Armored Saint

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Dutra + Divulgação

Prepara-se para uma aula de heavy metal. E heavy metal clássico, puro em sua melhor essência. Trinta e seis anos depois de dar os primeiros passos em Los Angeles, contando os sete anos de hiato na década de 90 e momentos de incerteza nos anos 2000, o Armored Saint finalmente chega ao Brasil para uma única apresentação em nosso país em sua turnê sul-americana: dia 3 de junho, no Fabrique Club, em São Paulo (a banda também passa por Argentina, Peru, Colômbia e Chile). John Bush (vocal), Phil Sandoval e Jeff Duncan (guitarras), Joey Vera (baixo) e Gonzo Sandoval (bateria) ainda curtem a ótima recepção ao seu mais recente álbum, o excelente Win Hands Down (2015), mas têm também um catálogo de clássicos presentes em March of the Saint (1984), Delirious Nomad (1985), Raising Fear (1987) e, principalmente, no emblemático Symbol of Salvation (1991) – são sete álbuns de estúdio, dois ao vivo, um EP e uma coletânea na discografia do quinteto. Musicalmente tão relevante hoje como foi no início de carreira, o grupo vai mostrar por que atualmente está na linha de frente dos shows de metal. Para falar da primeira vez e de mais um pouco, principalmente o “mais um pouco”, Gonzo atendeu a ROADIE CREW e deu o tom do que virá pela frente. Não perca (a entrevista e o show).

Uma espera de 36 anos. É muito tempo, mas finalmente o Armored Saint está vindo ao Brasil. A primeira pergunta é óbvia: qual é a sua expectativa?
Gonzo Sandoval: Ao longo dos anos, sempre ouvi que os brasileiros são apaixonados e incríveis, então espero uma noite cheia de energia e diversão curtindo heavy metal junto com vocês.

John e Joey já estiveram aqui com o Anthrax e o Fates Warning, então acredito que tenham adiantado alguma coisa. Mas eu diria que o público não tem ideia do que o aguarda. Posso dizer que hoje em dia ninguém faz um show de heavy metal melhor do que Accept, Metal Church e Armored Saint.
Gonzo: John e Joey compartilharam com o restante da banda os ótimos sentimentos que têm sobre o público daí. O Armored Saint adora uma plateia realmente agitada, por isso encoramos todos vocês a ir ao show e ter um ótimo momento rock’n’roll conosco. E muito obrigado pelo elogio em relação ao nosso show! Nós somos uma banda para tocar ao vivo, mesmo.

Armored SaintArmored SaintArmored SaintArmored SaintArmored SaintArmored SaintArmored SaintArmored SaintArmored SaintArmored SaintArmored SaintArmored SaintArmored SaintArmored SaintArmored SaintArmored SaintArmored SaintArmored SaintArmored SaintArmored SaintArmored SaintArmored Saint

A propósito, vocês não tocarão o Symbol of Salvation na íntegra no Brasil. Faz sentido, afinal, a banda nunca tocou aqui…
Gonzo: Nós temos dois anos de planos para o Armored Saint, incluindo muitas estreias, como essa primeira vez no Brasil… E viva o Brasil! Também estamos compondo e nos preparando para gravar um novo álbum, a ser lançado em 2019, então faremos uma turnê mundial que entrará por 2020.

Vamos falar um pouco de história, começando pela formação da banda e o lançamento do EP Armored Saint em 1983. Quais são suas lembranças?
Gonzo: David Prichard, Phil Sandoval e eu formamos o núcleo inicial da banda. John Bush tinha um sistema de PA e queria cantar, então se juntou a nós logo em seguida. Finalmente, Joey Vera, que vivia nos cercando com seu baixo, foi o último a entrar. E Jeff Duncan se tornou integrante quando David perdeu, aos 26 anos, a batalha contra a leucemia. Gravamos o EP, que inicialmente era uma demo com cinco músicas, para o Brian Slagel, da Metal Blade, em 1982. Daquela demo, Lesson Well Learned foi usada na coletânea Metal Massacre II, bem no comecinho da história da gravadora. Armored Saint nasceu dessa sessão de gravação e foi nossa primeira vez num estúdio de verdade. Ele se chamava Track Record e ficava na Melrose Avenue, em Hollywood, Califórnia.


