Ratos de Porão

Com Onisciente Coletivo nas lojas, João Gordo fala do primeiro disco de inédita da banda em cinco anos, mas também de política e dinheiro na conta

Foto: Wander Willian/Divulgação

Ratos de Porão

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

O Ratos de Porão lança seu novo disco, Onisciente Coletivo, para não apenas provar ter uma das trajetórias mais interessantes do rock brasileiro, mas principalmente ratificar sua importância no cenário musical. Por telefone, entrevistamos o vocalista João Gordo – que segue ao lado de Jão (guitarra) e Boka (bateria), trio que agora conta com Fralda no baixo – e com menos de cinco minutos de conversa a pauta foi deixada de lado. O que se seguiu foi um papo bem-humorado sobre os mais variados assuntos.

Podemos começar falando sobre o novo disco, lançado cinco anos depois do último trabalho…
… Esse negócio de cinco anos é furada, porque gravamos muita coisa (N.R.: o período abrange os anos em que o grupo não lançou um trabalho completo de inéditas). O último disco cheio havia sido o Carniceria Tropical, de 1998 (N.R.: de 1997, na verdade). Ele saiu no mundo inteiro e foi bastante elogiado. Chegamos a fazer três turnês, incluindo até a Europa.

Sim, durante esse tempo houve outros lançamentos, mas nenhum álbum de inéditas.
Pois é, nós andamos um tempo tocando direto e demoramos para compor, além de eu quase ter morrido por causa de um problema de saúde. Acabou que fizemos o Guerra Civil Canibal, com covers e algumas inéditas; o Sistemados pelo Crucifa (N.R.: regravação do primeiro disco, Crucificados pelo Sistema); e o Só Crássicos (N.R.: coletânea). Gravamos também vários tributos… Pô, nem lembro mais, é muita coisa (risos).

Mas por que tanto tempo até o Onisciente Coletivo?
Demoramos porque só ensaiávamos uma vez por semana. Afinal, não temos estúdio e precisamos ficar pagando para ensaiar. Complica porque há o lado financeiro de cada um na banda.

E como foi o processo de composição, então?
Não tem ideia, nós só vamos compondo. Rola de uma hora ficar empacado, não sair nada. De repente sai um monte de música, principalmente com o Jão e o Boka. Aliás, eles nem precisaram de mim. As letras vêm depois da música. Sempre foi assim, e dessa vez foi até meio abortado (risos). Eu pego uma fitinha com as bases e fico cantando em cima.

Você não deixou passar em branco os atentados de 11 de setembro. No entanto, em músicas como Terror Declarado e Próximo Alvo você aborda o assunto com outra perspectiva. Você não teme críticas por apontar uma culpa dos EUA?
Eu apenas narrei os fatos. Escrevi “Qual o próximo alvo na América?” e também “Qual o próximo alvo da América?”. Em Terror Declarado eu falo em árabe “Mawetuhom Yaa Halaawa”, que significa “nós vencemos, eles morreram”. Não estou tomando partido de ninguém, não.

O Ratos sempre foi crítico com a situação no Brasil. O que você acha do país atualmente?
É um momento de transição. O Lula pegará uma bomba muito grande, e com qualquer passo errado as críticas serão imensas (N.R.: a entrevista foi realizada no dia 25 de outubro, ou seja, dois dias antes do segundo turno). Haverá muita vigilância. Em quatro anos ele não conseguirá mudar o Brasil. É que nem a Marta (N.R.: Suplicy, petista e prefeita de São Paulo), que pegou só a casca, já que o (ex-prefeito) Celso Pitta destruiu a cidade. Não há como consertar tudo rapidamente.

E os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso?
O FH até tentou, mas virou capacho do FMI. Ele parece ser um cara honesto e de boas intenções, só que se rendeu. A mesma coisa pode acontecer com o Lula por causa da Alca (N.R.: Área de Livre Comércio das Américas). Isso acaba virando Cuba, mas eu falo no bom sentido (risos).


Voltando à música, como foi assinar com uma gravadora que pode trabalhar bem a banda no Brasil?
O Ratos existe há 20 anos e quase nunca parou de tocar um mês sequer. Sinto-me feliz por termos chegado até aqui, lançando o 14º disco, mesmo que seja contando um monte de porcaria (risos). Hoje eu ainda me encontro em cima do muro, com um pé no mainstream, por causa da MTV, e o outro atolado no underground.

