Nuclear Assault

Teatro Odisseia – Rio de Janeiro/RJ – 23/04/2019

Foto: Alexandre Cavalcanti

Nuclear Assault

Por Daniel Dutra | Fotos: Alexandre Cavalcanti

Duas décadas depois da antológica estreia no Brasil, com dois shows no Dama Xoc, em São Paulo, tendo o Sepultura como banda de abertura, o Nuclear Assault voltou ao país para uma série de seis apresentações, incluindo o Rio de Janeiro, onde a banda esteve pela primeira vez quatro anos antes, no mesmo Teatro Odisseia – as outras datas foram no Recife, em Vila Velha e em São Paulo, sendo duas na capital e uma em Limeira. Pronto. Introdução histórica feita, vamos ao que mais interessa: John Connelly (vocal e guitarra), Dan Lilker (baixo), Eric Burke (guitarra) e Nick Barker (bateria) foram responsáveis por um massacre na tradicional e acanhada casa de shows na Lapa – e sim: Glenn Evans não veio, mas, como bem disse Lilker em algum momento da noite, quem estava comandando as baquetas era “Nick fucking Barker!”. O ex-Cradle of Filth, Dimmu Borgir, Lock Up e Testamente vem ajudando o grupo desde 2016, quando Evans sofreu uma lesão num dos braços.

Escorados por um ótimo som, o quarteto entrou arregaçando com a trinca que abre Survive (1988), segundo álbum (e quarto trabalho na discografia) do Nuclear Assault. Rise from the Ashes acabou servindo de cartão de visitas para Barker e seu show particular; e para Connelly, cuja voz peculiar e sensacional resistiu muito bem à idade do professor – literalmente, uma vez que o guitarrista e vocalista é hoje um tiozinho que leciona História no ensino médio americano. Na sequência, a maravilhosa Brainwashed e seu refrão matador ajudaram a formar uma bela roda na pista, mantida pela porradaria de F#. “Um minuto, porque temos um pequeno problema técnico”, pediu Lilker, referindo-se à guitarra de Burke, para depois perguntar, em bom português, “Onde está maconha?”, arrancando gargalhadas dos presentes. Problema sanado, Vengeance foi mais uma pancadaria das boas.

Com uma garrada de 600 ml de cerveja artesanal, um contraste com a tulipa de chope que Lilker empunhava, Connelly deu a deixa para After the Holocaust: “Nós somos o Nuclear Assault, de algum lugar dos Estados Unidos, e vamos tocar muito thrash metal fodido para vocês”. Foi a mais pura verdade, porque em seguida vieram as lindezas New Song e Critical Mass, sem sair de cima. Duas provas de que a obra-prima Handle With Care, que completa três décadas de vida no dia 23 de novembro deste ano, é a obra favorita dos fãs. Foi um momento simplesmente espetacular. A instrumental Game Over foi enriquecida com o coro da plateia, atingida na sequência por Butt Fuck, com os vocais Connelly e Lilker se encontrando e dando gosto de ouvir.


Os clássicos fizeram um apressadinho pedir por Hang the Pope, e Lilker deu o recado: “Ela vem depois. Paciência”. Stranded in Hell e Sin, duas das oito faixas do álbum de estreia, Game Over (1986), tocadas naquela noite, continuaram acelerando o rolo compressor, enquanto Betrayal e os gritos de Connelly soaram lindamente. “Nick quer marijuana, e eu também”, avisou Lilker em sua busca pela erva, antes de puxar o celular para tirar foto do público, e rapidamente a banda mandou a punk rock Analogue Man in a Digital World, única do mais recente trabalho da banda, o EP Pounder (2015). “Agora vamos para um set de soft jazz”, bradou o inspirado baixista. “Ok, agora vamos lá”, e aí sim F# (Wake Up) iniciou mais uma dobradinha de Handle With Care, abrindo caminho para a espetacular When Freedom Dies.

Honestamente, poderia ter acabado aí que todos voltariam felizes da vida para casa, mas os caras emendaram de uma vez só My America, Hang the Pope e Lesbians, numa estupidez musical completada com Trail of Tears, outra pérola de Handle With Care – e mais uma vez veio a memória, assim como no momento de Critical Mass, do videoclipe passando na MTV quando a MTV valia a pena. Fim do show, Connelly, Lilker, Burke e Barker desceram para tirar fotos, autografar encartes, distribuir palhetas e bater papo com os fãs que compareceram ao Odisseia naquela noite de terça-feira. E foram poucos, infelizmente, numa demonstração de como fazer eventos de metal no Rio de Janeiro tem se tornado uma tarefa heroica para os produtores menores e independentes, que não contam com patrocínio algum que não seja o ingresso comprado pelo fã. A continuar nesse ritmo, aquele headbanger carioca que fica em casa assistindo a DVDs vai ter que comprar mais DVDs, porque não demora muito e os shows serão mesmo apenas na TV.

