Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação
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Assim como os bons resultados obtidos pela dupla Bob Kulick e Billy Sherwood (confira no International Magazine de junho), no mundo dos tributos a gravadora americana Magna Carta também merece destaque. Com seis trabalhos lançados até o momento, cinco bandas essenciais do rock progressivo já foram homenageadas: Pink Floyd, Genesis, Yes, ELP e Jethro Tull. Completando o time, mas longe de ser caracterizado como membro exclusivo do estilo, o trio canadense Rush.
Os momentos apenas razoáveis em The Moon Revisited – Another Perspective on The Dark Side of the Moon e Supper’s Ready deixaram fãs de Pink Floyd e Genesis, respectivamente, com a sensação de que faltou alguma coisa, ainda mais pela excelência dos dois grupos. Mas os outros trabalhos gradativamente ganharam melhor forma, a começar com a homenagem ao Yes. Em Tales from Yesterday a fórmula dos CDs anteriores – sem a formação de supergrupos – ganhou uma injeção de ânimo. Além de bandas como Magellan e o excelente Shadow Gallery, o álbum tem o reforço dos ex-Yes Peter Banks (Astral Traveler) e Patrick Moraz (Soon).
Mas as participações especiais não param por aí. Steve Morse (Deep Purple e Dixie Dregs) reverencia Steve Howe e dispensa comentários em Mood for a Day e The Clap. Não bastasse ser homenageado, Howe juntou forças com Annie Haslam (a belíssima voz do Renaissance), e o resultado foi Turn of the Century, a melhor gravação do álbum. Curiosidade: Wonderous Stories ficou a cargo do World Trade, banda de Billy Sherwood (sim, ele mesmo!), que mais tarde entraria no Yes e participaria dos discos Open Your Eyes e The Ladder.
Foi com o tributo ao Jethro Tull, To Cry You a Song – A Collection of Tull Tales, que as participações individuais aumentaram. John Wetton, Derek Sherinian, Glenn Hughes e Keith Emerson são quatro dos nomes mais conhecidos do grande público. Infelizmente, o resultado final não condiz com a grandeza da obra de Ian Anderson e companhia. Em 1996, com o lançamento de Working Man, o tributo à música de Alex Lifeson, Geddy Lee e Neil Peart, o jogo estava ganho. À exceção de Natural Science, apenas e tão somente pelos vocais exagerados de Devin Townsend, o CD voltado para o Rush é espetacular. Destaques para Closer to the Heart, com o Fates Warning; La Villa Strangiato, com a cozinha formada por Billy Sheehan e Mike Portnoy (Dream Theater); Anthem, com Lee baixando em Mark Slaughter; e YYZ, com Deen Castronovo conseguindo melhorar o que já nasceu perfeito.
Para terminar, Emerson, Lake & Palmer sendo homenageado com Encores, Legendes & Paradox, o melhor dos seis tributos lançados pela gravadora. Karn Evil 9 (1st Impression), The Barbarian e Tarkus são escolhas óbvias, mas e daí? Ficaram ótimas! Mesmo com Jordan Rudess (Dream Theater) roubando a cena ao encarnar Keith Emerson em Karn Evil 9 (1st Impression) e Hoedown, impossível não destacar John Novello em A Time and a Place, além de Glenn Hughes em Knife Edge e as atuações gerais de Portnoy e Simon Phillips nas baquetas.
Do rock progressivo para o heavy metal. Não bastassem os vários times dos sonhos, vários tributos contendo bandas, consagradas ou não, foram despejados no mercado. É impossível ouvir todos, mas apostaria que o melhor deles seja o duplo Holy Dio – A Tribute to the Voice of Metal, que faz um apanhado da carreira de Ronnie James Dio com Rainbow, Black Sabbath e, claro, sua banda solo. Dio gravou tanta coisa boa que fica complicado estragar alguma coisa, e Gamma Ray (Long Live Rock’n’Roll), Stratovarius (Kill the King) e Hammerfall (Man on the Silver Mountain) não fizeram feio. Méritos não apenas para Ritchie Blackmore (as três músicas citadas são do Rainbow), porque mesmo o Blind Guardian saiu-se muito bem com Don’t Talk to Strangers, provavelmente a melhor coisa que fez até hoje. Ah! Claro, o Fates Warning é responsável pelo grande momento do CD: Sign of the Southern Cross, do Black Sabbath.
