Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce
Razão e coração. Impossível o segundo não falar mais alto que o primeiro ao analisar a despedida carioca de Ozzy Osbourne numa Jeunesse Arena tomada por dez mil pessoas, afinal, é mais uma ficha que cai. O Madman, que completa 70 anos em dezembro, vai apenas parar com as longas turnês, então não podemos esperar uma Retirement Sucks 2 depois desta No More Tours 2 – o primeiro adeus, em 1992, basicamente foi motivado pela esclerose múltipla. Um diagnóstico errado, porque o vocalista tem Síndrome de Parkin, raro problema genético cujos sintomas são parecidos com os da Doença de Parkinson, porém mais leves.
O problema agora é o mesmo que outros artistas enfrentam: o tempo. Perdemos Ronnie James Dio, perdemos Lemmy Kilmister. O Black Sabbath já fez o seu canto dos cisnes, o Slayer entrou em modo ‘game over’, o KISS, queiram ou não, está mesmo à beira do fim da estrada… Ah, sim: Judas Priest e Scorpions ficaram apenas na ameaça, mas quantos anos mais para cada um deles? Há um sem-número de artistas nos acréscimos do segundo tempo ou já disputando a prorrogação, e os próximos cinco a dez anos serão marcados pelas despedidas dos grandes responsáveis por toda uma formação musical. A melhor das graduações, diga-se.
Entendeu por que é impossível ser 100% racional? Ozzy deve fazer um show aqui e outro ali ao término de uma turnê programada até o fim de 2019, mas é melhor nos acostumarmos definitivamente a matar a saudade com CDs e, principalmente, DVDs. Isso porque já estamos todos acostumados com o set list que o Madman apresenta, e nem é preciso dar aquela pesquisada na internet antes do show. Depois de um vídeo bacana com imagens da carreira do Madman, sabíamos que Carmina Burana, de Carl Off, abriria os serviços. E daí? Não importa quantas vezes você tenha presenciado isso ao vivo, porque a ovação a Ozzy, assim que ele coloca o pé no palco, é de reverência. Foi sempre assim, mas agora com um tom de emoção como nunca antes.
“Let the madness begin!” Foi novamente assim que Ozzy anunciou Bark at the Moon, a primeira do repertório, e quando ele pediu “everybody howl!”, todo mundo virou lobisomem e uivou para acompanhar o ídolo. O set list é o de sempre, né? Meu amigo, o cara pode abrir um show com Bark at the Moon e mandar Mr. Crowley em seguida. É muita pressão. E são dois clássicos com quatro dos solos de guitarra – dois em cada música – mais espetaculares da história do heavy metal. Obrigado, Randy Rhoads. Obrigado, Jake E. Lee. Para completar o pódio, I Don’t Know obviamente ganhou o coro do público em seu refrão simples e absurdamente funcional.
Passados os primeiros minutos de êxtase, Fairies Wear Boots, a primeira do Black Sabbath na noite, serviu para observações – curiosamente, a ex-banda de Ozzy só foi lembrada com canções de Paranoid (1970). Palco caprichado, com um telão que ocupava todo o fundo e uma enorme cruz que não era meramente decorativa. Fazia parte, digamos assim, da iluminação do espetáculo. E que iluminação! Principalmente no jogo de lasers verde e vermelho que causava um belíssimo efeito quando usado. E tinha Ozzy em melhor forma do que quando esteve aqui em 2016, na derradeira turnê do Sabbath. Claro, há muito ele não dá aqueles saltos, e mesmo o balde d’água só se fez presente uma vez. O teleprompter é usado com mais frequência do que antes, e as escorregadas vocais (e nas letras, vez ou outra) continuam lá. Virou charme, mas a alegria “let’s go fucking crazy” não se perde. É a mesma alegria quase infantil que o Príncipe das Trevas demonstra ao ouvir os fãs cantarem “Olê! Olê! Olê! Ozzy! Ozzy”. Momentos para colocar um sorriso no rosto de qualquer um.
Mais do que isso, é contagiante, mesmo que em alguns momentos do show ele tenha feito um esforço extra diante da apatia de parte do público. Como na hora de apresentar a banda, cuja estrela é Zakk Wylde. O guitarrista não precisou de muito para ser aplaudido efusivamente, mas os companheiros – Blasko (baixo), Tommy Clufetos (bateria) e Adam Wakeman (teclados e guitarra base) necessitaram de um empurrãozinho. “Esse cara é um Wakeman, porra!”, disse Ozzy, em tom de repreensão, ao pedir mais aplausos para o músico. Havia uma parcela do público que não tinha ideia de quem é o pai do rapaz, muito menos da ligação do sobrenome com a história do Sabbath, afinal, sempre vai ter quem ouça War Pigs e diga que é um cover do Faith No More. De qualquer maneira, apesar dos momentos “I can’t fucking hear you”, o Madman nunca deixou de “I love you all”.
