Dream Theater – Systematic Chaos

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Houve quem ficasse preocupado. Depois de 14 anos com a Atlantic, o Dream Theater migrou para a Roadrunner, que tinha se tornado a casa do new metal, provavelmente o estilo mais polêmico do rock depois do grunge – e igualmente detestado pelos fãs de heavy metal. No entanto, a inclusão do quinteto – James LaBrie (vocal), John Petrucci (guitarra), John Myung (baixo), Jordan Rudess (teclados) e Mike Portnoy (bateria) – no cast apontava nada mais que uma mudança de mentalidade e/ou postura da gravadora.

Há três anos, a Roadrunner já apostara suas fichas no Nightwish, lançado o multiplatinado Once nos Estados Unidos, mas depois vieram contratações de nomes de peso como Opeth, Black Label Society e Megadeth, que lançaram seus novos discos sem qualquer resquício de Limp Bizkit, Linkin Park ou Korn em seus trabalhos – e basta ouvir Ghost Reveries, Shot to Hell e United Abominations para se ter certeza. Com o Dream Theater não poderia ser diferente, e os fãs ganharam de presente aquilo que o grupo não conseguiu fazer com Train of Thought, ou seja, um álbum pesado, realmente bem pesado, mas de audição agradável.

Systematic Chaos, que também chega ao mercado na forma de uma edição especial com um DVD de 90 minutos sobre a gravação do disco, é um híbrido do CD lançado em 2003 com o trabalho anterior de estúdio, o excelente Octavarium (2005). Portnoy e companhia acertaram na mão ao misturar o peso com o lado progressivo, facetas sempre presentes na música do grupo. Isso, claro, sem abrir mão do virtuosismo que fez o Dream Theater se tornar um dos nomes mais respeitados do rock pesado e um fenômeno do estilo no Brasil.


In the Presence of Enemies Pt. 1 abre o CD dando exatamente as cartas mostradas no parágrafo acima. Com ares de Rush em vários detalhes, ela ainda vai além ao fazer a alegria de quem sentia falta de uma maior ênfase nos solos dobrados de guitarra e teclados. Petrucci e Rudess são bem escorados por Portnoy, que em Systematic Chaos tem uma performance mais destacada do que em Octavarium. Apesar da mudança de direcionamento de um álbum para outro, Forsaken prova que o processo de composição não é aleatório, pois veste o uniforme de faixa mais acessível (em grande parte por causa do seu refrão). Poderia ser acompanhada por Prophets of War, mas esta tem um refrão mais forte – e sensacional, a bem da verdade.

Sim, o Dream Theater tem uma fórmula, mas isso não necessariamente é ruim. Constant Motion e The Dark Eternal Night são a cara do quinteto, apesar de diferentes entre si – a primeira é totalmente quebrada, enquanto a segunda transborda peso e velocidade. E em ambas LaBrie se sai muito bem, é bom ressaltar, em contraste com os vocais de apoio de Portnoy, que ganham cada vez mais destaque. A bela Repentance representa 100% a veia progressiva, mas o melhor fica mesmo para o fim, já que os quase 80 minutos do CD se encerram com duas pérolas. The Ministry of Lost Souls e In the Presence of Enemies Pt. 2 têm um instrumental para fã nenhum botar defeito (e a última, vale ressaltar, com alguns toques de Metallica) – e experimente ouvir as duas partes de In the Presence of Enemies em sequência. Systematic Chaos traz o Dream Theater em excelente forma, com destaques para os inspiradíssimos Rudess e Petrucci, e sem nada para assustar o fã.


Resenha publicada na edição 133 do International Magazine, em junho de 2007

Paul Stanley – Live to Win

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Devidamente vacinado por Asshole, aquele disco bem ruim lançado por Gene Simmons em 2004 (clique aqui para ler a resenha), a esperança de que houvesse uma redenção nas mãos de Paul Stanley começou a desmoronar quando surgiram as primeiras informações daquele que seria seu primeiro disco solo em 28 anos – lembrem-se: o primeiro, sob a marca KISS, chegou às lojas em 1978. Enfim, lá estava ele compondo ao lado de Desmond Child e Andreas Carlsson, que já haviam assinado sucessos com Bon Jovi, Def Leppard e Aerosmith. Tudo bem, ninguém esperava mesmo um CD sem músicas acessíveis e de refrãos pegajosos, mas aí soube quem estava gravando o trabalho…

