Liberation Fest 2018: Arch Enemy, Kreator & Excel

Circo Voador – Rio de Janeiro/RJ – 16/11/2018

Foto: Gustavo Maiato

Liberation Fest 2018: Arch Enemy, Kreator & Excel

Por Daniel Dutra | Fotos: Gustavo Maiato

Assim como o Solid Rock, o Liberation Fest é outra esperança para os fãs cariocas de rock pesado – principalmente por ser tratar de um evento da única produtora especializada que ainda mantém o Rio de Janeiro como rota obrigatória. Em sua segunda edição, o festival voltou ao Circo Voador com dois nomes de peso e dois de escalão inferior. Ou quase, porque o Walls of Jericho não pôde se apresentar na cidade. Uma tempestade de neve provocou o cancelamento de vários voos na Costa Leste dos Estados Unidos, e a vocalista Candace Kucsulain não conseguiu chegar a tempo. Os outros integrantes – os guitarristas Chris Rawson e Mike Hasty, o baixista Aaron Ruby e o baterista Dustin Schoenhofer – já estavam no Rio, assim a banda conseguiu se apresentar em São Paulo no dia seguinte, uma vez que Candace embarcou num voo posterior.

Coube ao veterano Excel dar o pontapé inicial. Com 35 anos de estrada, incluindo dois hiatos (em 1993 e de 1996 a 2011), o grupo californiano de crossover foi, na verdade, uma novidade para a maioria dos presentes. Com tanto tempo de carreira, é possível questionar por que o quarteto não anda de mãos dadas com pares como D.R.I. e Suicidal Tendencies. Mas aí você olha a discografia e percebe que há apenas três discos de estúdio, e o mais recente foi lançado em 1995 (Seeking Refuge). E seis anos depois da segunda volta, a banda liderada por Dan Clements continua optando apenas por se apresentar ao vivo – único integrante da formação original, o vocalista tem ao lado o veterano Shaun Ross (baixo) e os novatos Alex Barreto (guitarra) e Michael Cosgrove (bateria).

Enfim, a julgar pelo show na famosa lona, não será assim que a o interesse será renovado ou despertado. Tudo bem que o som embolado não ajudou, mas o Excel não empolgou muito. Com um crossover que passeia pelos anos 80 e anos 90 – quando boa parte das bandas do estilo adicionou um pouco mais de groove à sonoridade –, o grupo chegou a apresentar uma música nova, Shadow Winds, mas não deixou de soar genérico, sem aquele algo a mais que torna especial o Suicidal Tendencies, por exemplo – a turma de Mike Muir, aliás, é uma enorme influência aqui. De qualquer maneira, o publicou aplaudiu, até como reconhecimento ao esforço do quarteto no palco, e chegou a abrir algumas rodas mais para o fim. Afinal, a intenção era se divertir.

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A coisa ficou séria mesmo no ato seguinte, porque o Kreator foi simplesmente destruidor. Meu amigo, que massacre! Daqueles para atrapalhar a vida dos fotógrafos, uma vez que não havia pit. Sem se apresentar no Rio havia 26 anos – desde a noite com Dorsal Atlântica e Korzus na quadra da Estácio de Sá (sim, a escola de samba), em abril de 1992 –, a banda alemã começou com Phantom Antichrist, e bastou para ganhar o jogo. Os gritos em uníssono de “Kreator! Kreator!” provaram que nem mesmo um setlist calcado na fase mais recente seria motivo para reclamação. Sim, nove das 13 músicas foram retiradas de Violent Revolution (2001) para frente, sendo que seis destas saíram dos dois últimos trabalhos, Phantom Antichrist (2012) e Gods of Violence (2017).

E daí? Hail to the Hordes é de 2017 e fez os fãs castigarem os pulmões no refrão, assim como aconteceu em Enemy of God, mas com um agravante: a pista virou um pandemônio. Culpa de Mille Petrozza. “E bom estar de volta depois de tantos anos”, agradeceu o vocalista e guitarrista antes de fazer o pedido. “Quero um mosh pit com massacre ao estilo brasileiro.” Claro, as rodas só assustariam quem não está acostumado ou não entende que aquilo é diversão, não violência. Mais uma do CD mais recente, Satan is Real contou com uma iluminação a rigor, predominantemente vermelha, e um efeito de fumaça muito bem casado com o refrão.

