Ozzy Osbourne em todas as frentes

Novo CD/DVD ao vivo e relançamentos questionáveis: um dia na vida do Madman

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Ozzy Osbourne em todas as frentes

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Ozzy Osbourne certamente não precisava do reality show The Osbournes, sucesso incomparável da MTV americana, para se tornar, digamos assim, mais conhecido. Arrancar com os dentes a cabeça de um morcego semimorto pensando que o mesmo fosse de borracha – perguntem se ele estava doidão em cima do palco… – foi o suficiente para fazê-lo ter seu nome gravado na memória de qualquer um, até daqueles que não lembram ao menos se já escutaram alguma de suas músicas.

Príncipe das Trevas e Madman são exemplos de como as pessoas carinhosamente se referem a Ozzy. Com o cheiro de hipocrisia no ar, há os que o consideram o anticristo e gostariam mesmo que ele fosse para o quinto dos infernos. Mas estes são os mesmos que dizem que KISS significa ‘kids in Satan Service’ – sim, pode rir – e acusam a banda de pregar o nazismo por causa dos “SS” em seu logo – claro, eles não lembram que Gene Simmons é judeu e sua mãe escapou de um campo de concentração durante a II Guerra Mundial. Só bate palmas para esse tipo de coisa quem acredita que maçã é fruto proibido.

The Osbournes não serviu apenas para comprovar que Ozzy está pagando pelos excessos cometidos com as drogas e o álcool durante anos e anos a fio. Mais do que isso, mostrou que ele é um pai de família como outro qualquer, muitas vezes tão bobo – e não por causa das sequelas, que fique bem claro – que muita gente deve ter se perguntado como ele pode ser tão ordinário, e digo isso sem ser pejorativo. Em cima do palco Ozzy é louco, mas apenas por causa dos fãs, da interação que faz nascer toda essa loucura. E os fãs são sinceros: Ozzy Osbourne é foda!

O (novo) interesse que o reality show fez despertar já rendeu frutos. Para a família Osbourne, especula-se que US$ 20 milhões por uma nova temporada de dez episódios. Para a imensa legião de fãs, o CD e o DVD Live at Budokan, que capturam um dos shows da turnê de Down to Earth, mais precisamente o gravado em 15 de fevereiro deste ano na tradicional casa de shows em Tóquio, no Japão. E independentemente de qual formato você escolher – o álbum tem uma música a menos, Suicide Solution –, pode ter certeza de que vale cada centavo investido.


O show, apesar de mais curto que o habitual, é simplesmente espetacular. Claro que as 14 músicas não são suficientes, falta muita coisa, mas esse é um preço a se pagar quando se tem repertório para três horas de show… E com os fãs cantando a plenos pulmões. De Down to Earth temos Junkie e as excelentes That I Never Head e Gets Me Through – não, não tem Dreamer –, e da fase anos 90, as indefectíveis Mama I’m Coming Home e I Don’t Wanna Change the World, além, é claro, da obrigatória e maravilhosa No More Tears. Pois é, nada do Ozzmosis (cadê Perry Mason? Ou My Jekill Doesn’t Hide?), e, voltando alguns anos, mesmo o irregular No Rest for the Wicked poderia ser representado com Miracle Man ou Crazy Babies.

Mas reclamar para quê? O show começa com I Don’t Know e termina com Paranoid, única música do Black Sabbath no set list e, óbvio, responsável por um encerramento apoteótico. No recheio, a agradável surpresa Believer, que não era tocada ao vivo há mais de dez anos, e as óbvias Mr. Crowley, Bark at the Moon e Crazy Train, que levam os japoneses ao delírio. Além disso, é Ozzy quem as está cantando… Bom, 99% overdub, mas quem se importa? As mãos tremem, ele não fica mais se arranhando alucinadamente e, mais do que nunca, o teleprompter o auxilia com as letras das músicas. Mas o Madman ainda se diverte, arrisca os tradicionais “pulos do sapo”, não cansa de berrar ‘go fucking crazy!’ e domina a plateia como poucos.

Ozzy é Ozzy, e isso significa que de bobo ele não tem nada. Sempre cercado de músicos no mínimo competentes, desde 1996 é acompanhado pelo baixista Robert Trujillo (ex-Suicidal Tendencies) e pelo baterista Mike Bordin (ex-Faith No More). Sóbrio na parte musical, Trujillo tem uma presença de palco, digamos, peculiar, enquanto Bordin massacra a batera e enche os olhos (o que não é novidade para quem o conhece do FNM). Mas não há como fugir do óbvio, que neste caso atende pelo nome de Zakk Wylde.

