mas foi um dos mais afetados com a transformação que vivemos lá. Ficamos isolados no campo, não havia TV, telefone, fax e, obviamente, internet. Estávamos num local cheio de pedras, cheio de magnetismo, então os raios caíam com toda força. O Andre estava tocando teclado, que ficava numa estante de ferro, quando caiu um raio fortíssimo que chacoalhou a eletricidade. Ficamos sem luz por um tempo, e o Andre apareceu na sala completamente tonto e atônito, porque tinha recebido uma descarga elétrica. Aquilo me assustou bastante, porque havia perdido recentemente um amigo eletrocutado.

Para você, Felipe, como foi a experiência de tocar com o Geoff Tate, especialmente para apresentar a íntegra do Operation: Mindcrime, para mim o maior disco conceitual da história do heavy metal.
Felipe: Cara, foi surreal. Estava na Som Livre resolvendo uma lance de edição das minhas músicas quando recebi um SMS do Geoff. Eu o conheci em 2004, quando o Angra tocou no Metal All Stars, na Bolívia e em São Paulo, e trocamos contato. Ele pediu que eu montasse uma banda aqui, pois iria tocar no Brasil, e foi uma felicidade enorme ter recebido o convite porque pude escolher músicos que são extremamente competentes e também amigos. Mais do que isso, pessoas que, assim como eu, são fãs incondicionais e que cresceram ouvindo o Operation: Mindcrime. O Geoff é um cara muito legal, e a convivência foi tão boa que também vou fazer a turnê na Europa com ele. Farei dois shows por noite nas 27 datas europeias do Angra, primeiro com o Geoff, depois com o Angra. Turno dobrado (risos). Será bem pesado, mas vai valer a pena. Tocaremos novamente o Operation: Mindcrime na íntegra, e concordo com você: é certamente o disco conceitual mais animal já feito no heavy metal. Também vão rolar outras músicas da carreira dele, e com o Angra poderei tocar as músicas novas, o que dá uma injeção de ânimo. Há canções que eu toco há exatos 17 anos em todo show, então é uma sensação bacana ter material novo para apresentar. Até porque acreditamos que o ØMNI é um disco muito forte e que as suas músicas vão funcionar muito bem ao vivo. Estou bem ansioso para a turnê.


Exatamente. Essa é uma das razões por que tiro o chapéu para o Iron Maiden, apesar de muitos fãs reclamarem que a banda toca cinco, seis, sete músicas do novo álbum quando sai em turnê. Vocês já sabem o que vão tocar do ØMNI?
Rafael: Nos shows sempre tem aquele cara que foi para ouvir os clássicos e não está por dentro do novo disco, então vamos começar tocando umas quatro ou cinco. E acho que tem de ser as de assimilação mais fácil, que são Travelers of Time, Insania, War Horns, Light of Transcendence e Caveman. Depois vamos colocando aos poucos no repertório canções como Magic Mirror e ØMNI – Silence Inside, e acredito mesmo que mais para o fim do ano os fãs estarão pedindo todas as músicas do ØMNI.

E ØMNI é um disco que merece ser tocado na íntegra, realmente. Mais do que isso, para registrar o bom momento da banda e sua nova formação, um CD e DVD ao vivo seriam bem-vindos. De repente, um novo Angra Fest com as participações especiais da Sandy e da Alissa. Pode ser difícil, mas não custa nada tentar.
Felipe: Sem dúvida, e ficamos viajando nessas coisas também, o tempo inteiro fazendo planos. Como você disse, há coisas que podem ser complicadas de realizar, mas esse DVD vai ter que existir porque o ØMNI merece. Não fizemos um do Secret Garden, mas agora é o momento certo. Não está longe de acontecer, e levar tudo isso para o palco enriqueceria bastante o show.
Rafael: Tudo vai depender da aceitação do público, o quanto ele vai gostar e entender o ØMNI, mas a nossa vontade é mesmo fazer tudo isso. Se ele se tornar um clássico daqueles que as pessoas falam que é inteiro bom, aí é que vai valer mesmo a pena fazer um espetáculo só dele, chamando a Alissa e a Sandy.

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Kadavar

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

Em sua segunda passagem pelo Rio de Janeiro, o Kadavar saiu do acanhado Teatro Odisseia, na Lapa, para o Cais da Imperatriz, na Zona Portuária. Uma mudança significativa para uma banda da geração que vem revisitando e dando nova roupagem ao rock pesado feito nos anos 60 e, principalmente, 70. Obviamente, no entanto, o sucesso do evento – todos os ingressos foram vendidos – também se deve à parceira da produtora Abraxas com a cervejaria carioca Hocus Pocus, e a dobradinha permitiu que o evento tivesse a abertura de dois grupos independentes que muito provavelmente não pisariam tão cedo na cidade. Ou não teriam a oportunidade de tocar para mais de 500 pessoas.

A começar pelo Galactic Gulag, banda de Natal (RN) formada por Pablo Dias e Breno Xavier (guitarras), Gabriel Dunke (baixo) e César Silva (bateria). Na estrada desde 2015, o quarteto aproveitou para tocar todas as cinco músicas de seu álbum de estreia, To the Stars By Hard Ways (2017), mas não se engane: não se trata de um EP, então a apresentação não foi curta. E apesar de a proposta instrumental por vezes oferecer dispersão, o grupo potiguar conseguiu prender a atenção de grande parte daqueles que chegaram às 18h para conferir todos os shows.

Foi assim com o peso e a psicodelia da arrastada Home, ou com esses mesmos predicados na companhia de um belo groove na ótima Escape from Planet Gulag, na qual Dias largou os dedos nas seis cordas – o guitarrista, diga-se, segura bem a onda nas longas canções instrumentais, mostrando-se fundamental para manter o interesse de quem não conhece o som do quarteto. E foi assim até o fim do set, passando pela ótima The Hollow Moon até a diversificada Eta Orionis, com direito até mesmo a um arco nas mãos de Xavier, e uma nova canção, Rise and Fall of Zvezda II, que encerrou o set com uma, digamos, pegadinha: por um momento, por causa de sua introdução de bateria, pensei que ouviria Stargazer, clássico do Rainbow.

Com Phillippi Oliveira (guitarra), Marco da Lata (baixo), Diego Drão (teclado), Carlos Amarelo (percussão) e Júnior do Jarro (bateria) em cena, o Anjo Gabriel se apertou no palco e também fez bonito. O início do show, diga-se, foi de uma felicidade ímpar: com a gravação de uma conversa em 2016 entre o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e o senador licenciado Romero Jucá (MDB-RR), então ministro do Planejamento, o grupo oriundo do Recife mandou ver Resiliência, do compacto homônimo lançado em 2017. Um encaixe perfeito e com boa dose de humor, uma vez que o diálogo que sugeria uma união para barrar a Lava Jato foi na voz feminina do Google Translator.

Musicalmente, Resiliência inseriu percussão e um quê de ritmo nordestino no meio de um instrumental ora pesado, ora progressivo e cheio de quebradeiras. O suficiente para chamar a atenção dos membros do Kadavar, que ficaram a primeira metade da apresentação na escada ao lado do palco curtindo o trabalho do quinteto pernambucano. Em seguida, uma nova canção ainda sem título definiu bem o Psych Kraut Prog do Anjo Gabriel, afinal, o som é mesmo bem singular. Mesmo que Peace Karma seja uma homenagem ao Black Sabbath ao remeter a Hand of Doom, conscientemente ou não, uma canção como a “balada” Sunshine in Outer Space já vale a iniciativa de conferir o trabalho predominantemente instrumental da banda, fundada em 2005 e que já tem dois discos: O Culto Secreto do Anjo Gabriel (2012) e Lucifer Rising (2013).

