As muitas faces do heavy metal

De Company of Snakes a Arch Enemy e Annihilator, alguns dos principais lançamentos no Brasil

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As muitas faces do heavy metal

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

O heavy metal vem mantendo sua força junto a um público fiel, que continua crescendo independentemente de o estilo estar longe do êxito comercial do fim dos anos 80 e início dos 90. Afirmar que o rock pesado continua como alvo de preconceito é chover no molhado, pois sempre existirá quem prefira logo falar mal em vez de adquirir conhecimento de causa.

No entanto, provando que nem sempre é menosprezo ao potencial do heavy metal no Brasil, não é à toa que cada vez mais títulos são lançados no país, com gravadoras longe do esquema das majors fazendo um trabalho de primeira linha. E mesmo com tantas subdivisões – muitas delas irrelevantes e que acarretam num sem-número de bandas soando da mesma maneira – há material para todos os gostos. Aqui você tem um resumo de sete CDs recomendados a fãs dos mais variados gostos.

Formado pelos ex-Whitesnake Bernie Marsden, Mick Moody e Neil Murray, o The Company of Snakes lança seu primeiro álbum de estúdio, o ótimo Burst the Bubble, apostando na boa e velha mistura de rock’n’roll com blues, bem próximo dos primeiros discos da eterna banda de David Coverdale. Nada mais óbvio vindo dos guitarristas Marsden e Moody, coautores de clássicos como Walking in the Shadow of the Blues e Fool for your Loving, por exemplo. Com o competente vocal de Stefan Berggren e a providencial ajuda do tecladista Don Airey (hoje substituindo Jon Lord no Deep Purple), é um prazer ouvir músicas do calibre de Labour of Love, Sacrificial Feelings, What Love Can Do, Kinda Wish You Would e All Dressed Up. Agora é esperar que o duplo Here They Go Again Live também pinte em versão nacional.

Com Shadow Zone, o guitarrista alemão Axel Rudi Pell chega ao 13º trabalho – incluindo três coletâneas e um ao vivo – mais uma vez sem fugir do seu eficiente power metal. Apesar de Yngwie Malmsteen ser uma influência assumida, Pell é esperto o suficiente para não passá-la às composições, todas de sua autoria, sem contar o fato de ser mais contido nos solos, uma economia bem agradável aos ouvidos. Como nos últimos dois discos – Oceans of Time e The Masquerade Ball –, o grande destaque é o ótimo vocalista Johnny Gioeli, mas Pell manda ver em riffs e refrãos muito bem sacados. A parceria comprova mais uma vez dar resultado em Coming Home (com um quê de Scorpions), Live for the King e nas excelentes Time of the Truth e Under the Gun.

Com Virgil Donati (bateria, Steve Vai e Planet X), Philip Bynoe (baixo, ex-Steve Vai), George Bellas (guitarra) e Vitalij Kuprij (teclados, Artension), o bom vocalista Mark Boals lidera um time de primeira linha em seu Ring of Fire. E para quem não aguenta mais a mesmice que impera no metal melódico, o álbum de estreia, The Oracle, é um prato cheio. Boals não nega seu passado como membro da banda de Malmsteen, mas leva vantagem sobre o sueco ao adotar passagens bem progressivas, com uma presença maior de teclados e músicas não voltadas apenas para a guitarra. Ao deixar as composições a cargo de Kuprij, acertou em cheio. A bela performance do tecladista enriquece o trabalho, com inspirados solos dobrados junto a Bellas. Confira Circle of Time, Vengeance for Blood, Interlude, Face the Fire e a faixa-título.

Outra grata surpresa é o Rage, que lança o excelente Unity. O trio formado por Peter “Peavy” Wagner (baixo e vocal), Victor Smolski (guitarra e teclados) e Mike Terrana (bateria) fez bom uso dos clichês e gravou um exemplar disco de heavy metal, com doses corretas de virtuosismo num trabalho direto e objetivo. All I Want (que refrão!), Insanity e Down formam uma arrasadora trinca de abertura, mas é impossível não citar Dies Irae, Living My Dream e a ótima instrumental que dá nome ao disco. Por mais que Wagner mostre-se outra vez um talentoso compositor e que Terrana tenha trazido mais qualidade à cozinha da banda, o destaque mesmo é Smolski. Com solos e riffs de extremo bom gosto, ele realiza um trabalho impecável.