Outro medalhão do metal entrou no esquema. Nos dois volumes de Legends of Metal, o Judas Priest esteve representado por nomes da velha e jovem guarda do estilo. O resultado não foi tão bom quanto o de Holy Dio – A Tribute to the Voice of Metal, mas Helloween (The Hellion/Electric Eye), Fates Warning (Saints in Hell), Mercyful Fate (The Ripper), Testament (Rapid Fire), Saxon (You’ve Got Another Thing Comin’) e Overkill (Tyrant) não deixam a peteca cair.
Com seguidores desconhecidos e iniciantes, Rebellion e Warning: Minds of Raging Empires… foram os presentes para o Queensrÿche, pioneiro do progressive metal. Claro que o repertório privilegia até Promised Land (1994), já que a partir daí a banda simplificou seu som e deixou de ser referência. Ao mesmo tempo em que há versões muito boas, como Deliverance (Black Symphony, presente com a mesma música nos dois CDs) e Anybody Listening? (Moon of Steel), encontramos verdadeiros atentados fonográficos, como a versão do Darkside para Someone Else?. A banda brasileira Karma, que teve a foto trocada no encarte, comparece com I Am I, que teria ficado melhor não fosse o desnecessário apelo com berimbau e tudo mais no fim da música. Não combinou.
A ideia acabou se popularizando, e grupos começaram a lançar trabalhos com algumas de suas músicas favoritas de seus artistas prediletos. De Ramones a Helloween, o extremo musical é atestado com o ex-Marillion Fish. E ainda temos Pat Boone (sim! Alguém lembra?), The Jeff Healey Band, Yngwie Malmsteen et cetera. Um pouco mais recente, Renegade (com músicas de Bob Dylan, Rolling Stones, MC5, The Stooges, entre outros) foi o canto dos cisnes de Zack de la Rocha no Rage Against the Machine.
Ao contrário dos estilo Ramones presente em todas as faixas de Acid Eaters, o Helloween equilibrou as influências díspares com versões distintas em Metal Jukebox (1999). Locomotive Breath (Jethro Tull) e He’s a Woman, She’s a Man (Scorpions) ficaram ainda melhores com o excelente trabalho do batera Uli Kusch, enquanto From Out of Nowhere (Faith No More) e Space Oddity (David Bowie) permaneceram intactas. Hocus Pocus (Focus) ficou no meio termo e foi uma agradável surpresa. Para fechar a mistura, All My Love, dos Beatles, ganhou a roupagem da banda alemã que certamente fará os puristas torcerem o nariz.
Em Songs from the Mirror, Fish manteve a alta qualidade de sua carreira solo. Rock progressivo? Sim, em Time and a Word (Yes), Fearless (Pink Floyd) e, claro, I Know What I Like (Genesis). Regravações do Marillion? Apenas nos discos “convencionais” (e não foram poucas, aliás). Outros dois trabalhos bem interessantes são Cover to Cover, da banda de Jeff Healey, e Inspiration, do sueco Yngwie Malmsteen. Bem verdade que o primeiro é mais agradável aos ouvidos. Badge (Cream), Communication Breakdown (Led Zeppelin) e Freedom e Angel (Jimi Hendrix) já valem qualquer álbum, ainda mais com o talento e o feeling de Healey. No entanto, Malmsteen merece respeito (goste-se ou não, é inegável que a história da guitarra é dividida em antes e depois dele – tudo por causa da obra-prima Rising Force, de 1984). Apesar de ter estragado Child in Time (Deep Purple) e Anthem (Rush) – e apenas Jeff Scott Soto consegue salvar Mistreated (também do Purple) –, o guitarrista acerta a mão em Carry on My Wayward Son (Kansas), Gates of Babylon (Rainbow), In the Dead of Night (UK) e The Sails of Charon (Scorpions).