Anjo GabrielAnjo GabrielAnjo GabrielAnjo Gabriel

Um pouco de atraso, pista lotada e muito, muito calor. Foi com esse cenário que Christoph “Lupus” Lindemann (guitarra e vocal), Simon “Dragon” Bouteloup (baixo) e Christoph “Tiger” Bartelt (bateria) subiram ao palco. Primeiro para fazerem eles mesmos alguns ajustes de última hora, depois para um set arrasador. Com a pesadíssima Skeleton Blues, de Rough Times (2017), o Kadavar começou a colocar a casa abaixo, e Doomsday Machine, de Abra Kadavar (2013), ajudou a manter a empolgação lá em cima com seu riff hipnótico e uma levada empolgante.

“Are you ready for some rock and roll?”, bradou Lupus. Pergunta retórica, claro, porque Pale Blue Eyes, uma das melhores canções de Berlin (2015), animou ainda mais os presentes com um tema de guitarra e um refrão totalmente palatáveis. De volta ao peso – e um peso dos infernos, vale ressaltar –, foi a vez de Into the Wormhole, seguida de mais uma amostra do álbum mais recente: Die Baby Die, que ressaltou a deliciosa linha de baixo de Dragon e um dos refrãos mais sensacionais que você pode encontrar por aí para soltar a voz.

De volta a 2012, mais precisamente ao primeiro disco, autointitulado, Living in Your Head foi quase um show particular de Lupus, guitarrista de extremo bom gosto em timbres, riffs e solos. The Old Man serviu como mais uma prova de como Berlin é querido pelos fãs, que gritaram ao fim da música, e pela primeira vez, o nome do grupo. O set regular emendou mais três músicas do álbum de estreia: a tribal e quase dançante Black Sun; Forgotten Past, que poderia resumir sozinha a importância do Black Sabbath para o Kadavar; e Purple Sage, uma longa e maravilhosa viagem psicodélica e progressiva.

KadavarKadavarKadavarKadavarKadavarKadavarKadavar

O intervalo antes do protocolar bis já apresentava uma pista mais confortável, permitindo aos que lá estavam por causa do trio alemão ir mais para perto do palco – muito baixo, por sinal. Foi a confirmação de que uma parcela considerável foi ao Cais da Imperatriz para um festival de cerveja com música ao vivo. Então, azar de quem foi para o jardim nos fundos da casa para ficar batendo papo e bebendo suco de cevada de todos os tipos, porque Lupus, Tiger e Dragon voltaram para um encerramento matador.

Thousand Miles Away from Home, de Berlin, foi o começo de um fim apoteótico para quem curte o Kadavar, e seu riff – tanto de guitarra quanto de baixo – foi como um aperitivo para All Our Thoughts, outra joia de Kadavar, porque foi a deixa para Lupus emular Tony Iommi e Jimi Hendrix. E isso não é, nem de longe, uma crítica. Faixa de abertura de Abra Kadavar, Come Back Life encheu o local com seu alto astral – repare bem como ela tem um quê de hard rock – e aquele tema de guitarra acompanhado pela melodia vocal. Deve ter empolgado até quem estava vendendo cerveja, graças à seção instrumental no meio da canção, mas quem estava vidrado assistindo àqueles três caras despejarem tanta potência sonora não teve tempo de reparar nisso. O que valeu foi o sorriso no rosto de cada fã.

Set list Kadavar
1. Skeleton Blues
2. Doomsday Machine
3. Pale Blue Eyes
4. Into the Wormhole
5. Die Baby Die
6. Living in Your Head
7. The Old Man
8. Black Sun
9. Forgotten Past
10. Purple Sage
Bis
11. Thousand Miles Away from Home
12. All Our Thoughts
13. Come Back Life

Set list Anjo Gabriel
1. Resiliência
2. Música nova e ainda sem título
3. Claralice
4. Peace Karma
5. Sunshine in Outer Space
6. Mantra II

Set list Galactic Gulag
1. Home
2. Escape from Planet Gulag
3. The Hollow Moon
4. Space-Time Singularity
5. Eta Orionis
6. Rise and Fall of Zvezda II

Clique aqui para acessar a resenha no site da Roadie Crew.

Kadavar

Por Daniel Dutra | Fotos: Elizaveta Porodina/Divulgação

Com quatro discos de estúdio – Kadavar (2012), Abra Kadavar (2013), Berlin (2015) e Rough Times (2017) –, o Kadavar precisou de menos de uma década para se tornar um dos nomes mais bem falados de uma nova geração: bandas que bebem na fonte da música dos anos 70 para fazer um som retrô. Com as melhores referências possíveis – o rock pesado e os elementos psicodélicos de grupos como Led Zeppelin e, principalmente, Black Sabbath – e o talento de seus integrantes, o trio alemão formado por Christoph “Lupus” Lindemann (guitarra e vocal), Simon “Dragon” Bouteloup (baixo) e Christoph “Tiger” Bartelt (bateria) está longe de soar datado. Uma observação pertinente antes de você colocar os CDs para tocar como aquecimento para a turnê que, depois de passar por Uruguai, Argentina e Chile, chega ao Brasil para cinco datas: Rio de Grande do Sul (Santa Maria, 27/02), Minas Gerais (Belo Horizonte, 1º/03), Santa Catarina (Florianópolis, 02/03), São Paulo (03/03) e Rio de Janeiro (04/04). Como aperitivo, Lupus respondeu a algumas de nossas perguntas antes de o Kadavar mostrar mais uma vez a que veio.

O Kadavar tocou no Brasil pela primeira vez em 2015 e está de volta para uma turnê que passará por cinco cidades. Comecemos, então, com uma pergunta óbvia: qual a expectativa para a segunda vez?
Christoph “Lupus” Lindemann: Bem, creio que é a mesma da última vez. É uma grande honra poder viajar ao redor do mundo e chegar aos fãs da América do Sul para apresentar nossas músicas. Tivemos uma ótima experiência há três anos, então não espero menos do que isso.

E como foi a expectativa na primeira vez? Alguma frustração?
Lupus: Nós havíamos escutado de outras bandas que excursionar aí sempre foi ótimo, que as pessoas gostam muito de rock. Não houve absolutamente nenhuma decepção. Todos foram muito gentis, deram o seu máximo e queriam apenas se divertir conosco. É exatamente isso o que espero agora.

A partir do momento em que Rough Times frequentou listas de melhores álbuns de 2017 no Brasil, há o outro lado: a expectativa dos fãs está bem alta.
Lupus: Eu gosto de expectativas, porque tornam as coisas mais difíceis para mim (risos). É legal que as pessoas tenham gostado do novo álbum, porque foi muito divertido compor e produzir Rough Times. Mas isso é algo que fazemos sozinhos no estúdio, então agora queremos ver a reação dos fãs em nossos shows.