O baterista era Victor Indruzzo, que gravou e excursionou com Macy Gray e Beck. Na guitarra estava Corky James, que registrou as seis cordas em CDs da Avril Lavigne. Tudo bem, vá lá que Bruce Kulick (ex-guitarrista do KISS) estava escalado para gravar o baixo em algumas músicas, que o guitarrista John 5 (ex-David Lee Roth e Marilyn Manson) havia confirmado presença, ou que os teclados estivessem a cargo de Russ Irwin, que merecia o benefício da dúvida por já ter feito turnês com Sting. De qualquer maneira, tinha tudo para dar errado, tudo para ser uma baba sem tamanho.


Mas apesar de todo o negativismo que rondava Live to Win, esqueci que o sujeito que assinaria o negócio se chama Paul Stanley, um compositor de mão cheia, responsável pelo melhor dos quatro álbuns solos do KISS (o de Ace Frehley, com o perdão da sinceridade, não é homogêneo), e um vocalista extremamente talentoso e de timbre único, característica apenas dos que têm lugar cativo entre os grandes. E o disco acabou se tornando uma agradabilíssima surpresa, uma aula de rock’n’roll sem maiores compromissos.

Apenas dez músicas em pouco mais de 30 minutos, e nem mesmo as três baladas estragam a festa. Isso porque Everytime I See You Around, Second to None e Loving You Without You Know são ao mesmo tempo bonitas e elegantes, coisa de quem tem a manha para o negócio (vide I Still Love You e Forever). Na verdade, Stanley foi econômico apenas na duração do CD, afinal, os fãs esperaram oito anos por material novo dele – último trabalho de estúdio do KISS, Psycho Circus foi lançado em 1998.


Mas as sete faixas restantes são simplesmente espetaculares, a começar pela trinca que abre o disco: Live to Win, Lift e Wake Up Screaming. A canção que dá nome ao álbum é para deixar o fã sorrindo de orelha e orelha, graças ao vocal brilhante e ao refrão que gruda mais do que chiclete em cabelo, além da letra positiva que é mesmo a cara do autor. Jogo ganho, as duas seguintes mostram que Stanley adicionou modernidade ao seu som, mas sem perder a personalidade.

Prova maior disso é Bulletproof, que poderia muito bem fazer parte do disco lançado no fim da década de 70 – os vocais de apoio femininos ajudam na remissão a Move on, por exemplo. E músicas como All About You, It’s Not Me (outro refrão sensacional) e Where Angels Dare, que fecha o CD com maestria, deixam a impressão de que Live to Win não apenas tem dez hits em potencial, mas que possui canções que vão sobreviver ao teste do tempo. E não dá mesmo para duvidar de Paul Stanley.


Resenha publicada na edição 133 do International Magazine, em junho de 2007

Pain of Salvation – Scarsick

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Sejamos sinceros: a não ser você tenha 15 anos e esteja descobrindo o heavy metal agora, não há o que esperar de um estilo que há anos vem se mostrando estagnado, cuja qualidade das bandas é inversamente proporcional à quantidade delas, principalmente porque a cada dia brotam dezenas, principalmente na Europa. Não é raro que os grupos relevantes já estejam no quarto ou quinto disco, ou seja, que tenham pelo menos uns seis anos de estrada a contar do lançamento do álbum de estreia.

Assim sendo, estas linhas não estão reservadas para falar de uma exceção à regra. Temos, sim, o exemplo da banda que não é um medalhão ou dinossauro, mas que subiu um degrau de cada vez até conquistar o respeito do público: liderado pelo genial Daniel Gildenlöw, o Pain of Salvation construiu a sua personalidade musical sem fazer concessões, ou seja, com discos cuja sonoridade e conceito não são de fácil digestão. Enfiado no pacote do prog metal, o grupo sueco ainda assim pouco ou nada tem a ver com nomes como Dream Theater, Fates Warning ou Queensrÿche.