Elevado a status de grande promessa do thrash metal em 1989, depois do lançamento do ótimo Alice in Hell, o Annihilator acabou sofrendo com as constantes mudanças de formação, principalmente de vocalistas, e por pouco não se perdeu no meio do caminho. Sorte que Jeff Waters – guitarrista, único compositor e, claro, dono da banda – é um sujeito persistente. Décimo disco do grupo, Waking the Fury não nega o nome: é uma porrada só! E muito bem feita! Ultra-Motion, Torn (bem Judas Priest), My Precious Lunatic Asylum, The Blackest Day e Nothing to Me mesclam passagens rápidas, pesadas e melódicas, mostrando que Waters tem uma mão direita de respeito. O cara despeja uma sequência de grandes riffs e é ajudado pelo vocalista Joe Comeau (ex-guitarrista do Overkill), que repete o ótimo trabalho iniciado em Carnival Diablos.

“We’re taking back the metal!”… Não, a frase não é do novo disco do Manowar, mas do Seven Witches, banda do ex-Savatage Jack Frost. Bom que o álbum Xiled to Infinity and One não demore a fazer esquecer a conotação presunçosa daquela afirmação, porque é mais um trabalho de heavy metal na concepção mais pura do estilo, mesmo que nada traga de novo. Isso, no entanto, cada vez menos pode ser motivo para críticas, já que encontrar alguma novidade no rock está cada vez mais difícil (tente agora Radiohead, System of a Down e Pain of Salvation, ou mais tarde, quem sabe?, o novo CD do Living Colour, aquele que não sai nunca…). Saindo da condição de simples coadjuvante de Chris Caffery no Savatage, Frost revela ser um guitarrista de primeira, menos pelos solos e mais pelas bases, com uma palhetada muito boa. Ouça Metal Tyrant, Incubus, Warmth of Winter, Eyes of an Angel e a faixa-título. E ainda tem Jon Oliva cantando em The Burning e a regravação de See You in Hell, clássico do Grim Reaper. Metal oitentista como pouco se faz hoje em dia.

Para fechar o pacote temos o Arch Enemy, com o lançamento do maravilhoso Wages of Sin. A banda dos irmãos Michael e Christopher Amott dá continuidade ao death metal melódico que tem como referências obrigatórias os álbuns Individual Thought Patterns (Death, 1993) e Heartwork (Carcass, 1994). Natural, pois Michael foi peça importante em determinado período do Carcass. Em Wages of Sin, porém, o estilo chega ao seu melhor momento. Michael e Christopher são responsáveis por um soberbo trabalho de guitarras, enquanto o baixista Sharlee D’Angelo (Mercyful Fate) segura as bases com competência para o excelente batera Daniel Erlandsson. De Enemy Within a Lament of a Mortal Soul, passando por Burning Angel, Heart of Darkness, Ravenous, Dead Bury Their Dead, Web of Lies e Behind the Smile, todas as faixas são simplesmente arrasadoras.

Mas não há como deixar de ficar impressionado com Angela Gossow. Se o instrumental faz corar de vergonha muita banda metida a fazer som pesado e intrincado, Gossow deixa muito marmanjo no chinelo com seus vocais agressivos e guturais. A bela loura canta como se tivesse um alien no estômago. Em tempo: a edição nacional saiu com um CD bônus contendo faixas raras, todas com o ex-vocalista do grupo, Johan Liiva. Vale citar os covers de Starbreaker (Judas Priest), Aces High (Iron Maiden) e, pasmem!, Scream of Anger (Europe). Mais um motivo para Wages of Sin ser presença certa entre os melhores discos do ano.

Matéria publicada na edição 85 do International Magazine, em julho de 2002. Na verdade, uma breve análise de alguns lançamentos, porque à época comecei a receber CDs das gravadoras – hoje em dia os lançamentos vêm com link para streaming ou download dos arquivos digitais, e quem é colecionador fica lamentando. Uma análise bem didática, digamos assim, porque, apesar das portas sempre abertas para o heavy metal, o principal público do jornal não era do estilo.