E Rough Times é pesado como sempre, mas como uma grande produção. Adorei o som de baixo, porque é cheio e orgânico, mas devo dizer que minha impressão foi a de que o Kadavar gravou seu álbum mais psicodélico até agora. Faz sentido?
Lupus: Há peso e psicodelia, canções bem diretas e algumas mais psicodélicas. Não tínhamos um conceito ou uma ideia de como o disco deveria soar, apenas que o título seria Rough Times, e compusemos as músicas basicamente na mesma ordem em que elas aparecem no álbum. No início, estávamos mais putos e queríamos deixar essa raiva transparecer, mas com o passar dos dias acabamos relaxando no estúdio. Ficamos mais leves e começamos a brincar com sonoridades e estruturas, então acho que essa leveza ficou muito bem equilibrada com as canções mais pesadas.

Essa veia psicodélica mais forte está bem representada em faixas como Tribulation Nation, A l’ombre du temps e The Lost Child, e todas têm elementos de rock progressivo, principalmente a última.
Lupus: Elas apenas aconteceram, realmente. Sempre gostei dessas partes mais progressivas em nossa música, por isso adoro quando temos muitas delas. Costumo ficar entediado rapidamente, assim passo a odiar as músicas que são muito fáceis. Em Rough Times decidimos não impor limites a nós mesmos, o que nos fez usar qualquer tipo de som ou instrumentos que achássemos necessários para fazer dele um álbum diferente de todos os outros.

A propósito, a letra de A l’ombre du temps é em francês, e no disco anterior, Berlin, vocês gravaram Reich der Träume (N.R.: cover da cantora alemã Nico). Alguma razão especial?
Lupus: Apenas porque somos uma banda alemã que lançou um disco chamado Berlin, então precisávamos que ao menos uma música fosse cantada em alemão. Caso contrário, seríamos turistas em nosso próprio país (risos). No caso de A l’ombre du temps, nosso baixista, Simon, é francês, e nós queríamos fazer algo do tipo. Tivemos a ideia certa no momento certo, porque achamos que, no fim das contas, daria um sabor diferente ao disco.

Gostaria de citar algumas músicas de Rough Times para que você comente minhas impressões. E a primeira é Die Baby Die, por causa de seu refrão viciante e ótimo groove.
Lupus: Ela surgiu na minha mente num dia qualquer e é, na verdade, uma canção bem simples, baseada na batida e no baixo. Minha guitarra é apenas a última camada, aquela que fica por cima. Remete a uma sonoridade anos 60, realmente com muito groove. Curiosamente, eu tinha outro refrão para esta música, mas estava cantando o que ficou enquanto terminava de compor, então os rapazes disseram que eu deveria mantê-la. Mantivemos e mudamos o nome para Die Baby Die.


A segunda é Worlds of Evil, que tem não apenas ótimos riffs de guitarra, mas uma produção mais limpa, diferente da sonoridade das outras músicas do álbum.
Lupus: Esta foi a única canção que compusemos bem antes de Rough Times, creio que há uns dois anos. Deve ser por isso que soa um pouco diferente, e ela foi feita com base em alguma revista em quadrinho relacionada à série “The Walking Dead”. Não lembro exatamente qual. Worlds of Evil é uma música muito New Wave of British Heavy Metal.

A próxima é You Found the Best in Me, uma bela música que deveria tocar nas rádios. Em um mundo ideal, ela poderia levar o Kadavar a outro nível de sucesso comercial…
Lupus: Sim! Talvez um dia as rádios toquem nossas músicas, mas elas ainda odeiam o nome da banda. Acredite, não chegaremos a esse nível de sucesso comercial se não mudarmos. You Found the Best in Me tem algo de Neil Young, e lembro que a compusemos em apenas duas ou três horas. Ela surgiu muito naturalmente, mas num primeiro momento pensamos que seria melhor não incluí-la no álbum, porque não soa como Kadavar. Honestamente, no entanto, depois de quatro discos eu mesmo não sei mais como soamos. Decidimos colocá-la, e encaixou perfeitamente.

Vocês gravaram uma versão de Helter Skelter. Ela é muito conhecida, e muitos dizem tratar-se da primeira canção de heavy metal na história, não que os Beatles tivessem a intenção de criar o estilo. Mas por que vocês a escolheram?
Lupus: Porque é uma boa canção, mesmo. Além disso, costumamos tocá-la ao vivo e já havíamos feito isso para uma estação de rádio em Berlim. Como a gravadora queria uma faixa bônus, mas não tínhamos nada inédito, optamos por uma versão bem suja de Helter Skelter. A verdade é que ninguém tem a menor chance de fazer melhor quando grava um cover dos Beatles, mas gosto do som de garagem da nossa versão.

Vocês gravaram três videoclipes até o momento, e o de Into the Wormhole tem cenas bem fortes. Qual a mensagem que tentaram passar?
Lupus: A mensagem é que não há mensagem. O cara que você vê no clipe é David Sphaèros, vocalista do Aqua Nebula Oscillator, antiga banda do Simon. Ele mora naquela caverna com todas aquelas criaturas e bonecos que você também vê no vídeo, então a música é sobre o David. Encontramos um amigo que já havia feito alguns videoclipes com ele, e os dois toparam fazer mais um quando perguntamos se seria possível.

O press release de Rough Times tem uma definição interessante: ‘É normal que as pessoas queiram colocá-lo em alguma caixa, e é nosso trabalho criar a nossa própria e chamá-la de Kadavar’. De fato, as pessoas rotulam o som da banda como stoner, mas como você o chamaria?
Lupus: Não é algo que eu tenha de fazer. Apenas toco música e faço a minha arte. Se as pessoas gostam, legal. Se elas não gostam, legal também. Toco rock’n’roll, apenas isso.


Dito isso e considerando a trajetória do Kadavar de 2010 até hoje, como você descreveria cada um dos discos da banda?
Lupus: Nosso álbum de estreia, Kadavar, não é de todo ruim, mas nossa performance é descuidada e ingênua. Talvez seja essa a razão por que as pessoas gostam dele. Abra Kadavar mudou muitas coisas para a banda. Foi nosso primeiro trabalho na Nuclear Blast, e o lançamos apenas um ano depois de Kadavar, então acho que deveríamos ter gastado mais tempo nele. Berlin é nosso único disco experimental. Foi gravado, mixado e masterizado por terceiros (N.R.: Pelle Gunnerfeldt e Robin Schmidt). Gosto das músicas, mas aquele som não é verdadeiramente nosso. Funcionou apenas em algumas faixas. Rough Times foi produzido por nós mesmos, novamente, e gravado em nosso estúdio. É o melhor trabalho que fizemos até agora.

Nos últimos anos surgiram vários grupos inspirados nos grandes nomes que começaram tudo. Kadavar, Vintage Trouble, The Vintage Caravan, Blues Pills, Rival Sons, Radio Moscow, Inglorious… Alguns são mais pesados, outros mais ‘bluesy’, mas o foco principal é o rock’n’roll. Como você explicaria isso?
Lupus: Eu não sei. Creio que as pessoas gostam de música feita à mão, orgânica, e pode ser que essa onda tenha começado muito antes das bandas que você citou, porque não conheço todas elas. Quando o Wolfmother lançou seu primeiro disco, em 2005, e o Witchcraft também, na mesma época (N.R.: em 2004, e os dois álbuns são autointitulados), eu me apaixonei por esse som honesto e analógico. Queria fazer igual, mas levei cinco anos para encontrar as pessoas certas (N.R.: o primeiro baixista do Kadavar foi Philipp “Mammut” Lippitz, substituído em 2013 por Simon “Dragon” Bouteloup).

