KISS no Brasil – 35 anos: o Big Bang de uma geração

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação, Reprodução e Arquivo Pessoal

Os anos 70 haviam apresentado aos brasileiros os shows de Carlos Santana (1973), Alice Cooper (1974), Rick Wakeman (1975) e Genesis (1977), e os 80 tiveram sua iniciação com Queen (1981) e Van Halen (1983). Mas nada se compara à estreia do KISS no país, seis meses depois da passagem de David Lee Roth, Eddie Van Halen, Michael Anthony e Alex Van Halen. Para uma grande parte da geração que hoje tem entre 40 e 50 anos, o heavy metal – em todas as suas vertentes – começou com Creatures of the Night e ganhou contornos definitivos quando Paul Stanley, Gene Simmons, Eric Carr e Vinnie Vincent desembarcaram no Brasil para apresentações no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e em São Paulo, nos dias 18, 21 e 25 de junho, respectivamente.

Trinta e cinco anos depois do primeiro show, no Maracanã, para o maior público da carreira do KISS, a história ainda é contada em prosa e verso por fãs e pela banda. Para o bem e para o mal. Os detalhes numa época de informação analógica, ingenuidade e romantismo – e ‘business’ para Stanley e Simmons – só foram revelados ao longo dos anos: Creatures of the Night tinha Ace Frehley apenas na capa, o grupo andava em baixa nos Estados Unidos, a turnê no Brasil não foi um mar de rosas… Ainda assim, 35 anos depois, nada disso importa para um sem-número de fãs brasileiros que até hoje acompanham a banda, incluindo aqueles que só puderam ver o KISS nas turnês seguintes (1994, 1999, 2009, 2012 e 2015).

Creatures of the Night

“Para nós, Creatures of the Night foi feito sob o choque e a percepção de havíamos nos perdido completamente”, escreveu Paul Stanley em sua autobiografia, “Face the Music – A Life Exposed” (2014). “O disco foi uma declaração de que estávamos de volta aos trilhos, e Eric (Carr) ficou aliviado, porque era isso o que esperava desde o começo. Ele estava definitivamente mais feliz durante todo o processo.” Sim, é preciso falar do décimo disco de estúdio do KISS, porque ele faz parte do contexto. Depois de namorar o pop e a disco music – Dynasty (1979) e Unsmasked (1980) – e até flertar com o rock progressivo – Music from the Elder (1981) –, o grupo perdeu a sua essência. Não era mais rock’n’roll. Não era mais o inimigo número 1 dos pais. Não metia mais medo.

Musicalmente, Creatures of the Night foi mesmo uma volta às raízes, e com uma boa adição de peso. Hoje, é um clássico, o favorito de muitos fãs, um dos melhores trabalhos da banda, mas à época não foi bem assim. Apesar de ter se saído melhor que o seu antecessor – chegou ao 45º lugar no ranking da Billboard, 30 posições acima de Music from the Elder –, só sentiu o cheiro do Disco Ouro nos EUA em 9 de maio de 1994. Com Ace Frehley somente na foto e nos créditos, o álbum contou com convidados na guitarra solo: Robben Ford, Steve Farris e o até então desconhecido Vincent Cusano, que também assinou a composição de três músicas – duas com Simmons (I Love it Loud e Killer) e uma com Stanley (I Still Love You).


“Nós gostamos de Creatures of the Night e esperávamos pelo melhor, mas ele se saiu mal. Agendamos uma turnê pelos Estados Unidos, a mais malsucedida que fizemos até hoje”, contou o baixista em “KISS and Make-Up” (2001), sua autobiografia. “A cena musical estava mudando, e artistas como Michael Jackson e The Clash encontravam-se em ascensão, então ninguém aparecia para nos ver. Era assim na América do Norte, mas fora dela, especialmente na América do Sul, nós tocamos para as maiores audiências de nossas vidas, em estádios lotados de gente.” Enquanto não se sustentava nos EUA, Creatures of the Night recebia Disco de Ouro no Brasil, em 1983, e emplacava um hit que ultrapassou as fronteiras do heavy metal no país: I Love it Loud.

