KISS – Animalize

O visual era para fazer os olhos doerem. Muitas cores e paninhos pendurados por todos os lados, mas musicalmente o KISS começou sua fase mais comercial com um disco maravilhoso. E o motivo atende por um nome: Mark St. John, o substituto de Vinnie Vincent que infelizmente teve uma passagem meteórica pela banda, uma vez que virou quase uma unanimidade para a imprensa na época – pasmem, porque é isso mesmo. Por mais que Ace Frehley fosse o favorito dos fãs, era praticamente consenso: em Animalize, St. John levou a guitarra do grupo a níveis nunca antes atingidos. Sem dúvida o mais técnico que já passou pelo KISS, o guitarrista impressionou não apenas por seus solos – todos maravilhosos, diga-se –, mas também pelos detalhes.

Claro, ele não participou de nenhuma composição, mas é sensível que as seis cordas tiveram um salto de qualidade em melodias e harmonias, e certamente não foi Paul Stanley quem colocou tudo no papel para St. John botar em prática – apesar de Stanley e Gene Simmons não terem gostado tanto assim do trabalho do então novo membro, o que justifica terem chamado Bruce Kulick para gravar os solos de Lonely is the Hunter e Murder in High-Heels. Mas há também vários méritos para o Starchild, que estava em grande fase e realizou uma de suas melhores performances em disco. Mais do que isso, manteve a banda em pé na ausência de Simmons, que se deixou seduzir pelas indústrias cinematográfica e fonográfica.


De corpo presente em Hollywood muito mais do que no estúdio, Simmons pouco participou de Animalize. Cantou e compôs, obviamente, mas a produção foi feita por Stanley, que ainda contou com a ajuda de Jean Beauvoir (ex-Plasmatics) para gravar o baixo em 1/3 das faixas. I’ve Had Enough (Into the Fire) abre o disco de forma arrebatadora, com Eric Carr e Stanley mandando muito bem numa das melhores canções da segunda fase do grupo. E St. John precisou de apenas seis segundos para começar a mostrar serviço e deixar muita gente de queixo caído.

Heaven’s on Fire é o hit do álbum e, consequentemente, não acompanha as demais, afinal, era a que deveria vender o trabalho. Apesar disso, se dá bem num bom riff e no refrão pegajoso. Falando em riffs, que festa! O KISS sempre foi muito bom nisso, e aqui o negócio é uma beleza. Todos são sensacionais, mas é impossível resistir a Murder in High-Heels. Que coisa linda! E são os riffs que movem as excelentes Burn Bitch Burn, Get All You Can Take, While the City Sleeps e Lonely in the Hunter, todas, à exceção desta última, com um show à parte de St. John.

Ouvir Under the Gun e Thrills in the Night (sensacional, e nesta St. John precisa de apenas um segundo para brilhar) é voltar no tempo e lamentar que o guitarrista tenha tido sua história com o KISS abreviada por causa da Síndrome de Reiter, rara desordem que afeta os nervos da mão e impede os movimentos, apesar de ter sido muito bem substituído por Kulick. Ainda assim, uma pena que ele – que mais tarde montou o White Tiger e não obteve sucesso comercial – tenha sido relegado pelo destino ou até mesmo esquecido na história do metal. Se há duas décadas ele impressionou, hoje seria um bálsamo.


Atualização em 14/09/2019: Mark St. John, cujo verdadeiro nome era Mark Leslie Norton, faleceu em 5 de abril de 2007, aos 51 anos, de hemorragia cerebral. A causa da morte é dada como consequência de um brutal espancamento sofrido enquanto esteve detido na Theo Lacy Jail, no Condado de Orange, Califórnia, em setembro de 2006. A agressão foi orquestrada por um dos guardas da prisão, chamado Kevin Taylor, e teve a participação de mais de 20 detentos. St. John foi preso depois de ser acusado de porte de drogas, o que sempre negou. Segundo a sua namorada na época, ele teria sido incriminado por um traficante que havia denunciado anos antes.

