Especial: Maximiliano Santiago

O jovem guitarrista que perdeu a lutra contra o câncer, mas que deixou a música, reconhecida por Steve Vai, e uma lição de vida como legado

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Especial: Maximiliano Santiago

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação/Arquivo Pessoal (Maximiliano Santiago) e Mario Alberto (Banda Fusão)

Se você nunca ouviu falar em Maximiliano Santiago, saiba que a culpa é do destino. No fim de 2001, o Brasil ficou sem um de seus músicos mais promissores, um guitarrista que teve seu talento reconhecido por ninguém menos que Steve Vai. Aos 21 anos de idade, Max perdeu a luta contra o câncer, mas uma força de vontade e um brilho incomuns foram responsáveis pelo registro de sua obra. Enquanto você lê estas linhas, chega às lojas o CD …Definitivo, e para conhecer toda a história conversamos com o baixista Paulo Andrade, o baterista João Saravia (Sigma 5) e o tecladista Luiz de Simone (Sigma 5) – que formavam o Max e a Fusão – e também com o guitarrista Lula Washington (Allegro), convidado especial no disco e para o show de lançamento que acontece no próximo mês. E não deixe de visitar o site oficial (clique aqui) para mais detalhes.

Primeiramente, como foi o início do relacionamento musical?
Paulo Andrade: Eu e Max entramos em contato um com o outro em meados 1999, porque ele queria tocar um projeto para frente. Voltamos a nos falar no ano seguinte, quando ele já havia feito a primeira cirurgia, e a ideia era tocar apenas covers. Começamos a correr atrás de músicos e completamos a banda com o Guto Perez (bateria) e o Daniel Matos (teclados). Fizemos uns dois ensaios para o primeiro show, que teve músicas de Jimi Hendrix, Stevie Ray Vaughan, Beatles e por aí vai. Mas o Guto tocava com um monte de gente e avisou que não poderia continuar, daí o Max chamou o João.
João Saravia: Eu conhecia o Max há muito tempo, mas nunca havíamos feito nada juntos. Na época em que tinha uma banda chamada Black Market, ele veio a mim e ao Luiz com a ideia de fazer um show em conjunto com o Sigma 5. Entregou um CD para nós, e fomos assistir a uma apresentação dele. Eu já tinha visto Max tocar quando ele era mais novo e sabia que seria um bom guitarrista, mas na hora do show nós ficamos impressionados. Daí começamos a conversar sobre a possibilidade de tocar juntos, então ele montou o grupo com o Paulo e, quando o Guto saiu, me convidou.
Paulo: Na verdade, o Max também havia falado comigo sobre o show dele. Na época, eu tinha uma banda de rock progressivo chamada Equinócio, e ele queria fazer uma noite com os dois grupos, o que acabou acontecendo uma vez em Vargem Grande. Antes, eu fui ao Garage vê-lo tocar com o Black Market e tive a mesma reação do João, pois o Max era carismático e tinha uma presença de palco inacreditável. Isso foi antes da doença, e ele estava supersaudável.
João: Parecia que havia um holofote só para ele, que chamava atenção de maneira bem natural.
Luiz de Simone: Eu fiquei hipnotizado com ele quando o Black Market e o Sigma 5 tocaram juntos no Black Night. Uns dois meses depois, ele foi assistir a um recital de piano solo que fiz na UFRJ, ficava falando que eu tinha de tocar com ele. Só que minha formação é mais clássica, por isso toco mais rock progressivo, e o lance blues meio jazz não é comigo. Tem de ter um sangue mais negão para conseguir o suingue e a pegada (risos). O Max ira fazer um show beneficente ao Inca (N.R.: Instituto Nacional do Câncer) e pediu que eu fizesse uma música para tocar com ele. Acabei escrevendo Cabo da Boa Esperança, um duo para guitarra e piano, mas o show não rolou. No fim de 2000, quando o CD começou a ser gravado, o Daniel saiu e eu entrei na banda. Acabou que nunca tocamos juntos ao vivo.


