Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação
Incansável e incrivelmente talentoso. Atualmente não há outra maneira de definir o baixista e vocalista Glenn Hughes, que solta mais um ótimo disco solo, Songs in the Key of Rock, em meio a uma série de trabalhos paralelos – com destaque para o Hughes Turner Project, projeto com o vocalista Joe Lynn Turner que chega ao segundo álbum de estúdio, HTP2. A quantidade de atividades fez com que Hughes interrompesse a sequência de um CD de inéditas por ano, iniciada com The Way it is (1999). Em 2002, ano em que lançou dois discos com Turner, HTP e o ao vivo Live in Tokyo, os fãs tiveram de se contentar com a coletânea dupla Different Stages. Como se fosse pouco…
Em Songs in the Key of Rock, clara homenagem a Stevie Wonder, um de seus maiores ídolos, Hughes mantém a fórmula do não menos ótimo Building the Machine (2001), mas mergulha um pouco mais fundo nas raízes do rock da década de 70. A primeira constatação está no ótimo trabalho do tecladista Ed Roth, que tocou com o guitarrista Chris Impellitteri e recentemente deu uma mão a Rob Halford em Crucible (2002), último disco da banda do novamente vocalista do Judas Priest.
O CD abre com In My Blood, um rock vigoroso movido a grandes riffs de guitarra, refrão bem construído e a garganta impecável de Hughes, não à toa chamado de “The Voice of Rock”. Pegue os vocalistas contemporâneos e compare: David Coverdale (Whitesnake), Robert Plant (ex-Led Zeppelin) e Ian Gillan (Deep Purple) há muito tempo já não têm a mesma força. Como Hughes, apenas Ronnie James Dio bebe formol todos os dias no café da manhã. Chega a ser impressionante, principalmente no quesito “quem sabe faz ao vivo”.
A busca pela sonoridade de sua época no Deep Purple está presente em Lost in the Zone, uma coletânea dos álbuns Burn (1974), Stormbringer (1974) e Come Taste the Band (1975) em pouco mais de quatro minutos. Fora isso, Gasoline tem um andamento parecido com o de Lady Double Dealer, e Wherever You Go busca uma linha vocal semelhante à de You Fool No One. Mais do que o túnel de tempo que leva a três álbuns clássicos e essenciais, as três canções são uma homenagem ao passado de Hughes.
Higher Places (Song for Bonzo) nos remete ao estilo arrastado de Kashmir, apresenta um belíssimo solo de guitarra e é, como o nome já diz, um tributo ao falecido e saudoso batera do Led Zeppelin, John Bonham. O instrumental preciso é outra marca registrada em Songs in the Key of Rock, graças principalmente ao trabalho nas seis cordas de JJ Marsh (ao lado de Hughes desde 1996, com um ou outro hiato no palco) e Jeff Kollman (famoso ‘guitar extraordinaire’ do trio de rock/fusion Cosmosquad). Nas baquetas, Gary Ferguson (velho companheiro de estúdio) cumpre seu papel apenas corretamente, no entanto, bem aquém do potencial de Bob Harsen ou Brian Tichy (ex-Pride & Glory), que acompanharam o baixista/vocalista em turnês recentes.
A face mais groove de Hughes aparece em Get You Stoned – com a participação especial de Chad Smith, baterista do Red Hot Chili Peppers – e Secret Life, a faixa mais funk do CD. Courageous e The Truth têm um lado mais pop, com belas linhas de baixo e refrãos na medida certa (a primeira, quase dançante). O contraste vem com Standing on the Rock, um arrasa-quarteirão de dar gosto, provando que o trabalho não deixa a peteca cair em momento algum.
Apesar do altíssimo nível, Songs in the Key of Rock deixa espaço para um destaque absoluto: Written All Over Your Face. Mais calma e com mudanças de clima fascinantes, uma harmonia de teclado fazendo um pano de fundo luxuoso, um solo simplesmente memorável e Hughes soberbo no vocal (a música termina de maneira apoteótica, com sua voz convivendo em harmonia com as guitarras de Marsh e Kollman). Enaltecer um novo disco de Glenn Hughes já virou redundância.
Resenha publicada na edição 96 do International Magazine, em setembro de 2003.