Scarsick, seu sétimo disco, chega às lojas três anos depois de Be, que ainda não foi totalmente assimilado por boa parte dos fãs – nele, o guitarrista e vocalista colocou no papel anos de estudo sobre a criação do Universo e o desenvolvimento do homem, e obviamente estou sendo vago ao definir o trabalho, complicado também na parte musical. Mas o público adorou, assim como vai rasgar seda para o novo trabalho, ainda mais por se tratar da continuação do aclamado The Perfect Element (2000). Ou seja, definitivamente um retorno às raízes do quinteto sueco – completado por Johan Hallgren (guitarra), Simon Andersson (baixista que entrou na banda depois do lançamento do CD, em substituição a Kristoffer Gildenlöw – Daniel gravou todos os baixos), Fredrik Hermansson (teclados) e Johan Langell (baterista que estará fazendo os últimos shows com o grupo no momento em que você estiver lendo esta resenha).


Mas o novo álbum é mesmo brilhante. Mais pesado, porém não menos complexo, o que fica evidente logo nas duas primeiras faixas, Scarsick e Spitfall, que reúnem todos os elementos característicos do Pain of Salvation: mudanças abruptas de andamento, letras políticas bem fortes e um trabalho vocal de primeira linha, das melodias às interpretações (Daniel canta que é uma barbaridade!). A leveza fica por canta da espetacular Cribcaged e de Kingdom of Loss, enquanto os (perfeitos) dez minutos e três segundos de Enter Rain juntam tudo isso e mais um pouco.

Ainda assim, não há como escapar dos dois grandes destaques de Scarsick: America e Disco Queen. Eterno crítico da administração George W. Bush, Daniel não poupa críticas à política dos EUA, mas o seu sarcasmo atinge também o “american way of life” – as ironias passam por Diet Coke e programas de apresentadores como Jay Leno e David Letterman, metendo dedo na ferida de que o americano não enxerga além do próprio umbigo… E quanto a Disco Queen, imagine I Was Made for Lovin’ You, do KISS com uma dose bem maior de peso, instrumental mais rebuscado e uma letra séria. Não deu? Ouça Scarsick.


Resenha publicada na edição 133 do International Magazine, em junho de 2007

Megadeth e o show dos argentinos

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Desde que resolveu voltar à ativa com o Megadeth, em 2004, Dave Mustaine saciou a sede dos fãs com todo tipo de lançamento. Do disco de inéditas, The System Has Failed, lançado no mesmo ano, à coletânea Greatest Hits: Back to the Start (2005), ainda deu para desembolsar mais uma grana para adquirir o DVD duplo Arsenal of Megadeth (2006). Ou seja, depois de um hiato de dois anos para se recuperar de uma grave lesão no braço esquerdo, Mustaine não ficou parado. E 2007 começou com o DVD That One Night: Live in Buenos Aires, registro de um show na Argentina que a banda ficou devendo em 2001, já que os atentados terroristas de 11 de setembro impediram a turnê pela América do Sul – o lançamento, então, se deu com Rude Awakening, gravado no Arizona.

Apesar da pobreza em relação aos extras (apenas Symphony of Destruction numa versão alternativa que não acrescenta absolutamente nada), o DVD impressiona pelo alucinado público argentino. Mais de 25 mil pessoas tomaram o estádio Obras Sanitarias apenas e tão somente para assistir a uma apresentação do Megadeth. Pouco importava se no palco as coisas não eram como antes, já que James MacDonough (baixo) não é David Ellefson, assim como Shawn Drover (bateria) fica devendo a Nick Menza e Jimmy DeGrasso – Glen Drover (guitarra), por sua vez, se sai um pouco melhor ao substituir Marty Friedman e Al Pitrelli.


Mas não, isso não importava. No desfile de clássicos, com uma surpresa (Set the World Afire) e um equívoco (I’ll Be There), os hermanos são um show à parte em Symphony of Destruction e Trust, duas das músicas em que a pista se transforma numa única massa cantando e pulando. É mesmo impressionante, e não à toa Mustaine dedicou Coming Home especialmente aos argentinos. O CD ainda está para sair, mas vai servir mesmo apenas para completar coleção. Impossível separar uma coisa da outra quando o público se transforma no espetáculo.

O melhor do Megadeth no novo álbum

Com o ótimo James LoMenzo (ex-White Lion, Pride & Glory e Black Label Society) no lugar de MacDonough, o Megadeth soltou seu mais novo disco, o político United Abominations, e cumpriu a promessa de fazer um trabalho para o fã não esquecer. Tendo um grupo em estúdio, e novamente compartilhando o brilho de um colega de seis cordas, já que Glen faz bonito com material próprio nas mãos, Mustaine acerta a mão em excelentes músicas, como Sleepwalker, Never Walk Alone… A Call to Arms, Washington is Next!, Pray for Blood e Amerikhastan, num trabalho muito acima da média.


