Shaman

HUB RJ – Rio de Janeiro/RJ – 02/12/2018

Foto: Luciana Pires

Shaman

Por Daniel Dutra | Fotos: Luciana Pires

Dá para dizer sem medo: a passagem do Shaman pelo Rio de Janeiro, em sua pequena turnê de reunião com a formação original, foi o show nacional mais aguardado pelos fãs cariocas de heavy metal em 2018. Doze anos e dez meses depois da última apresentação na cidade – no dia 10 de fevereiro de 2006, no Circo Voador –, Andre Matos (vocal e piano), Hugo Mariutti (guitarra), Luis Mariutti (baixo), Ricardo Confessori (bateria) e Fábio Ribeiro (teclados) tiveram público de atração internacional, o que atualmente é um feito diante do cenário de crescente míngua – com capacidade para 4.000 pessoas, a casa podia não estar lotada, mas recebeu um grande (e exemplar) número de fãs sedentos para ouvir na íntegra os álbuns Ritual (2002), principalmente, e Reason (2005).

E ninguém foi embora arrependido. Nem com um pingo de arrependimento sequer, mesmo. Depois que o telão passou um vídeo com sessões de gravação de Reason e depoimentos de Matos, a banda entrou mandando ver com a excelente Turn Away, que instantaneamente se tornou um dos melhores momentos da primeira parte do show. Foi uma das que contaram com participação efetiva da plateia, que ainda tinha o seu refrão na cabeça. Claro, o repertório não era surpresa para ninguém, mas foi interessante notar como o segundo álbum da banda ressonou nas pessoas mais de uma década depois, porque à época do seu lançamento o rompimento com a sonoridade do disco de estreia foi um choque para quem só consegue enxergar power metal melódico pela frente.

Bom, de 2005 para o 2018 o panorama não mudou, e talvez tenha sido por isso que a banda deu dez sem sair de cima, sem falatório e intervalos que pudessem arrefecer os ânimos. A faixa-título manteve os fãs cantando o refrão – na verdade, a palavra que dá nome à canção e ao álbum – e, no fim, resultou num coro de “Shaman! Shaman” que arrancou um sorriso de Luis. More, cover do Sisters of Mercy que então havia dedurava a vibe musical mais pesada, soturna e simples da banda, ficou ótima novamente, mas foi a bela Innocence que mostrou o que os fãs realmente gostaram em Reason. De longe, a balada foi o momento de maior participação na primeira metade da noite.

Até porque o restante serviu para os fãs curtirem o fato de o Shaman estar de volta. E se a contemplação serviu para uma parte finalmente dar ao disco o devido crédito – meu amigo, Reason é bom demais! –, então está valendo. Mas deu para sacar como Scarred Forever é uma baita música? A temperatura realmente baixou em In the Night, Rough Stone e Iron Soul, mas estas duas últimas são sensacionais. Sempre foram. Trail of Tears deu uma animada, muito em parte pelo trabalho de Hugo, responsável por um solo matador e um riff fantástico na parte mais pesada da canção. Aplausos mais que merecidos, e que se repetiram ao fim de Born to Be, somados a um coro que arrancou um grande sorriso de Matos.

Novo intervalo, mais um vídeo, agora com sessões de ensaio e gravações de Ritual, antes de os fãs explodirem completamente de felicidade. Para isso, bastou a introdução Ancient Winds começar em alto e bom no PA, porque daí para frente todos terminaram de completar a viagem no tempo – muitos de volta à adolescência. Era outro show. De fato, um novo show. Here I Am foi um êxtase completo, e Distant Thunder testou a condição cardíaca de cada um presente na casa. Foi tão lindo que não deu nem para ouvir a voz de Matos nas três primeiras frases da letra, já que havia milhares de vozes na pista fazendo o mesmo. E no refrão? Foi de arrepiar.

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Os gritos de “Shaman! Shaman!” só foram silenciados porque Matos se dirigiu aos fãs pelas primeira vez naquela noite de domingo, para um agradecimento a um público, o carioca, que apoiou a banda desde o início. E quem lembra dos shows no Metropolitan sabe que isso é a mais pura verdade. Com uma flauta andina, o vocalista, maestro e mestre de cerimônias deu início a For Tomorrow, que obviamente contou com a participação ativa da plateia, assim como a sensacional Time Will Come. A melhor surpresa da noite, no entanto, ficou por conta de uma participação surpresa bem especial: Marcus Viana, devidamente reverenciado por Matos.

E a presença do violinista, compositor e mentor do Sagrado Coração da Terra em Over Your Head – que, lembre-se, contou com ele em sua gravação original de estúdio – acabou se tornando também um dos momentos mais divertidos da noite, ironicamente em virtude de problemas técnicos que quase não permitiram o encerramento da canção. “Isso foi de propósito, mas ele está preocupado pra caralho”, brincou Matos, com Viana explicando que no seu planeta esse tipo de coisa não acontece, porque a “força elétrica é substituída pela força mental”. “Vocês nunca viram uma coisa dessas”, retomou a palavra o vocalista, explicando que o público do Rio era o primeiro a assistir ao Shaman com o veterano músico mineiro nessa volta, uma vez que ele já estava na cidade quando, no dia anterior, a banda se apresentou em Belo Horizonte.