Faixas
1. I’ve Had Enough (Into the Fire)
2. Heaven’s on Fire
3. Burn Bitch Burn
4. Get All You Can Take
5. Lonely is the Hunter
6. Under the Gun
7. Thrills in the Night
8. While the City Sleeps
9. Murder in High-Heels

Banda
Paul Stanley – vocal e guitarra
Gene Simmons – vocal e baixo
Mark St. John – guitarra
Eric Carr – bateria

Outros
Bruce Kulick – guitarra (solo em Lonely is the Hunter e Murder in High-Heels)
Jean Beauvoir – baixo (Get All You Can Take, Thrills in the Night e Under the Gun)
Allan Schwartzberg – bateria (overdubs em I’ve Had Enough (Into the Fire))

Lançamento: 14/09/1984
Produção: Paul Stanley
Mixagem: Dave Wittman

Iron Maiden – Powerslave

Dizer qual é o melhor disco do Iron Maiden é uma tarefa impossível, mas certamente todo fã tem especial carinho por um determinado álbum. No meu caso, Powerslave é aquele que eu levaria para uma ilha deserta, a obra-prima que se sobressai entre as outras porque tem uma história para contar. O estrago já havia sido efeito no ano anterior com a vinda do KISS ao Brasil, apesar de o embrião ter sido formado anos antes graças a meu pai e seus discos dos Beatles e Elvis Presley, mas o ano de 1984 foi mesmo especial. Foi quando me livrei de uma chatice que parecia interminável – ir obrigado à igreja aos domingos – porque o videoclipe de Thrills in the Night (Animalize, KISS) iria passar no Fantástico. E, claro, foi quando economizei a mesada – aos 10 anos de idade, que outra fonte de renda eu poderia ter? – para ir à loja de discos mais próxima comprar o novo LP do Iron Maiden.

Powerslave era o principal título da coleção “Heavy Metal Attack”, da EMI, e contando os trocados ainda sobrou algum para comprar The Warning, o álbum de estreia de uma banda nova chamada Queensrÿche, mas aí já é outra história… A sensação ao ouvir os primeiros acordes de Aces High foi a mesma que senti quando coloquei o CD no aparelho de som para escrever esta resenha, mas desta vez, depois de duas décadas, Powerslave serviu de trilha sonora, mesmo porque o vinil eu gastei de tanto ouvir. Sim, não é mais nenhuma surpresa, mas continua magistral, maravilhoso, perfeito a cada audição.


Bastam poucos segundos de Aces High para as mãos abandonarem o teclado e começarem a tocar uma bateria imaginária, com a cabeça acompanhando o ritmo ditado pelas guitarras de Adrian Smith e Dave Murray. Bruce Dickinson entra cantando, e no refrão eu já me encontro aos berros, parecendo o mesmo garoto que botou o vinil no velho toca-discos que um dia foi do meu pai – e essa paixão pela música certamente o deixaria orgulhoso. O riff de 2 Minutes to Midnight – que ouvidos mais atentos podem identificar como uma releitura de Burn, do Deep Purple. Perguntem a Smith… – torna impossível a tarefa de digitar. Não dá para usar o teclado e agitar ao mesmo tempo, mesmo que seja sozinho e no meio do quarto. Volto daqui a pouco…

Pronto, acabou o CD e tive de desligar o som. Agora posso falar que até mesmo as músicas menos famosas de Powerslave são um bálsamo. Que banda de heavy metal pode se gabar de compor a excelente instrumental Losfer Words (Big ‘Orra) e, também, Flash of the Blade (que riff, meus amigos!) e não aproveitá-las? Back in the Village tem outro grande riff (Adrian Smith é mesmo genial), e a espetacular The Duellists mostra de onde o Helloween – leia-se a dupla Kai Hansen e Michael Weikath – tirou aquelas guitarras dobradas em solos e harmonias.