E os grandes nomes que serviram de inspiração estão aos poucos nos deixando. Em cinco ou dez anos, a maioria das bandas que crescemos ouvindo não estará mais na ativa. Que futuro a música reserva para a geração na qual o Kadavar está incluído? Para você, é uma transição normal ou um grande desafio ocupar esse espaço?
Lupus: Honestamente, eu não me importo. Assim como as ondas, a arte emerge e desaparece para emergir e desaparecer novamente, e assim por diante. Vou surfar essa onda enquanto puder e estiver me divertindo. Viajo ao redor do mundo com meus melhores amigos e tenho a chance de encontrar pessoas incríveis, mas vai chegar o dia em que isso tudo terá um fim. Não sei quando, mas alguns anos depois novas bandas darão sequência ao que foi feito antes. Elas continuarão no caminho que nós já percorremos e provavelmente serão muito melhores do que as atuais.

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Foo Fighters

Por Daniel Dutra | Fotos: Alessandra Tolc

Setenta e duas horas depois de ser tomado por Phil Collins e The Pretenders, o Maracanã voltou a receber um grande evento de música – e o estádio voltará a ser o principal palco carioca de jogos de futebol quando os clubes não tiverem de pagar para jogar lá, mas essa é outra história. O fato é que o gramado virou pista de dança e de pula-pula em dois dias para agradar a quase todos. E o “quase” exatamente fica por conta da noite de domingo, cujo anfitrião, Foo Fighters, mostrou por que é a maior das últimas bandas de rock de arena.

A entrada coube ao Ego Kill Talent, banda paulista que já havia feito bonito no Palco Sunset da edição 2017 do Rock in Rio. E Jonathan Correa (vocal), Niper Boaventura e Theo van der Loo (guitarra e baixo), Raphael Miranda (baixo e bateria) e Jean Dolabella (bateria e guitarra) confirmaram o que havia ficado claro pouco mais de cinco meses atrás: fosse um grupo gringo, a caminhada seria mais fácil e rápida. O rock do quinteto transita com fluência entre o peso, o pop e o moderno, e nem mesmo a constante troca de instrumentos entre os integrantes durante o show é capaz de quebrar a dinâmica.

Just to Call You Mine abriu o set de 30 minutos, e a boa recepção da plateia acabou sendo o melhor presente que a banda poderia receber – ainda mais para quem, como lembrou Correa, há três anos estava naquela mesma pista para assistir ao Foo Fighters. Belo exemplo de heavy metal moderno, a ótima Sublimated acabou sendo ofuscada pela canção que mostra definitivamente a eficiência do Ego Kill Talent em compor música boa para tocar em rádio: We All. Sem querer desmerecer Heroes, Kings and Gods e, última da apresentação, Last Ride, duas peças tipo exportação.

Ego Kill TalentEgo Kill TalentEgo Kill TalentEgo Kill TalentEgo Kill Talent

E veio o Queens of the Stone Age… Bom, não há outra maneira de resumir – e resumir educadamente – o show da banda liderada pelo vocalista e guitarrista Josh Homme: para ficar chato ainda tem de melhorar muito. If I Had a Tail foi apenas o prenúncio de um sofrimento que só teve fim depois de uma hora e 15 minutos. O sentimento de déjà vu na música do quinteto – completado por Troy Van Leeuwen (guitarra), Michael Shuman (baixo), Dean Fertita (guitarra) e Jon Theodore (bateria) – não ajudou em nada, assim como também não ajudou pensar em The White Stripes em canções como Smooth Sailing. É fato: não há remédio para chatice.

Feet Don’t Fail Me, Make it Wit Chu, Domesticated Animals, Villains of Circumstance e The Lost Art of Keeping a Secret… Estivesse você no trabalho, seria caso de receber adicional de insalubridade. E You Think I Ain’t Worth a Dollar, But I Feel Like a Millionaire? Sabe aquele seu amigo que diz que tal banda de thrash, death ou black metal é barulho mal feito? Ele deveria ouvir a canção presente no álbum Songs for the Deaf (2002) – título autoexplicativo, diga-se. No entanto, e para não dizer que foi sempre um martírio, The Way You Used to Do e Little Sister soaram razoavelmente bem ao vivo, assim como o hit No One Knows não foi de todo ruim, apesar do desnecessário solo de bateria – e levantou o público, obviamente. Havia mesmo um bom número de fãs do QOTSA, afinal, poucas coisas são tão democráticas como a música.

Sim, foi um show muito chato o do grupo americano, mas felizmente o compatriota Foo Fighters colocou a coisa no seu devido lugar. E foi diferente desde os primeiros acordes de Run, do mais recente disco da banda, Concrete and Gold (2017), porque foi uma música nova na ponta de língua das 30 mil pessoas presentes no Maracanã – e foram mais três recém-saídas do forno: a excelente The Sky is a Neighborhood, Sunday Rain (cantada pelo batera Taylor Hawkins) e Make it Right. Apesar de a reação a elas não ter sido tão calorosa, também não foi o caso de deixar a peteca cair.

Queens of the Stone AgeQueens of the Stone AgeQueens of the Stone AgeQueens of the Stone AgeQueens of the Stone Age

Mas a levada contagiante de Run, como se tivesse saído de um estudo de ritmos brasileiros, foi o aquecimento ideal para All My Life e Learn to Fly, que obviamente acirraram para o bem o ânimo dos fãs. E com um baita sorriso no rosto, lá estava Dave Grohl, correndo de um lado para o outro, batendo cabeça, em vários momentos se esgoelando ao cantar… É preciso tirar o chapéu para esse cara. Não apenas por ser, sejamos sinceros, o único talento que havia naquele negócio chamado Nirvana, mas também por não esquecer o que o motivou a chegar ao status que hoje ostenta: o de um autêntico rock star.

E se serve para refrescar a memória, lembre-se do Probot. Apesar de o álbum homônimo do projeto lançado em 2004 não ter ficado à altura das expectativas, foi ele quem, num período de baixa para o heavy metal, juntou gente como Lemmy, King Diamond, Cronos, Lee Dorrian e Tom Warrior, entre outros, num projeto que chamou a atenção do mainstream. Grohl é o sujeito que, no próprio show de aniversário, chama Paul Stanley, David Lee Roth e Zakk Wylde ao palco para tocar músicas do KISS, Van Halen e Black Sabbath. Tem que respeitar. Simples assim.

Tão simples como The Pretender, Rope, My Hero e These Days são funcionais e, melhor ainda, têm mais pegada ao vivo. Mas Grohl não é o único a brilhar, até porque cede muito espaço a Chris Shiflett e Pat Smear (guitarras), Nate Mendel (baixo), Rami Jaffee (teclados) e Taylor Hawkins, seu fiel escudeiro. Depois da catarse em Breakout, com uma participação do público que foi de arrepiar, a apresentação da banda se transformou numa festa. Se Jaffee tocou umas melodias progressivas – “Isso é algo que vocês nunca vão ouvir num álbum do Foo Fighters”, brincou o chefe –, o restante foi na base do rock’n’roll.

