Kadavar

Cais da Imperatriz – Rio de Janeiro/RJ – 04/03/2018

Foto: Daniel Croce

Kadavar

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

Em sua segunda passagem pelo Rio de Janeiro, o Kadavar saiu do acanhado Teatro Odisseia, na Lapa, para o Cais da Imperatriz, na Zona Portuária. Uma mudança significativa para uma banda da geração que vem revisitando e dando nova roupagem ao rock pesado feito nos anos 60 e, principalmente, 70. Obviamente, no entanto, o sucesso do evento – todos os ingressos foram vendidos – também se deve à parceira da produtora Abraxas com a cervejaria carioca Hocus Pocus, e a dobradinha permitiu que o evento tivesse a abertura de dois grupos independentes que muito provavelmente não pisariam tão cedo na cidade. Ou não teriam a oportunidade de tocar para mais de 500 pessoas.

A começar pelo Galactic Gulag, banda de Natal (RN) formada por Pablo Dias e Breno Xavier (guitarras), Gabriel Dunke (baixo) e César Silva (bateria). Na estrada desde 2015, o quarteto aproveitou para tocar todas as cinco músicas de seu álbum de estreia, To the Stars By Hard Ways (2017), mas não se engane: não se trata de um EP, então a apresentação não foi curta. E apesar de a proposta instrumental por vezes oferecer dispersão, o grupo potiguar conseguiu prender a atenção de grande parte daqueles que chegaram às 18h para conferir todos os shows.

Foi assim com o peso e a psicodelia da arrastada Home, ou com esses mesmos predicados na companhia de um belo groove na ótima Escape from Planet Gulag, na qual Dias largou os dedos nas seis cordas – o guitarrista, diga-se, segura bem a onda nas longas canções instrumentais, mostrando-se fundamental para manter o interesse de quem não conhece o som do quarteto. E foi assim até o fim do set, passando pela ótima The Hollow Moon até a diversificada Eta Orionis, com direito até mesmo a um arco nas mãos de Xavier, e uma nova canção, Rise and Fall of Zvezda II, que encerrou o set com uma, digamos, pegadinha: por um momento, por causa de sua introdução de bateria, pensei que ouviria Stargazer, clássico do Rainbow.

Com Phillippi Oliveira (guitarra), Marco da Lata (baixo), Diego Drão (teclado), Carlos Amarelo (percussão) e Júnior do Jarro (bateria) em cena, o Anjo Gabriel se apertou no palco e também fez bonito. O início do show, diga-se, foi de uma felicidade ímpar: com a gravação de uma conversa em 2016 entre o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e o senador licenciado Romero Jucá (MDB-RR), então ministro do Planejamento, o grupo oriundo do Recife mandou ver Resiliência, do compacto homônimo lançado em 2017. Um encaixe perfeito e com boa dose de humor, uma vez que o diálogo que sugeria uma união para barrar a Lava Jato foi na voz feminina do Google Translator.

Musicalmente, Resiliência inseriu percussão e um quê de ritmo nordestino no meio de um instrumental ora pesado, ora progressivo e cheio de quebradeiras. O suficiente para chamar a atenção dos membros do Kadavar, que ficaram a primeira metade da apresentação na escada ao lado do palco curtindo o trabalho do quinteto pernambucano. Em seguida, uma nova canção ainda sem título definiu bem o Psych Kraut Prog do Anjo Gabriel, afinal, o som é mesmo bem singular. Mesmo que Peace Karma seja uma homenagem ao Black Sabbath ao remeter a Hand of Doom, conscientemente ou não, uma canção como a “balada” Sunshine in Outer Space já vale a iniciativa de conferir o trabalho predominantemente instrumental da banda, fundada em 2005 e que já tem dois discos: O Culto Secreto do Anjo Gabriel (2012) e Lucifer Rising (2013).

