Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce e Gustavo Maiato
Pode a expectativa por um show ser maior por causa do novo disco do que necessariamente pela própria banda? Diga-se de passagem, não é uma banda qualquer, e seria o primeiro show completo dela no Rio de Janeiro. Sim, pode. O Moonspell havia causado boa impressão no Palco Sunset do Rock in Rio em 2015, mas o festival não é um evento carioca, então a noite no Teatro Odisseia ganhou ares especiais por causa do mais recente disco do grupo português, o excelente 1755, que conta a história do terremoto que fez enorme estrago em Lisboa, principalmente, tirando a vida de milhares de pessoas no dia 1º de novembro do ano que dá nome ao álbum.
E o Moonspell não decepcionou. Ao apresentar oito das dez músicas do trabalho conceitual – considerando a nova leitura de Em Nome do Medo, originalmente gravada em Alpha Noir (2012), e Lanterna dos Afogados, cover dos Paralamas do Sucesso –, Fernando Ribeiro (vocal), Ricardo Amorim (guitarra), Aires Pereira (baixo), Pedro Paixão (teclados) e Miguel Gaspar (bateria) fizeram um daqueles shows para ficar guardado na memória. E nem é preciso ficar imaginando como poderia ter sido melhor caso o cenário de palco pudesse ser comportado num palco maior do que o do acanhado espaço na casa de shows localizada na Lapa.
Não mesmo, porque não se deve levar em consideração o pano de fundo, os apetrechos que enfeitam o posto de Paixão ou uma iluminação de primeira e jamais vista no Teatro Odisseia, acostumado a oferecer apenas um monocromático jogo de luzes vermelhas. O novo show do Moonspell vai muito além disso, afinal, Ribeiro o transforma num belo espetáculo teatral, e o início, com quatro canções de 1755, é simplesmente matador. Com uma lamparina na mão, o vocalista chamou para si todas as atenções na abertura com Em Nome do Medo, que contou com a participação ativa do público cantado cada palavra da letra. Emocionante.
A ótima faixa-título trouxe Ribeiro paramentado de médico, mas nada de sobretudo branco. A roupa escura tinha uma máscara que se destacava do chapéu e da capa, e era a máscara com bico que os profissionais da área da saúde usavam para se proteger no caso de o paciente ter alguma doença infecto-contagiosa. De fato, um trabalho do nível de 1755 merecia um tratamento visual à altura, e os fãs não ficaram atrás: deu gosto ver a plateia cantando In Tremor Dei (que música!) e Desastre. As letras em português são um facilitador, sem dúvida, mas o conteúdo, musical inclusive, tem que ser de qualidade.
Night Eternal, do álbum de mesmo nome, lançado dez anos atrás, contou com aquela iluminação especial mencionada parágrafos acima, e Opium continuou a viagem pelo material mais antigo. “Vamos fazer uma passagem de pouco mais de 200 anos no tempo”, disse Ribeiro antes de anunciar esta e Awake!, músicas tiradas de Irreligious (1996), reforçando que aquela noite de quarta-feira era destinada a uma aula de História. Se havia alguma dúvida, Ruínas causou novo frisson na pista, e o vocalista não se conteve: “Obrigado pela gentileza! Fantástico!” Realmente, porque a recepção ao novo material foi uma agradável surpresa numa época em que um sem-número de grupos lança discos apenas para ter uma razão para sair em turnê, na qual o passado é o principal alvo.
No caso do Moonspell, mesmo a dobradinha Breathe (Until We Are No More) e Extinct, de Extinct (2015), fez bonito – a canção que dá nome ao disco teve seu refrão recebido de braços abertos e sorriso no rosto pelos fãs. Olhando para frente, o quinteto português atacou com a sensacional Evento e em seguida conseguiu fazer ainda melhor, porque Todos os Santos foi o grande momento do show – o nome faz referência à data do desastre, o feriado Dia de Todos os Santos. Não bastasse ser uma das melhores músicas de 1755, senão a melhor, contou com outra performance teatral de Ribeiro – que empunhava uma cruz com dois feixes de luz vermelha – e um lindo coro dos fãs no refrão. Foi de arrepiar.
Poderia ter acabado aí que já teria valido o ingresso, mas imagine você o que foram Vampiria e Alma Mater… Antes do primeiro clássico, Ribeiro convocou a “galera” – “Como se diz aqui no Rio de Janeiro”, lembrou – a gritar bem alto. Foi atendido. Antes do segundo clássico, ele, que já havia declarado ser o Rio “a cidade mais bonita e portuguesa do Brasil”, mostrou estar ciente dos problemas que os cariocas vêm enfrentando numa cidade que vem namorando a falência – econômica, política, social, ética e moral – e está à mercê da violência: “Diante de tudo que vocês estão enfrentando, agradeço por terem vindo nos ver.” E arrisco dizer, sem medo, que foi em respeito e gratidão a esses fãs que Ribeiro desceu ao pit e cantou Alma Mater com eles e para eles.
A bela versão de Lanterna dos Afagados, enriquecida pelo teatro de Ribeiro no palco, antecedeu o bis que começou com Everything Invaded e cresceu rumo a um encerramento apoteótico. “Com esse sinal nas mãos, ajudem o Moonspell a conclamar o nome de Mefisto”, pediu o frontman, referindo-se ao chifrinho – aquele imortalizado por Ronnie James Dio – e anunciando Mephisto. Ao fim do clássico, as palmas e os gritos vindos da plateia. “Fantástico!”, bradou o vocalista, que voltou seus elogios à “galera do Rio”: “Vocês vão no nosso coração, como um povo irmão.” E a aguardada Full Moon Madness encerrou um show que é forte candidato a um dos melhores do ano no Brasil.
Set list
1. Em Nome do Medo
2. 1755
3. In Tremor Dei
4. Desastre
5. Night Eternal
6. Opium
7. Awake!
8. Ruínas
9. Breathe (Until We Are No More)
10. Extinct
11. Evento
12. Todos os Santos
13. Vampiria
14. Alma Mater
15. Lanterna dos Afogados
Bis
16. Everything Invaded
17. Mephisto
18. Full Moon Madness
Clique aqui para acessar a resenha no site da Roadie Crew.
1 Comentário para "Moonspell"
Que palavras lindas e emocionantes! A juntar umas fotos muito boas! Parabéns!