Foo FightersFoo FightersFoo FightersFoo FightersFoo FightersFoo FightersFoo FightersFoo FightersFoo FightersFoo Fighters

Shiflett, que várias vezes usou uma Gibson amarela com um adesivo do rosto de Ace Frehley, assumiu o microfone numa boa versão de Under My Wheels, de Alice Cooper – falta aos fãs, no entanto, fazer o dever de casa e descobrir as raízes da banda que tanto adora. Mendel puxou Another One Bites the Dust, do Queen, e também no improviso rolou Blitzkrieg Bop, do Ramones, pelas mãos do ovacionado Smear. Ao brincar com Love of My Life – afinal, segundo Grohl, estávamos todos num Rock in Rio –, Hawkins entregou o que muitos já esperavam: uma versão de Under Pressure com ele no vocal e Grohl na bateria. Ah, sim: durante o solo de Hawkins, em Sunday Rain, o praticável virou um elevador no melhor estilo Peter Criss, Eric Carr e Eric Singer. Ou seja, qualquer semelhança com o KISS não é mera coincidência.

Encerradas as homenagens, a trinca Monkey Wrench, Times Like These e Best of You colocou mais uma vez o Maracanã abaixo. É impressionante a quantidade de hits – e hits de qualidade indiscutível – que tem o Foo Fighters, mas o melhor ainda estava por vir. Coube a velharias a abertura do bis – This is a Call, do primeiro e autointitulado disco, lançado em 2005 – o encerramento da noite – Everlong, do segundo álbum, The Colour and the Shape (1997) –, mas foi o recheio que valeu o ingresso.

Em uma sincera e emocionante ode a Malcom Young, com direito a imagem do saudoso guitarrista no telão de fundo, a banda mandou ver numa arrasadora versão de Let There Be Rock. Da mesma forma que havia feito no México em 18 de novembro de 2017, mesmo dia em que a alma e o coração do AC/DC morreu. “Deus o abençoe, Malcom”, disse Grohl olhando para o telão e mandando um beijo para a imagem do maior guitarrista base da história do rock. Porque Grohl sabe que sem as raízes fincadas por bandas como o AC/DC ele não estaria fazendo o que faz muito bem: rock’n’roll.

Set list Foo Fighters
1. Run
2. All My Life
3. Learn to Fly
4. The Pretender
5. The Sky is a Neighborhood
6. Rope
7. Sunday Rain
8. My Hero
9. These Days
10. Walk
11. Breakout
12. Make it Right
13. Under My Wheels
14. Another One Bites the Dust / Blitzkrieg Bop / Love of My Life
15. Under Pressure
16. Monkey Wrench
17. Times Like These
18. Best of You
Bis
19. This is a Call
20. Let There Be Rock
21. Everlong

Set list Queens of the Stone Age
1. If I Had a Tail
2. Smooth Sailing
3. My God is the Sun
4. Feet Don’t Fail Me
5. The Way You Used to Do
6. You Think I Ain’t Worth a Dollar, But I Feel Like a Millionaire
7. No One Knows
8. The Evil Has Landed
9. I Sat By the Ocean
10. Make it Wit Chu
11. Domesticated Animals
12. Villains of Circumstance
13. Little Sister
14. The Lost Art of Keeping a Secret
15. Go With the Flow
16. A Song for the Dead

Set list Ego Kill Talent
1. Just to Call You Mine
2. Sublimated
3. We All
4. The Searcher
5. Heroes, Kings and Gods
6. Still Here
7. Last Ride

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Phil Collins

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

O amigo leitor pode estranhar a presença de Phil Collins na Roadie Crew, mas uma rápida pesquisa em edições passadas mostra que a cobertura de sua primeira passagem pelo Brasil é mais do que justificável. Na ed. #200 da revista, ele figurou entre os 50 maiores bateristas do rock numa pesquisa realizada entre jornalistas, músicos e profissionais do meio. Acha pouco? E a marcante passagem pelo Genesis? Para o bem ou para mal, e isso depende do quão xiita é o fã, o fato é que ele marcou uma era na banda inglesa de rock progressivo. Para terminar, a música pop dos anos 80… Bom, vamos por partes.

Coube ao The Pretenders, a eterna banda de Chrissie Hynde, a tarefa de aquecer um público – 43 mil pessoas, segundo a organização – que saiu de casa para se divertir carregando a expectativa de ter que voltar para casa de bote, graças à previsão de uma chuva de proporções bíblicas para aquela noite de quinta-feira. E a vocalista e guitarrista conseguiu, em uma hora, entreter pista, arquibancada e camarotes com uma boa dose de baladas e rock’n’roll, incluindo hits. Houve espaço para a faixa-título do mais recente álbum, Alone (2016), e covers muito bem escolhidos, Stop Your Sobbing (The Kinks) e Forever Young (Bob Dylan), embora estes não tenham recebido a correta valorização da plateia.

Curiosamente, foi justamente com Alone, rock de primeira qualidade, que Chrissie fez o mea-culpa por causa do excesso de baladas que, a bem da verdade, quebravam um pouco da dinâmica da apresentação. Mesmo que algumas delas tenham sido bem agradáveis, como Hymn to Her, justamente a que havia sido tocada antes, com uma vela interpretação da vocalista – que, diga-se, poderia fazer algum incauto pensar, numa rápida passada de olho no palco, pensar que era David Coverdale ao lado de James Walbourne (guitarra), Nick Wilkinson (baixo), Carwyn Ellis (teclados) e Martin Chambers (bateria), único integrante da formação original ao lado de Chrissie.

Canções como Message of Love, Boots of Chinese Plastic e Night in My Veins mostraram qual era o nível da música pop feita nos anos 80, mas foram os hits, todos (quase) muito bem espalhados no repertório, que nos mostraram, mais uma vez, que éramos felizes e não sabíamos. Back on the Chain Gang, I’ll Stand By You e Don’t Get Me Wrong fizeram com que muita gente mexesse os pés e soltasse a voz num público predominantemente de pessoas acima dos 40 anos. E teve Middle of the Road, claro. Provocou êxtase e poderia ter sido o ápice da apresentação não fosse a escolha de Brass in Pocket para fechar o set. Apesar do anticlímax, um show que valeu para matar a saudade de uma banda que não colocava os pés no Brasil há 30 anos, desde o finado Hollywood Rock. E que deu aquela vontade de ver o Pretenders num local menor.

The PretendersThe PretendersThe PretendersThe PretendersThe PretendersThe PretendersThe Pretenders

E havia chegado a hora de Phil Collins. Em sua turnê Not Dead Yet – mesmo nome da autobiografia, lançada em 2016 –, ele voltava ao Brasil depois de uma única passagem por aqui, em 1977, com o Genesis. E foi impossível evitar o ar de melancolia ao vê-lo debilitado fisicamente, ao vê-lo entrar no palco caminhando com dificuldade e com a ajuda de uma bengala. Sem tocar bateria desde 2009, em virtude de um problema numa vértebra do pescoço, ele hoje sofre com a perda de sensibilidade na mão esquerda e de movimentos em um dos pés. No entanto, tal sentimento acabou com as primeiras notas de Against All Odds (Take a Look at Me Now), e nem seria preciso apelar na sequência, com Another Day in Paradise.