E logo depois vocês assinaram com a Chrysalis Records para lançar March of the Saint, em 1984. Apesar dos problemas com a produção de Michael James Jackson, é um álbum clássico, mas creio que a mudança para um grande selo teve mais contras do que prós. Phil deixou a banda durante as gravações de Delirious Nomad, e em Raising Fear o Armored Saint era um quarteto…
Gonzo: Foi um período muito empolgante para o heavy metal na região de Hollywood, em 1984, porque bandas e clubes estavam surgindo a todo instante. As ruas viviam cheias de gente se divertindo. Muitos daqueles grupos estavam conseguindo um contrato com grandes gravadoras, e fomos um deles. Acreditamos que a Chrysalis seria boa para nós, afinal, ela tinha UFO, Jethro Tull, Huey Lewis and The News e Billy Idol, entre outros, e fomos a primeira banda realmente heavy metal do seu cast. A saída do Phil, enquanto gravávamos Delirious Nomad, foi realmente triste, mas hoje me sinto extremamente feliz por estar tocando e me divertindo com ele, um dos guitarristas mais incríveis que existem por aí. Ah! E Raising Fear foi coproduzido pela banda com Chris Minto, nosso engenheiro de som em March of the Saint. Era raro uma banda produzir seu próprio disco àquela época, mas nós fizemos isso.

O Armored Saint marcou seu retorno à Metal Blade com Saints Will Conquer, o primeiro disco ao vivo da banda, e deu boas-vindas a Jeff Duncan como segundo guitarrista. Foi uma transição simples?
Gonzo: Saints Will Conquer foi gravado ao vivo para uma rádio em Cleveland, Ohio, mas decidimos lançar oficialmente para ganhar tempo durante essa transição da Chrysalis para a Metal Blade. E foi aí que trouxemos Jeff Duncan, porque queríamos abandonar o formato de quarteto para novamente ser um quinteto.


E chegamos ao Symbol of Salvation. Resumindo, como foi compor e gravar uma obra-prima tendo de lidar com a doença e o falecimento de David Prichard?
Gonzo: Este foi um disco que nós tivemos de fazer. Passamos dois anos e meio compondo e gravando demos enquanto David lutava contra a leucemia. Depois que ele se foi, ficamos inativos durante um bom tempo, então decidimos que a música que criamos com David precisava viver. Trouxemos Phil de volta para a guitarra, e ele formou uma nova dupla com Jeff. As gravações de Symbol of Salvation foram uma experiência e um aprendizado inspiradores, divertidos e edificantes. David Jerden, nosso produtor, e Brian Carlstrom, o engenheiro de som, pavimentaram o caminho para que todo o Armored Saint tomasse as rédeas no estúdio. Nós tínhamos as canções, e eles, o método. Que David Earl Richard descanse em paz e sua memória viva para sempre, como no Symbol of Salvation.

Infelizmente, a banda esteve num hiato durante a maior parte dos anos 90, um período que não foi bom para o heavy metal. Mas você e Phil montaram o Life After Death. O que pode nos contar dessa empreitada?
Gonzo: Eu e meu irmão começamos a versão inicial do Life After Death com o guitarrista Gumby, o baixista Ray Burke e um vocalista incrível chamado Jack Emrick. A segunda versão já contava com os guitarristas Terry Williams, que ele descanse em paz, e Giovanni Santos, e foi com eles que gravamos nosso autointitulado álbum de estreia (N.R.: em 1996) com Roy Z na produção, para a extinta gravadora Indivision.


A propósito, como foi participar do MX Machine no fim dos anos 2000?
Gonzo: Quando entrei na banda, ela era um divertido trio semipunk, e havia apenas um integrante da formação original (N.R.: o baixista Diego Negrete). Mas foi algo muito breve para mim.

