Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação
Você consegue imaginar uma banda lançando quatro discos em pouco mais de um ano, e sem perder a qualidade? Difícil se acostumar à ideia quando, hoje em dia, muitas bandas não conseguem nem chegar a ter o mesmo número de álbuns no currículo. Pegando uma carona no túnel do tempo, de 25 de agosto de 1969 a 3 de novembro de 1970, o Grand Funk Railroad colocou na praça as suas quatro primeiras obras – On Time (1969), Grand Funk (1969), Closer to Home (1970) e Live Album (1970) –, todas recentemente relançadas em versões remasterizadas, incluindo as tradicionais faixas bônus (remixes, demos e versões ao vivo) apenas para os trabalhos de estúdio. Os 12 primeiros discos são parte do pacote, aqui esmiuçado num especial em duas partes.
Parte I
On Time foi o primeiro passo para o fenômeno que se tornaria a banda, apesar de a crítica não ter morrido de amores à época. Birras à parte, o álbum tem em Are You Ready, T.N.U.C. e Heartbreaker clássicos instantâneos e deu ao grupo o primeiro Disco de Ouro. Não bastasse isso, o sucesso fez com que fosse criada a Grand Funk Enterprises, responsável por administrar o dinheiro gerado por Mark Farner (guitarra, vocal e teclados), Don Brewer (bateria e vocal) e Mel Schacher (baixo). Os três, aliás, eram espetaculares ao vivo, algo que o Led Zeppelin pôde comprovar no fim de 1969, em Detroit. Diante da performance avassaladora do power trio, o empresário do Led, Peter Grant, simplesmente o expulsou do palco durante Inside Looking Out, que depois entrou no segundo trabalho da banda.
Grand Funk chegou às lojas em 29 de dezembro, repetindo o desempenho do álbum de estreia. Sucesso de público, Disco de Ouro e criticado pela imprensa (curiosamente, assim como com várias outras bandas, os “críticos experts” acabariam dando o braço a torcer). Mais bem produzido, o trabalho mantém o nível e apresenta um punhado de ótimas canções: Got This Thing on the Move, Mr. Limousine Driver, Winter and My Soul e Paranoid, além da já citada Inside Looking Out, presença obrigatória nos shows durante os anos seguintes. O power trio conseguira sua primeira turnê como headliner pelos EUA, mas foi com Closer to Home, lançado em junho de 1970, que mostrou por que é um dos melhores grupos de rock que o mundo já viu.
A bateria poderosa de Brewer, o groove e as linhas de baixo de Schacher, Farner mostrando não apenas ser um guitarrista de primeira linha, mas principalmente um grande vocalista. Todos estes elementos, somados à musicalidade das composições, transformaram Closer to Home num disco essencial a todos que gostam de rock. Aimless Lady, Mean Mistreater, I Don’t Have to Sing the Blues e I’m Your Captain dispensam adjetivos. Adicionando novos elementos ao som – como violão, Fender Rhodes e orquestra –, o Grand Funk tinha em mãos sua primeira obra-prima.
Três discos foram lançados em apenas dez meses, e a popularidade crescera de maneira impressionante. Para comemorar tanto sucesso, aconteceu o óbvio. Era hora do primeiro álbum ao vivo, e o duplo Live Album, de novembro de 1970, acabou sendo um presente aos fãs, vendido por US$ 5,98 e alçado à Disco de Platina duplo. Curiosamente, I’m Your Captain, maior hit escrito pela banda, ficou fora do álbum, mas Are You Ready, Paranoid, Heartbreaker, Mean Mistreater, T.N.U.C. e Inside Looking Out mostram toda a energia do Grand Funk Railroad. A lamentar, apenas a mixagem do álbum, por causa do irritante aumento do som da plateia durante as músicas.
Os bônus:
. On Time – High on a Horse e Heartbreaker (versões originais)
. Grand Funk – Nothing is the Same (demo) e Mr. Limousine Driver (versão original)
. Closer to Home – Mean Mistreater (ao vivo e remix), In Need e Heartbreaker (ao vivo)
Parte II
Nesta segunda e última parte, são passados a limpo os oito álbuns seguintes, que fecham o pacote, a começar pelo excelente Survival, original de abril de 1971. No embalo do sucesso conquistado gradativamente nos dois anos anteriores, o trabalho chegou às lojas com um milhão de cópias vendidas, rendeu dois singles – Feelin’ Alright, de Dave Mason, e I Want Freedom – e uma releitura de Gimme Shelter, dos Rolling Stones, infinitamente superior à versão original. Curiosamente, a banda havia cortado aqui o “Railroad” do nome, passando a atender somente por Grand Funk até All the Girls in the World Beware!!! (1974), inclusive.
A popularidade do Grand Funk nos Estados Unidos à época era tão impressionante que foi durante a turnê de Survival que o grupo quebrou um recorde dos Beatles: os 55 mil ingressos para a antológica apresentação no Shea Stadium, em Nova York, no dia 9 de julho, foram vendidos em apenas três dias. Os Fab Four precisaram de um mês e 20 dias para vender a mesma quantidade em 1966. Sem perder tempo, Mark Farner (guitarra, voz e teclados), Mel Schacher (baixo) e Don Brewer (bateria e voz) voltaram para o estúdio em setembro – lembrem-se: o ano ainda é 1971 – para gravar a obra-prima E Pluribus Funk, o famoso “disco da moeda”, graças à capa do vinil na cor prata e em forma moeda. A reedição deste álbum é das mais interessantes, com quatro bônus muito bem escolhidos: I’m Your Captain/Closer to Home, Hooked on Love, Get it Together e Mark Say’s Alright, todas ao vivo.