A 10th Anniversary Tour

Creatures of the Night chegou às lojas em 13 de outubro de 1982, e no dia 29 de dezembro o KISS começou a sua turnê de divulgação, já com Vincent Cusano atendendo por Vinnie Vincent, na persona de Ankh Warrior ao lado de Starchild, The Demon e The Fox – Ankh, a cruz da maquiagem do guitarrista, é um símbolo egípcio que significa vida. Incluindo apenas os EUA e o Canadá, a turnê durou até 3 de abril de 1983 e foi um fiasco para os padrões do grupo: média de público de cinco mil pessoas por show.

“Obviamente, tínhamos de pagar penitência pelo que fizemos em Unmasked e Music from the Elder. E pagamos com Creatures of the Night, mas os fãs não estavam nos perdoando. Foi muito ruim na maioria das cidades. Antes de irmos para o palco, ouvíamos o ‘You wanted the best, you got the best, the hottest band in the land…’, então entrávamos para descobrir que não tinha ninguém na plateia. Algumas vezes havia mil pessoas numa arena que comportava 15 mil”, disse Stanley, ilustrando o desolador cenário. “Nós havíamos lotado aquelas mesmas arenas cinco anos antes, mas se dessa vez eu jogasse minha paleta muito longe, ele passaria pela cabeça das pessoas e cairia no chão.”

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35 anos em uma coleção (Foto: Arquivo Pessoal)
Anúncios do show no Maracanã e da turnê no Brasil (Foto: Montagem/Reprodução)
Anúncios do show no Morumbi (Foto: Montagem/Reprodução)
Ingresso Maracanã (Foto: Reprodução)
Ingresso Morumbi (Foto: Reprodução)
Ingresso Morumbi (Foto: Reprodução)
Capa e contracapa do Tour Book (Foto: Reprodução)
Gene Simmons, Paul Stanley e Vinnie Vincent (Foto: Divulgação)
Gene Simmons, Paul Stanley e Vinnie Vincent (Foto: Divulgação)
Gene Simmons, Vinnie Vincent e Paul Stanley (Foto: Divulgação)
Gene Simmons, Vinnie Vincent e Paul Stanley (Foto: Divulgação)
Eric Carr, Gene Simmons, Vinnie Vincent e Paul Stanley (Foto: Divulgação)
Gene Simmons e Paul Stanley (Fotos: Divulgação)
Eric Carr e Vinnie Vincent (Fotos: Divulgação)
Vinnie Vincent, Paul Stanley, Eric Carr e Gene Simmons (Foto: Divulgação)
Eric Carr, Gene Simmons, Vinnie Vincent e Paul Stanley (Foto: Divulgação)
Eric Carr, Paul Stanley, Vinnie Vincent e Gene Simmons (Foto: Divulgação)
Vinnie Vincent, Paul Stanley, Eric Carr e Gene Simmons (Foto: Divulgação)
Paul Stanley, Vinnie Vincent, Gene Simmons e Eric Carr (Foto: Divulgação)

Depois da tempestade, a bonança. Os rumores da vinda ao Brasil se tornaram realidade no mesmo mês em que o KISS encerrara o giro norte-americano. Outdoors espalhados pelas cidades que receberiam a banda foram suficientes para alavancar as vendas de Creatures of the Night (percebeu a conexão?), causar alvoroço em quem já era fã da banda e começar a formar a geração que, a partir daí, virou membro do KISS Army. Stanley, Simmons, Carr e Vincent chegaram ao Brasil em 14 de junho, quatro dias antes do primeiro show, no Rio de Janeiro, e enfrentaram protestos de cristãos e evangélicos com as alegações de sempre: a banda é satânica e faz apologia ao nazismo – risível, uma vez que Simmons, judeu nascido em Israel, só está entre nós porque sua mãe, Florence Klein, escapou da câmara de gás num campo de concentração na Hungria. A esposa de um oficial da SS precisava de uma cabeleireira.