Se até aqui todas as músicas são de encher os olhos, as duas últimas são uma verdadeira covardia. Não há adjetivos para Powerslave e Rime of the Ancient Mariner, pois ainda não inventaram algo que supere a perfeição. A faixa-título é a prova de que Dickinson é mais do que um vocalista fora de série e um dos maiores frontmen do rock. É também a obra definitiva de um grande compositor. Não estou falando apenas da letra que gira em torno do tema do álbum, mas da música, das maravilhosas melodias (pode incluir o toque egípcio, por assim dizer), das mudanças de andamento, da riqueza de detalhes. Para completar, Murray e Smith encontravam-se especialmente inspirados.

Rime of the Ancient Mariner… O que posso dizer? Está aqui o motivo por que Steve Harris é a personificação do heavy metal, título que pertence a poucos na história (e não preciso citar um por um, certo?). Não acho que ele seja um baixista extraordinário, mas é inegável que seu estilo é único – e aí reside um de seus méritos, assim como é a sua presença de palco (vê-lo colocar o pé no retorno e apontar o baixo para a plateia é realmente emocionante). Mais do que isso, o cara que compôs sozinho esta pequena obra-prima de 13 minutos e 36 segundos garantiu certificado de perdão para furos futuros. No mínimo. Instrumental primoroso – façamos o registro: uma das melhores atuações de Nicko McBrain – e uma letra fantástica, contando uma história com início, meio e fim sem repetir uma frase sequer. Vamos falar sério uma última vez: se Powerslave não está em sua coleção, lamento informar que você não gosta ou não entende nada de heavy metal. Ou as duas coisas.


Faixas
1. Aces High
2. 2 Minutes to Midnight
3. Losfer Words (Big ‘Orra)
4. Flash of the Blade
5. The Duellists
6. Back in the Village
7. Powerslave
8. Rime of the Ancient Mariner

Banda
Bruce Dickinson – vocal
Dave Murray – guitarra
Adrian Smith – guitarra
Steve Harris – baixo
Nicko McBrain – bateria

Lançamento: 03/09/1984
Produção e mixagem: Martin Birch

The Gathering – Sleepy Buildings

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Em 15 anos de carreira, o The Gathering nunca deixou de surpreender. As mudanças de estilo, no entanto, acabaram sendo pouco ou nada palatáveis no cenário heavy metal, com a velha história da perda de velhos fãs e a conquista de novos. A montanha-russa teve início com trabalhos bem mais pesados e rápidos – Always… (1992) e Almost a Dance (1993) –, que gradativamente foram perdendo o peso até a banda holandesa pisar de vez no freio e ser acusada de estar ouvindo muito Radiohead (com o perdão da sinceridade, o The Gathering é bem melhor).

A segunda e terceira fases da banda coincidem com a entrada da vocalista Anneke van Giersbergen no posto anteriormente ocupado por Bart Smits e Niels Duffhues – isso sem contar as participações de Marike Groot e Martine van Loon. O sucesso de crítica veio com Mandylion (1995) e Nighttime Birds (1997), mas foi com How to Measure a Planet? (1998) que o experimentalismo começou a incomodar os mais tradicionalistas. De If_then_else (2000) para o autointitulado trip rock praticado no último álbum de estúdio, Souvenirs (2003), foi mais um grande salto.

Independentemente do lado camaleão, o The Gathering nunca perdeu uma de suas características: a qualidade. Isso pode ser comprovado no ótimo Sleepy Buildings – A Semi Acoustic Evening. Nos dias 21 e 22 de agosto do ano passado, a banda subiu ao palco do Lux Theatre, em Nijmegen, na Holanda, para rever sua trajetória em canções especialmente rearranjadas para a gravação do CD semiacústico – curiosamente, não há nenhum material de Souvenirs.

