Pearl Jam

Maracanã – Rio de Janeiro/RJ – 21/03/2018

Foto: Alessandra Tolc

Pearl Jam

Por Daniel Dutra | Fotos: Alessandra Tolc

Não foi a primeira e certamente não será a última vez do Pearl Jam no Brasil – e no Rio de Janeiro, para ser mais preciso –, mas era a segunda vez no Maracanã, praticamente o quintal de casa, então foi inevitável atender ao chamado. E a decisão de finalmente conferir a banda ao vivo nada tem a ver com qualquer aversão ao grunge, uma vez que o movimento serviu tanto para o bem, caso de grupos como Alice in Chains e Soundgarden, como para o mal – a rigor, seu principal representante, aquele aborto musical malsucedido chamado Nirvana.

No caso deste escriba, a verdade é uma só: a paciência foi gradativamente acabando depois do álbum de estreia, o excelente Ten (1991). De fato, ela durou pouco. Foi até Vitalogy (1994), mas como quem sabe faz ao vivo… Mas antes teve o Royal Blood e a curiosidade de ver o que Mike Kerr (vocal, baixo e teclados) e Ben Thatcher (bateria) aprontariam agora que têm dois álbuns na discografia – Royal Blood (2014) e How Did We Get So Dark? (2017). Resumindo, o que a experiência havia acrescentado ao trabalho dos ingleses depois da apresentação no Palco Mundo do Rock in Rio em 2015.

O resultado prático continua o mesmo. A dupla passa de ano graças àquela média entra as boas intenções em estúdio e a óbvia e esperada ausência de dinâmica no palco. Kerr troca de baixo música sim, música também, o que deixa um vácuo que se torna ainda mais incômodo num estádio. Em um momento o instrumento é de quatro cordas, em outro tem cinco, e algumas vezes as duas primeiras cordas têm espessura menor porque é preciso um timbre para a execução de um, digamos, solo.

“É uma honra voltar a um de nossos lugares favoritos no mundo”, disse ele enquanto era preparado o teclado para Hole in Your Heart, como se os intervalos entre as canções já não fossem grandes o suficiente. Leve em consideração que até mesmo Thatcher foi à frente do palco, antes de Figure it Out, para puxar palmas da plateia. Ele ainda repetiu o feito em Out of the Black, na qual é o destaque com uma levada bem criativa, indo até o pit para fazer média com quem já esperava ansiosamente pelos anfitriões da noite. E que chegou a ser distraído com o funcional joguinho de dividir a plateia em direita e esquerda.

Talvez os 55 minutos de show tivessem funcionado melhor num local menor e fechado. No entanto, apesar da ausência de um terceiro instrumento – desculpa aí, mas rock tem que ter guitarra – e de um frontman de carteirinha, as boas ideias estão lá. Come on Over conta com um refrão muito legal, I Only Lie When I Love You possui um agradável quê de Beatles, Little Monster e Hook, Line & Sinker apresentam ótimos e pesados riffs de baixo, e Loose Change tem um groove que remete ao soul e funk de gente grande.

Royal BloodRoyal BloodRoyal BloodRoyal BloodRoyal Blood

Só que tudo isso se mostrou descartável quando, com meia de hora atraso, os primeiros acordes de Release marcaram o início da apresentação do Pearl Jam. É o risco que qualquer banda corre ao abrir o show de um grande nome, mas Eddie Vedder (vocal), Mike McCready e Stone Gossard (guitarras), Jeff Ament (baixo) e Matt Cameron (bateria) apelaram – o tecladista Boom Gaspar, que acompanha o quinteto de Seattle ao vivo desde 2002, foi uma figura meramente decorativa. Com um palco belíssimo – com destaque para as 11 bolas móveis (cinco de cada lado e uma, a maior, no centro) – e uma iluminação azul, vermelho e verde em tons mais escuros, o grupo começou como se estivesse tocando num pub.

A bela Release foi apenas o início de uma trilogia completamente intimista, completada por Low Light e Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town. Foi um momento de estado transe coletivo que não chegou ao fim com Go: foi amplificado por uma versão arrasadora da faixa que abre Vs. (1993), teve um momento de baixa com All Night e voltou com toda força em Animal, não à toa, mas uma amostra do segundo disco do grupo. Os fãs foram à loucura, e os telões que já haviam captado a imagem de Chris Cornell nas costas da camisa de Cameron – ex-companheiro do saudoso vocalista no Soundgarden – pareciam ter sido programados. Até mesmo com tomadas aéreas o foco no público era sempre nos momentos certos, de mãos para o alto, cantoria e pula-pula.

“Uma garrafa grande para um grande show”, disse Vedder ao mostrar uma das garrafas de vinho que tomou durante o show, antes de iniciar Given to Fly. E o vocalista fez questão de se comunicar em português na maior parte do tempo, uma simpática iniciativa ajudada por algumas folhas de papel com a necessária cola. Desnecessário dizer que Jeremy provocou comoção, ou que Corduroy foi bem recebida, mas foi em Even Flow que o bicho pegou. Cortesia de McCready, é bom dizer.