O Maracanã entra para a história

A melhor de todas, porém, era que os Garotos a Serviço de Satanás pisavam em pintinhos e sacrificam animais no palco. Não foi o que aconteceu em 18 de junho, quando 137 mil pessoas lotaram o Maracanã para assistir à apresentação de estreia no Brasil. “(…) Tocamos para 180 mil fãs enlouquecidos no Estádio do Maracanã, no Rio”, lembrou Stanley, fazendo uma confusão comum em relação ao público presente naquela noite de sábado. “Foi a maior audiência para a qual tocamos até hoje. Ao me apresentar num estádio de futebol na América do Sul, percebi que os estádios que consideramos grandes nos Estados Unidos são muito pequenos em comparação. Minúsculos. Quando você entra num local como o Maracanã, se sente no fundo de um barril de petróleo.”

Alguns dias depois, o show carioca virou um especial de 40 minutos na Rede Globo – que não tem mais a fita master com a gravação bruta da apresentação. O programa incluiu declaração de fãs, como a menina que caiu no conto de dizer que KISS significa (abre aspas, mesmo) “Kids In Service of Satanás”, e da própria banda, que teve de responder se era mesmo verdade que sacrificava animais no palco. A desinformação e a falta de assuntos relevantes estiveram presentes também na coletiva de imprensa, realizada no Rio de Janeiro, e em programas de TV que fizeram a cobertura prévia do evento. O falecido empresário Marcos Lázaro, um dos responsáveis por trazer o grupo ao Brasil, teve de responder que nenhum bichinho seria morto, e houve até matéria com a técnica em retratos falados da Secretaria de Segurança Pública do estado para que ela descobrisse a identidade dos integrantes. Assim como ainda hoje existem protestos de evangélicos – vide a passagem do KISS por Brasília em 2015 –, a grande mídia continua com certos ranços do passado quando o assunto não é do seu domínio. Ou do seu interesse.

Mas aquele 18 de junho ficou marcado a ponto de a banda incluir de alguma maneira o show no Maracanã em vídeos lançados nos anos seguintes. Exposed (1987) tem I Love it Loud na íntegra; X-treme Close-Up (1992) apresenta trechos de Calling Dr. Love e War Machine; Kissology Vol. 2: 1978-1991 (2007) traz 20 minutos do especial da Rede Globo; e um novo videoclipe para Rock and Roll All Nite, editado ainda na década de 80, traz cenas em meio a várias outras colagens. “Não há como descrever a energia que um público daquele tamanho emana. E toda a energia era direcionada para nós em cima do palco”, lembra Stanley. “Você pode dizer que o ar estava eletrificado ou que havia uma sensação de antecipação, uma histeria. Não importa como chame, quando isso é direcionado a você, é como se fosse uma enorme onda que o consome. A quantidade de poder empurrando-o para frente é incrível. Quase pode tirar seus pés do chão.”


O KISS deveria se apresentar dois dias depois no Mineirão, em Belo Horizonte, mas o show acabou adiado para o dia seguinte por causa de problemas elétricos. Então governador de Minas Gerais, Tancredo Neves negou o pedido de líderes religiosos para que a data fosse cancelada, mas um juiz determinou que nenhum menor de 16 anos poderia entrar no estádio sem os pais ou algum responsável legal. Ainda assim, 30 mil fãs assistiram, no dia 21, a uma apresentação com direito a Paul Stanley fazendo média ao usar uma camisa do Atlético-MG.

A apresentação em São Paulo acabou sofrendo com o atraso de um dia no estado vizinho, e o show passou do dia 24 para o dia 25. Na coletiva de imprensa, Stanley, Simmons, Carr e Vincent apareceram sem maquiagem, apenas com lenços cobrindo o rosto. Sessenta mil fãs compareceram ao Morumbi para testemunhar (sem saber, claro) o último show do KISS com as maquiagens até 1996, quando a formação original se reuniu para uma bem-sucedida turnê mundial que passou pela América do Sul, mas não veio ao Brasil. Curiosamente, os paulistas seriam os primeiros a ver o KISS, e em duas datas (10 e 11 de junho), não fosse a necessidade de passar a cidade para o fim da turnê, em virtude das chuvas que castigavam a capital – um agravante também para a mudança de 24 para 25, diga-se. A despedida ainda teve direito a I Love it Loud tocada duas vezes, a segunda no bis, no lugar de Strutter.

