Michael Kiske (SupaRed)

Michael Kiske volta ao formato de banda quase uma década depois de sua saída do Helloween. E o vocalista já pensa em voltar aos palcos

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Michael Kiske (SupaRed)

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Quase uma década depois de sua saída do Helloween, Michael Kiske está de banda nova. Uma das maiores vozes do heavy metal reuniu um time de desconhecidos – Sandro Giampietro (guitarrista e braço-direito), Aldo Harms (baixo) e Jurgen Spiegel (bateria) – para formar o SupaRed, que lançou em janeiro último seu homônimo álbum de estreia. Mas não espere uma volta às raízes do power metal germânico, porque SupaRed segue o caminho mostrado nos dois discos solo de Kiske, Instant Clarity (1996) e Readiness to Sacrifice (1999), aquele hard rock com acentos mais pop. Mas quem melhor para falar do trabalho se não o próprio mentor? Em uma conversa franca, o vocalista falou de sua carreira solo, do primeiro CD de sua nova empreitada, dos dez anos longe dos palcos e, claro, de seu antigo grupo.

Quais as diferenças entre o SupaRed e seus dois discos solo?
Há uma grande diferença, pois eu estava inseguro quando gravei Instant Clarity e Readiness to Sacrifice. Na verdade, eu não sabia o que queria fazer, nem mesmo se gostaria de ser um figura pública no meio musical. É difícil explicar nestes termos, mas tinha uma conexão com a filosofia de vida que eu havia adotado. Agora, com o SupaRed, eu estou melhor comigo mesmo, mais maduro, sei o que quero e do que sou capaz sem precisar me enganar.

E quando você percebeu que estava na hora do SupaRed, ou seja, de voltar à ativa com uma banda de verdade?
Foi algo que eu realmente não decidi, apenas aconteceu. Se antes eu estava lidando comigo mesmo, por isso fazer álbuns solo foi o mais óbvio, hoje eu estou mais aberto para o mundo, mais interessado no cenário musical. Assisto à MTV com frequência e ouço do novo rock americano à música pop, que sempre foi a minha favorita. Tenho certeza de que esse sentimento positivo me ajudou a ultrapassar naturalmente a barreira de artista solo para voltar a ser integrante de uma banda, algo que sempre tentei fazer, mas apenas não era o momento certo.

Mas você sabe que todas as atenções estarão voltadas a você. Ao menos no início.
Sim, claro, porque eu sou o único da banda com uma história, conhecido há alguns anos no cenário. Certamente serei o foco das atenções, ainda mais que escrevi quase todo o álbum sozinho, e isso aconteceu sem imposição. Cheguei a trabalhar em conjunto com o Giampietro, e juntos tivemos algumas ideias legais, mas não boas o suficiente. Para o próximo disco isso certamente irá mudar, pois uma boa música tem de ser aproveitada, independentemente de quem a escreva.

Você tem noção de que muitas pessoas estavam esperando um material mais pesado?
Elas julgam meu trabalho de maneira injusta, isso porque olham apenas para o passado. É parte do problema da cena heavy metal, principalmente na Europa, onde as coisas não são muito produtivas. Fica difícil permitir que a criatividade se torne uma realidade, que o público conheça a música que você faz com paixão. Depois de 15 anos nesse ramo, percebo que muita gente não dá a mínima se o que você faz é honesto, a não ser que o que você faz se encaixe em seus gostos pessoais.

Se a música é boa, não importa o estilo, e é isso que acontece com o primeiro disco do SupaRed. Quais foram suas inspirações?
É assim mesmo que eu encaro as coisas! Minhas inspirações vão além da música que ouço, porque elas vêm de desafiar meus demônios no dia a dia para tentar encontrar respostas… E eu tenho muitas dúvidas! (risos) Não sou do tipo que fica dormindo e sonhando. Questiono muita coisa e não quero apenas ficar acreditando, também quero saber. Por isso, me inspiro na filosofia e na ciência e encontro belas respostas. Fico surpreso com o que descubro para não ter apenas de acreditar em tudo. Enfim, tudo que acontece em minha vida passa para a minha música.


O álbum é bem equilibrado, com músicas mais rock e algumas baladas. Let’s Be Heroes, por exemplo, é belíssima e uma das minhas favoritas. Essa mistura representa sua musicalidade?
Há uma progressão desde as primeiras músicas, e eu concordo com você, pois esse equilíbrio descreve bem o meu processo de composição. Let’s Be Heroes é um bom exemplo da minha musicalidade, sem dúvida.

Há dez anos você não se apresenta ao vivo. Por quê? Haverá uma turnê do SupaRed?
Bom, na verdade eu não subi num palco durante todo esse tempo simplesmente porque não quis. Estava decepcionado com muitas coisas e bastante inseguro. Não queria voltar a ser uma figura pública, e fazer um show não me deixaria confortável. Como as coisas mudaram bastante e agora estou numa banda, tocar ao vivo é necessário até mesmo para criar o próximo disco. Queremos muito fazer uma turnê, mas depende basicamente da vendagem do álbum. Se as pessoas não o comprarem, provavelmente não haverá shows ou até mesmo um segundo trabalho.

Eu espero que venda bem, então, pois tenho certeza de que os fãs querem muito vê-lo tocando ao vivo novamente.
E eu adoraria, especialmente no seu país! Quero dizer, sei que na América do Sul o Brasil é onde o rock encontra-se especialmente vivo. É quase religioso, e isso é muito excitante. Vejo uma beleza muito grande quando as pessoas são apaixonadas dessa maneira. Isso é ótimo!

