Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação
Há muito tempo havia perdido qualquer resquício de entusiasmo ao ouvir um novo disco do Rush. Na verdade, não me animava nem mesmo para tomar a iniciativa de correr atrás. Sim, sou um daqueles chatos que acham que Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart pararam no início dos anos 80 – bom, sou um pouco menos turrão, pois acredito que houve vida depois de Moving Pictures (1981), já que Signals (1982) é um disco bem legal, e Grace Under Pressure (1984) e Power Windows (1985) têm ótimos momentos. Claro, não deixei de ir ao Maracanã assistir ao show carioca da primeira (e até hoje única) turnê brasileira do trio canadense (confira como foi), e até hoje me emociono com 2112, YYZ, Closer to the Heart, Limelight, La Villa Strangiato e The Spirit of Radio ao colocar o DVD Rush in Rio para rolar (clique aqui para ler a resenha).
Pois bem, ouvi que Snakes & Arrows merecia uma chance. Vá lá que o mesmo foi dito de Counterparts (1993), Test for Echo (1996) e Vapor Trails (2002), todos uma tentativa de voltar a soar mais rock, mais Rush sem tantos sintetizadores, programações e baterias eletrônicas. Havia escutado os álbuns em questão, sim, mas nenhum deles empolgou por inteiro. O Rush continuava lançando discos com duas ou três grandes músicas em cada um deles. Apenas isso. E não é que agora foi diferente? Demorou 25 anos, mas enfim a espera acabou.
Snakes & Arrows não é, que fique bem claro, um álbum para se colocar ao lado de pérolas como Fly By Night (1975), 2112 (1976), A Farewell to Kings (1977), Hemispheres (1978) ou do já citado Moving Pictures. Mas é o Rush finalmente soando relevante, soando como o Rush poderia soar no século XXI. Enfim, um disco orgânico sem parecer forçado. Um disco agradável de ouvir. Finalmente. O começo com Far Cry não poderia ser melhor, já que traz os ingredientes que fizeram dela a primeira música de trabalho (é fácil de cantar, por exemplo), mas apresenta peso na medida certa, com uma linha de baixo espetacular – o que, aliás, é também a tônica nas instrumentais The Main Monkey Business e Malignant Narcissism. Imagine Dave Mustaine tocando aqueles riffs intrincados do Megadeth sem precisar ter de cantar… Mal comparando, é por aí mesmo.
Na outra instrumental do CD, o dono da bola é Lifeson. Hope mostra o guitarrista num inspirado momento acústico, mas ele dá as cartas em Spindrift, Bravest Face e We Hold on, provando mais uma vez a injustiça que é ser subestimado por muita gente. O cara desfila classe e elegância nas seis cordas sem precisar de várias notas por segundo. E ninguém está esquecendo de Peart, o gênio das baquetas que faz da bateria um verdadeiro instrumento de percussão, por mais paradoxal que isso possa soar.
Sim, ele dá uma aula em todo o disco, mas Snakes & Arrows é um trabalho de três músicos brilhantes que colocam as composições em primeiro lugar – Workin’ Them Angels e The Way the Wind Blows, por exemplo – e, desta vez, trouxeram aquela dose extra de qualidade que sempre marcou o Rush. Duvida? Faithless e Good News First não escondem uma queda por aquilo que o grupo passou a fazer a partir de meados da década de 80, mas sem precisar de recursos eletrônicos em demasia. Não deveria ser tão difícil agradar a um grupo de fãs tão ranzinzas, no qual eu me incluo, mas valeu a penas esperar.
Resenha publicada na edição 135 do International Magazine, em agosto de 2007