Aproximadamente 230 mil pessoas compareceram aos três shows do KISS no Brasil, mas nos bastidores nem tudo correu bem. Os promotores perderam dinheiro com as mudanças de datas e o cancelamento de um show – seriam dois em São Paulo, e no fim houve uma fracassada tentativa de incluir Porto Alegre na logística. A lição do KISS, no entanto, foi diferente. “Apesar de a experiência ter sido depressiva em alguns aspectos, ela abriu nossos olhos para a ideia de que nenhuma cidade e nenhum mercado são definitivos”, disse Simmons. “Se você não está indo bem nos Estados Unidos, vá para o Brasil. Se não está dando certo na Colômbia, tente a Itália.” O baixista se refere aos problemas que a banda teve com a alfândega brasileira, que reteve todo o equipamento durante seis meses. Esta teria sido não apenas a razão de a negociação para uma turnê na Argentina ter morrido – seriam três shows em agosto –, mas também da demora em voltar ao Brasil. Felizmente, águas passadas.

You wanted the best, you got the best!

Por que a primeira vinda do KISS ao Brasil é tão especial? Por que Creatures of the Night é tão especial? Para mim, é especial exatamente porque, 35 anos depois, estou escrevendo estas linhas com prazer e orgulho. Eu tinha 5, 6 anos quando herdei do meu pai a paixão pela música, a começar por Beatles, Elvis Presley e Led Zeppelin, algumas de suas paixões dentro do rock’n’roll – a outra, o Rolling Stones, nunca desceu. E eu tentei, várias vezes, mas achava pior a cada audição. De qualquer maneira, não foi aí que o estrago aconteceu.

Lembro-me como se fosse hoje que, com 8 para 9 anos, assisti ao videoclipe de Shandi no Super Special, programa musical da Bandeirantes (não, a emissora ainda não era chamada de Band). Fiquei fissurado com aqueles quatro caras maquiados, apesar de não saber do que se tratava, apesar de obviamente não saber que Ace Frehley e Peter Criss não estavam mais no KISS. Porque eu não sabia nem mesmo que a banda havia lançado dois discos – Music from the Elder e Creatures of the Night – depois do álbum – Unmasked – que tem aquela música. Eu só sabia que aquilo era melhor coisa que eu já havia escutado. O que meu pai fez? Certamente orgulhoso por ver seu moleque se interessando sozinho por algo, saiu no dia seguinte e comprou o novo álbum daquele grupo chamado KISS.

Não sei precisar quantas vezes ouvi Creatures of the Night (tenho o vinil até hoje, 35 anos depois), mas ele mudou a minha vida. Algumas semanas depois, talvez um mês, os outdoors anunciavam que o KISS iria tocar no Maracanã, a poucos quilômetros da minha casa. Meu pai comprou os ingressos, mas não pôde me levar. Passou mal no dia, e eu, já com 9 anos, só entendi o porquê dois meses e dez dias depois, quando ele faleceu. Aquela noite de sábado, 18 de junho, foi o melhor show que eu nunca vi, porque ele marca o que meu pai fez por mim. E ele esteve comigo em todos os 15 shows do KISS que pude ver desde então. Ele estará comigo no próximo. E ele está comigo sempre que coloco Creatures of the Night para rolar.

E você? Qual a sua história?


Judas Priest – Firepower

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Firepower nem precisou chegar às lojas – ou às plataformas de streaming, para sermos atuais – para se tornar o melhor disco de heavy metal de 2018. Será mesmo? Eu havia o escutado o CD antes mesmo de seu lançamento oficial, e nada mudou depois de quatro meses. As várias novas audições apenas realçaram a minha primeira impressão: o 18º álbum de estúdio do Judas Priest saiu fortalecido com a notícia de que Glenn Tipton não sairia em turnê por causa das limitações causadas pela Doença de Parkinson.