E sobre o Black Raven? Agora que o álbum Native Knight foi lançado, quais são os planos?
Gonzo: Pretendemos fazer shows e estamos trabalhando para isso, porque felizmente temos a oportunidade de fazer acontecer num futuro próximo (N.R.: a banda conta com Gonzo e Phil Sandoval ao lado de Daniel Hicks na flauta indígena; Chris O’Brian nos teclados; Louis Metoyer no baixo; Mike Smothers na segunda guitarra; e Evan Perlman no didgeridoo, um instrumento de sopro aborígene). Nosso disco está disponível para download e compra física no CD Baby e também se encontra no iTunes e outras plataformas digitais, mas no momento estamos buscando um contrato de licenciamento. Native Knight é, como chamamos, uma “medicação sonora com a intenção de ajudar a curar a condição humana”. É progressivo com world music e música nativo-americana. Vocês devem conferir, acreditem.


De volta ao Armored Saint, a banda retomou as atividades em 1999 e lançou Revelation no ano seguinte. Em 2001 saiu Nod to the Old School, mas um novo disco de inéditas só veio em 2010. Por que tanto tempo até La Raza?
Gonzo: A banda ficou num hiato enquanto John estava no Anthrax, mas ele e Joey começaram a compor em 2000, e o resultado foi Revelation. Nod to the Old School foi a ideia que tivemos para uma coletânea com quatro demos, o EP Armored Saint e algumas outras surpresas (N.R.: juntando todas as versões, são oito demos, e ainda havia duas novas canções, Real Swagger e Unstable). Depois disso, passamos por um período bem estranho e só saímos dele em 2009, quando John e Joey se juntaram para compor as músicas do La Raza. Concordo com você, porque dez anos de espera é tempo demais, mas muita coisa aconteceu. Hoje, estamos felizes por prosperar com o Armored Saint, que está mais forte e ocupado do que nunca.

E a banda levou metade desse tempo para soltar Win Hands Down, um de seus melhores discos. O que você pode falar dele agora, três anos depois do lançamento e de várias turnês para promovê-lo?
Gonzo: Win Hands Down é o álbum no qual o Armored Saint finalmente acertou em cheio na hora de fazer o seu melhor. Tem o melhor som e a melhor produção da banda em todos os tempos, apesar de o processo de gravação ter sido uma novidade para nós. Jay Ruson mixou o disco, Josh Newell gravou a bateria, e Joey produziu o nosso trabalho mais forte até hoje. Eles formaram um time que funcionou perfeitamente. Obrigado, rapazes! Particularmente, sob a direção do Joey, toquei no máximo das minhas habilidades e consegui a melhor performance da minha carreira. Para completar, a turnê tem sido bem cheia e nos levado a todos os lugares do mundo.


E um novo disco ao vivo foi lançado em 2016, mas permita-me uma reclamação. Carpe Noctum tem apenas oito músicas, assim como Saints Will Conquer, e foi pouco para os fãs…
Gonzo: Carpe Noctum é o exemplo do Armored Saint em seu melhor cenário: ao vivo em cima de um palco. Foi gravado numa perna europeia de nossa turnê mundial, e tenho orgulho da minha performance e do som de bateria que consegui tirar. No entanto, como produtor do álbum, Joey optou por um trabalho de curta duração e por não incluir as músicas que já estão no Saints Will Conquer. Mas nós vamos gravar um DVD da turnê que faremos tocando o Symbol of Salvation na íntegra. Continuaremos na estrada até 2020, pelo menos, e lançaremos um novo álbum em 2019 depois do DVD. Então, fiquem ligados!