Com um longo solo – enfadonho para alguns, como o rapazinho que não parava de gritar pedindo por Leash –, o guitarrista mostrou de onde vem a sua inspiração. Rolaram menção a Third Stone from the Sun, de Jimi Hendrix, e improvisos que entregam o desejo de McCready de ser Jimmy Page (pergunte se ele usou aquela Gibson SG de dois braços…), Ace Frehley e, principalmente, Michael Schenker, seu grande herói (nota importante e necessária: o cara tem uma banda-tributo ao UFO, a Flight to Mars).

E depois de bons momentos (Mind Your Manners e sua veia punk rock e a beleza de Garden) e outros longe disso (Wishlist, dedicada ao Red Hot Chili Peppers, e Lightning Bolt), Vedder e cia. resolveram mostrar ao vivo a primeira música inédita em cinco anos. Can’t Deny Me foi precedida de um breve discurso político – “Quando se tem um líder ruim, o povo deve liderar”, bradou o vocalista, que por alguns instantes usou uma máscara do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump – e teve a figuração do baterista do RHCP, Chad Smith, tocando um cowbell amarrado numa cadeira. Valeu pela experiência, porque animador mesmo foi o fim da primeira parte do show, com a energética Porch.

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Em um bis para bater o recorde do KISS, que em sua turnê Alive 35 mandava ver seis músicas sem sair de cima, o Pearl Jam voltou ao palco para reiniciar os serviços de forma acústica, com Sleeping By Myself – do segundo disco solo de Vedder, Ukelele Songs (2011) – e Inside Job. Mas foi a trinca seguinte que voltou a levantar os ânimos, e pouca importa se apenas Do the Evolution tirou do chão os pés de quem estava na pista. Daughter e Black têm aquela beleza que emociona. Simples assim.

“Esta música é para as mulheres fortes de nossas vidas. Mães, irmãs, namoradas, esposas… Fracos são os homens que não apoiam as mulheres, então ela é também para os homens que são fortes o bastante para ajudar na luta pela igualdade”, discursou Vedder antes de Leaving Here, canção imortalizada pelo The Who. Palavras sinceras de alguém que estava radiando felicidade – o início do bis, aliás, foi marcado por um agradecimento do vocalista ao bem comportado público, já que “há muito tempo não fazíamos um show sem precisar pedir a vocês que deem um passo para trás porque pessoas estavam sendo imprensadas aqui na frente.”

Depois de mais um alto (Blood) e outro baixo (Better Man), o Pearl Jam fez aquele que poderia ter sido um encerramento apoteótico. Precedido pelo riff de Burn, do Deep Purple, puxado por McCready (viu só?), Alive foi um momento de catarse. Na pista, nas arquibancadas, nos camarotes e também no palco, e nem mesmo as luzes do Maracanã todas acesas (sinal de que o tempo havia estourado) tiraram o brilho. E o auge não foi quando McCready entregou seu instrumento nas mãos de Josh Klinghoffer, que saiu solando como se não houvesse amanhã. O guitarrista do RCHP continuou no palco, e o Pearl Jam ganhou novamente a companhia de Smith para uma versão arrasadora de Rockin’ in the Free World – Smith, diga-se, assumiu o comando das baquetas na metade final e acrescentou um toque ainda mais visceral ao clássico de Neil Young.

Completamente alucinado, Vedder pulava e dançava como se disso dependesse sua própria vida – depois dos vários goles de vinho que tomou ao longo da noite, compreensível. Sim, ele já não estava necessariamente sóbrio, mas ainda assim não aceitou o pedido de casamento de uma fã que levou até as alianças e saiu apenas com uma foto e um aperto de mão. Ah, sim: o show de duas horas e 45 minutos terminou mesmo com Yellow Ledbetter, completamente dispensável àquele momento, mesmo para quem já havia assistido a um show do Pearl Jam. Para um estreante como este que vos escreve, um set de 29 músicas com 12 extraídas dos dois primeiros álbuns – sete de Ten, cinco de Vs. – apenas ratificou a decisão de abandonar os discos da banda, há 24 anos.

Set list Pearl Jam
1. Release
2. Low Light
3. Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town
4. Go
5. All Night
6. Animal
7. Given to Fly
8. In Hiding
9. Jeremy
10. Corduroy
11. Even Flow
12. Immortality
13. Wishlist
14. Mind Your Manners
15. Lightning Bolt
16. Garden
17. Can’t Deny Me
18. Porch
Bis
19. Sleeping By Myself
20. Inside Job
21. Daughter
22. Do the Evolution
23. Black
24. Leaving Here
25. Blood
26. Better Man
27. Alive
28. Rockin’ in the Free World
29. Yellow Ledbetter

Set list Royal Blood
1. Where Are You Now?
2. Lights Out
3. Come on Over
4. I Only Lie When I Love You
5. Little Monster
6. Hook, Line & Sinker
7. Hole in Your Heart
8. Loose Change
9. Figure it Out
10. Out of the Black

Clique aqui para acessar a resenha no site da Roadie Crew.