Fevereiro de 2016. Em sua turnê de despedida, o Dr. Sin lotou o acanhando Teatro Odisseia naquela que seria a última passagem da banda pelo Rio de Janeiro. Maio de 2019. De volta à ativa, mas com Thiago Melo no lugar de Eduardo Ardanuy, o grupo liderado pelos irmãos Andria e Ivan Busic se viu diante de uma casa com menos da metade da sua capacidade – lembra-se do acanhado mencionado acima? Oficialmente, o local comporta 398 pessoas, então o que mudou em pouco mais de três anos? É uma discussão que vem tomando as recentes coberturas de shows no Rio de Janeiro feitas por este repórter, mas vamos conjecturar em cima deste evento.
Andria e Ivan são duas entidades do heavy metal nacional, uma vez que suas trajetórias se confundem com a história do estilo no país. Além disso, o Dr. Sin é e sempre foi o grande nome do hard rock brasileiro. Ou seja, temos aqui razões suficientes para dizer que uma casa como o Odisseia deveria estar cheia, no mínimo cheia, toda vez que o trio passasse por lá. Ou será que os fãs só prestigiam aquilo que vão perder? Ou será que a imagem da banda sem a consagrada formação original ainda não foi bem assimilada por esses mesmos fãs, que deveriam estar eufóricos com o retorno do Dr. Sin?
Um pouco de cada coisa, uma vez que era nítido que as atenções estavam voltadas para Melo, e não havia como ser diferente. Ardanuy é um dos melhores guitarristas que já pisaram no Planeta Terra, assim todos os olhos miravam o novo guitarrista durante Fire, por exemplo, porque a canção de Brutal (1995) tem um solo não menos que antológico. O que aconteceu? Melo mandou algumas notas na trave – em três momentos, para ser mais exato. E o que isso significa? Nada. “Direto do Acre, que existe mesmo…”, brincou Ivan ao anunciar o caçula do Dr. Sin antes de Lost in Space, na qual o acreano fez um solo matador – e a nova música do Dr. Sin ainda contou com a participação de Bruno Sá (Geoff Tate, ex-Allegro) nos teclados. Ah, mas não foi um solo escrito pelo Edu, você pode estar cornetando…
Meu amigo, Melo tirou a espetacular Scream and Shout de letra, e se você já era nascido na época do Hollywood Rock de 1993 – pergunta feita por Ivan aos presentes –, deve lembrar que o solo é nível longínquo passado glorioso de Yngwie Malmsteen. Melo também debulhou no fim de Miracles (que refrão espetacular, diga-se) e Isolated, em momentos feitos especialmente para ele brilhar, e arrancou sorrisos de satisfação e aprovação no segundo solo de Time After Time. Pronto. Se você não saiu de casa porque ficou em dúvida, lembre-se de não marcar outro compromisso para o mesmo dia em que o Dr. Sin voltar ao maltratado Rio de Janeiro. E até lá eu apostaria que Melo estará mais solto no palco, uma vez que a timidez apresentada é absolutamente natural para quem entrou num grupo como o Dr. Sin substituindo alguém como Edu Ardanuy. Mas calma lá que não foi apenas isso. Do começo com Fly Away ao encerramento com Down in the Trenches, esta com direito a discurso de Ivan enaltecendo Melo, houve vários momentos de destaque.
Fosse um individual, como Andria, soberbo baixista, mostrando em Sometimes que canta demais; fosse um coletivo, como a fantástica seção instrumental despejada pelo trio no desfecho de Karma. Emotional Catastrophe, óbvia por se tratar do primeiro hit da banda, divertiu por causa de Ivan imitando David Coverdale, mas o repertório trouxe ótimas surpresas. Em Foxy Lady, um dos muitos clássicos de Deus… Digo, de Jimi Hendrix, Ivan cedou as baquetas para Pedro Mello e foi fazer o papel de frontman, enquanto Melo ficou de espectador enquanto Anderson Gandra assumiu as seis cordas. E se Zero e a pesada Nomad foram bons momentos, Dirty Woman os multiplicou por dez ao mostrar aquilo que o Dr. Sin faz muito bem – hard rock com forte tendência comercial – e explicitar por que rolou apenas um hiato: “Essa é uma banda que nós amamos, que é a nossa vida, por isso nós estamos de volta, e vem disco novo em breve”, resumiu o baterista.
E rolou mais música antes do Dr. Sin. “Temos outro grande retorno. Quanto mais rock no Brasil, melhor”, como Ivan bem lembrou, referindo-se ao Azul Limão, que fazia naquela noite de sábado o primeiro show da volta, marcada pelo lançamento do álbum Imortal no fim do ano passado. Com dois integrantes originais, Marcos Dantas (guitarra) e Vinicius Mathias, a le(ge)ndária banda carioca, um dos embriões do metal na cidade, trouxe o vocalista Renato Trevas e o baterista André Delacroix do Metalmorphose, grupo no qual Dantas esteve até o encerramento das atividades, em 2018 – e a natural decisão de continuar a parceria no Azul Limão se explica no fato de ser este um nome mais relevante.