Ozzy sempre revelou guitarristas extraordinários, como Randy Rhoads – gênio que morreu prematuramente em 19 de março de 1982, aos 25 anos – e Jake E. Lee. Em 1988, então com 21 anos, Wylde foi o escolhido para substituir Lee e ocupou o espaço de Rhoads junto a Ozzy numa “relação de pai e filho”, como o próprio Wylde costuma dizer. Apesar de ter ficado fora da banda de 1994 a 2000, período em que foi substituído por Joe Holmes, gravou todos os discos de estúdio de Ozzy, já que no hiato mencionado houve apenas turnês. Depois de 14 anos – incluindo seus projetos solos, como o excelente Black Label Society, que já chegou ao quarto disco, sendo um ao vivo –, Zakk Wylde construiu, com toda justiça, a reputação de melhor guitarrista de heavy metal da atualidade. Assista ao show e descubra o porquê.

Relançamentos e lavagem de roupa suja

O sucesso de The Osbournes não fez apenas com que Live at Budokan pegasse carona, já que o DVD tem como extra um ‘behind the scenes’ de meia hora com imagens dos passeios de Ozzy, banda e família no Japão. Além disso, a Sony Music relançou toda a discografia do Madman, incluindo fotos inéditas, letras e as eventuais bonus tracks. Para completar, os dois primeiros álbuns, Blizzard of Ozz e Diary of Madman, tiveram bateria e baixo regravados por Bordin e Trujillo, o que resultou em mais um capítulo da briga que envolve Bob Daisley e Lee Kerslake, baixista e baterista que originalmente participaram dos discos.

Daisley e Kerslake – que depois do lançamento do segundo álbum foram substituídos por Rudy Sarzo e Tommy Aldridge, respectivamente – movem uma ação judicial contra Ozzy Osbourne, alegando que não receberam os valores corretos dos royalties pelas vendagens dos discos e pela execução das músicas (das quais também são autores) em rádios, programas de TV e shows. A decisão de regravar suas partes nos relançamentos, evitando assim que ambos tivessem maior participação financeira, revoltou Daisley, que em comunicado oficial resolveu jogar muita coisa no ventilador.


“Eu já esperava que fizessem algo para nos desrespeitar, mas não que insultassem à memória de Randy Rhoads. É uma vergonha, pois ele não está entre nós para opinar sobre o que deveria ser feito. É o vigésimo aniversário de sua morte e os álbuns saem dessa maneira. Sua mãe (N.R.: Delores Rhoads) está decepcionada”, afirma Daisley, que volta sua carga contra Ozzy. “Ele não sabe tocar um instrumento sequer, não é o músico que todos pensam. No máximo aparecia com boas ideias de melodias, mas geralmente as músicas já estavam prontas. Nem as letras ele escreve. No Black Sabbath era o Geezer (N.R.: Butler, baixista), e na sua banda, como Randy e Lee não cuidavam dessa parte, eu era o responsável.”

Daisley não só afirma que as músicas de Blizzard of Ozz foram escritas por ele e Rhoads, com Lee ajudando em Diary of a Madman, mas que escreveu todas as letras destes dois discos mais as de Bark at the Moon (cujas músicas são de autoria de Jake E. Lee, apesar de o guitarrista não ter sido creditado) e The Ultimate Sin. O baixista encerra a nota mais uma vez mostrando sua revolta com os relançamentos. “Eles não colocaram ao menos um adesivo dizendo que não é a banda original, que não são as gravações originais! As pessoas podem comprar os discos por ignorância, por não saberem de nada, mas perguntarão ‘mas que porra é essa?’ quando escutarem em casa.”

Da parte de Ozzy e Sharon Osbourne, sua mulher e empresária, não houve nenhum pronunciamento. Com os problemas de saúde de Sharon, operada em 3 de julho de um câncer no cólon e submetendo-se a tratamento de quimioterapia, Ozzy não está mesmo preocupado com tanta baixaria. “Sempre pedi a Deus que eu morresse antes da minha mulher, mas a vida sempre encontra uma maneira de lhe sacanear”, disse o Madman, em estado de choque, depois de receber a notícia.

Matéria originalmente publicada na edição 86 do International Magazine, em agosto de 2002.