Um hype involuntário, obviamente, mas que causou comoção. E não estou sendo insensível, porque a comoção é justa. Não apenas porque o guitarrista é o alicerce musical da veterana banda inglesa, mas porque entramos na fase em que, de uma maneira ou de outra, os ídolos responsáveis por nossa formação musical estão nos deixando. Sim, não é fácil assimilar o fim de uma era, por mais que estejamos sendo preparados para isso nos últimos anos: Ronnie James Dio, Lemmy Kilmister, Black Sabbath, Slayer…


Firepower é mesmo o melhor trabalho do Judas Priest desde a volta de Rob Halford, em 2003. E se não é mérito algum deixar o insosso Nostradamus (2008) comendo poeira, é louvável que o vocalista, Tipton, Richie Faulkner (guitarra), Ian Hill (baixo) e Scott Travis (bateria) tenham superado o bom Redeemer of Souls (2014). Apesar de os dois discos mais recentes amargarem momentos bem irregulares, o que é bom no novo álbum é bom demais. Por isso, os 58 minutos e dez segundos de música são um exagero.

O quinteto bem poderia ter enxugado o CD de 14 para dez faixas, por exemplo. Há canções que servem para cumprir tabela – casos de Necromancer, Flame Thrower e Spectre, todas não mais que legais – e outras duas completamente dispensáveis: Sea of Red, uma baladinha de bocejar que fecha o álbum de maneira broxante, e a chatíssima Never the Heroes, que troca seu breve início à la Turbo (1986) para uma sonoridade que remete ao Fight da fase A Small Deadly Space (1995), e isso tem seus prós e contras.


Firepower tem outras duas remissões à banda formada por Halford depois de sua saída do Judas Priest, e especificamente ao segundo trabalho. Children of the Sun é a mais gritante, e Evil Never Dies, a melhor. Esta, aliás, fecha a ótima trinca de abertura do álbum, que começa com a rápida faixa-título e a sensacional Lightning Strike, que contagia com sua bateria cavalgada e um refrão de primeira. Portanto, vamos falar de coisas boas. Como Lone Wolf, na qual brilham Halford e Faulkner (belo solo).

Ou vamos falar das melhores. Muito bem escorada pela curta instrumental Guardians, Rising from Ruins é um heavy rock que flerta com balada e dá gosto de ouvir. E Traitors Gate com seu dedilhado inicial que, por um momento, dá a impressão de vai entrar Battle Hymn, do Manowar? Depois, uma sequência de riffs maneiros e um andamento empolgante. Para terminar, a favorita da casa: o bem-sucedido casamento com o hard rock que atende por No Surrender (e alguém falou em W.A.S.P. na guitarra do início?).


Firepower não é essa obra-prima toda, repito, mas é mais um bom capítulo do rejuvenescimento do Judas Priest – e Faulkner tem muito a ver com isso, diga-se. É também uma boa união do passado com o presente, incluindo o veterano Tom Allon – responsável por todos os discos de estúdio de British Steel (1980) a Ram it Down (1988) – para a coprodução ao lado do queridinho Andy Sneap (que, vocês sabem, está substituindo Tipton na turnê). Se este pode ser o canto dos cisnes, os fãs têm de se acostumar.

Faixas
1. Firepower
2. Lightning Strike
3. Evil Never Dies
4. Never the Heroes
5. Necromancer
6. Children of the Sun
7. Guardians
8. Rising from Ruins
9. Flame Thrower
10. Spectre
11. Traitors Gate
12. No Surrender
13. Lone Wolf
14. Sea of Red


Banda
Rob Halford – vocal
Glenn Tipton – guitarra
Richie Faulkner – guitarra
Ian Hill – baixo
Scott Travis – bateria

Lançamento: 09/03/2018
Produção: Tom Allom e Andy Sneap
Mixagem: Andy Sneap
Engenharia de som: Andy Sneap e Mike Exeter


