Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação
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Não é novidade que o mercado fonográfico vem há algum tempo apresentando sinais de queda no gráfico de vendas, mais por seus próprios erros de estratégia que pelo cansaço do consumidor. Muito se discute e pouco se resolve. As gravadoras colocam a culpa na pirataria e têm calafrios ao ouvir o termo MP3, por exemplo, mas nunca levam a sério o (quase sempre) absurdo preço final de um CD. O choro é ainda menos justificável quando lembramos do baixo custo de produção, quando mais de artistas que têm sua obra prensada em larga escala.
No entanto, um filão vem se mantendo firme nos últimos dez anos, apesar de os sinais de saturação estarem aparecendo vez ou outra graças às mudanças no critério de seleção, porque antes o valor histórico falava mais alto. Os tributos a grandes (ou não) artistas tornaram-se uma febre entre os fãs de rock, principalmente de heavy metal e rock progressivo. Neste especial, dividido em três partes, será passado a limpo um pouco de tudo. A começar por quatro bandas essenciais do rock pesado: KISS, Led Zeppelin, Black Sabbath e Deep Purple.
Não há artista que não tenha homenageado algum de seus ídolos, seja com uma versão num de seus discos ou com um cover durante os shows. Mas o grande responsável pelo surgimento em massa das homenagens prestadas em forma de CD foi o KISS, não à toa um dos grupos mais importantes e idolatrados da história do rock. Com a banda vivendo um momento delicado em sua carreira – após o saudoso batera Eric Carr ter perdido a luta contra o câncer, em 24 de novembro de 1991, mesmo dia em que a música também perdeu Freddie Mercury -, foi lançado, em 1992, o CD Hard to Believe, hoje fora de catálogo e verdadeiro item de colecionador. Contando basicamente com bandas obscuras, o trabalho tinha como principais atrações apenas Melvins e Nirvana, este, bem antes do sucesso mundial, responsável por uma medonha regravação de Do You Love Me. Mas foi o ponto de partida.
A banda de Paul Stanley e Gene Simmons, então, se tornou recordista no assunto. Com tributos proliferando – Kissin’ Time, KISS Tribute in Japan, KISS My Dick Vol. I, KISS My Dick Vol. II et cetera –, o próprio KISS organizou o seu, incluindo-o em sua discografia oficial. O resultado atende por Kiss My Ass – classic kiss regrooved (1994) e é um ótimo trabalho, de Deuce, com Lenny Kravitz e Stevie Wonder (tocando gaita), a Black Diamond, numa belíssima versão da American Symphony Orchestra, regida pelo maestro e multi-instrumentista japonês Yoshiki. Destaques ainda para o subestimado Extreme, que pegou Strutter e embolou com God of Thunder e Shout it Out Loud, e o Toad the Wet Sprocket, responsável pela versão mais surpreendente do CD: Rock and Roll All Nite acústica e em ritmo lento. Um exemplo de bom gosto.
Infelizmente, aquela que para muitos é a melhor banda de rock em todos os tempos – não apenas pelo talento de seus músicos e as grandes composições, mas principalmente pelo amplo horizonte musical – foi a que seu deu pior. O Led Zeppelin, que influenciou uma geração de músicos dos mais variados estilos, sofreu homenagens bem irregulares.
A primeira amostra veio com o fraco Encomium, de 1995. Dentro das performances sofríveis, “destacam-se” 4 Non Blondes (Misty Mountain Hop), Duran Duran (Thank You), Helmet and David You (Custard Pie) e Blind Melon (Out on the Tiles). Mesmo Sheryl Crow, responsável por muitos dos melhores momentos da música pop nos anos 90, errou feio na mão em D’Yer Mak’er, abusando dos sussurros e trejeitos vocais ao tentar soar como uma versão feminina de Robert Plant. Aliás, nem mesmo o vocalista do Led conseguiu se destacar muito ao lado de Tori Amos em Down By the Seaside. Apenas razoável.
