Mark Farner’s American Band

Theatro Net Rio – Rio de Janeiro/RJ – 15/05/2019

Foto: Daniel Croce

Mark Farner’s American Band

Com duas passagens anteriores pelo Brasil, finalmente Mark Farner deu o ar da graça no Rio de Janeiro, e esta resenha poderia acabar neste parágrafo, com um simples desfecho: desde a apresentação do Metal Church no Pool Deck do Monsters of Rock Cruise, em 2016, este repórter não saía de um show tão realizado e feliz. Claro, rolou muita coisa legal nesse intervalo de tempo, mas nada que fosse a realização do sonho de alguém que ficou enlouquecido quando ouviu Caught in the Act (1975) pela primeira vez, aos 13 anos, e desde então é um grande fã de Grand Funk – com ou sem o Railroad (clique aqui para ler um especial sobre a discografia do grupo). Mas a euforia só se justifica por uma noite realmente inesquecível, e foi exatamente isso que o guitarrista e vocalista de 70 anos, no comando da Mark Farner’s American Band, proporcionou a todos que compareceram em ótimo número ao confortável Theatro Net Rio (confira a galeria de fotos no fim da matéria).

O vídeo que serviu de abertura, mostrando cenas e feitos do Grand Funk, serviu para elevar a expectativa natural da primeira vez, expectativa que foi às alturas com um início simplesmente arrasador. Sem tempo para respirar, Mark Farner e sua American Band botaram a casa abaixo – mesmo com um som sem o ‘punch’ necessário a um show de rock’n’roll – com Are You Ready, Rock ‘n Roll Soul e Footstompin’ Music, a música que abre Caught in the Act e foi o suficiente para, 32 anos atrás, me derrubar com todo aquele groove fantástico. Mas não deixemos o ceticismo de lado. Obviamente, as atenções eram voltadas a Farner, mas os músicos tinham que passar no teste, afinal, estavam tocando a música que é cria também de uma das melhores cozinhas da história do rock: Mel Schacher (baixo) e Don Brewer (bateria), que hoje mantêm o GFR vivo com o vocalista Max Carl, o tecladista Tim Cashion e o guitarrista Bruce Kulick (sim, o ex-KISS).


Enquanto Bernie Palo (teclados) era discreto e eficiente no papel que originalmente foi de Craig Frost, Lawrence Buckner (baixo) e Hubert Crawford (bateria e vocal) mataram a pau. Buckner fez bonito ao tocar com propriedade todas aquelas maravilhosas linhas criadas por Schacher, e Crawford não se fez de rogado nem mesmo ao assumir o microfone nas faixas em que Brewer é a voz principal do GFR. E ele começou a fazê-lo logo em We’re an American Band, a quarta da noite – veja bem, Farner pôde lançar mão de um hino com apenas 20 minutos de show, sem medo de ser feliz até o a última canção do set. “Há muito amor nessa casa”, disse o líder da banda na primeira vez que se dirigiu à plateia. Na primeira pessoa do singular, digo que esse amor só aumentou nos primeiros acordes de Aimless Lady, uma das minhas músicas favoritas em todos os tempos. Não era Schacher ao lado de Farner, mas ouvir aquelas linhas de baixo ao vivo pela primeira vez foi de arrepiar.

“É um prazer olhar para os seus rostos lindos”, enalteceu o vocalista e guitarrista, pegando uma bebida ao propor um brinde. “Não é o que vocês estão pensando. É ginseng.” Você pode dizer que foi brincadeira, mas foi sério, porque o agudo que Farner deu depois do solo em Paranoid, a joia tocada a seguir, foi de voltar no tempo. Àquela altura eu nem precisava mais do suingue de People, Let’s Stop the War para ficar em pé, pois já havia levantado da cadeira ao cantar o primeiro ‘Are you ready?’. Como ficar sentado em Shinin’ on, na qual Crawford mandou novamente muito bem nos vocais? Claro, quem queria ficar em pé, por questão de educação, foi para as laterais ou para os fundos, uma vez que o teatro tem configuração de cadeiras em filas, mas Heartbreaker foi tão linda, mas tão linda que fez todo mundo levantar para aplaudir.


Uma pequena pausa para ajuste no teclado reservado a Farner, que deu uma zoada tocando O Bife, e Mean Mistreater manteve a beleza no ar, ganhando aplausos efusivos ao fim. “Parece que estou jogando futebol”, brincou Farner. E como segurar a voz – e conter o sorriso na hora do solo – em Bad Time, uma daquelas deliciosas canções mais pop da discografia do GFR? Impossível. Um contraste com a espetacular Sin’s a Good Man’s Brother, cuja parte final da letra soa, quase 50 anos depois, como presságio num Brasil tomado por uma angustiante ignorância – ‘Some folks need an education / Don’t give up, or we’ll loose the nation / You say we need a revolution? / It seems to be the only solution’. E mesmo que a voz de Farner obviamente não seja mais aquela de 1970, o que ele fez em Sin’s a Good Man’s Brother foi para guardar na memória.

“Vocês querem dançar? Então, vamos dançar.” Foi a deixa para The Loco-Motion, e ver Farner dar aqueles passinhos de dança durante o solo – passinhos que, com variações, repetiu aqui e ali durante o show – foi alegria pura. Durante o solo de Crawford, ele ainda ficou no fundo dançando até pegar um par de baquetas e se juntar ao batera, fazendo barulho na caixa e depois na percussão. “Com vocês, Hubert Crawford, diretamente de Memphis, Tennessee; Lawrence Buckner, de Jacksonville, Flórida; e Bernie Palo, de Detroit, Michigan. E eu sou seu irmão Mark”, anunciou Farner – nascido em Flint, Michigan, diga-se –, colocando Buckner para cantar o início de Some Kind of Wonderful e o público para dançar fosse com os pés, no caso dos que permaneciam sentados, ou com os quadris mesmo.

Foi o suficiente, enfim, para fazer uma plateia predominantemente formada de tios para lembrar que estava num show de rock, e Inside Looking Out ajudou bastante. Os fãs começaram a cantar antes mesmo de a banda executar o clássico presente em Grand Funk (1969). E teve Farner batendo palmas para que o acompanhassem, tocando gaita… E com todos em pé, em merecida ovação, o dono da noite anunciou a despedida: “Obrigado por todo esse amor, porque é por isso que vivemos, para quem ama o amor. Eu sou seu capitão e nunca mais vou me esquecer de vocês”, declarou da maneira Poliana mais sincera do mundo. E não tive como cantar I’m Your Captain (Closer to Home) direito, porque é difícil mesmo quando se está lágrimas de emoção nos olhos. Efeito do melhor show de 2019. De fato, inesquecível.

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce


Setlist
1. Are You Ready
2. Rock ‘n Roll Soul
3. Footstompin’ Music
4. We’re an American Band
5. Aimless Lady
6. Paranoid
7. People, Let’s Stop the War
8. Shinin’ on
9. Heartbreaker
10. Mean Mistreater
11. Bad Time
12. Sin’s a Good Man’s Brother
13. The Loco-Motion
14. Hubert Crawford Solo
15. Some Kind of Wonderful
16. Inside Looking Out
17. I’m Your Captain (Closer to Home)

Clique aqui para conferir a resenha no site da Roadie Crew.