Visualmente, causou o impacto desejado, até porque a banda ajudava bastante. Jürgen “Ventor” Reil espancava a bateria com a maestria habitual, o baixista Christian Giesler agitava alucinadamente, e o guitarrista Sami Yli-Sirniö até mantinha uma postura mais sóbria, mas nem mesmo ele resistiu a Civilization Collapse. O finlandês acompanhou o sorriso no rosto de Petrozza, que pediu nova roda e foi atendido com um mosh pit cavalar. People of the Lie foi uma lindeza só, e Flag of Hate fez o líder do Kreator novamente se despir da pose de sisudo com os fãs gritando o nome da banda alemã. “Estamos no Rio de Janeiro, então espero muito barulho”, disse ele, aproveitando para reger todos que estavam na pista – “vocês aqui na frente, vocês aí atrás!” – e também na arquibancada.

Depois de passar por Coma of Souls (1990) e Endless Pain (1985), o Kreator adiantou um pouco o passado até Outcast (1997). A versão matadora de Phobia foi muito bem recebida pelos fãs, e um mais exaltado conseguiu subir no palco logo em seguida, Gods of Violence, para um stage diving sinistro. Sério, espero que o cara tenha ficado bem. E a catarse na plateia fez Petrozza novamente se soltar – “Muito obrigado, Rio! Vocês são fantásticos!” – antes de um breve discurso. “Quantos de vocês estiveram no show em 91?”, perguntou o líder, errando o ano. “Fãs old school, fãs new school, todos estão certos. Nós somos o Kreator, e vocês, no Rio de Janeiro, são a horda do caos.” Foi a deixa para Hordes of Chaos (A Necrologue for the Elite), responsável pela roda mais animal da noite (como se ainda fosse possível) e um empolgante momento pula-pula no refrão.

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“Dedicamos essa próxima música a Vinnie Paul, Dimebag Darrell, Fast Eddie Clark, Phil Animal Taylor, Lemmy Kilimister e a todos que nos deixaram. Muito obrigado! E boa noite”, disse Petrozza antes de Fallen Brother, última antes de um bis para guardar para sempre na memória. Violent Revolution, um clássico instantâneo, reiniciou a catarse e antecedeu a “última chance de vocês matarem uns aos outros”. Pleasure to Kill foi o desfecho de um show fantástico, uma aula de thrash metal que não pode demorar mais tantos anos para acontecer. “Nós vamos voltar. Veremos todos vocês na próxima turnê”, prometeu Petrozza, que se juntou a Ventor, Giesler e Yli-Sirniö para agradecer a aula que veio da plateia.

Curiosamente, a edição carioca do Liberation Fest foi a única em que o Arch Enemy se apresentou como atração principal – apesar de as duas bandas terem feito um set com a mesma duração, uma hora e 15 minutos, como preza uma turnê de co-headliners. Assim, uma dúvida virou certeza antes de o grupo sueco entrar no palco: muita gente foi ao Circo Voador para ver o Kreator, e uma parcela razoável foi embora antes dos primeiros acordes de The World is Yours. Se a pista estava infernal de cheia durante a apresentação da banda alemã, agora ela estava confortável. E não que a casa tenha ficado vazia. Muito pelo contrário, porque os headbangers cariocas fizeram daquela noite de sexta-feira uma exceção e compareceram em ótimo número.

E quem ficou assistiu a um Arch Enemy afiado e pilhado tentando manter o nível da atração anterior. Não conseguiu, mas ainda assim fez um show quase tão bom quanto o de 2015, na mesma casa. Apostando nos dois discos com Alissa White-Gluz – foram cinco músicas de War Eternal (2014) e quatro de Will to Power (2017), ou seja, nove das 14 do set –, o quinteto provou de vez que conseguiu se manter relevante com a troca de vocalistas, até porque Khaos Legions (2011), o último trabalho com Angela Gossow, mostrou claros sinais de uma fórmula cansada. The World is Yours estava na ponta da língua dos fãs, mas é claro que o material mais antigo, mas nem tão mais antigo assim, era o que causava verdadeiro êxtase. E Ravenous foi um delírio muito bem-vindo, jogando um eventual cansaço do público a escanteio.