Nessa leva, um trabalho que deveria ser encarado como uma gozação acaba sendo o mais interessante. No More Mr. Nice Guy – In a Metal Mood traz não apenas Pat Boone fazendo pose caricata de roqueiro, mas também versões impagáveis no melhor estilo big band. Ficaram simplesmente irresistíveis as releituras de Smoke on the Water (do Deep Purple, com participação de Ritchie Blackmore), Panama (Van Halen), Enter Sandman (Metallica), Holy Diver (Dio, contando com o próprio) e Crazy Train (Ozzy Osbourne). Esta última, aliás, é o tema de abertura do reality show The Osbournes.
Joe Satriani e Steve Vai tiveram seis de suas músicas divididas em Lords of Karma. Ou quase, pois 50% do material de Vai foi tirado da fase em que ele tocava com o ex-Van Halen (?) David Lee Roth. Não importa muito, pois apenas o desconhecido Toni Janflone Jr. se sobressai, com uma boa regravação de Tender Surrender. Ah, claro, não podemos esquecer-nos de Satriani. Mas quem lembrou melhor do que ninguém foi Bruce Kulick (Grand Funk, ex-KISS), que fez uma belíssima versão acústica de Always With Me, Always With You.
Ao ser dispensado do KISS junto a Kulick em 1996, quando a banda voltou com a formação original, o batera Eric Singer chamou o companheiro para o ESP (Eric Singer Project), ao lado de John Corabi e Karl Cochran. O ótimo CD homônimo é acima de tudo um tributo ao bom e velho rock’n’roll, com Four Day Creep (Humble Pie), Changes e Foxy Lady (Jimi Hendrix), Never Before (Deep Purple) e Won’t Get Fooled Again (The Who), entre outras.
Para fechar com chave de ouro, nada melhor que Jimi Hendrix, o melhor e mais importante e influente guitarrista da história da música (o clichê, quando verdade, é inevitável). Entre vários tributos a Hendrix – Paul Rodgers e o ótimo Hendrix Set, a banda alemã The Hamsters com um surpreendente duplo ao vivo et cetera –, dois merecem destaque: Stone Free e In from the Storm. No primeiro, Eric Clapton (Stone Free), Buddy Guy (Red House), Seal and Jeff Beck (Manic Depression) e Living Colour (Crosstown Traffic) obrigam você a sair correndo atrás do CD.
Mas o prato principal está em In from the Storm. Sem perda de tempo: Have You Ever Been (To Electric Ladyland), com Buddy Miles, Steve Lukather e Stanley Clarke; Spanish Castle Magic, com Santana e, mais uma vez, Clarke no baixo; The Wind Cries Mary, com Sting, John McLaughlin e Vinnie Colaiuta; In from the Storm, com Corey Glover e Billy Cox; Drifting, com Steve Vai e novamente Glover; Bold as Love, com Paul Rodgers e Vai; e a participação da London Metroplitan Orchestra, cujos arranjos enriqueceram o trabalho. Essencial.
Infelizmente, é (quase) impossível ter acesso a todos os tributos, principalmente porque já foram lançados um sem-número deles. E há mesmo espaço para todos: Accept, Dream Theater, Grand Funk, UFO, Thin Lizzy, Helloween, Savatage, Creedence Clearwater e Whitesnake, entre outros, já foram homenageados. Até bandas de black e death metal, em iniciativa da Dwell Records, deixaram fãs de KISS, Rush e Iron Maiden com ânsia de passar um prego nos CDs. O segredo é simples: ouça antes de desembolsar o dinheiro.
Matéria publicada na edição 85 do International Magazine, em julho de 2002. Em três partes, um passeio pelos discos de vários artistas homenageando grandes bandas. Um enorme filão à época e em alguns anos seguintes, por isso pede uma nova trilogia a ser publicada aqui em algum momento de 2018.