Sentado durante todo o show, Collins mostrou não apenas ainda estar com a garganta em dia, mas que é um compositor de primeira linha. Perdoemos aqueles que o criticavam pela alta dosagem de açúcar em suas músicas, porque I Missed Again, do ótimo Face Value (1981), o álbum de estreia na carreira solo, e Hang in Long Enough, de …But Seriously (1989), ressaltaram a pobreza da música pop feita hoje em dia. Ao vivo, os arranjos de metais – cortesia de George Shelby (saxofone), Luis Bonilla (trombone) e Harry Kim e Dan Fornero (trompete) – ficaram ainda melhores.

O vocalista, diga-se, montou um time de primeira linha para acompanhá-lo no palco. A começar pelos veteranos Leland Sklar (baixo) e Daryl Stuermer (guitarra), este companheiro do vocalista também no Genesis; incluindo Ronnie Caryl (guitarra), Brad Cole (teclados) e Luis Conte (percussão); e terminando num fabuloso quarteto de backing vocals – formado por Amy Keys, Bridgette Bryant, Arnold McCuller e Lamont van Hook – e no batera Nicholas Collins, de 16 anos e cujo sobrenome não nega: filho de Collins.

O groove de Wake Up Call, de Testify (2002) abriu caminho para as duas primeiras do Genesis na noite: Throwing it All Away, de Invisible Touch (1986), e Follow You, Follow Me, de …And Then There Were Three… (1978). Àquela altura pouco importava a controvérsia sobre a participação de Collins na transformação sonora de um dois principais nomes do rock progressivo, porque foi emocionante assistir às imagens no telão, passando visualmente a limpo a história do Genesis com Collins, Steve Hackett, Peter Gabriel, Tony Banks e Mike Rutherford.

Phil CollinsNicholas CollinsPhil CollinsAmy Keys, Bridgette Bryant, Arnold McCuller e Lamont van HookPhil CollinsLeland SklarPhil CollinsDaryl StuermerBrad ColeLuis Conte

A animação de Only You Know and I Know, de No Jacket Required (1985), foi um contraste a Separate Lives, cover de Stephen Bishop que Collins gravou para a trilha sonora de “O Sol da Meia-Noite” (1985). Poderia ter dado lugar a One More Night, por exemplo, mas o dueto com Bridgette Bryant acabou justificando a inclusão no repertório. De qualquer maneira, foi uma covardia o que aconteceu daí para frente. Mais uma de …But Seriously, Something Happened on the Way to Heaven colocou todo mundo para dançar. Que refrão! Que groove! Que arranjo de metais!

O sorriso ficou definitivamente estampado no rosto dos fãs com a obra-prima In the Air Tonight, que ao vivo mostrou o que muitos esquecem: é rock progressivo até o talo, e a felicidade por ouvi-la ao vivo teria sido acompanhada por lágrimas se atrás da bateria estivesse o próprio Collins, um dos maiores nomes do instrumento. Mas foi, no entanto, uma experiência única ver o seu filho tocá-la perfeitamente, e o garoto tem todos os trejeitos do pai.

You Can’t Hurry Love, cover do The Supremes gravada em Hello, I Must Be Going! (1982), e Dance Into the Light, do álbum homônimo lançado em 1996, mantiveram o alto astral do show e preparam para um encerramento apoteótico. Invisible Touch, do Genesis, e Easy Lover, parceria de Collins com Philip Bailey, vocalista do Earth, Wind & Fire, ficaram espetaculares. E como se fosse possível melhorar a versão gravada em Chinese Wall, terceiro disco solo de Bailey, Easy Lover entrou facilmente no rol de momentos inesquecíveis. Por um momento, em meio à catarse, parecia que Collins queria levantar da cadeira para acompanhar o quarteto de vozes, que foi para frente do palco. Dividindo os vocais com Amy Keys e Arnold McCuller, Collins era a imagem da felicidade. Um espelho do que vinha da plateia.

Em uma versão obviamente não pasteurizada se comparada à de estúdio, Sussudio, de No Jacket Required, encerrou o set regular com direito a uma chuva de confete e serpentina para enfeitar a pista de dança na qual o Maracanã havia se transformado. Do mesmo álbum, Take Me Home foi o tradicional encerramento. Com seu refrão cantado por quem estava feliz da vida, foi o bis que marcou a saída de Phil Collins sob efusivos aplausos. E foi o encerramento que ratificou uma coisa: felizes são aqueles que têm como referência o pop e o rock feitos nos anos 80. Afinal, hoje em dia a falta de qualidade da música e a ausência de talento dos artistas precisam ser camufladas por polêmicas. Tipo orientação sexual ou se a bunda tem ou não celulite.

Set list Phil Collins
1. Against All Odds (Take a Look at Me Now)
2. Another Day in Paradise
3. I Missed Again
4. Hang in Long Enough
5. Wake Up Call
6. Throwing it All Away
7. Follow You, Follow Me
8. Only You Know and I Know
9. Separate Lives
10. Something Happened on the Way to Heaven
11. In the Air Tonight
12. You Can’t Hurry Love
13. Dance Into the Light
14. Invisible Touch
15. Easy Lover
16. Sussudio
Bis
17. Take Me Home

Set list The Pretenders
1. Don’t Cut Your Hair
2. Talk of the Town
3. Back on the Chain Gang
4. Message of Love
5. Boots of Chinese Plastic
6. Private Life
7. Hymn to Her
8. Alone
9. Stop Your Sobbing
10. I’ll Stand By You
11. Forever Young
12. Don’t Get Me Wrong
13. Night in My Veins
14. Middle of the Road
15. Brass in Pocket

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Epica

Por Daniel Dutra | Fotos: Tim Tronckoe/Divulgação

É tão certo quanto os arranjos orquestrais em suas músicas: desde a turnê de Consign to Oblivion que o Epica bate ponto no Brasil para promover todo e qualquer álbum de estúdio que lance. Da primeira vez, em dezembro de 2005, até o giro que começa no início de março, o currículo terá nada menos que sete passagens pelo país – incluindo até mesmo uma edição do Epica Metal Fest, em 2016. Desta vez, a relação de amor com os fãs brasileiros resultou na maior turnê da banda holandesa por aqui, com nada menos do que oito shows: Belo Horizonte (09/03), São Paulo (10/03), Rio de Janeiro (11/03), Porto Alegre (13/03), Curitiba (14/03), Manaus (16/03), Fortaleza (17/03) e Recife (18/03). Simone Simons (vocal), Mark Jansen (guitarra e vocais), Isaac Delahaye (guitarra), Rob van der Loo (baixo), Coen Janssen (teclados) e Ariën van Weesenbeek (bateria) levam para mais fãs a The Ultimate Principle Tour – baseada em seu trabalho mais recente, The Holographic Principle (2016), que rendeu o EP The Solace System (2017) –, e nós levamos até você algumas palavras de Simone sobre isso e mais um pouco. Boa leitura.

A relação do Epica com o Brasil começou a ser construída em 2005, e a banda nunca mais parou de vir aqui. Há uma conexão, obviamente, mas o que a torna especial para você?
Simone Simons: Vamos ao Brasil praticamente desde o começo da banda, e o mais legal é que os fãs sempre foram loucos pelo Epica. Posso dizer que foi um choque cultural para nós quando fomos pela primeira vez, porque os brasileiros são muito apaixonados, gostam do contato com os ídolos, e os holandeses são um pouco diferentes (risos). Havia fãs nos esperando em aeroportos, o que foi surreal para nós. Os brasileiros nos amam, e nós também os amamos, por isso fico feliz por poder voltar sempre. Fico ainda mais feliz porque desta vez vamos fazer uma turnê ainda maior.