Anneke (voz e violão), René Rutten (guitarra e violão), Hans Rutten (bateria), Frank Boeijen (teclados) e Hugo Prinsen Geerligs (baixo, substituído no fim do ano por Marjolein Kooijman) realizaram duas apresentações bem intimistas e repletas de momentos belíssimos. Apesar de Stonegarden e Eléanor serem mais animadas, digamos assim, o CD mantém um clima viajante do início ao fim. Sim, há forte influência de progressivo, notadamente Pink Floyd, em canções como The Mirror Waters, Red is a Slow Colour e a sensacional Travel.

Em um trabalho coeso, encontramos destaques na simples Saturnine (belo trabalho de Boeijen), nas viajantes Amity e Marooned e na ótima In Motion Part II, em que toda a banda tem participação mais ativa, destacando-se a guitarra de René Rutten. A performance da banda é correta em toda as 14 faixas – por problemas técnicos, The May Song e Nighttime Birds ficaram fora do disco –, mas é impossível não destacar o trabalho de Anneke, que dá um verdadeiro show em todas as músicas.

Sua voz angelical é reforçada em momentos realmente acústicos, seja acompanhada apenas do violão (My Electricity), do piano (Shrink, Like Fountains e Sleepy Buildings, esta a única inédita do CD) ou de ambos (Locked Away). Em Sleepy Buildings – A Semi Acoustic Evening – 11º disco do The Gathering, incluindo o ao vivo Superheat (2000), a coletânea Downfall – The Early Years (2001) e o EP Black Light District (2002) –, o grande destaque é realmente Anneke. Como todos os álbuns desde Mandylion, diga-se de passagem. Uma pena que os fãs brasileiros tenham o prazer de ouvi-la cantar apenas em CDs, uma vez que o The Gathering esteve no Chile no fim de fevereiro, para duas apresentações em Santiago, e uma passagem pelo Brasil nem sequer foi cogitada.

Resenha publicada na edição 101 do International Magazine, em abril de 2004.

Steve Vai – Live at the Astoria London

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Todo mundo já sabe que os DVDs são a nova menina dos olhos das gravadoras – isso até a pirataria atingi-los com a mesma força que bateu nos CDs. Alheios aos problemas do mercado fonográfico, os fãs se veem diante de uma enxurrada de lançamentos e, consequentemente, de dor no bolso. Para os amantes da guitarra e da música instrumental, nenhum título foi tão aguardado em 2003 como Live at the Astoria London, DVD duplo de Steve Vai lançado por sua própria gravadora, a Favored Nations.

Claro, Steve Vai é o melhor e mais criativo guitarrista da atualidade. Não apenas no aspecto técnico, vale ressaltar, mas também no domínio do instrumento e dos efeitos. Ou seja, pela habilidade de explorar (e bem) todos os recursos – o cara é um guitarrista completo. Além disso, é um presepeiro (leia-se ‘showman’) da melhor qualidade e um compositor brilhante. Para completar, ainda montou um verdadeiro ‘dream team’: Billy Sheehan (baixo), Virgil Donati (bateria), Tony MacAlpine (teclados e guitarra) e Dave Weiner (guitarra) – este, o pupilo que acompanha Vai desde a turnê do álbum The Ultra Zone (de 1999). O único inexperiente, digamos assim.

Pronto. Juntou a fome com a vontade de comer, só que o diretor Phil Woodhead e o editor Brandon Sanders servem um prato mal temperado e frio. Sim, a direção e a edição das imagens são irritantes, com efeitos de quinta categoria e tomadas que não privilegiam os músicos – mostrar Vai bebendo água enquanto Donati sola é de doer, coisa de quem acha que está inovando. Ainda assim, o repertório foi tão bem escolhido, e a performance do quinteto é tão espetacular, que os impropérios dirigidos a Woodhead (o sobrenome cai como uma luva) e Sanders são deixados de lado.


