Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação
Falar o que Jimi Hendrix representou para a música é ser óbvio, porém verdadeiro. Foi um gênio, alguém muito à frente de seu tempo, o maior guitarrista que o mundo pôde ver. Gravou apenas quatro discos em vida, incluindo um ao vivo (Band of Gypsys, de 1970) apenas com canções inéditas e um duplo de estúdio (Electric Ladyland, de 1968) que continua atual e referência 35 anos depois de chegar às lojas pela primeira vez. Mais que guitarrista e músico, Jimi Hendrix foi um artista brilhante e incomparável. Sorte nossa que sua obra vem ganhando o tratamento que merece nas mãos da Experience Hendrix, por mais que Janie Hendrix seja acusada de estar fazendo fortuna à custa do legado do irmão. Podemos até mesmo poupar seu pai, Al, falecido não tem muito tempo. A verdade é que eles nos fizeram um favor.
A quantidade de CDs e LPs lançados com o nome Jimi Hendrix é incalculável, em sua maioria piratas ou trabalhos obscuros e de qualidade sonora duvidosa, sem contar péssimos acabamentos gráficos. Desde que pai e irmã ganharam na Justiça o direito de administrar o espólio de Hendrix, a discografia do guitarrista foi relançada de maneira decente. O disco que Hendrix gravava quando morreu ganhou uma versão digna e um nome de acordo com sua vontade (First Rays of New Rising Sun, em 1997), além de um bom lote de material ao vivo ter ficado mais acessível. Quem não se interessou pela íntegra dos dois shows com a Band of Gypsys (no duplo Live at Fillmore East, em 1999), o festival de Woodstock (Live at Woodstock, no mesmo ano) e o maravilhoso BBC Sessions (1998)?
Depois do espetacular box set com quatro CDs lançado em 2000, outra amostra de material inédito convivendo com arquivos raros, no fim de 2002 chegou a vez de o festival da Ilha de Wight chegar às lojas completo, em CD duplo e DVD – no Brasil, o CD foi lançado em março deste ano na versão simples, com sete músicas a menos. Blue Wild Angel: Live at the Isle of Wight traz o último registro ao vivo de Hendrix (ao menos, é o que todos sabemos até agora), gravado em 30 de agosto de 1970 – pouco antes do fatídico 18 de setembro. Ele ainda chegaria a se apresentar em alguns outros poucos países europeus – Suécia, Dinamarca e Alemanha – antes de voltar a Londres acompanhando Billy Cox, que involuntariamente bebera ponche com ácido na passagem pela Holanda e, como consequência, tivera sérios problemas.
Em Wight, quis o destino que Hendrix subisse ao palco às três da madrugada, pegando um público cansado e ao mesmo tempo ansioso para ver o guitarrista, que não tocava na Inglaterra havia quase dois anos. Ao lado de Cox e do espetacular baterista Mitch Mitchell, ele entrou incendiando com sua versão para God Save the Queen, em seguida emendando Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. Foi a estratégia para acordar o público, mas o próprio guitarrista estava num momento atípico. Não dormia há horas e passara o dia dando entrevistas, isso com a cabeça voltada ao imbróglio jurídico que tinha com o ex-empresário Ed Chalpin.
Mesmo com tantos problemas e acontecimentos fora do comum – alguns momentos de dispersão mental, como Mitchell perdendo o tempo duas vezes em Machine Gun –, Hendrix ainda tinha espírito para provocar o público, fazendo piadas por causa do horário e do cansaço. Tudo isso só ressalta que Blue Wild Angel: Live at the Isle of Wight é, na verdade, mais uma aula de feeling, coisa de arrancar lágrimas. Spanish Castle Magic, Voodoo Child (Slight Return), Red House, Foxey Lady, Hey Joe, Purple Haze, Freedom, Message to Love, Hey Baby (New Rising Sun), In From the Storm… Hendrix mostrava que não tinha limites, em qualquer momento de sua curta carreira. Faça um favor a você mesmo e adquira o CD – o importado ainda vem em edição de luxo, em versão digipack – e o DVD – na íntegra e com a sequência original do show, mais alguns bônus que você só verá depois de assistir ao show algumas muitas vezes (apesar do ‘cameraman’ que deve ter bebido além da conta).
Resenha publicada na edição 92 do International Magazine, em abril de 2003.