E o processo de composição e gravação do disco?
João: A ideia era mesmo só tocar covers, mas sempre que eu entro numa banda todo mundo começa a fazer coisas estranhas (risos). No primeiro ensaio nós compusemos MM, uma música própria, aí acabou virando um projeto do Max em que fazíamos alguns covers. Ele e o Paulo estavam sempre se falando e chegavam no estúdio com novas ideias. Começamos a gravar depois da cirurgia, e o Max, além de ser muito jovem e ter aquele vontade de resolver logo tudo, sabia que o tempo era curto. Ele sempre marcava os estúdios e no fim já estava fazendo um esforço enorme para gravar, porque queria deixar tudo pronto. Lembro-me que nas últimas sessões ele já não aguentava de dor e tinha de tocar deitado.
Paulo: A última música que o Max gravou foi Cabo da Boa Esperança, com o Luiz. A mãe do Max, dona Graziela, conta que ele chegou em casa dizendo que havia feito todas as guitarras, como se tivesse conseguido juntar toda a energia que restara apenas para finalizar o CD. Ele morreu logo depois, no dia 29 de dezembro. Aliás, no mesmo dia da Cássia Eller, que iria cantar no show beneficente.
João: Três músicas são muito marcantes para mim: Ejaculação Precoce, Purerurim e Da Peste. Eles gravaram o baixo e as guitarras numa fita para que eu ficasse ouvindo, mas o Max fazia questão de ir à minha casa com o violão para me mostrar cada pedacinho das músicas, mesmo estando muito mal. Eu abafava a bateria, e ele ficava deitado tocando. Depois, ligava para o pai, seu Daniel, e ficava quieto na cama esperando por ele. A banda ensaiou uma única vez, passando umas três vezes cada música com o Max tocando sentado.

Como foi para a banda finalizar o álbum, chegar até o Lula para o show e tudo que está envolvido no lançamento? Tudo está saindo da maneira que o Max queria?
Paulo: O CD era algo muito especial para ele. Dava para sentir que ele estava lutando contra o tempo para gravar as guitarras. Depois que o Max morreu, foi uma decisão unânime da banda e dos pais dele que deveríamos terminar o disco. Começamos a nos reunir para ver o que seria possível fazer para lançá-lo, e aí foram surgindo as parcerias. Há uma quantidade de pessoas envolvidas que nos surpreendeu. Todo mundo que se atrelou ao projeto apenas soube da história e se propôs a ajudar.
Lula Washington: Eu não tive a oportunidade de trabalhar diretamente com o Max, até estava falando com o Paulo outro dia a respeito. Foi uma coisa muito doida. Eu assisti a um show dele com o Black Market meio que sem querer, pois entrei sem saber quem estava tocando. No fim, o Max esbarrou em mim no bar, e eu disse que tinha gostado. Meu contato com ele foi apenas esse. Tempos depois o Luiz me ligou perguntando se eu queria fazer parte do projeto…
Luiz: … Nós precisávamos de um guitarrista que tocasse para caralho. Não sei por que pensei em você (gargalhadas).
Lula: Até então eu não sabia de nada, o Luiz me contou toda a história e ainda me deu uma cópia do CD. Ouvi e entrei de cara porque gostei mesmo, apesar de o estilo ser diferente do meu.

E como rolou a ideia da participação em Mar (N.R.: faixa que conta também com a vocalista Léa Fabres)?
Paulo: Na verdade, o CD teria apenas oito músicas, então Mar não entraria. Mas ela tem uma letra do Max, e nas reuniões nós decidimos aproveitá-la. Como não havia nenhuma gravação, pensamos em algo mais acústico.
João: E precisava ser feito rapidamente, pois o disco estava quase pronto.
Lula: Acabamos nos reunindo e começamos a fazer algumas jams só com baixo e violão. Eu trouxe algumas ideias de arranjos, e aí finalizamos o trabalho.


