Living Colour – Collideøscope

Century Media | Nacional | 2003

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Living Colour – Collideøscope

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Se o leitor conferiu a entrevista com Corey Glover, sabe que o escriba aqui não esconde sua paixão pelo Living Colour. Poderia enumerar as razões por que tenho especial carinho pela banda, mas sou obrigado a resumir: é o melhor, mais ousado e mais criativo grupo de rock surgido nos últimos 20 anos. Se ainda assim for necessário um exemplo prático, ouça Collideøscope, o primeiro álbum de estúdio em dez anos, o trabalho que marca a volta depois de cinco anos do anúncio da separação, depois de sete anos sem Glover (vocal), Vernon Reid (guitarra), Will Calhoun (bateria) e Doug Wimbish (baixo) não tocarem juntos.

Mas não daria para saudar a volta do Living Colour com tanto entusiasmo se não fosse a certeza de que a banda continua relevante. Collideøscope ratifica isso não apenas no campo musical, mas também porque os quatro ainda têm algo inteligente a dizer – e isso faz uma tremenda diferença hoje em dia. Obviamente, os atentados terroristas em 11 de setembro exerceram uma forte influência, ainda mais com Glover estando dentro de um avião rumo a Nova York no fatídico dia.


No entanto, não espere encontrar exemplos típicos de um povo que não consegue enxergar além do próprio umbigo. Não, assim como o Queensrÿche em seu último disco, Tribe, o Living Colour expõe os erros de seu próprio país. Com um quê de The Clash – e propositadamente com a produção mais suja do disco –, a ótima Operation: Mind Control coloca o dedo na ferida: “(…) Isso não parece muito com liberdade / É a operação controle da mente / É a batalha pela alma da América / Apenas vista o casaco da conformidade / Enquanto nós o alimentamos com propaganda / Na TV do Estado / Você está 24 horas sob vigilância do satélite espião / Sempre achado pelo olho que tudo vê / Em Deus nós confiamos / E a alma da América (…)”.

Com elementos eletrônicos e muito peso graças à guitarra e a uma ótima linha vocal, In Your Name aponta a falta de sentido em uma guerra. A ? of When – o maior exemplo do casamento perfeito entre música e tema, com uma interpretação nervosa de Glover – questiona as consequências do evento (no encarte, a letra ocupa uma página inteira, vermelha e com um avião ao fundo). Claro, musicalmente Collideøscope é um bálsamo, de Song Without Sin à curta e bela instrumental Nova. Da oportuna regravação de Sacred Ground – uma das quatro músicas (à época) inéditas da coletânea Pride (1995) – ao acento reggae de Nightmare City – felizmente sem a repetitiva (e muito chata) guitarra característica do estilo.


O disco é recheado de ótimas canções – como Great Expectation, Choices Mash Up e Lost Halo, em que brilham Reid e Glover –, mas ainda assim podemos separar aquelas que conseguem ser diferenciais. Holy Roller e Pocket of Tears são excelentes, principalmente a segunda, uma balada (sem a conotação piegas, por favor) cheia de feeling. Certamente alvo da curiosidade de muitos, Tomorrow Never Knows, dos Beatles, ficou primorosa com os arranjos percussivos do extraordinário Calhoun.

A versão para a música dos Fab Four deve agradar em cheio aos que gostam da banda, mas Back in Black, clássico do AC/DC, já irritou alguns puristas de plantão. Sabe-se lá se o motivo foi o solo de Reid – ou seja, um solo do guitarrista do Living Colour, não de Angus Young – ou a interpretação de Glover – ora soando como ele mesmo, ora soando como Brian Johnson. O resultado? Sensacional. Fazer beicinho é bobagem pura, um conservadorismo que só pode durar até a maravilhosa Flying. Lenta, linda, cheia de groove e com Wimbish, Calhoun e Glover dando um espetáculo. Fora a letra emocionante… Resta agradecer aos deuses da música – enfim, a salvação do rock! – e esperar que o Living Colour realmente chegue ao Brasil no início de 2004.

Resenha publicada na edição 99 do International Magazine, em dezembro de 2003.