E ainda existem os radicais falando que você se vendeu?
Olha, eu não me vendi, fui comprado (risos). Pô, estou com 40 anos e antes da MTV eu era tão fudido como os que me criticam. Quem fala mal é porque tem dor de cotovelo, não percebe que no meu programa (N.R.: Gordo a Go-Go) eu aproveito para zoar. Faço merchandising porque posso me arrepender depois, ficar velho e chorando pelas oportunidades que não aproveitei. E atire a primeira pedra quem recusar um cachê de R$ 80 mil para falar algumas besteiras numa propaganda. Eu não sou trouxa, não posso recusar uma proposta assim.

E levou muito tempo para conquistar algo?
Meu, o Ratos é uma instituição, mas nós ralamos muito. Ainda assim, ao mesmo tempo em que tocamos para 60 mil pessoas na Espanha (N.R.: no Festival Viña Rock), ficando em hotel cinco estrelas, em outros lugares da Europa nós dormimos no chão. Aliás, os espanhóis dão muito valor às bandas locais, não tem a inveja que rola aqui.

Mas de uns anos para cá, bandas nacionais com um som mais pesado têm tido mais entrada em rádios.
Sim, mas as gravadoras acharam um filão. Cada uma pegou um clone do Raimundos e esqueceu que existem várias bandas boas e desconhecidas por aí. Para um grupo como o Ratos é ainda mais difícil. Brasileiro gosta de blá blá blá alegre, não quer ouvir crítica, seja com ou sem palavrão.

E como rolou com a Century Media?
Ela é uma gravadora de heavy metal, pensa alto por natureza. Para a galera do metal tudo tem de ser superprodução, muito bem feito, um megaevento. A Century Media sabe da história do Ratos, do valor que a banda tem. Nós batemos à porta dela porque sabíamos que no Brasil seremos bem trabalhados, já que no resto do mundo temos contrato com Alternative Tentacles, à exceção de Espanha e Portugal, onde a Pick Generation nos lança. Todas elas nos pegaram porque sabem da nossa importância, como influenciamos muitas pessoas. Nós nem tentou procurar grandes gravadoras. Elas não entendem nada de rock, não querem saber do histórico de um grupo. Vendeu menos de cem mil cópias, não presta.

Mas esses números geralmente não duram para sempre, ainda mais nessa época de bandas pré-fabricadas. Não há mais uma carreira regular.
Pois é, podemos não subir, mas também não caímos. Mantemos a média, nunca venderemos mais que 20 mil cópias (risos).

E os problemas de saúde? A turnê foi adiada para o início de 2003 porque você será submetido a uma cirurgia, certo?
Sim. Tive flebite na perna esquerda, uma pré-trombose. Na verdade, em junho nós chegamos a fazer shows na Europa para divulgar o novo disco. Foram 15 num ritmo animal (N.R.: 12 na Alemanha e o restante em Portugal, Áustria e Suíça). Em algumas cidades foi aquilo que eu te falei, dormindo no chão, em lugares sujos. No início é legal para caralho, mas a partir da terceira ou quarta vez você cansa, percebe que as pessoas são sempre as mesmas, só estão mais velhas e bêbadas. Os caras ficam cada vez mais chatos, e as minas, mais feias (risos). Enfim, eu voltei doente, então nós paramos por um tempo. Não dá mais para passar por isso.

Para encerrar, você está sabendo do projeto de revitalização do Circo Voador? Pergunto porque o Ratos esteve diretamente envolvido com a situação que causou o fechamento.
Meu, tem de reabrir! É um patrimônio cultural do Rio de Janeiro. Aquilo foi foda, uma tremenda ignorância. Eu não sou da cidade e não sei direito o que aconteceu, mas foi uma palhaçada (N.R.: no fim de 1996, Luiz Paulo Conde foi comemorar ao lado do Circo Voador sua eleição à prefeitura da cidade, na noite em que o Ratos de Porão se apresentava. Acabou saindo do local sob vaias e protestos do público. No dia seguinte, César Maia, padrinho político de Conde e terminando seu primeiro mandato como prefeito, alegou que a casa não tinha isolamento acústico e mandou fechá-la). Nós tocamos mais de 30 vezes lá e até hoje nos arrependemos de não termos gravado o CD ao vivo no Circo. No Brasil, nosso público mais fiel é o carioca. Nossos melhores shows sempre são no Rio.

Entrevista publicada na edição 90 do International Magazine, em janeiro de 2003.