Sobre essa paixão, lembro-me da primeira vez que o Epica tocou no Rio de Janeiro. Acompanhei a banda como assessor de imprensa do produtor local e, apesar de o Kamelot ser o headliner, o público foi insano no show. Vocês estavam nas nuvens depois da apresentação…
Simone: (rindo) Sim, é verdade! Foi em 2005, mas acredito que tocamos no Brasil antes disso, não?

Na verdade, não. Foi a primeira turnê do Epica no país, e não dá para esquecer o público cantando Cry for the Moon de maneira ensurdecedora…
Simone: Você tem razão, porque fomos com o Kamelot para uma turnê conjunta. Faz muito tempo, mas lembro-me bem. Meu marido toca no Kamelot (N.R.: o tecladista Oliver Palotai), então foi uma viagem especial para mim. Cantei The Haunting (Somewhere in Time) com o Roy Khan no show do Kamelot, que era tipo a minha segunda banda à época. E foi exatamente nesta primeira vez que vimos como os fãs brasileiros são devotados ao Epica, porque a recepção que tivemos foi inacreditável. Como você bem lembrou, Cry for the Moon foi um momento impressionante do show. Definitivamente, o Brasil é um belo país com pessoas bonitas, e somos afortunados por ter uma base de fãs tão sólida aí. Não tem como não ser feliz ao ter esse carinho dos brasileiros (risos).

Mas o Epica fez por onde, também. Foram quatro cidades logo na primeira turnê de uma banda que tinha apenas três anos de idade. Antes, você e Coen ainda se apresentaram num programa de TV para promover os shows.
Simone: É verdade! Lembro-me disso! Programa do Jô, certo?

Exatamente. Foram duas músicas, Solitary Ground e Linger.
Simone: E também lembro que estávamos bem nervosos (risos). Não gostamos muito de tocar em programas de TV, porque saber que milhares de pessoas estão assistindo só ajuda a aumentar o nervosismo (risos).


Você mesma lembrou que esta turnê em 2018 será a maior no Brasil, e ela inclui três cidades onde o Epica nunca esteve, Manaus, Fortaleza e Recife. Ou seja, a banda continua crescendo no país.
Simone: Isso é incrível. Costumamos ir para Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba, e posso dizer que as minhas cidades favoritas são Rio, porque tem praias e eu adoro praia (risos), e São Paulo, porque sempre vamos para lá. Manaus, Fortaleza e Recife são territórios desconhecidos para nós, então estou curiosa para ver como serão os shows. Uma coisa é certa: depois dessa turnê talvez eu seja capaz de falar um pouco de português (risos).

Como a banda levou o Epica Metal Fest para São Paulo em 2016, haverá alguma mudança nos shows desta vez?
Simone: Creio que não, mas serão os melhores shows do Epica, porque será uma turnê de headliner. A energia da banda no palco é sempre no nível máximo, mas tocaremos por uma hora e meia, então o setlist será maior. Além disso, haverá pacotes VIP de ‘meet and greet’, ou seja, poderemos interagir com alguns fãs antes dos shows. Ah, e vamos beber muitas caipirinhas! (risos)

Um mês depois da turnê no Brasil, o Epica fará uma apresentação especial em casa (N.R.: dia 14 de abril, em Tilburg) para celebrar a marca de mil shows na carreira. Vocês vão gravar para lançar em DVD, como Retrospect (N.R.: ao vivo da noite comemorativa de dez anos de banda)?
Simone: Não vamos gravar todo o show, talvez apenas partes dele. O planejamento para gravar um show e lançá-lo em DVD não pode incluir um festival, porque será um dia longo e, honestamente, o público estará cansado quando subirmos ao palco. Lembro-me das vezes que tocamos no Metal Female Voices Fest (N.R.: festival na Bélgica que teve edições de 2003 a 2016, e o Epica participou em 2003, 2004, 2005, 2007, 2008, 2009, 2010 e 2012), porque começava às onze horas da manhã. Quando o headliner começava o seu show, os fãs já estavam fisicamente esgotados. Mas o evento em Tilburg será especial, porque Lacuna Coil, Myrkur, Mayan, Oceans of Slumber e Nightmare serão nossos convidados, e o mais interessante é que antes o Myrkur abrirá nossos shows na turnê pelo Reino Unido (N.R.: seis datas, entre 6 e 13 de abril). Nunca havia ouvido falar dela (N.R.: Simone refere-se à vocalista Amalie Bruun, mentora do Myrkur), mas todos dizem que é muito talentosa, uma revelação, então estou curiosa para vê-la ao vivo. Bom, preciso pesquisar um pouco mais, pois tudo que sei é que ela é dinamarquesa (risos). Enfim, será um minifestival no qual seremos a atração principal e teremos alguns convidados especiais, e fico particularmente feliz porque o Lacuna Coil vai participar.

Ah, sim. As redes sociais mostram que você e Cristina Scabbia têm um bom relacionamento.
Simone: (rindo). É verdade. Cristina e eu somos grandes amigas.


O Epica mal lançou The Solace System e já soltou um novo EP, Epica vs. Attack on Titan Songs, mas este é algo completamente diferente para a banda (N.R.: A banda fez versões heavy metal das músicas de abertura do anime Attack on Titan – no original, Shingeki no Kyojin). O que você pode falar sobre ele?
Simone: O compositor do tema principal do desenho, não os criadores da série, é um grande fã do Epica, então entrou em contato conosco há algum tempo para fazer o convite. Devo admitir que não sou muito fã de animes ou mangás, mas lembro-me que nossa primeira ida ao Japão foi como se estivéssemos realizando um sonho (N.R.: em 2003). Achamos que seria legal fazer o EP porque sairíamos da nossa zona de conforto, então sentamos para assistir à série e fazer algumas pesquisas, depois adaptamos as letras para o inglês e fomos gravar com o Joost van den Broek, que produziu nossos álbuns mais recentes (N.R. The Quantum Enigma, de 2014, e The Holographic Principle). E foi muito divertido. Aquelas músicas são rápidas demais, então tivemos de desacelerá-las um pouco porque, caso contrário, não conseguiríamos tocá-las (risos). Particularmente, fiquei muito feliz porque minhas performances naquelas canções estão entre as melhores que já fiz. Aliás, hoje é o dia oficial do lançamento do EP (N.R.: a entrevista foi realizada em 20 de dezembro).

Sim, e tentei escutá-lo antes desta entrevista, mas ainda não está disponível no Spotify.
Simone: Eu sei, porque fui checar pela manhã e também não encontrei (risos). Mas pelo menos eu tenho as músicas no meu computador (risos).