Viana permaneceu no palco para Fairy Tale, mas novamente o som do seu instrumento teimou em não sair no início da canção. “O que você faz quando isso acontece no seu planeta?”, perguntou Matos, enquanto o violinista se encaminhava em direção ao técnico de som. “Hi, vai levar um esporro!”, disse o vocalista, arrancando risos no palco e na plateia. Enfim, Fairty Tale, a balada que colocou uma banda brasileira de metal na trilha sonora de novela da Rede Globo, foi tocada. E causou uma catarse. Acredite, havia muita gente chorando de emoção.

Blind Spell até baixou um pouco a bola. Natural depois de momentos completamente espontâneos e especiais, mas Ritual e sua ótima melodia de teclado reaqueceu os privilegiados fãs cariocas, contemplados com um encerramento que entrou para a história. “Estamos chegando ao fim, mas isso não significa que não podemos voltar ao Rio”, disse Matos, pela primeira vez desde a volta deixando no ar a possibilidade de o Shaman continuar de onde parou em 2006 – e o show na cidade foi o último dos oito realizados em 2018. Imagine a cara de felicidade (e de incredulidade) dos fãs depois que a ficha caiu…

Depois da apresentação de cada músico que estava no palco, com a esperada ovação a Jesus, quer dizer a Luis Mariutti, a banda trouxe Viana de volta, e foi ele quem iniciou no violino o riff de Pride, num momento simplesmente espetacular. “É hora da porradaria, então pode abrir a roda”. Matos pediu, e os fãs atenderam com vontade redobrada. Foi uma festa que terminou com o vocalista na guitarra, e Hugo no papel de frontman. A imagem de um show inesquecível mesmo para quem anda mantinha a esperança de um retorno, e os que tinham e os que não tinham essa esperança se juntaram em uníssono no coro “Ô, o Shaman voltou! O Shaman voltou!”, um canto que saiu das arquibancadas dos estádios de futebol para uma casa de show, deixando o vocalista visivelmente emocionado e colocando um enorme sorriso de satisfação em toda a banda. Que o tempo tenha providenciado um recomeço para o Shaman, uma nova história para Hugo, Luis, Confessori e Matos. O metal brasileiro agradece.

Antes, a plateia foi entretida pelo Rec/All, banda liderada pelo vocalista Rod Rossi. Contando com um álbum na praça, homônimo e ainda com cheiro de novo para os padrões do metal nacional (foi lançado em 2017), o grupo contou com a ajuda do guitarrista Diogo Mafra e do baixista Raphael Dafras, ambos do Almah e do Rebirth of Shadows de Edu Falaschi, uma vez que, no mesmo dia, os titulares Marcelo Barbosa e Felipe Andreoli estavam com o Angra em Salvador – o batera Pedro Tinello (Almah) completa a formação. Depois de uma introdução com o tema de “The Walking Dead”, o quarteto entrou com Running in Her Veins para começar a brigar com o som.

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Era praticamente bateria e baixo soterrando o vocal e a guitarra, que até conseguiu se fazer presente no solo, uma vez que as bases eram quase inaudíveis. A situação até melhorou um pouco iHate, que tem um puta refrão, mas o que mais chegava aos ouvidos era Tinello massacrando a bateria. Difícil dizer se a plateia estava mais quieta para tentar captar as músicas ou porque a maioria não era familiarizada com o trabalho do Rec/All, mas o fato é que Angels and Demons, cover do Angra que entrou como bônus na versão japonesa do CD, animou os presentes, que cantaram a melodia principal da música.

Isso deu uma animada, na verdade, porque a canção seguinte, Blind, arrancou aplausos e gestos de aprovação. Mas ajudou o discurso de Rossi sobre o metal carioca, trazendo à memória bandas como Nordheim, Sigma 5, Thoten e Imago Mortis (as três primeiras há anos inativas, e a última dando adeus), e o convite a Luiz Syren, vocalista da Syren e velho batalhador da cena local, para um dueto que acabou se tornando o melhor momento do show. Para fechar, uma versão de Cemetery Gates, do Pantera, que ficou honesta na medida do possível, musicalmente, mas valeu a homenagem a Mário Linhares, vocalista do Dark Avenger falecido em dezembro de 2017.

O som até estava melhor, mas mesmo que estivesse perfeito o óbvio ficaria na cara de qualquer um: emular o som e o peso que Dimebag Darrel tirava da guitarra é tarefa para poucos. Ainda assim, um show que pode ter atiçado a curiosidade de quem nunca havia escutado o Rec/All, que, diga-se, acabou sendo penalizado pelo atraso de meia hora e precisou cortar três músicas do set: Indestructible; Rio Riots, que emendaria em Rainbow in the Dark, do DIO; e Pegasus Fantasy (Saint Seya) – faz sentido, acredite, uma vez que Rossi está inserido no mundos dos animes e já gravou temas de “Dragon Ball Kai” e “Cavaleiros do Zodíaco: Ômega”.

Setlist Shaman
1. Turn Away
2. Reason
3. More
4. Innocence
5. Scarred Forever
6. In the Night
7. Rough Stone
8. Iron Soul
9. Trail of Tears
10. Born to Be
Intervalo
11. Ancient Winds
12. Here I Am
13. Distant Thunder
14. For Tomorrow
15. Time Will Come
16. Over Your Head
17. Fairy Tale
18. Blind Spell
19. Ritual
20. Pride

Setlist Rec/All
1. Intro / Running in Her Veins
2. IHate
3. Angels and Demons
4. Blind
5. Cemetery Gates