Angra

Por Daniel Dutra | Fotos: Gustavo Maiato

Sabe aquela noite que valeu a pena mesmo que nem tudo tenha dado certo? Na verdade, que valeu a pena mesmo que algo tenha dado muito errado. É possível resumir assim a primeira passagem do Angra pelo Rio de Janeiro na turnê para promover o novo álbum, ØMNI (2018). Sim, primeira, porque falta agora uma apresentação sem… Bem, vamos por partes. O Circo Voador já estava lindamente abarrotado de gente – acredite, feriado no Rio de Janeiro, ainda mais prolongado, não significa casa cheia em shows – quando Fabio Lione (vocal), Rafael Bittencourt e Marcelo Barbosa (guitarras), Felipe Andreoli (baixo) e Bruno Valverde (bateria) mandaram ver Nothing to Say, o início de um “set list especial e variado”, como Lione anunciaria pouco depois. Desnecessário dizer que a lona entrou em ebulição, afinal, é um dos maiores clássicos da banda – e é de Holy Land (1996), um dos trabalhos emblemáticos do metal brasileiro.

E aí veio a nova Travelers of Time, que todos sabiam cantar, sem contar a turma que abriu a primeira roda da noite, para alegria de Bittencourt. Angels and Demons surgiu em seguida e, apesar de já na estar na hora de algum outro exemplar de Temple of Shadows (2004) entrar no repertório, mostrou por que é uma das favoritas dos fãs. De Secret Garden (2014), Newborn Me e aquela seção instrumental espetacular no meio da canção soaram arrasadoras e foram muito bem acompanhadas pelo público, que continuou respondendo maravilhosamente bem ao passado – com Time, uma joia à la Queensrÿche presente em Angels Cry (1993) – e ao presente do Angra, porque Light of Transcendence foi a prova definitiva de que ØMNI caiu em suas graças. Não à toa, o coro com o nome da banda ecoou forte na casa, e o set list especial mostrava que o caminho seria um pouco de cada álbum – à exceção de Aqua (2010), com boa dose de razão.

Com Bittencourt substituindo sozinho os corais do início, Running Alone, de Rebirth (2001), foi uma agradável surpresa, apesar de a expectativa por Acid Rain, originalmente no set, ter sido frustrada. Um momento de calmaria com a bela Storm of Emotions e um momento de “eu já sabia!” com Insania, porque estava na cara que seu refrão iria pegar fácil, fácil. Rolou piada com a falta de gasolina, “especialmente no Rio de Janeiro”, na hora de Bittencourt agradecer a todos por terem ido ao show; teve solo de bateria – curto, felizmente; e houve problemas. Lione, que desde antes vinha sofrendo com problemas técnicos, não escondeu sua irritação em Black Widow’s Web, uma das mais aguardadas da noite. Daí para frente, a situação só piorou. Fosse o microfone, fosse o fone/monitor ‘in ear’ de retorno, a situação fez com que Lione ficasse cada vez mais puto – mas muito puto – com o técnico da mesa de som lateral.

Nem mesmo um vocalista da excelência de Lione consegue acertar o tom da música quando não consegue ouvir o que está acontecendo, então imagine tendo de fazer também as partes de Alissa White-Gluz – Bittencourt assumiu os vocais gravados pela Sandy. Mas o show tinha de continuar, apesar de te rolado uma esfriada no clima em Upper Levels – uma pena, porque aquele trecho instrumental ‘mezzo’ Kansas, ‘mezzo’ Rush merecia ovação – e em ØMNI – Silence Inside, a ponto de Lione inflar o público para tirá-lo de uma apatia que havia evaporado durante uma baita versão de Z.I.T.O. com Bruno Sá (Geoff Tate) na flauta. A ótima Ego Painted Grey, única de Aurora Consurgens (2006), quase foi esquecida pelo vocalista, que voltou a sofrer com microfone/retorno em Lisbon (tome esporro no técnico, diga-se) e, ao fim do maior clássico de Fireworks (1998), atirou o pedestal no chão.