E se havia um número abaixo da média para ver o grupo principal, os de abertura tocaram quase como se fosse um ensaio – claro, quem é quer chegar mais cedo para ver e privilegiar as atrações nacionais? Nem todo mundo, obviamente, e o Savant, que inaugurou os serviços, foi quem mais sofreu. “Isso aqui não é um pocket show. Está todo mundo parado, mas estamos filmando”, reclamou o guitarrista e vocalista Antonio Vargas, lembrando que imagens do show estavam sendo registradas para um videoclipe – o quarteto é completado por Daniel Escobar (guitarra), Frederico Moshilão (baixo) e Felipe Saboia (bateria).

E olha que o som da banda é propício para bater cabeça, ainda assim o apelo não surtiu muito efeito. Suicidal Premonition, por exemplo, teve provavelmente o ‘wall of death’ mais inofensivo da história do thrash metal. Uma pena, pois a banda merecia mais empolgação vinda da pista, mesmo que com pouca gente. Ainda assim, músicas como Religion Misunderstood, Third Antichrist, Colonizer – “Sobre os maiores serial killers da história”, explicou Vargas – e No Hope, que fez a lição de casa com muito Slayer e Kreator, passaram muito bem o recado do Savant, que está na estrada desde 1999 e já soltou quatro trabalhos: os EPs Portrait of Reality (1999) e Evidence Elimination (2004); e os CDs No Hope (2007) e Serial Killers’ Tales (2017).

“É melhor aqui do que lá fora, bebendo suco de milho gelado no litrão”, mandou na lata o guitarrista e vocalista do Vorgok, Edu Lopez, antes de Hell’s Portrait, referindo-se exatamente ao apoio do público aos brasileiros. Ou à falta de apoio, no caso, porque estamos falando de bandas locais de uma cidade que foi precursora no metal nacional, mas que hoje conta com um cenário desolador. E o mais curioso é que foi exatamente naquela canção que Erik Burke, o guitarrista do Nuclear Assault, foi visto pelos fãs na pista, curtindo o show. Ainda assim, o quarteto – que ainda conta com Bruno Tavares (guitarra), João Wilson (baixo) e Mike Nill (bateria) – não se fez de rogado e despejou seu thrash metal em quem quisesse ouvir.


O set contou com duas músicas novas, At Home in Hell e Kleptocracy, que estarão no segundo CD – segundo Lopez, o sucessor de Assorted Evils (2016) deve ser lançado “se tudo der certo, se não acontecer nenhuma merda, até o fim de ano” –, e outras que não escondem forte influência de Sepultura antigo: Kill Them Dead tem um quê de Dead Embryonic Cells, e Man Wolf to Man, de Beneath the Remains. A referência musical, no entanto, até empalidece quando Lopez anuncia Headless Children como uma canção que fala da “educação das crianças no terceiro mundo”, mostrando uma consciência social tão importante e necessária nos dias sombrios que estamos vivendo num Brasil de menosprezo à educação e ao pensamento e de culto à ignorância. E foi por isso mesmo que rolou um bate-papo online com o guitarrista e vocalista, que explicou o conteúdo.

“Muitas das letras do álbum foram escritas com bases em pesquisas que fiz em relatórios de organismos da Organização das Nações Unidas (ONU). Pesquisei relatórios da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), e Headless Children trata das causas da evasão escolar, das barreiras ao acesso à educação e das consequências nefastas disso tudo nas regiões mais pobres e conflagradas do planeta”, contou Lopez, que ainda comentou uma coincidência de título. “Tem uma história engraçada. Pensei em ‘Headless Children’ porque as pessoas imaginam logo crianças decapitadas, mas, como você viu, refiro-me, na verdade, a crianças com a capacidade intelectual reduzida pela falta de estudo. Quando pensei no nome, salvei a demo que tinha gravado no meu estúdio caseiro. Dias depois, fui trabalhar nela e não a encontrava de jeito nenhum no PC. Estava tenso, até que notei um ícone do W.A.S.P. na minha tela inicial. Eu, que nunca fui fã da banda, me perguntei ‘Que porra é essa?!’. Cliquei e estava lá. O computador gerou o ícone automaticamente, e foi assim que descobri que o W.A.S.P. tem não apenas uma música com o mesmo nome, mas um álbum! Só que eu tinha gostado tanto da ideia que mantive o nome.”

Setlist Nuclear Assault
1. Rise from the Ashes
2. Brainwashed
3. F#
4. Vengeance
5. After the Holocaust
6. New Song
7. Critical Mass
8. Game Over
9. Butt Fuck
10. Stranded in Hell
11. Sin
12. Betrayal
13. Analogue Man in a Digital World
14. F# (Wake Up)
15. When Freedom Dies
16. My America/Hang the Pope/Lesbians
17. Trail of Tears

Setlist Vorgok
1. Mass Funeral at Sea (Intro)
2. Deception in Disguise
3. Hunger
4. At Home in Hell
5. Kill Them Dead
6. Hell’s Portrait
7. Headless Children
8. Man Wolf to Man
9. Kleptocracy

Setlist Savant
1. Eyes of Butcher
2. Religion Misunderstood
3. Third Antichrist
4. Evidence Elimination
5. The Gray Man
6. Colonizer
7. No Hope
8. Suicidal Premonition
9. Pleasure of Pain