Algo, aliás, que ficou latente na abertura com Portas da Imaginação, exatamente a primeira canção do primeiro disco, Vingança (1986), que dominou basicamente metade do repertório. O heavy blues Sangue Frio, com o solo cheio de feeling de Dantas, foi a seguinte, logo depois de Trevas apresentar o grupo e marcar território: “O Azul Limão está de volta!”. Viajando mais de 30 anos para frente no tempo, Paranormal foi a primeira amostra de Imortal, e o coro espontâneo do público acompanhou a força do novo material ao vivo – a faixa-título e a emblemática Guerreiros do Metal foram as outras faixas escolhidas –, uma vez que a produção magrinha do CD não faz jus a composições que mereciam um trabalho profissional.
“Essa é do Regras do Jogo. Alguém conhece? Ninguém, né? A letra é atual, apesar de escrita há alguns anos”, disse Trevas antes de Nada a Perder. Única de Ordem & Progresso (1987) no set, Rotina não fez tanto barulho, mas as outras quatro músicas do show valeram a espera. O Grito teve mais um corinho para o público, mas especiais mesmo foram Não Vou Mais Falar; o hino Coração de Metal, com direito a stage diving do vocalista e paradinha para o publico cantar; e Satã Clama Metal (“Vocês estão ao vivo e vão cantar comigo”, bradou o carismático Trevas, com o celular na mão registrando o momento numa ‘live’ para o Facebook). Momentos de abrir o sorriso não apenas de quem já passou dos 40 anos e, adolescente, viveu aquela época, mas também daqueles que só conheciam o Azul Limão pela história do metal nacional.
Dois retornos, uma estreia. A responsabilidade de abrir a noite foi do ManUNkinD, e voltamos ao tópico do início da resenha, porque o quarteto carioca formado Victor Cordeiro (vocal), Fábio Trovão (guitarra e vocal), Renato Croce (baixo) e Bruno Ferreira (bateria) se apresentou praticamente para amigos e familiares. Infelizmente. É o preço que se paga pela batida falta de apoio à prata da casa, exceção feita a nomes consagrados, e um risco que atinge produtora que trabalha com grupos nacionais e não tem cacife para trazer atrações internacionais nem mesmo de médio porte – ou seja, independentemente da inegável qualidade de alguns nomes, consegue trabalhar apenas com bandas gringas de terceiro, quarto ou quinto escalão. Mas o ManUNkinD, que ainda está amadurecendo, não tem nada a ver com isso e deu muito bem o seu recado.
O começo com o heavy rock de Welcome e o groove de Show Me the Way mostraram que a banda tem repertório para chamar atenção. E vale destacar também Home, pelo instrumental caprichado, incluindo o longo solo de Trovão, e o refrão agradavelmente palatável, duas características presentes também em Spread Your Wings, que ganhou a bela sacada de fechar com Ode to Joy, de Ludwig van Beethoven, e foi dedicada a André Rodrigues, o “Desmond Child brasileiro”, segundo o guitarrista. E ainda teve Love and Lies, cheia de mudanças de clima, e uma versão bem legal para The Tower, de Bruce Dickinson, muito bem emulado por Cordeiro. Mas sabe o lance de amadurecer? É exatamente por ainda ter momentos verdes que as melodias vocais de All Gone causaram estranheza, assim como Taunting Cobras, tirando o trabalho de Ferreira, soou estranha a quem é fã de carteira do Savatage, muito em parte porque o vocal não encaixou. Mas são apenas deslizes de quem está no caminho certo.
Por Daniel Dutra | Fotos: Alexandre Cavalcanti
Setlist Dr. Sin
1. Fly Away
2. Karma
3. Lost in Space
4. Time After Time
5. Fire
6. Sometimes
7. Nomad
8. Dirty Woman
9. Isolated
10. Scream and Shout
11. Zero
12. Miracles
13. Emotional Catastrophe
14. Foxy Lady
15. Down in the Trenches
Setlist Azul Limão
1. Portas da Imaginação
2. Sangue Frio
3. Paranormal
4. Nada a Perder
5. Não Vou Mais Falar
6. Imortal
7. Coração de Metal
8. O Grito
9. Rotina
10. Guerreiros do Metal
11. Satã Clama Metal
Setlist ManUNkinD
1. Welcome
2. Show Me the Way
3. Home
4. The Tower
5. All Gone
6. Love and Lies
7. Spread Your Wings
8. Taunting Cobras