Stolen Life ficou maravilhosa ao vivo, mas foi com War Eternal que a plateia voltou a agitar com vontade. Para manter o clima, My Apocalipse botou todo mundo para pular ou babar com a parede sonora criada pelas guitarras de Michael Amott e Jeff Loomis. A dupla é monstruosa, e a cozinha formada por Sharlee D’Angelo (baixo) e Daniel Erlandsson (bateria) é o complemente perfeito para o instrumental muito técnico da banda, mas ao vivo é impressionante como Alissa domina as ações. Com bandeira na mão durante, ela comanda o público com extrema facilidade, o colocando para cantar o coro e o preparando para The Race: “Parece que vocês estão prontos para uma música mais rápida”. Sim, estavam, e a energia emanada do palco para a plateia e vice-versa foi sensacional.

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Uma ebulição no momento certo, porque a sequência seguinte deu uma esfriada nos ânimos, graças também aos intervalos entre as músicas que deram uma quebrada na dinâmica da apresentação. Os fãs ainda reagiram bem a You Will Know My Name, mas ficaram contemplativos em The Eagle Flies Alone e First Day in Hell, que foram precedidas pela instrumental Intermezzo Liberté. Ainda assim, First Day in Hell ficou espetacular ao vivo e teve como bônus o “bang your fucking head” berrado por Alissa para acordar o público. Funcionou a contento, mas o roteiro do show pedia para atrapalhar.

Mais uma instrumental, Saturnine surgiu nos PAs como um desnecessário interlúdio. Felizmente, As the Pages Burn é uma música maravilhosa, então ajudou a colocar o show em seu devido lugar. E é necessário fazer o registro: como pode uma voz poderosa como aquela sair de uma vocalista daquele tamanho? Alissa simplesmente arregaçou, contando ainda com ao auxílio de Amott e Loomis em backings que fizeram um interessante contraponto. Para fechar a noite, antes do bis que todo mundo sabia que iria rolar, o hino We Will Rise, que, convenhamos, merecia um retorno melhor dos fãs. Mais empolgação, mesmo.

Avalanche iniciou o bis e, graças a sua levada, fez abrir as rodas na pista. Seria a deixa para a banda emendar algum clássico, mas não foi o que aconteceu. Teve um curto solo de Loomis antes de Snow Bound, que nada mais é do que um solo de Amott. Imagine se esses dois momentos tivessem dado lugar a Dead Bury Their Dead ou Dead Eyes See No Future, por exemplo… Seria um bis para valer o ingresso, porque o quinteto se despediu com Nemesis, que causou êxtase nos fãs, que largaram as mãos nas palmas e soltaram a voz no coro. Mas foi, no geral, um show para sonhar com uma volta na próxima turnê.

Setlist Arch Enemy
1. The World is Yours
2. Ravenous
3. Stolen Life
4. War Eternal
5. My Apocalypse
6. The Race
7. You Will Know My Name
8. Intermezzo Liberté
9. The Eagle Flies Alone
10. First Day in Hell
11. As the Pages Burn
12. We Will Rise
Bis
13. Avalanche
14. Jeff Loomis Guitar Solo
15. Snow Bound
16. Nemesis/Fields of Desolation

Setlist Kreator
1. Phantom Antichrist
2. Hail to the Hordes
3. Enemy of God
4. Satan is Real
5. Civilization Collapse
6. People of the Lie
7. Flag of Hate
8. Phobia
9. Gods of Violence
10. Hordes of Chaos (A Necrologue for the Elite)
11. Fallen Brother
Bis
12. Violent Revolution
13. Pleasure to Kill

Setlist Excel
1. My Thoughts
2. Wreck Your World
3. Your Life
4. Split Image
5. Insecurity
6. Never Denied
7. Shadow Winds
8. Social Security
9. Spare the Pain