Circle II Circle

Três anos depois de sua saída do Savatage, Zak Stevens volta ao cenário musical com nova banda e novo disco, mas tudo dentro da antiga família

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Circle II Circle

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

O heavy metal está cheio de exemplos de vocalistas que tiveram a ingrata tarefa de substituir alguém “insubstituível”. Alguns deram certo, como Bruce Dickinson ocupando a vaga de Paul Di’Anno no Iron Maiden. Ou Tim “Ripper” Owens assumindo o posto de Rob Halford no Judas Priest – apesar de a grana ter falado mais alto, assim Halford voltou recentemente à banda. Alguns casos foram um verdadeiro fiasco, como o próprio Iron Maiden escolhendo Blaze Bayley para o lugar de Dickinson, e outros ainda são motivo para discussão, como Michael Kiske cedendo o microfone a Andi Deris no Helloween.

Então, imagine você uma banda que perde seu vocalista, mentor e principal compositor. Agora pense num novato (e desconhecido) assumindo a responsabilidade de ser a nova voz do grupo. Este é o resumo da saída de Jon Oliva e da entrada de Zachary Stevens no Savatage, em 1992, com um resultado inimaginável à época: Stevens não apenas foi plenamente aceito, mas tornou-se o favorito de muitos fãs.

Depois de oito anos e cinco discos – Edge of Thorns (1993), Handful of Rain (1994), Japan ‘Live 94 (1995), Dead Winter Dead (1995) e a obra-prima The Wake of Magellan (1997) –, Stevens anunciou que estava deixando o Savatage para se dedicar à família. Jon Oliva, que retornara à banda em 1994, assumindo os teclados, gravou todos os vocais de Poets and Madmen, lançado em 2001, e logo depois Damond Jiniya foi confirmado como novo vocalista. Apesar de ser um bom trabalho, o álbum carregou o estigma de “seria melhor com Zak”, sem contar que o jovem Jiniya ainda sofre com as inevitáveis comparações.

Depois de três anos afastado do cenário, Stevens reapareceu com uma nova banda, Circle II Circle, e seu excelente álbum de estreia, Watching in Silence. Tanto tempo sem notícias fez com que várias dúvidas ficassem no ar, e o vocalista confirma a única coisa que sabemos. “Afastei-me do Savatage no início de 2000, mas levou mais tempo do que eu esperava para cuidar de alguns negócios e assuntos pessoais, aos quais não pude dar atenção durante meus oito anos excursionando e gravando com a banda”, contou Stevens, em entrevista realizada no fim de julho. “O tempo passou, a banda encontrou outro vocalista, e eu comecei a pensar no Circle II Circle e a escrever músicas para o nosso primeiro disco.”

Apesar da aparente simplicidade, a decisão de largar tudo foi “bastante difícil, definitivamente”, mas nunca em caráter definitivo. “A necessidade de preencher minhas aspirações musicais nunca me abandonou. É algo que provavelmente nunca acontecerá. Eu passei os dois últimos anos dando vida ao Circle II Circle e trabalhando no Watching in Silence”, afirma Stevens, ressaltando que a experiência o fez crescer como músico, compositor e produtor. O sentimento é traduzido na hora de explicar o significado do nome da banda, mostrando que passado e presente caminham juntos. “Saí de um circulo de família e amigos para outro círculo de novos amigos para formar um novo grupo. Entretanto, ainda estamos conectados ao antigo círculo, já que compus com Jon e Chris Caffery (N.R.: guitarrista do Savatage). Agora nós aumentamos a família musical de onde vim, mantivemos uma tradição de sermos uma mesma classe.”


Zak escreveu todas as letras de Watching in Silence, função que no Savatage cabe ao produtor (e sétimo integrante) Paul O’Neill, enquanto Jon e Chris compuseram a maioria das músicas e riffs. O trabalho foi fechado com a participação do guitarrista Matt LaPorte, que chegou a fazer algumas audições para o álbum Dead Winter Dead, mas perdeu o posto para Al Pitrelli. “Para o Circle II Circle, pensei imediatamente no Matt. Ele se juntou a nós e escreveu três canções (N.R.: entraram duas no CD: Into the Wind e Lies), e depois eu e Jon produzimos o disco com a ajuda do Jim Morris, do Morrisound Studios.”