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O público? Ciente de que algo estava errado, fez a sua parte. Voltou ao estado normal de espírito em Lisbon e gritou com vontade o nome de Lione depois da excepcional Magic Mirror. Uma recompensa e um merecido reconhecimento ao vocalista que, com nova falha no microfone logo no início da música, transformou a raiva numa interpretação matadora junto ao instrumental técnica e criativamente impecável conduzido por Andreoli, Barbosa, Bittencourt e Valverde (entenda-se: cantou para cacete). Uma deixa providencial para o bis que começou com Bittencourt numa versão voz e violão de Reaching Horizons. Melhor, uma versão vozes e violão, porque foi bonito ver e ouvir os fãs cantarem sozinhos boa parte da “primeira música que o Angra compôs”, como lembrou o guitarrista, hoje o único integrante da formação original.

“Este é o Angra de hoje, o Angra do futuro, o Angra do ØMNI”, disse Bittencourt, mandando um “obrigado a todos os ex-integrantes da banda” por terem ajudado a construir uma história de 28 anos, praticamente. E na apresentação da banda de hoje e do futuro, justiça feita a Lione, o mais aplaudido. Ele foi novamente prejudicado em Rebirth, uma vez que o microfone mal funcionou, mas contou com o apoio dos fãs, que cantaram um clássico da segunda fase do Angra que muito bem se aplica à nova era – com trocadilho – do grupo tendo o italiano nos vocais.

Antes de Reaching Horizons, Bittencourt mencionou as rodas abertas na pista ao longo da noite: “Vontade de pular aí”. Promessa cumprida no medley de Angels Cry com Nova Era, que transformou o Circo num pandemônio. Por um instante parecia que o guitarrista havia largado o instrumento porque havia algum problema, mas não. Foi mesmo para se atirar na plateia e ser devolvido ao palco depois de uma breve seção de ‘crowd surfing’. Definitivamente, foi a imagem de um noite que valeu a pena, a imagem de uma banda que, apesar dos problemas, felizmente insiste em se renovar e se fortalecer. E que a noite tenha sido realmente apenas a primeira no ciclo de divulgação de ØMNI, para fazer com que aquela quinta-feira seja lembrada com um ensaio de luxo.

Nota de rodapé: a abertura coube ao Maieuttica, formado por Allan Sampaio e Frank Lima (vocais), Rubens Junior e Lucas Rodrigues (guitarras), Bruno Pinho (baixo) e Vitor Arante (bateria). Promovendo seu segundo disco, Hiatus: Ausência (2018), o sexteto carioca apresentou um metalcore que pode agradar em cheio a ouvidos menos exigentes. Se o estilo se popularizou de tal forma que o déjà vu é inevitável, a banda também não ajuda com seu som genérico. Imagine o Linkin Park resolvendo virar uma banda de heavy metal com algumas pitadas de Faith No More (muito por causa de alguns trejeitos vocais de Lima, responsável pelas partes extremas/guturais).

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É isso o que se ouviu em músicas como Brame, Hidra, Além da Lei e O Paciente: Cárcere – que contou até com a participação da modelo, dançarina e coreógrafa Thalita Ferreira –, somado a uma arrogância juvenil em algumas declarações de Lima, como “Nós somos o Maieuttica. Sim, é um nome difícil de falar” e “Quem não fugiu das aulas da filosofia sabe o que significa”. Acredite, Maieuttica não é um nome difícil de falar. Difícil é decifrar alguns logos de bandas de black metal. E imagino que, assim como o vocalista, aqueles que se formaram em filosofia ou que são da área de humanas em geral lembrem tudo o que aprenderam nas aulas de matemática, geometria, física, química…

Set list
1. Nothing to Say
2. Travelers of Time
3. Angels and Demons
4. Newborn Me
5. Time
6. Light of Transcendence
7. Running Alone
8. Storm of Emotions
9. Insania
10. Bruno Valverde Solo
11. Black Widow’s Web
12. Upper Levels
13. Z.I.T.O.
14. ØMNI – Silence Inside
15. Ego Painted Grey
16. Lisbon
17. Magic Mirror
Bis
18. Reaching Horizons
19. Rebirth
20. Carry on / Nova Era

Clique aqui para acessar a resenha no site da Roadie Crew.