A música foi feita em cima da letra?
João: Não, ela já existia, e chegamos até a tocá-la com o Max.
Lula: Tinha uma guitarra, mas nunca foi gravada. Assim, voltamos tudo para o acústico e valorizamos o lance da letra.
Paulo: Nós gravamos apenas voz, violão e baixo. Depois acabei comentando com o Cláudio Guimarães, que fez a mixagem e a masterização, que eu e o Lula estávamos pensando em colocar uma percussão. Um dia eu cheguei no estúdio, e ele me mostrou uma versão com a participação do Ricardo Costa, percussionista que já tocou com Ivan Lins, família Caymmi e mais um monte de gente. O Cláudio mostrou a música e contou a história, e o Ricardo topou gravar na hora. A percussão deu um novo colorido à canção e foi feita por um músico conhecido e excelente que não cobrou nada.
Lula: Nós queríamos colocar, só não sabíamos quando conseguiríamos fazer. Aí aconteceu isso.
Luiz: O cara chegou lá, pediu para apertar o “rec” e mandou ver. Precisávamos de uma percussão, e do nada alguém se dispôs a fazer. É um exemplo de como as parcerias aconteceram.

E como foi a participação da Léa Fabres?
Paulo: O Max a conheceu quando os dois participaram de uma montagem da Dança dos Signos, do Oswaldo Montenegro. Eles fizeram uma temporada excursionando, e o negócio da Léa não era apenas teatral, mas também musical. Ela é uma excelente cantora e sempre era chamada para fazer algumas músicas com a banda. Os dois acabaram trabalhando em cima de uma poesia que o Max havia escrito, que virou a música Mar.

Falando em poesia, o Max também escrevia e pintava. Ele sempre teve essa lado voltado para a arte?
Paulo: Ele tinha uma sensibilidade muito forte, era um garoto muito criativo. Eu ia sempre à casa dele para trabalharmos em alguns arranjos, e o Max vinha com algumas ideias fantásticas. Muitas vezes me colocava na rabuda, aliás, porque eu ficava quebrando a cabeça para descobrir como acompanhar (risos). Ele me mostrava os desenhos que fazia, e na parede tinha um incrível do Steve Vai, que era o grande ídolo dele. Ele tinha um lance que eu gostava muito, o de fazer caricaturas, pois sacava muito bem os detalhes das pessoas. Também escrevia poesias e começou a gostar da ideia de musicá-las.

Steve Vai e Max Santiago, então com 17 anos, no Rio de Janeiro em 1997


E como tem sido tirar as guitarras, os solos e trabalhar em cima do que foi gravado pelo Max?
Lula: Como eu não o conheci, entrei completamente pela música dele. De cara, peguei as canções que têm mais a ver comigo, que me atraíram mais. Eu gosto de tocar todas e não tive grandes dificuldades para assimilar.

Está seguindo tudo fielmente?
Lula: Algumas coisas, sim. Não deixo de fazer nenhuma frase importante, mas existe aquele lance de improviso nos solos, e aí eu coloco algo mais com a minha cara.

Aliás, os solos do Max eram mais na base do improviso?
Lula: Dá para perceber que foram muito bem pensados, mas eu toco o mais fielmente possível. Há os temas que têm de ser mantidos, pois fazem a música.
Paulo: O Max tinha muito de improviso ao vivo.
João: Nos shows era improviso total, ele nunca ficava preso a um formato específico.
Paulo: E eu falei para o Lula que não tem como ele tocar igual ao Max. Seria impossível, até porque são duas pessoas completamente diferentes. Mas o grande lance de o Lula estar com a gente, além de tocar para cacete, ser supertalentoso e ter uma musicalidade tremenda…
Lula: … Obrigado! (risos)
Paulo: É que ele topou a história. Um grande lance que também fascinava o Max era que cada um tinha um estilo diferente. Eu venho de uma praia mais jazz e rock progressivo, o Guto tinha um suingue forte de música brasileira, e o Daniel era mais blues. Depois, o João entrou com uma pegada mais pesada. No começo eu até estranhei, mas a coisa foi ficando afinada, e hoje eu sou o maior fã dele…
João: … Obrigado também! (risos)
Paulo: É sério, eu sou fã de todos. O Luiz tem uma coisa erudita forte para caramba… Vou acabar babando ovo de todo mundo (mais risos). No fim, é algo bem definida para o som do Max, que é cheio de detalhes e muito redondo. Na época, isso era fundamental e preenchia a originalidade que o Max buscava. Essa diversidade de estilos fez o som.


