Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação
Os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001 afetaram o mundo da música de maneiras diversas. Sem contar concertos beneficentes e em nome da paz mundial, vários artistas e grupos lançaram trabalhos inspirados pelo acontecimento, fosse com um inflamado espírito patriótico (Bon Jovi e Bruce Springsteen) ou com críticas ao modo como o presidente dos EUA, George W. Bush, conduziu os eventos depois do ataque ao país.
A queda das Torres Gêmeas, a destruição parcial do Pentágono e o avião que caiu a caminho da Casa Branca afetaram também o Iced Earth, mas de uma maneira um tanto quanto peculiar. Guitarrista e líder de uma das bandas mais populares do heavy metal nos dias de hoje, Jon Schaffer resolveu dar maior vazão ao que antes havia feito apenas em duas músicas ― 1776, de Something Wicked This Way Comes (1998), e Ghost of Freedom, de Horror Show (2001). Ou seja, escrever um disco basicamente de temas históricos.
Se por um lado sua paixão por história ganhou forma por causa dos ataques, estes causaram a saída do vocalista Matt Barlow, que resolveu abandonar a música e tentar carreira como defensor público. O problema é que Barlow já havia feito todos os vocais do novo álbum, mas Schaffer decidiu que assim ele não seria lançado e convidou Tim Owens, que à época já convivia com os boatos da volta de Rob Halford ao Judas Priest, para regravar os vocais.
Apesar da reunião da veterana banda inglesa com Halford ter sido oficializada em julho do ano passado, Owens ainda fez um certo doce para aceitar ser o novo vocalista do Iced Earth, mas o casamento acabou sendo inevitável. Com tudo bem para os dois lados, The Glorious Burden foi lançado no início do ano e chegou recentemente às lojas brasileiras, via Century Media, que disponibilizou para os fãs o formato duplo do álbum, com o épico Gettysburg (1863) no segundo CD e a versão acústica da balada When the Eagle Cries ― anteriormente lançada no single The Reckoning.
Apesar de não ter conseguido superar o excelente Something Wicked This Way Comes, Schaffer e companhia produziram um grande trabalho, com mais altos do que baixos. Mais do que isso, a entrada de Owens, um dos melhores vocalistas de metal surgidos nos últimos dez anos, foi um salto de qualidade para o grupo, que conta ainda com Richard Christy (bateria), Ralph Santolla (guitarra) e James MacDonough (baixo).
Apesar de encaixado no contexto do trabalho, The Star-Spangled Banner, o Hino Nacional dos Estados Unidos, soa absolutamente desnecessário diante da atual política americana ― não à toa ficou fora da versão europeia de The Glorious Burden. Se o disco começa mal, felizmente o conserto foi rápido. A ótima e cadenciada Declaration Day, sobre a independência dos EUA; When the Eagle Cries, a única que fala de 11 de setembro; e The Reckoning (Don’t Tread on Me) formam uma trinca de encher os olhos.
Vá lá que Valley Forge e Hollow Man ― sobra de Horror Show e única que não aborda algum tema histórico ― não acompanhem o restante do álbum, mas ainda assim são boas músicas. No restante, a atuação impecável de Owens, os bumbos e as quebradas de Christy e os riffs de Schaffer são destaques em faixas empolgantes como Greenface (sobre os fuzileiros navais americanos), Red Baron/Blue Max (a respeito de Manfred von Richthofen, o Barão Vermelho, o mais famoso piloto de guerra alemão) e Waterloo (a derrota definitiva de Napoleão).
No entanto, o grande destaque é mesmo Gettysburg (1863), espetacular em seus 32 minutos divididos em três partes: The Devil to Pay, Hold at All Costs e High Water Mark. Contando os três dias – 1º a 3 de julho de 1863 – que deram início à Guerra Civil Americana, Schaffer compôs uma pequena obra-prima e usou a Orquestra Filarmônica de Praga para enriquecer belas passagens instrumentais, momentos intrincados e partes pesadas com a mesma eficiência. Só ela já valeria The Glorious Burden, mas Owens ainda faz o favor de abrir a boca e deixá-la ainda melhor.
Resenha publicada na edição 102 do International Magazine, em maio de 2004.