E mais do que arriscar a regravação de A Tout Le Monde – agora com a adição de (Set Me Free) ao nome – ao lado da talentosa Cristina Scabbia (Lacuna Coil), Mustaine continua sem controlar a língua. Critica as Nações Unidas (repare no trocadilho do título do álbum) por não apoiar a decisão dos Estados Unidos de invadir o Iraque, alegando que o momento era de pensar nos soldados que estavam sendo enviados à guerra, ao mesmo tempo em que mete o dedo na ferida ao criticar as reais intenções do governo George W. Bush, dizendo que os EUA se tornaram uma subsidiária da empresa de serviços petrolíferos Halliburton. Mais Mustaine, impossível.


Resenha publicada na edição 133 do International Magazine, em junho de 2007

Marillion – Somewhere Else

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

“Três álbuns a mais que o U2, dois a mais que os Beatles, e o mesmo número de lançamentos do Ramones. Um fato raro nos anais do rock.” É assim que o press release de Somewhere Else, 14º trabalho de estúdio do Marillion, traz à tona a importância da banda inglesa para o mundo da música. Claro, das três bandas citadas, apenas a liderada por Bono Vox e The Edge permanece na estrada, mas isso não desvia a atenção do ponto principal: o novo trabalho pode dar a Steve Hogarth, Steve Rothery, Mark Kelly, Pete Trewavas e Ian Mosley o reconhecimento que eles tanto merecem. “E nos quatro cantos do planeta”, como ressalta o texto de apresentação.

Apesar do otimismo, as chances de o Marillion voltar a desfrutar de um grande sucesso comercial são mínimas. Não que Somewhere Else seja um disco ruim, muito pelo contrário, mas a grande mídia há muito tempo não tem mais olhos para o quinteto. Uma pena, pois a música que temos em mãos possui muito mais alma e coração do que aquilo que se ouve nas rádios. E essa honestidade, diga-se, vem acompanhada de fãs absolutamente fiéis, que já chegaram a financiar um álbum (marillion.com, de 1999) ao comprá-lo antes mesmo de o grupo ter começado a compor suas músicas.

Para quem esperava uma nova investida no mundo pop, digamos assim, Somewhere Else é um balde de água fria. Apenas a ótima Most Toys, quarta faixa do CD, flerta com o que a banda fez tão bem em anos não tão distantes. O novo disco, na verdade, pega carona no progressivo intimista, e muitas vezes melancólico, que tomou conta de Marbles (2004). Vá lá que See it Like a Baby ainda apresente algum traço mais comercial, mas ainda assim se rende a melodias mais calmas (e não raro belíssimas), assim como The Other Half e A Voice from the Past, que são puramente Marillion. Ou seja, destaques para a excelente voz de Hogarth (ou ainda existe alguma viúva de Fish choramingando pelos cantos?), a elegância de Kelly nos teclados e o talento nas seis cordas de Rothery, cujo bom gosto nas seis cordas parece não ter fim.


Thank You Whoever You Are e a faixa-título estão entre as mais bonitas composições da banda, em alguns momentos lembrando o que de bom fez o Radiohead antes de passar a escrever música sem pé nem cabeça. Ou seja, o Marillion não tem medo de assumir influências contemporâneas, e isso vale também para algumas pitadas de Porcupine Tree. Quer mais um exemplo? No Such Thing e The Last Century for Man, ambas com construções harmônicas inteligentes, privilegiando a grandiosidade do arranjo no meio da canção (no caso da primeira) ou num fim apoteótico (a orquestração, digamos assim, na segunda).

Mas o melhor está mesmo nas excelentes The Wound, a prova definitiva de que o Marillion fica muito acima da média quando resolve ser rock progressivo, e Faith, que encerra o CD de forma acústica, como se fosse a trilha sonora perfeita para o fim do filme a que você acabou de assistir. Para não dizer que tudo são flores, Somewhere Else peca apenas em alguns refrãos exageradamente repetidos, como se fosse uma síndrome de Iron Maiden, mas nem de longe algo que comprometa a música feita com o cérebro e o coração. Para o fã, não para o grande público. Uma pena, afinal.


Resenha publicada na edição 133 do International Magazine, em junho de 2007