Você tem ideia da quantidade de vocalistas que o citam como influência? Tem noção de que é considerado um dos melhores do rock em todos os tempos?
Olha, eu percebi isso recentemente, pois fiquei muito tempo afastado do cenário musical. Sinceramente, achava que ninguém se lembrava de mim, mas quando passei a conversar com gente do mundo inteiro fiquei surpreso ao saber disso. Ser uma influência para outras pessoas é obviamente interessante, mas acredito que há certo exagero. Claro, toda vez que gravo um disco eu acho que ele é o melhor do mundo (risos), mas não bom o suficiente para que todos o copiem (risos). Seria muito melhor que as pessoas olhassem para frente e tentassem coisas novas, achar uma identidade musical própria. Não há nada errado com a inspiração vinda de um trabalho ou de outro artista, mas estacionar naquilo que já foi feito é um tanto quanto chato, não acha?

Sim, por isso mesmo gostaria de saber o que você acha do heavy metal hoje em dia?
Nossa, a cena metal ficou muito chata! (risos) Nos anos 80 tudo era mais legal, havia muitas bandas que eram criativas e faziam algo bastante excitante, traziam qualidade ao estilo. Hoje em dia são bandas como Limp Bizkit que fazem algo diferente, tornando-se mais interessantes do que muita coisa tradicional. Há muitas cabeças ditando o que deve acontecer, o que torna a cena muito pequena e restrita à Europa, por exemplo. Ficou muito repetitivo e cansativo, consequentemente. Por isso passei a me interessar por diversos outros estilos de música.

Falando de passado e presente, você cresceu ouvindo que bandas e quais você mais curte hoje em dia?
Eu tinha 12 anos quando comecei, pedindo a meus pais um violão no Natal. Gostava de música folk e, principalmente, Elvis Presley, minha grande influência desde os oito anos de idade. Depois, descobri os Beatles e aprendi todas as músicas, mas a fase durou até eu conhecer o heavy metal, começando com Iron Maiden e Judas Priest aos 16 anos. O Queensrÿche foi muito importante para mim, especialmente por causa do Geoff Tate. Tecnicamente, Bruce Dickinson, Rob Halford e Ronnie James Dio também foram, claro. Fora isso, escutava muito Black Sabbath e os primeiros discos do Metallica. Como você pode ver, obviamente eu era fascinado pelos grandes vocalistas na década de 80, assim não poderia deixar de ouvir metal, pois é dele que saem os melhores.

É difícil imaginá-lo ouvindo Iron Maiden nos dias de hoje?
Não, às vezes eu mato as saudades de álbuns como The Number of the Beast, Piece of Mind e Powerslave. Aliás, o Iron Maiden voltou a ser uma banda interessante, principalmente ao vivo. Bruce Dickinson voltou a cantar muito bem, e fiquei surpreso com o DVD do show gravado no Rock in Rio. Bom, meu gosto musical mudou bastante, e hoje ouço bastante U2, fiquei feliz pela maneira como eles voltaram a fazer rock no último disco (N.R.: All That You Can’t Leave Behind), além do jeito como se apresentam ao vivo. É a melhor banda do mundo, e, em minha opinião, Bono Vox é o melhor vocalista da atualidade. Também estou muito interessado numa cantora chamada Martina McBride, ótima compositora que faz uma mistura bem legal de country, rock e pop e ainda possui uma das melhores vozes que já escutei. A Faith Hill tem canções muito boas. Tudo bem que eu não gosto de todo seu trabalho, mas ela é muito bonita e tem uma voz sexy (risos).


Eu não queria fazer nenhuma pergunta específica sobre o Helloween, mas é inevitável. Recentemente, você disse que não pretende tocar nenhuma música de sua ex-banda. Já mudou de ideia?
Eu não acho que deva tocar alguma música do Helloween, principalmente porque estou em outra banda agora. Se a cena musical não fosse tão neurótica, não haveria problema, mas é muito importante que o SupaRed seja reconhecido por seu próprio trabalho. Muitas vezes o passado torna-se um problema, por isso faço questão de chegar e dizer “esta é minha banda, e é isso que faremos agora”. De qualquer maneira, isso depende do local onde iremos tocar. Eu adoraria que no Brasil as pessoas forem ao show por causa do SupaRed, sem esperar por algum material do Helloween.

Na verdade, perguntei porque você escreveu sozinho algumas das melhores músicas do Helloween. We Got the Right é uma delas, e acredito que poucos vocalistas são capazes de cantá-la. Não seria interessante tocar seu material, não canções como Eagle Fly Free?
Muito obrigado pelos elogios! Entendo o que você quer dizer, e realmente seria interessante. Eu sinto saudade das músicas antigas, sinto saudade até mesmo de cantar Eagle Fly Free! Mas não é o caso de um vocalista solo em turnê, mas de uma banda como um todo. Seria estranho para os outros integrantes ter de tocar músicas antigas do Helloween, mesmo sabendo que eles topariam se assim eu quisesse.

Obrigado pela entrevista, Michael, foi um prazer.
Eu é que agradeço. É sempre um prazer conversar com alguém que mostra entusiasmo no que está fazendo. Foi um papo extremamente agradável. Muito obrigado!

Entrevista publicada na edição 91 do International Magazine, em março de 2003.