Duvida? A apresentação começa com Shyboy, composição de Sheehan de sua época no Talas. É simplesmente lindo ouvir novamente os duelos do baixista com Vai, idênticos aos que dupla fez em Eat ‘Em and Smile (1986), o fantástico o segundo trabalho solo do ex-vocalista Van Halen David Lee Roth. Depois de mais de duas horas, a festa chega ao fim com The Attitude Song, com a participação de Eric Sardinas, guitarrista que lançou seu terceiro álbum, Black Pearls (2003), pela Favored Nations. Ponto para Vai, afinal, ele não faz papel de ditador e dá grande destaque a todos os músicos. E isso inclui MacAlpine e Weiner, que desfilam técnica em momentos individuais (Dave’s Party Piece, por exemplo) ou dobrando temas e solos durante as canções.

E Live at the Astoria London ainda apresenta algumas surpresas muito agradáveis, a começar por uma versão instrumental de Down Deep Into the Pain, do subestimado Sex & Religion (1993), álbum com Devin Townsend nos vocais. Depois, Chamaleon – do primeiro disco solo de Sheehan, Compression (2001), também lançado pela Favored Nations – e os covers para Fire e Little Wing, de Jimi Hendrix, completam o bônus dentro de um trabalho que passa a limpo a carreira de Vai. A obra-prima Passion and Warfare (1990), claro, tem maior presença, com as sempre excelentes Liberty, Erotic Nightmares e The Animal, além de uma bela surpresa, a espetacular Blue Powder, na qual Sheehan reproduz fielmente os slaps – recurso que nunca foi sua praia – de Stu Hamm.

E For the Love of God… Bem, o que os críticos que fizeram a lista dos cem melhores guitarristas, publicada na Rolling Stone, fumaram? A onda foi forte, pois incluir Kurt Cobain e ignorar Steve Vai é coisa de quem estava vendo elefante voador rosa com bolinhas azuis. Azar o deles se nunca escutaram as belíssimas Whispering a Prayer e Bangkok ou as excelentes The Crying Machine e Jibboom (um show de Vai e Sheehan!).

Nos extras, todos no segundo disco, temos biografia de cada músico, uma discografia completíssima de Vai (Frank Zappa, David Lee Roth, Whitesnake e participações em tributos, trilhas sonoras, discos de outros artistas…), cenas de backstage, entrevistas e a banda ensaiando Giant Balls of Gold e Erotic Nightmares. Woodhead e Sanders tentaram estragar, mas Live at the Astoria London vale cada centavo dos fãs.


Resenha publicada na edição 101 do International Magazine, em abril de 2004.

Edguy

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Voltando a 1992, época em que o grunge ganhava o mundo e o heavy metal começava a ser relegado a segundo plano pela grande mídia, quem poderia imaginar que uma banda formada por quatro garotos de 14 anos seria um dos nomes mais queridos entre os fãs de rock pesado? Uma década depois, o Edguy já ocupava lugar de destaque no cenário. Hoje, com o lançamento quase simultâneo do EP King of Fools e do álbum Hellfire Club, Tobias Sammet (vocal), Jens Ludwig (guitarra), Dirk Sauer (guitarra), Felix Bohnke (bateria) e Tobias Exxel (baixo), que passou a integrar o time em 1999, ratificam o prestígio do grupo alemão. No fim de fevereiro, batemos um papo com o bem-humorado Sauer e conferimos os detalhes da nova fase do quinteto, que assinou recentemente com a Nuclear Blast.

O Edguy saiu da AFM para a Nuclear Blast, considerada a maior gravadora de heavy metal em todo o mundo. Chega a ser uma grande responsabilidade ou não houve grandes mudanças?
Não há tanta responsabilidade. Na verdade, depois de nosso último disco (N.R.: referindo-se a Mandrake, de 2001, não ao duplo ao vivo Burning Down the Opera, de 2003), nós ficamos oficialmente sem obrigações com a AFM. Várias gravadoras nos procuraram, mas resolvemos dar um tempo de um ano para analisar todas as propostas. A melhor foi a da Nuclear Blast, que já provara no passado a capacidade de promover suas bandas de maneira diferenciada. Foi uma das razões por que a escolhemos, mas as coisas estão funcionando perfeitamente, e há uma ótima comunicação entre ambas as partes. De qualquer maneira, nós nunca permitimos que algum tipo de pressão interfira em nosso trabalho. Sabemos separar os negócios para podermos nos concentrar apenas na música.