Quem participou mais do processo de composição com o Max?
João: A maior parte das músicas foi feita com o Daniel nos teclados. O Luiz pegou mais para gravar, à exceção de umas duas ou três em que trabalhou com o Max.
Luiz: O Daniel já havia definido algumas coisas, e o Max me passava, mas eu tinha a liberdade de mudar o que eu quisesse. Acabei fazendo os arranjos da minha maneira.
Paulo: Muitas coisas o próprio Max definia durante os ensaios, também, porque achava que não estava legal e pedia para fazer de determinada maneira.
João: Apesar de ser um projeto do Max, ele um dia disse que não estava estava se sentindo confortável com isso. No entanto, nós deixamos bem claro que estávamos numa banda, mas que havíamos comprado a ideia de que a aprovação final tinha mesmo de ser dele. Nos gravamos motivados e envolvidos de uma maneira positiva, preocupados em fazer exatamente o que ele queria. Infelizmente, hoje estamos trabalhando para o show de lançamento e dando uma entrevista sem ele, que era a pessoas mais importante.

O CD será beneficente, e o dinheiro das vendas, revertido ao Inca. Como surgiu esse caminho?
Paulo: Isso é muito importante. Quando ficou doente, o Max criou o Projeto Viver e Crescer, que passa às pessoas com câncer a mensagem de que elas não podem desistir. É um estímulo para fazer com que continuem criando sempre. Mesmo que haja algum obstáculo, é preciso seguir em frente. Max tinha 21 anos de idade quando morreu, mas mostrou uma maturidade incrível ao lidar com uma doença trágica. Era impressionante como ele era centrado mesmo tendo de conviver com aquilo. O projeto é uma parceria com o Inca, e toda a renda do disco será do Instituto, porque isso também era uma meta do Max.
João: A história com o Steve Vai tem a ver como o Viver e Crescer. Um amigo em comum, o Pedro Bonfim, conseguiu um contato para chegar ao Vai e escreveu um e-mail, mandando uma foto que o Max tirou com ele num dos shows no Rio, falando do disco que ainda seria gravado e contando do projeto beneficente. O próprio Steve Vai respondeu, e eu tenho o e-mail guardado até hoje (risos), pedindo que enviássemos uma cópia. Nossa ideia era tê-lo participando em uma música, mas infelizmente não deu. No entanto, o Vai deu uma entrevista a uma revista brasileira e falou muita coisa boa do Max, provou que ouviu o CD e gostou.

Léa Fabres entrega a Steve Vai uma cópia do CD de Maximiliano Santiago


E como será o show de lançamento? Será apenas um ou vocês pretendem levar para fora do Rio, por exemplo?
Luiz: Será apenas um, a princípio, mas eu coloco a maior pilha neles três para fazermos outros, até para seguir com a música do Max. Queria até fazer uma música nova para o show em julho.
João: Aliás, o CD sai em meados de junho e também será vendido na apresentação de lançamento.
Paulo: Nós ainda não definimos o dia e o local, mas a Léa já confirmou participação, e, além das nove músicas do CD, iremos tocar vários covers: Mary Had a Little Lamb (Stevie Ray Vaughan), Little Wing (Jimi Hendrix), Detroit Rock City (Kiss), You’ve Got to Hide Your Love Away (Beatles) e Cry Machine (Steve Vai), entre outros. Certamente teremos mais convidados especiais, e iremos colocar no site oficial uando tudo estiver confirmado.
João: E gostaríamos de agradecer a todos que nos ajudaram no projeto e ainda não mencionamos. André Coelho, baixista do Sigma 5 que mixou o disco; minha irmã, Viviane Saravia, que gravou todas as músicas, à exceção de Mar
Paulo: … Também ao Mario Alberto, que fez o site e a programação visual do CD, e a você pela força!

Banda Fusão: Paulo Andrade, João Saravia, Lula Washington e Luiz de Simone

Entrevista publicada na edição 103 do International Magazine, em junho de 2004.