Em 1972, com a banda no auge, surgiram os problemas com o produtor e empresário Terry Knight. Desconfiados, os músicos passaram a questionar a administração da GFR Enterprises e o contrato firmado com a Capital Records em 1969 (Knight recebia 16% de comissão em cima da vendagem dos álbuns, não os 6% previamente acordados). Uma auditoria foi feita – a cargo de John Eastman Jr., cunhado de Paul McCartney –, e a separação não foi amigável, levando a uma briga judicial que durou anos. Com novo empresário, o tour manager Andy Cavaliere, o Grand Funk assumiu as rédeas da produção e lançou mais um grande disco, Phoenix, mas que não alcançou os números anteriores de venda. Rock ‘n Roll Soul, primeiro single, é o grande destaque do trabalho, que traz ainda a participação do tecladista Craig Frost em algumas faixas e Farner falando abertamente de religião em So You Won’t Have to Die.
O Grand Funk entraria em nova fase, com Frost sendo confirmado como membro efetivo, e a sequência da briga com Knight – que conseguira no fim do ano, respaldado por um mandado da Justiça, confiscar todo o equipamento da banda. Sob a batuta do produtor Todd Rundgren, We’re an American Band foi lançado em julho de 1972 e chegou ao segundo lugar nos EUA, a mais alta posição que o grupo alcançara até então. A nova versão do álbum traz as “inéditas” Hooray e The End – aspas porque elas viram a luz do dia em 1999, no espetacular box set 30 Years of Funk: 1969-1999 –, além de clássicos como a faixa-título, Stop Lookin’ Back, Black Licorice e The Railroad.
Novamente com Rundgren pilotando a mesa – e tocando guitarra em Carry Me Through –, Shinin’ on saiu do forno em março de 1974 e, além da excelente música que dá nome ao disco, rendeu à banda um single por duas semanas no primeiro lugar da parada americana: The Loco-Motion, hit gravado por Little Eva em 1962. Ao mesmo tempo em que seguia em frente, o Grand Funk foi obrigado a pagar US$ 284 mil a Knight, que cobrava US$ 73 milhões e alegara ter recebido US$ 2,7 milhões, o que foi desmentido publicamente por Cavaliere. O disco seguinte – o único de estúdio do pacote que não ganhou bônus – foi All the Girls in the World Beware!!!, produzido por Jimmy Ienner e lançado em dezembro. O álbum trazia o grupo menos rock e mais soul, e Some Kind of Wonderful, cover do Soul Brothers Six and Fantastic Johnny C, tornou-se o grande hit.
O segundo single, Bad Time, deu a Farner o certificado de reconhecimento da BMI pela música mais executada nas rádios dos EUA em 1975. Curiosamente, foi a última canção do grupo a constar no Top 20 americano. No mesmo ano foi lançado Caught in the Act (chamar-se-ia Live 75), excelente registro ao vivo da turnê mais recente, apesar de Are You Ready, que abria os shows, ter ficado fora. O relançamento em CD, aliás, acabou sendo o grande vacilo da série em vez de consertar um erro antigo: deveria ser duplo, como o vinil, sem as edições como o corte na introdução e no solo de Brewer – o que, diga-se de passagem, já havia deixado o batera puto da vida.
O irregular Born to Die, último do pacote, traz Bare Naked Woman e Genevie como extras em versões inéditas, mas foi o disco que fracassou em 1976 e causou o primeiro (e muito rápido) fim do Grand Funk Railroad. No mesmo ano, saiu o ótimo Good Singin’ Good Playin’, com a produção de Frank Zappa. O disco não faz parte dos relançamentos porque em 1999 havia chegado às lojas pela primeira vez em CD, remasterizado e com duas faixas a mais: Goin’ for the Pastor e Rubberneck. O Grand Funk ainda está na ativa hoje em dia, mas sem Farner. Ao lado de Schacher e Brewer estão o guitarrista Bruce Kulick (ex-KISS), o vocalista/guitarrista Max Carl e o tecladista Tim Cashion.
Live the 1971 Tour, mais uma pérola do Grand Funk
Uma banda que já lançou três trabalhos ao vivo precisa de mais algum? Se for o Grand Funk Railroad – responsável por discos como Live Album (1970), Caught in the Act (1975) e Bosnia (1997) –, a resposta é sim, e com louvor! No momento em que sua discografia vem sendo relançada, remasterizada em 24 bits e com faixas bônus, chega também à praça o excepcional Live: The 1971 Tour.
O álbum é uma compilação inédita da turnê americana no ano em que a banda lançou a obra-prima E Pluribus Funk e o excelente Survival. À época, o Grand Funk era “apenas” Mark Farner (guitarra, vocal e teclados), Don Brewer (bateria e vocal) e Mel Schacher (baixo), e o que esses três faziam em cima de um palco era covardia. Are You Ready, Footstompin’ Music, I’m Your Captain/Closer to Home, Hooked on Love, Get it Together, T.N.U.C. e Inside Looking Out estão simplesmente arrasadoras.
Para completar, Gimme Shelter aparece em sua versão definitiva – sejamos sinceros, muito melhor que a original, dos Rolling Stones. É uma das quatro faixas tiradas do show realizado no Shea Stadium, em Nova York, no dia 9 de julho, quando o Grand Funk igualou o recorde de público do local, pertencente aos Beatles, mas com todos os ingressos vendidos em 72 horas – Paul McCartney, John Lennon, George Harrison e Ringo Starr precisaram de 50 dias. Compre correndo.
A primeira parte do artigo “Grand Funk: remasterizado e essencial” foi publicado na edição 92 do International Magazine, em abril de 2003, e a segunda, na edição 93, em junho. As duas partes foram adaptadas para formar aqui uma única matéria, com a adição do texto sobre o álbum Live: The 1971 Tour, publicado na seção Curtas & Rasteiras da edição 88, em outubro de 2002.