Dizer qual é o melhor disco do Iron Maiden é uma tarefa impossível, mas certamente todo fã tem especial carinho por um determinado álbum. No meu caso, Powerslave é aquele que eu levaria para uma ilha deserta, a obra-prima que se sobressai entre as outras porque tem uma história para contar. O estrago já havia sido efeito no ano anterior com a vinda do KISS ao Brasil, apesar de o embrião ter sido formado anos antes graças a meu pai e seus discos dos Beatles e Elvis Presley, mas o ano de 1984 foi mesmo especial. Foi quando me livrei de uma chatice que parecia interminável – ir obrigado à igreja aos domingos – porque o videoclipe de Thrills in the Night (Animalize, KISS) iria passar no Fantástico. E, claro, foi quando economizei a mesada – aos 10 anos de idade, que outra fonte de renda eu poderia ter? – para ir à loja de discos mais próxima comprar o novo LP do Iron Maiden.
Powerslave era o principal título da coleção “Heavy Metal Attack”, da EMI, e contando os trocados ainda sobrou algum para comprar The Warning, o álbum de estreia de uma banda nova chamada Queensrÿche, mas aí já é outra história… A sensação ao ouvir os primeiros acordes de Aces High foi a mesma que senti quando coloquei o CD no aparelho de som para escrever esta resenha, mas desta vez, depois de duas décadas, Powerslave serviu de trilha sonora, mesmo porque o vinil eu gastei de tanto ouvir. Sim, não é mais nenhuma surpresa, mas continua magistral, maravilhoso, perfeito a cada audição.
Bastam poucos segundos de Aces High para as mãos abandonarem o teclado e começarem a tocar uma bateria imaginária, com a cabeça acompanhando o ritmo ditado pelas guitarras de Adrian Smith e Dave Murray. Bruce Dickinson entra cantando, e no refrão eu já me encontro aos berros, parecendo o mesmo garoto que botou o vinil no velho toca-discos que um dia foi do meu pai – e essa paixão pela música certamente o deixaria orgulhoso. O riff de 2 Minutes to Midnight – que ouvidos mais atentos podem identificar como uma releitura de Burn, do Deep Purple. Perguntem a Smith… – torna impossível a tarefa de digitar. Não dá para usar o teclado e agitar ao mesmo tempo, mesmo que seja sozinho e no meio do quarto. Volto daqui a pouco…
Pronto, acabou o CD e tive de desligar o som. Agora posso falar que até mesmo as músicas menos famosas de Powerslave são um bálsamo. Que banda de heavy metal pode se gabar de compor a excelente instrumental Losfer Words (Big ‘Orra) e, também, Flash of the Blade (que riff, meus amigos!) e não aproveitá-las? Back in the Village tem outro grande riff (Adrian Smith é mesmo genial), e a espetacular The Duellists mostra de onde o Helloween – leia-se a dupla Kai Hansen e Michael Weikath – tirou aquelas guitarras dobradas em solos e harmonias.
Se até aqui todas as músicas são de encher os olhos, as duas últimas são uma verdadeira covardia. Não há adjetivos para Powerslave e Rime of the Ancient Mariner, pois ainda não inventaram algo que supere a perfeição. A faixa-título é a prova de que Dickinson é mais do que um vocalista fora de série e um dos maiores frontmen do rock. É também a obra definitiva de um grande compositor. Não estou falando apenas da letra que gira em torno do tema do álbum, mas da música, das maravilhosas melodias (pode incluir o toque egípcio, por assim dizer), das mudanças de andamento, da riqueza de detalhes. Para completar, Murray e Smith encontravam-se especialmente inspirados.
Rime of the Ancient Mariner… O que posso dizer? Está aqui o motivo por que Steve Harris é a personificação do heavy metal, título que pertence a poucos na história (e não preciso citar um por um, certo?). Não acho que ele seja um baixista extraordinário, mas é inegável que seu estilo é único – e aí reside um de seus méritos, assim como é a sua presença de palco (vê-lo colocar o pé no retorno e apontar o baixo para a plateia é realmente emocionante). Mais do que isso, o cara que compôs sozinho esta pequena obra-prima de 13 minutos e 36 segundos garantiu certificado de perdão para furos futuros. No mínimo. Instrumental primoroso – façamos o registro: uma das melhores atuações de Nicko McBrain – e uma letra fantástica, contando uma história com início, meio e fim sem repetir uma frase sequer. Vamos falar sério uma última vez: se Powerslave não está em sua coleção, lamento informar que você não gosta ou não entende nada de heavy metal. Ou as duas coisas.
Faixas
1. Aces High
2. 2 Minutes to Midnight
3. Losfer Words (Big ‘Orra)
4. Flash of the Blade
5. The Duellists
6. Back in the Village
7. Powerslave
8. Rime of the Ancient Mariner
Banda
Bruce Dickinson – vocal
Dave Murray – guitarra
Adrian Smith – guitarra
Steve Harris – baixo
Nicko McBrain – bateria
Lançamento: 03/09/1984
Produção e mixagem: Martin Birch