Antes de War Pigs, no entanto, as estruturas foram balançadas com Suicide Solution e No More Tears, duas joias que, a rigor, foram um show à parte de Wylde – também teve a baladinha Road to Nowhere para dar uma acalmada nos ânimos. Foi o barulho que precedeu o esporro, porque o clássico do Sabbath foi não apenas um momento de catarse. Foi a extensão dos solos massacrantes do guitarrista, que – assim como fez com o Zakk Sabbath, em novembro do ano passado – desceu para o pit (onde deveriam ter ficado os fotógrafos, vetados pela produção da banda) e largou os dedos sem dó nem piedade. Largou os dedos e também os dentes, tocou com a guitarra nas costas e apresentou um medley matador com trechos de Miracle Man, Crazy Babies, Desire e Perry Mason, canções que bem poderiam estar inteiras no repertório – ao menos a primeira e a última, que estão entre as melhores da carreira solo de Ozzy, e para as quais Wylde escreveu solos antológicos.
Depois de Clufetos espancar a bateria com os holofotes voltados somente para ele, Ozzy retornou ao palco para Shot in the Dark, que voltou ao set na turnê de Scream (2010), ainda com Gus G., e felizmente não saiu mais. Mas o lado hard rock do Madman – do injustiçado The Ultimate Sin (1986), mais precisamente – parece ter ficado apagado em algum canto da memória do público. Uma pena, porque a música é tão alto nível quando o disco. Mas para o fã que estava próximo de mim e gritou “Jake E. Lee!” ao ouvir as primeiras notas, meus parabéns. Parabéns também a todos que cantaram I Don’t Want to Change the World, incluindo o “Uh!” logo depois do riff no início, porque se esgoelar em Crazy Train é fácil.
OK, é complicado competir com os clássicos, mas Mama, I’m Coming Home fez melhor antes de Paranoid, que encerrou a noite como (quase) todos esperavam. Houve quem achasse que não era o fim da festa, mas foi o desfecho de 90 minutos de emoção, para o coração calar a razão e achar legal até a rodinha Nutella aberta na pista. Pouco importa se as músicas do Black Sabbath poderiam ter dado lugar a material próprio. Ou que o set list tenha sido o mesmo das duas últimas turnês no Brasil (em 2011 e 2015), praticamente à exceção de canções pós-1991, ano de No More Tears. No centro do palco, no comando de tudo, estava John Michael “Ozzy” Osbourne, um dos quatro rapazes que há 50 anos deram os primeiros passos para criar o estilo que despertou nossa paixão pela música. Ozzy foi um dos arquitetos do caminho que me levou a escrever estas linhas. Ozzy foi um dos responsáveis por despertar em você o interesse em lê-las. E isso não tem preço.
Observação: assim como na turnê do Black Sabbath em 2016, a produção do Ozzy Osbourne vetou credenciamento a todos os fotógrafos – veja bem: não foi a produtora que trouxe Ozzy ao Brasil, e muito menos é o vocalista quem decide isso. Foram liberadas quatro fotos para a imprensa depois do show de São Paulo, o que não aconteceu ao fim das apresentações em Curitiba, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Na verdade, as imagens disponibilizadas são de um show no Markham Park, em Sunrise, Flórida (EUA), no dia 29 de abril. Em respeito ao leitor, as fotos que ilustram esta resenha são, de fato, da apresentação no Rio de Janeiro. Feitas na raça, no meio do público, e parte do arquivo pessoal do autor das imagens.
Set list
1. Bark at the Moon
2. Mr. Crowley
3. I Don’t Know
4. Fairies Wear Boots
5. Suicide Solution
6. No More Tears
7. Road to Nowhere
8. War Pigs
9. Medley instrumental: Miracle Man/Crazy Babies/Desire/Perry Mason
10. Tommy Clufetos Drum Solo
11. Shot in the Dark
12. I Don’t Want to Change the World
13. Crazy Train
Bis
14. Mama, I’m Coming Home
15. Paranoid
Clique aqui para acessar a resenha no site da Roadie Crew.