A situação melhorou com Stairway to Heaven, de 1997 e lançado apenas no Japão. Neste, o repertório foi escolhido a dedo, priorizando o óbvio: Whole Lotta Love, Rock and Roll, Heartbraker, Stairway to Heaven, The Song Remains the Same et cetara. E o óbvio do Led Zeppelin é tão delicioso que nem o arroz de festa Sebastian Bach, ex-vocalista do Skid Row, conseguiu estragar. Apesar de ser um bom trabalho, fica a impressão de que as pernas dos músicos bambearam ao gravar as músicas. Apenas Zakk Wylde, guitarrista da banda de Ozzy Osbourne, mostra personalidade, em Good Times Bad Times e Going to California, cantando sem tentar soar como Plant.
O Black Sabbath também merecia melhor sorte ou ao menos um trabalho mais uniforme. Mas ao contrário das homenagens ao Led, o pai do heavy metal teve mais pontos positivos do que negativos. Os dois volumes de Nativity in Black (a saber: não é a forma extensa de N.I.B., música do primeiro álbum da banda) trazem ótimos momentos: Biohazard (After Forever), Megadeth (Paranoid e Never Say Die), Sepultura (Sympton of the Universe), Faith No More (War Pigs), Pantera (Electric Funeral), Slayer (Hand of Doom), Ozzy Osbourne with Therapy? (Iron Man) e Primus (N.I.B.). No entanto, 1.000 Homo Dj’s (Supernaut), Static-X (Behind the Wall of Sleep), Hed(Pe) (Sabbra Cadabra) e Type O Negative (Black Sabbath) mereciam ir, digamos, para o paredão.
Entre tantas escorregadelas, foi o Deep Purple que se deu bem. Muito bem. Primeiro com Smoke on the Water, tributo lançado em 1994 e que privilegiou vocalistas e guitarristas, além de trazer o excelente Jens Johansson nos teclados (hoje fazendo sabe-se lá o quê naquela chatice sem fim chamada Stratovarius) e o drummer extraordinaire Deen Castronovo. E temos Kelly Keeling bebendo direto da fonte de Ian Gillan em Speed King, assim com Jeff Scott Soto em Hush. Sem contar Glenn Hughes, ex-baixista e vocalista do próprio Purple, mais uma vez eternizando Stormbringer. Nas seis cordas, entre um desfile de malabarismos, encontramos Richie Kotzen, John Norum, Reb Beach e Russ Parish sem a necessidade de autoafirmação (Ritchie Blackmore, dependendo do estado de espírito, talvez tenha ficado orgulhoso).
Mas é em Black Night – Deep Purple Tribute According to New York (1996) que a coisa ficou ainda mais interessante, resultando num dos melhores tributos lançados na última década. Em vez de se limitar a apenas “coverizar”, a turma de músicos, capitaneada pelo baixista TM Stevens, decidiu trabalhar em cima de várias influências e gravar versões. O resultado ficou excepcional. Child in Time, com o belo vocal de Tony Harnell, descamba para o reggae; Fireball, com os Living Colour Will Calhoun (bateria) e Corey Glover (vocal), ficou uma aula de groove. Idem para Strange Kind of Woman, com Richie Kotzen. Para encerrar um CD nota 10, a arrasadora Burn com a veia funk de Glover e a técnica do guitarrista Lars Loudamp, responsável por um solo de tirar o fôlego.
A ideia iniciada com os dois tributos ao Deep Purple, além do Led Zeppelin com o Stairway to Heaven, tomou proporções gigantescas: a formação de supergrupos é responsável por boa parte dos discos lançados. Bandas e artistas consagrados – Alice Cooper, Rod Stewart, Stevie Ray Vaughan, Aerosmith e Metallica, entre vários outros – são homenageados por músicos de renome no cenário mundial. Na próxima edição do International Magazine você saberá um pouco mais a respeito.
Matéria publicada na edição 83 do International Magazine, em maio de 2002 – a primeira de todas as matérias, diga-se. Em três partes, um passeio pelos discos de vários artistas homenageando grandes bandas. Um enorme filão à época e em alguns anos seguintes, por isso pede uma nova trilogia a ser publicada aqui em algum momento de 2018.