Outro integrante com background semelhante é o tecladista John Zahner, que tocou com o Savatage na turnê de Streets, em 1991 e 1992. “Na verdade, John, Kevin e Chris são bons amigos do Matt há muitos anos e também tocaram em muitas bandas na região da Flórida”, disse Stevens, referindo-se ao baixista ao Kevin Rothney e ao baterista Chris Kinder. “Assisti a vários shows com eles e fiquei impressionado. Assim, os chamei para a banda.” E o vocalista ainda aproveita para apresentar o guitarrista Shane French, o novato da turma. “Ele é um ótimo cara, e os fãs gostaram muito dele.”

O constante envolvimento com o Savatage acabou resultando num álbum bem próximo à sonoridade de sua ex-banda. As comparações, no entanto, não deixam o vocalista incomodado. “Percebi que havia similaridade no momento em que comecei a compor, principalmente porque fiquei oito anos na banda e ela foi uma tremenda influência musical para mim.” Mas Stevens concorda que músicas como Out of Reach, Sea of White e Into the Wind têm uma identidade própria. “Sim, definitivamente. Eu queria que pelo menos 50% do disco tivessem um som definido pelo Circle II Circle, ditados pelos integrantes da banda. Curti compor no tradicional estilo do Savatage, mas realmente quis definir nosso caminho para o futuro.”

Um dos grandes momentos de Watching in Silence é F.O.S. (N.R.: que significa Fields of Sorrow), canção com os vocais em contraponto – como em Bohemian Rhapsody, do Queen –, recurso adotado com propriedade pelo Savatage desde Handful of Rain, com a clássica Chance. “Tocamos F.O.S. todas as noites, e realmente gosto de cantá-la”, diz o vocalista, que adianta as músicas do Savatage que fazem parte do show. “Edge of Thorns, Turns to Me, Tauting Cobras, Lights Out e Follow Me, entre outras. Eu apenas escolho minhas favoritas e as coloco no repertório, e é ótimo poder tocar essas canções junto com material novo e próprio.”

O entusiasmo continua quando Stevens fala do início da carreira, assunto não muito conhecido pelos fãs, principalmente os brasileiros. “Decidi que queria ser o frontman de uma banda de rock’n’roll quando assisti ao Iron Maiden pela primeira vez, durante a turnê do Piece of Mind, em 1983, quando ainda era adolescente. Pensei que o trabalho do Bruce Dickinson parecia realmente divertido (risos). Além dele, minhas influências são Ronnie James Dio e Geoff Tate (Queensrÿche).” A entrada no Savatage, claro, está guardada na memória. “Conheci Criss Oliva (N.R.: guitarrista e irmão de Jon que morreu num acidente de carro causado por um motorista bêbado, em outubro de 1993) e o restante da banda quando morava em Los Angeles, antes mesmo de formar o Wicked Witch (N.R.: primeiro grupo do vocalista). Minhas demos foram o motivo por que entrei no Savatage em 1992.”


O bate-papo vai chegando ao fim, e uma pergunta é inevitável. Muitos fãs sonharam com sua volta ao Savatage logo depois que Al Pitrelli retornou (N.R.: em 2002, com o fim do Megadeth). Em algum momento imaginou que era tão querido e respeitado? “Obrigado um milhão de vezes (risos). Devo dizer que não imaginava que minha saída causaria um impacto tão grande nos fãs. Senti-me mal por isso, mas eu realmente precisava cuidar de algumas coisas. Esse tipo de situação me fez querer fazer o melhor em minha nova banda. Queria mostrar a todos como sou grato por tanto apoio, exatamente o opoio que tornou o Circle II Circle possível”.

Watching in Silence chegou às lojas brasileiras no início de agosto e vem recebendo rasgados elogios. É uma boa razão para voltar ao Brasil, agora com o Circle II Circle? “Eu simplesmente não posso esperar por isso! Acredito que os fãs irão gostar bastante do grupo ao vivo. Tive no Brasil alguns dos meus melhores momentos em turnê com o Savatage. Para falar a verdade, nós já estamos trabalhando numa turnê aí enquanto falo com você. Mal podemos esperar para reencontrar todos os nossos amigos em seu país”, antecipa o vocalista, fazendo questão de agradecer o apoio. “Quero dizer um grande obrigado aos nossos fãs brasileiros. Estamos entusiasmados com a possibilidade de tocar no seu país o mais breve possível. Até lá, tudo de bom a todos vocês!”

Entrevista publicada na edição 96 do International Magazine, em setembro de 2003.