O relacionamento começou bem, já que King of Fools é realmente um lançamento especial. Com quatro músicas que não estarão em Hellfire Club, trata-se de um CD que não é um simples single. Como funcionou e de quem foi a ideia?
Todas as músicas foram escritas para o álbum, por isso não havíamos pensado num EP quando entramos no estúdio. A Nuclear Blast teve a ideia do single antes do disco, e nós tínhamos bastante material novo, então resolvemos lançar tudo e dar aos fãs algo para fazer valer o dinheiro que iriam gastar. Nós optamos pelo formato de um EP, e ficou mesmo algo especial, um ótimo aperitivo com quatro canções inéditas, um vídeo com o making of das gravações e encarte completo. Tudo por um preço bem menor (risos).

King of Fools entrou diretamente nas paradas de singles na Alemanha, Suécia, Finlândia e Áustria. Acredito que é uma prévia do sucesso que Hellfire Club irá fazer, não?
Eu espero que seja pelo menos tão bem-sucedido quanto o EP! O engraçado é que muitos ficam pensando em como fazer para os fãs comprarem um single e, assim, que ele chegue às paradas, especialmente no cenário heavy metal. Nós tivemos uma ideia simples e que funcionou. Valorizamos o dinheiro dos fãs dando algo a mais a eles, enquanto as pessoas ficam bolando fórmulas para tornar um produto vendável (risos).

A banda utilizou uma orquestra de verdade (N.R.: Babelsberg Orchestra), e eu soube que as músicas estão mais pesadas. Como você pode comparar o novo disco com Mandrake, que, em minha opinião, é o melhor trabalho do Edguy, até porque eu ainda não ouvi o novo material?
(Rindo) Você irá mudar de ideia (risos). Bem, demos um passo adiante em relação a Mandrake, que já foi uma evolução, afinal, músicas como Jerusalem e The Pharaoh possuem elementos que nunca havíamos usado. Hellfire Club é uma continuação lógica e traz elementos característicos do Edguy, é bombástico e com muitas melodias legais. É certamente mais pesado, mas não necessariamente por causa das músicas, mas porque deixamos o som mais real possível. Não polimos demais a produção e procuramos não usar a bateria muito trigada, mas buscamos soar como uma verdadeira banda de rock’n’roll. A orquestra também foi um elemento novo e muito bom. A cada álbum nós crescemos e evoluímos dentro de nosso estilo, por isso Hellfire Club representa exatamente o que somos hoje.

Holy Water, Savage Union, Mysteria, The Piper Never Dies e king of Fools são músicas que têm recebido vários elogios. Há alguma que você goste mais ou que considere ideal para tocar ao vivo?
Minha favorita é Holy Water, mas eu não sei explicar o porquê (risos). Talvez porque ela tenha elementos que são cativantes. Ao vivo, acredito que Mysteria e Lavatory Love Machine irão funcionar muito bem.


Há poucos dias li uma entrevista com Tobias Sammet na qual ele disse estar enjoado de músicas com bumbo duplo do início ao fim, e sou obrigado a concordar com ele. O Edguy é mais criativo que grande parte das bandas de metal melódico, mas é rotulado dessa maneira, e o estilo já apresenta sinais de saturação. Você se sente confortável com isso?
Tenho de concordar com vocês dois. Invariavelmente, as pessoas estão à procura de algo para comparar o que as bandas fazem. Se eu precisasse definir o que tocamos, diria que é apenas rock’n’roll ou heavy metal. Há tantos estilos diferentes hoje em dia… Melodic power metal, melodic symphonic metal, melodic holy water metal (risos). São várias expressões para diferentes tipos de música, mas basicamente é apenas metal ou rock. Você pode misturar tantas coisas ao rock, mas não precisa ficar rotulando. Ficar procurando por nomes para rotular é besteira.

