Kip Winger

Teatro Odisseia – Rio de Janeiro/RJ – 30/03/2019

Foto: Daniel Croce

Kip Winger

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

“Preciso que meu violão funcione, mas posso apenas cantar”, disse Kip Winger ao responsável pelo som da casa. E enquanto o problema não era resolvido, o jeito era jogar conversa fora. No bom sentido. “É muito bom estar de volta ao Rio de Janeiro, e em algum momento isso vai funcionar”, garantiu o músico, observando o técnico mexendo no equipamento. “É tudo que tenho a dizer, porque o que quero mesmo é cantar algumas músicas. Bom, posso fazer o moonwalk.” A segunda vez de Kip com seu show acústico na cidade já estava virando comédia stand-up – ele ameaçou o passo de dança, arrancando risadas do público – quando tudo parecia finalmente solucionado. “Estou até com medo de me mexer. Alguém tem uma fita? Ok, dane-se!”, brincou Kip antes de o som sumir mais uma vez. “Bom, garanto a vocês que vai ser incrível assim que acertamos isso.” E foi.

Acompanhado apenas do ótimo percussionista Robby Rothschild, que participou de três de seus discos solo de estúdio – This Conversation Seems Like a Dream (1997), Songs from the Ocean Floor (2000) e From the Moon to the Sun (2008) –, Kip fez um show realmente incrível. O início com Cross, de Songs from the Ocean Floor, foi o aquecimento para a primeira enxurrada de joias do Winger. Easy Come Easy Go ganhou os vocais de apoio voluntários dos fãs que compareceram em número razoável ao Teatro Odisseia, mas em quantidade suficiente para arrancar um “Fucking awesome! Obrigado”, dito com um enorme sorriso pela estrela da noite. Em Who’s the One foi a vez de o microfone falhar, então a parada para o conserto foi aproveitada com apertos de mão e autógrafos para a turma que estava colada no palco – a casa, aliás, estava com uma inédita configuração de mesa e cadeiras, mas ninguém ficou sentado.

Can’t Get Enough foi outra muito bem recebida, mas o negócio esquentou em Hungry. Não porque o público cantou junto, mas porque Kip deixou todo mundo de queixo caído. É simplesmente absurdo o que esse cara canta, e a resposta da plateia foi com um coro com seu nome, prontamente devolvido pelo músico com um “Rio! Rio! Rio” – em tempo: sim, músico. Melhor ainda, multi-instrumentista, porque estamos falando de um artista que é muito mais do que o baixista e vocalista do Winger. “Nosso último disco, Better Days Comin’, é de 2014, então eu e Reb vamos nos juntar em agosto para começarmos a compor o novo álbum”, anunciou Kip, arrancando óbvios aplausos entusiasmados dos fãs. Estava mesmo na hora.


E foi de Better Days Comin’ a música seguinte, a belíssima Ever Wonder, com destaque, nas palavras de Kip, para “esse badass motherfucker, o percussionista Robbie”. Rainbow in the Rose, por sua vez, ficou fabulosa no formato acústico – na verdade, foi a comprovação in loco do que está no obrigatório Down Incognito (1998). Mesmo sem o instrumental que a deixa especialmente intrincada (salve Rod Morgenstein), a complexidade ainda se fez presente na canção que é uma das grandes obras-primas da história do hard rock. Em seguida, Kip perguntou se alguém da pista gostaria de subir ao palco para cantar nada menos que o maior hit do Winger, e entre quem levantou a mão a escolhida foi Laurency Paes, desafiada pelo músico: “Você consegue cantar? Então vem, girl from Rio”. Sim, ela conseguiu e, sem errar uma palavra sequer, vencendo rapidamente a timidez, foi protagonista de um dos momentos mais legais do show. “Isso foi incrível! E foi ao vivo”, disse Kip, empolgado. “Obrigado por apoiarem a música tocada ao vivo.”