Anjo GabrielAnjo GabrielAnjo GabrielAnjo Gabriel

Um pouco de atraso, pista lotada e muito, muito calor. Foi com esse cenário que Christoph “Lupus” Lindemann (guitarra e vocal), Simon “Dragon” Bouteloup (baixo) e Christoph “Tiger” Bartelt (bateria) subiram ao palco. Primeiro para fazerem eles mesmos alguns ajustes de última hora, depois para um set arrasador. Com a pesadíssima Skeleton Blues, de Rough Times (2017), o Kadavar começou a colocar a casa abaixo, e Doomsday Machine, de Abra Kadavar (2013), ajudou a manter a empolgação lá em cima com seu riff hipnótico e uma levada empolgante.

“Are you ready for some rock and roll?”, bradou Lupus. Pergunta retórica, claro, porque Pale Blue Eyes, uma das melhores canções de Berlin (2015), animou ainda mais os presentes com um tema de guitarra e um refrão totalmente palatáveis. De volta ao peso – e um peso dos infernos, vale ressaltar –, foi a vez de Into the Wormhole, seguida de mais uma amostra do álbum mais recente: Die Baby Die, que ressaltou a deliciosa linha de baixo de Dragon e um dos refrãos mais sensacionais que você pode encontrar por aí para soltar a voz.

De volta a 2012, mais precisamente ao primeiro disco, autointitulado, Living in Your Head foi quase um show particular de Lupus, guitarrista de extremo bom gosto em timbres, riffs e solos. The Old Man serviu como mais uma prova de como Berlin é querido pelos fãs, que gritaram ao fim da música, e pela primeira vez, o nome do grupo. O set regular emendou mais três músicas do álbum de estreia: a tribal e quase dançante Black Sun; Forgotten Past, que poderia resumir sozinha a importância do Black Sabbath para o Kadavar; e Purple Sage, uma longa e maravilhosa viagem psicodélica e progressiva.

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O intervalo antes do protocolar bis já apresentava uma pista mais confortável, permitindo aos que lá estavam por causa do trio alemão ir mais para perto do palco – muito baixo, por sinal. Foi a confirmação de que uma parcela considerável foi ao Cais da Imperatriz para um festival de cerveja com música ao vivo. Então, azar de quem foi para o jardim nos fundos da casa para ficar batendo papo e bebendo suco de cevada de todos os tipos, porque Lupus, Tiger e Dragon voltaram para um encerramento matador.

Thousand Miles Away from Home, de Berlin, foi o começo de um fim apoteótico para quem curte o Kadavar, e seu riff – tanto de guitarra quanto de baixo – foi como um aperitivo para All Our Thoughts, outra joia de Kadavar, porque foi a deixa para Lupus emular Tony Iommi e Jimi Hendrix. E isso não é, nem de longe, uma crítica. Faixa de abertura de Abra Kadavar, Come Back Life encheu o local com seu alto astral – repare bem como ela tem um quê de hard rock – e aquele tema de guitarra acompanhado pela melodia vocal. Deve ter empolgado até quem estava vendendo cerveja, graças à seção instrumental no meio da canção, mas quem estava vidrado assistindo àqueles três caras despejarem tanta potência sonora não teve tempo de reparar nisso. O que valeu foi o sorriso no rosto de cada fã.

Set list Kadavar
1. Skeleton Blues
2. Doomsday Machine
3. Pale Blue Eyes
4. Into the Wormhole
5. Die Baby Die
6. Living in Your Head
7. The Old Man
8. Black Sun
9. Forgotten Past
10. Purple Sage
Bis
11. Thousand Miles Away from Home
12. All Our Thoughts
13. Come Back Life

Set list Anjo Gabriel
1. Resiliência
2. Música nova e ainda sem título
3. Claralice
4. Peace Karma
5. Sunshine in Outer Space
6. Mantra II

Set list Galactic Gulag
1. Home
2. Escape from Planet Gulag
3. The Hollow Moon
4. Space-Time Singularity
5. Eta Orionis
6. Rise and Fall of Zvezda II

Clique aqui para acessar a resenha no site da Roadie Crew.