Várias bandas de metal lançaram discos ao vivo em 2003, mas parece que Burning Down the Opera conseguiu sobressair. Nem sou que digo isso, pois edito um site em que há uma eleição para eleger os melhores, e o Edguy está disputando o primeiro lugar com Rush in Rio (Rush), Live (Blind Guardian) e KISS Symphony: Alive IV (KISS). Vocês esperavam tanta repercussão?
Uau! Isso é sério? (risos) Eu não poderia esperar algo assim! Tudo que queríamos era lançar um bom disco ao vivo, com a íntegra de um show nosso e um encarte bem completo. Ou seja, tudo o que deveria estar num álbum ao vivo.

E o encarte é tão rico em fotos e informações que é difícil colocá-lo de volta na caixa, justamente por causa do número de páginas.
(Rindo) Eu sei! Você lembrou bem. Vários CDs ao vivo chegaram ao mercado no ano passado, mas, depois que ouvi alguns deles, tive a impressão de que foram lançados apenas para encurtar o período entre dois discos de estúdio. Outros parecem álbuns de estúdio com o som do público entre as músicas, o que não é legal. Parece que poucas bandas estavam realmente interessadas em lançar um trabalho ao vivo, o que para nós foi um sonho que se tornou realidade. Por isso fizemos o melhor possível, incluindo gravação, repertório e o encarte. É legal quando o fã compra o CD porque é fã, apesar de o encarte ter duas páginas e ser todo em preto e branco, mas é ainda melhor quando ele compra porque realmente achou que vale a pena, com um encarte de 32 páginas repletas de fotos coloridas. É um tanto quanto óbvio o que uma banda tem de fazer (risos).

A turnê mundial começa em abril, mas o Edguy realizou um show especial em Cologne, na Alemanha, no fim de janeiro. Como foi e quais músicas novas entraram no set list?
Foi realmente especial, já que a apresentação foi transmitida ao vivo por uma emissora alemã de televisão. Na verdade, este foi o motivo por que decidimos realizar o show, mas foi definitivamente uma ocasião única. Não tivemos tempo para ensaiar direito e tocamos apenas duas músicas novas, King of Fools e Lavatory Love Machine. Além disso, o show durou uma hora, pois era um programa de TV, e o local era muito pequeno, parecia uma sala de estar (risos). Mas foi muito bom poder tocar ao vivo depois de meses trabalhando em estúdio, principalmente porque foi uma festa com os fãs. Mal posso esperar pela turnê.

E como foi a resposta? Não apenas dos fãs, mas também da imprensa.
Bem, à exceção do pessoal da TV, não havia imprensa. Mas posso dizer a você que todos saíram satisfeitos.

A última turnê foi a maior da carreira do Edguy, que tocou em 23 países. A próxima parece que será ainda mais extensa e grandiosa, incluindo cenários de palco especiais. Como estão os preparativos?
Bem, está tudo em andamento. No momento, a equipe da companhia que irá montar o palco está trabalhando para que tudo dê certo. Algumas pessoas estão terminando de construir alguns cenários, como certas criaturas e outras coisas legais que eu ainda não posso falar (risos). Definitivamente, iremos dar aos fãs algo em troca de seu apoio. Só podemos sair em turnê porque eles vêm comprando nossos discos, por isso temos de fazer mais do que escrever boas músicas. Temos de fazer um grande show.

Brainstorm, Nocturnal Rites e Tad Morose serão as bandas de abertura na Europa. Vocês as escolheram?
Nós não a escolhemos diretamente, digamos assim, já que nossos agentes na Europa traçam o perfil das bandas, procuram os interessados e negociam com as gravadoras. Eu não costumo me envolver com esse assunto, mas sem dúvida temos o direito de dizer sim ou não. A palavra final é nossa. De qualquer maneira, são bons nomes, e será legal tocar com eles.