A apresentação não havia chegado a sua metade, mas mesmo assim já tinha valido o ingresso de todos os presentes. Só que tinha mais. Spell I’m Under foi mais um show de Kip como vocalista, enquanto Without the Night se mostrou uma agradável surpresa tirada do homônimo disco de estreia do Winger, de 1988. Ideal para preparar o terreno para quatro músicas dos álbuns solo, começando por How Far Will We Go, do genial This Conversation Seems Like a Dream; passando pela espetacular instrumental Free, de Songs from the Ocean Floor; e fechando com duas de From the Moon to the Sun, ambas com Kip trocando o violão pelo teclado: as bonitas Pages and Pages e Where Will You Go, incluindo uma merecida ovação depois da primeira. “Isso é o que importa. Vocês são incríveis. Muito obrigado!”, agradeceu.

É o que importa, mesmo. As canções de sua carreira solo não estavam na ponta de língua de todos os presentes como estavam as joias do Winger, mas a reação foi extremamente positiva, e em muitos se percebia um ar de admiração pelo que talvez estivessem ouvindo pela primeira vez. Mas se era para cantar, o fim do show foi arrasador. Headed for a Heartbreak é tão bonita que nem mesmo o antológico solo de Reb Beach fez tanta falta assim; Down Incognito foi mais uma amostra da garganta privilegiada do cara que ainda é subestimado por muita gente, em boa parte por causa do início dos anos 90; Madeleine fez todo mundo cantar o coro no refrão; e o hino Seventeen, com direito à brincadeira de que agora “she’s only forty eight”, encerrou um show simples que, na verdade, é um espetáculo de bom gosto, boa música e simpatia (Kip não arredou o pé até tirar foto com o último fã que estava numa improvisada fila, ao fim da apresentação) – e sabe aquele baterista que aparece, num vídeo do início dos anos 90, jogando dardos num pôster do Kip Winger? Se tivesse metade do talento que o multi-instrumentista tem no dedo mindinho da mãe esquerda, esse baterista seria um grande músico. Acontece que não tem.

Mas não acabou aí. Não o texto, pelo menos, porque antes teve a apresentação do Anie, projeto acústico dos ex-Shaman e Noturnall Fernando Quesada (violão e vocal) e Junior Carelli (teclados e vocal), que no Rio contaram com a participação especial do vocalista do Rec/All, Rod Rossi. E mais do que cair com uma luva na proposta do evento, a curta apresentação do trio foi uma agradável surpresa. Talvez We Will Rock You, do Queen, e Nova Era, do Angra, pudessem ter dado lugar a canções menos populistas ou até mesmo a obras autorais, uma vez que foi aí que o show realmente ganhou charme, até porque quem estava interessado em assistir iria curtir de qualquer jeito – e não deixa de ser curioso que em alguns momentos cheguei a imaginar que iria começar alguma coisa do Savatage. Mas, por exemplo, pegue We All Die Young, que Chris “Izzy” Cole, interpretado por Mark Wahlberg, canta na audição para vocalista da fictícia banda Steel Dragon no filme “Rock Star”. Não atingiu o status de Stand Up, mas é uma baita música e foi uma ótima escolha para abrir o set.


E Dream on, do Aerosmith, que veio em seguida? É um clássico, mas não é Walk This Way, e ainda ganhou uma bela verão acústica. Foram opções mais acertadas, assim como a inclusão, mesmo que óbvia, da ótima iHate, do Rec/All, e principalmente de material do próprio Anie. And I Go tem uma história que cabe no formato, para convidar a plateia a participar – “Fala dos anos no Shaman e no Noturnall, então foi nossa carta de despedida. Por isso esse tom”, explicou Quesada –, e Choices é boa, muito boa, com um potencial comercial que precisa ser descoberto. Ainda assim, com três músicos talentosos no palco, arranjos bem sacados e, resumindo, um repertório com mais acertos do que erros, o show foi um bom aperitivo para quem não conhecia o Acoustic Natural Intense Experience.

Setlist Kip Winger
Cross
Easy Come Easy Go
Who’s the One
Can’t Get Enuff
Hungry
Ever Wonder
Rainbow in the Rose
Miles Away
Spell I’m Under
Without the Night
How Far Will We Go
Free
Pages and Pages
Where Will You Go
Headed for a Heartbreak
Down Incognito
Madalaine
Seventeen

Setlist Anie
We All Die Young
Dream on
iHate
Choices
We Will Rock You
And I Go
Nova Era