Falando em internet, você é bem ativa nas redes sociais, e o interessante é que o foco são dicas de maquiagem e fotografia, por exemplo. Até a minha esposa segue você, e fico imaginando quantas pessoas não sabem que se trata de uma vocalista numa banda de heavy metal…
Simone: (rindo) Ah, é verdade que sou ‘heavy user’ de Instagram e Twitter, meus canais principais. Não gosto do Facebook, que é linkado ao meu Instagram. Ou seja, o que entra são as fotos que posto no Instagram, porque não costumo abrir o Facebook para ficar lendo o que está lá. A razão de eu gostar mais de Instagram e Twitter não é apenas porque são compactos, mas porque nas duas há mais coisas positivas do que negativas. Claro, eu curto mensagens mais curtas e adoro fotos, então sempre que estou com vontade escrevo alguma coisa e promovo meu trabalho como fotógrafa. Como não sou de falar ou ler muito, então é legal fazer um Q&A (N.R.: perguntas e respostas) no Twitter ou um Live no Instagram. Faço quando tenho vontade, e os fãs dizem que gostam. Apenas tenho que estar no clima, porque ser for planejado acaba não funcionando direito. Tem que ser espontâneo, mas é uma boa maneira de interagir com os fãs. Conheci muitos que me seguem nas redes sociais e depois vão aos shows, então vira uma família Epica (risos). Apesar de eu vestir muitas roupas pretas, vários não sabem que sou uma cantora de heavy metal (risos). Tem a história de um fã que, por causa das minhas postagens, achou que eu cantava música country (risos). No fim das contas, considero-me uma artista mais do que uma musicista, porque gosto bastante de arte. Moda, maquiagens, fotografia e coisas bem visuais.


A jornada do Epica já dura 16 anos, e no início você era uma adolescente à frente de uma banda de heavy metal. Hoje o Epica é uma referência no estilo, e você, uma das vocalistas mais respeitadas do estilo e também mãe. Já se pegou pensando em como a sua vida mudou?
Simone: Na verdade, não, e agora que você falou… É incrível, realmente. O Epica é muito bem-sucedido, e as pessoas adoram o que fazemos, mas no fim do dia eu sou mãe, como você bem lembrou, e também esposa (risos). Tenho uma casa para cuidar, então preciso cozinhar, fazer limpeza e todas as coisas comuns que todo mundo faz. A diferença é que quando estou no palco todos estão olhando para mim, então é um contraste muito forte. Desde que me tornei mãe o mundo ficou diferente para mim. Levo o meu filho (N.R.: Vincent Palotai, de quatro anos) para a escola e para praticar esportes, depois vou pegá-lo, à noite o coloco para dormir… É o lado contrário do rock’n’roll (risos). Tenho dois mundos, amo ambos da mesma maneira e sinto-me afortunada pelo Epica continuar crescendo e indo tão bem. Nós trabalhamos muito duro, mas temos fãs realmente leais, e é mesmo incrível perceber que já são quase 17 anos de banda. O tempo passa rápido demais.

Mas você e o Epica ainda têm muito pela frente, então o que você ainda sonha alcançar?
Simone: Como artista, há algumas pessoas com as quais eu gostaria de trabalhar, mas num material solo. Talvez cantar num filme, fazendo a trilha sonora dele. No lado pessoal, gostaria de ter uma casa algum dia (risos). Tenho um apartamento, mas a cidade onde moramos (N.R.: Stuttgart, na Alemanha) é muito cara. Temos família, amigos e escola em nossa região, mas não quero morar aqui por muito tempo, só que gostaria de ficar próxima de Stuttgart também pela facilidade de ir ao aeroporto ou à estação de trem. Porque não dá para ir morar no meio do nada (risos). Resumindo, trabalhar com alguns artistas fora do Epica, gravar a trilha sonora de um filme e ter a minha própria casa (risos).

Clique aqui para acessar a entrevista original no site da Roadie Crew.

Jag Panzer – The Deviant Chord

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Heavy metal, amigo leitor. Sem frescuras ou grandes malabarismos. É isso que você encontra no novo álbum do Jag Panzer, que felizmente repensou a aposentadoria e retomou as atividades contando com o retorno do guitarrista Joey Taffola ao lado de Harry Conklin (vocal), Mark Briody (guitarra), John Tetley (baixo) e Rikard Stjernquist (bateria). The Deviant Chord chama logo a atenção pela produção orgânica, bem anos 80, com um som de guitarra de tirar o chapéu. Ponto para a veterana banda, que completou o trabalho com dez músicas para agradar em cheio a quem curte rock pesado.

Eu falei que era um disco de heavy metal, certo? Ouça a ótima Blacklist, que bem poderia ser verbete do estilo, mas não deixe passar Born of the Flame e seus solos e melodias dobradas; Divine Intervention, com um refrão épico; Dare, um almanaque de grandes solos; a veloz Fire of Our Spirit; e Salacious Behaviour, que contagia desde o início com sua ‘drum intro’. E para dar uma quebrada, no bom sentido, escute a bonita Long Awaited Kiss, preste atenção no trabalho acústico da faixa-título e prepare-se para cantar sem parar Foggy Dew, tradicional canção irlandesa que tem tudo para se tornar um hino nos shows.


O texto foi escrito para a edição 226 da Roadie Crew, mas a avaliação do novo álbum do Jag Panzer já havia sido feita. Como neste mês de janeiro a revista, em sua edição 228, vem com a entrevista que fiz com Mark Briody, a resenha foi resgatada. Ah, sim: a nota atribuída ao CD foi 8,0.



2017 in review: os melhores discos do ano

A ideia é que Alta fidelidade seja a seção do Resenhando que funcione como uma coluna. E como o nome foi inspirado na obra de Nick Hornby, o primeiro post será um à la Rob Gordon (se você assistiu ao filme dirigido por Stephen Frears, estrelado por John Cusack e lançado em 2000) ou Rob Fleming (caso tenha ficado apenas no livro, de 1995).

Infelizmente, antes de mandar a minha lista de melhores de 2017 para a Roadie Crew, não consegui ouvir a tempo tudo o que eu queria – como, por exemplo, os novos trabalhos do Cavalera Conspiracy, Psychosis, e Moonspell, 1755. No entanto, não creio que haveria uma mudança significativa na seleção dos 20 discos que mais curti ano passado.

A lista com os dez melhores e mais alguns tópicos específicos está na edição 228, de janeiro, ao lado das escolhas de toda a equipe da revista. Mas deixo aqui, no mundo mágico da internet, o trabalho completo, todos os títulos, representados abaixo na galeria com as respectivas capas e no player do Spotify com cinco músicas de 19 dos 20 CDs, porque In the Passing Light of Day, do Pain of Salvation, não está disponível na plataforma de streaming – nenhum álbum da banda sueca está, na verdade.

Ah, as fotos… A que chama este post é do The Night Flight Orchestra, responsável por Amber Galactic, disco que mais me fez babar em 2017 – mas escute também os dois primeiros trabalhos do sexteto, Internal Affairs (2012) e Skyline Whispers (2015), e corra atrás da edição 224 da Roadie Crew, que foi às bancas em setembro. Tem uma entrevista bem bacana com o vocalista Björn “Speed” Strid.

E a imagem que abre este post é do Living Colour, banda uma das favoritas da casa. Não apenas porque Shade, sexto disco de inéditas da banda, está na lista, mas porque Will Calhoun (bateria), Corey Glover (vocal), Vernon Reid (guitarra) e Doug Wimbish (baixo) – na ordem da foto – compuseram, gravaram e lançaram a música mais bonita e arrepiante de 2017: Two Sides. ‘Play on, brother. Play on’.

Venom Inc.WarrantDream EvilJorn LandeArch EnemyAcceptBlack Country CommunionBrother FiretribeSons of ApolloTankardDeep PurpleBlack Star RidersMr. BigOverkillSepulturaRevolution SaintsIngloriousLiving ColourPain of SalvationThe Night Flight Orchestra