Vocês tocaram nos Estados Unidos na última turnê, e o resultado foi positivo. Ainda assim, quais foram suas impressões sobre o mercado americano, já que hoje o rock pesado é sinônimo de new metal por lá?
Os shows foram realmente ótimos, mas foram poucos. Tocamos no Prog Power, festival que reúne fãs de heavy metal de todo o país, e percebemos que lá eles estão sedentos por shows de metal, ao contrário da Alemanha, onde rola festival quase todo dia (risos). Como isso não acontece com frequência nos EUA, os fãs americanos se mostram muito entusiasmados quando têm a oportunidade de assistir a bandas ao vivo. Quando há algum show, eles vão à loucura, pode acreditar. É uma pena que as coisas estejam assim, pois há um público carente de espetáculos.


Tobias Sammet gravou o baixo nos dois primeiros discos, Kingdom of Madness (1997) e Vain Glory Opera (1998), antes da entrada de Tobias Exxel. No entanto, podemos dizer que o Edguy é uma das raras bandas de rock pesado com mais de dez anos que nunca mudaram a formação. A que se deve isso?
Tudo funciona muito bem, pois somos muito amigos. Mesmo quando não estamos em turnê, sempre saímos juntos e mantemos contato. Sabemos que podemos contar um com o outro. Claro, é preciso haver respeito, e conseguimos entender o que acontece com cada um. Resolvemos qualquer problema antes que ganhe maiores proporções, e é realmente um prazer fazer parte de uma família como essa. Os ensaios e shows são como eventos de família, realmente.

E o que você dizer do Edguy 12 anos depois do primeiro passo? Vocês começaram ainda adolescentes, e certamente era difícil imaginar que o grupo se tornaria um dos mais queridos do metal. Em retrospectiva, quais eram os objetivos?
Certamente eu não esperava nada do que já aconteceu. Nós montamos a banda por dois motivos: queríamos tocar rock’n’roll e também conseguir garotas (risos)…

… E alcançaram o segundo objetivo?
(Rindo bastante) Bem, eu tenho uma, e ela é suficiente para mim (risos). Posso falar por todos e afirmar que ninguém esperava o sucesso que temos hoje, mas ainda temos sonhos e continuaremos trabalhando duro para torná-los realidade. É um orgulho termos construído tudo isso graças aos fãs, que são nossa maior conquista. Acho que eles perceberam que fazemos as coisas de maneira honesta e que nossa música vem direto de nossos corações. Talvez esta seja a razão por que tantas pessoas gostam do Edguy.

Tobias Sammet vem ao Brasil em março para promover Hellfire Club, mas já se fala que a banda tocará por aqui em maio. O que há de concreto a respeito da turnê brasileira?
Eu espero que seja realmente em maio, mas não tenho certeza. Não há nada confirmado ainda, e nossos agentes estão cuidando de tudo, mas é certo que iremos à América do Sul. Só não sei quando. Espero também que possamos tocar em mais cidades, pois iremos aonde for possível.

De qualquer maneira, o Brasil parece ser um lugar especial para o Edguy. Quando esteve aqui para a gravação do DVD do Shaman, Tobias Sammet foi extremamente bem recebido. A legião de fãs cresceu desde a primeira e única passagem da banda no país, no início de 2002.
(Empolgado) Aquele show (N.R.: dia 31 de janeiro, no DirecTV Music Hall, em São Paulo) foi incrível! Os fãs estavam entusiasmados e foram fantásticos. Além disso, tivemos alguns dias de folga e conseguimos aproveitar nossa passagem pelo Brasil. Fomos à praia e conhecemos pessoas muito legais. Parecia que estávamos de férias, não em turnê e trabalhando (risos).

Muito obrigado pela entrevista, Dirk, e o espaço é seu.
Eu é que agradeço. Muito obrigado a todos pelo apoio, e nos vemos em breve. Tenham um bom dia!

Entrevista publicada na edição 101 do International Magazine, em abril de 2004.