Além de tocar, você customiza sets de bateria para outros músicos. O que mais pode dizer sobre esse outro lado da sua carreira?
Gonzo: Comecei fazendo o design e customizando um set de bateria na cor preta para James Perse, e o kit está em exposição em sua loja na Highland Avenue, em Hollywood (N.R.: Perse é o dono de uma grande rede de lojas nos EUA. Começou com uma franquia de roupas esportivas, mas ampliou para uma série de produtos de todos os tipos). O site Gonzo Drums of Thunder servirá para encorajar os jovens a seguir pelo caminho da percussão e da bateria. Será um canal educacional. Sou um aliado da música e estou fazendo isso porque quero ajudar esses jovens a entrar no rock’n’roll e a formar bandas, então quem sabe um dia alguns não possam ser grandes nomes do rock. O site ainda está em construção, mas fiquem de olho!


A música não é a única arte pela qual você é apaixonado. Há a fotografia. Como começou? O que você já fez e o que vem pela frente?
Gonzo: Sim, sou apaixonado por arte e criatividade. Amo fotografia e fui abençoado com um bom olho para esta arte. Comecei cedo, como consumidor de câmeras mais amigáveis, mas comprei a minha primeira DSLR assim que decidir levar a sério. Tudo mudou para mim, e desde então minha jornada foi ficando cada vez melhor. Quando vou fotografar alguma coisa, qualquer coisa, procuro sempre criar a imagem correta do ponto de vista criativo. Sou afiliado da Atlas Icons, agência criado e presidida pelo Neil Zlozower (N.R.: conceituado fotógrafo que cobre o cenário rock/hard rock/heavy metal desde o fim dos anos 70), e vocês podem ver alguns dos meus trabalhos no site da empresa, assim como na minha página pessoal. E há muito mais por vir.


O espaço final é seu, Gonzo. Sinta-se à vontade para acrescentar o que quiser.
Gonzo: Aguardo ansiosamente por essa visita ao Brasil. Levarei comigo a minha câmera e um senso de gratidão, porque estou pronto para tocar bateria e levá-la a novos níveis de projeção. Quero encontrar o público brasileiro de heavy metal e me divertir com todos no show. Cuidem-se, mantenham a fé e também o amor pelo futebol. Será a minha primeira vez no seu país, mas espero que não seja a última. Obrigado pelo apoio ao Armored Saint durante todos esses anos. Viva o Brasil, viva o Armored Saint e viva o heavy metal! Vejo vocês na estrada! Muito amor e rock’n’roll!


Clique aqui para acessar a entrevista original no site da Roadie Crew.

Carl Palmer’s ELP Legacy

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

Vinte e quatro de março de 1993. O Canecão estava tomado por fãs de rock progressivo que esperavam pela primeira apresentação do Emerson, Lake & Palmer no Brasil. Marcado para começar às 21h30, o show já sofria um atraso considerável quando alguém, poucos metros atrás de mim, começou a vociferar para todos ouvirem que era “absurda a falta de respeito desses gringos!” e mais algumas frases de efeito contra Keith Emerson, Greg Lake e Carl Palmer. No entanto, bastaram poucos minutos de Tarkus para a mesma pessoa pedir licença a quem estava à frente porque queria ficar mais próximo do palco. “Isso é muito lindo! Que música maravilhosa! Que banda maravilhosa!”, ele passou falando alto para quem quisesse ouvir. Esse alguém era Renato Russo.

Vinte e cinco de maio de 2018. Não havia nenhum Renato Russo na plateia do Vivo Rio, e no palco estava apenas Palmer para comemorar o legado da obra feita por ele ao lado de Emerson e Lake (ambos falecidos em 2016). Houve atraso para o início da noite com o Carl Palmer’s ELP Legacy, mas de apenas 15 minutos, e num primeiro momento o clima na pista nem de longe lembrava aquele de 25 anos atrás. Com a configuração de mesas e cadeiras e o vai e vem de garçons – com um menu que ia de cerveja mais artesanal do que popular a garrafas de vinho; de batata frita a porções de salgadinhos e mini-hambúrgueres gourmet –, mas parecia que o público estava num restaurante sem se preocupar com quem receberia o couvert artístico.

Felizmente, as diferenças foram apenas essas, porque o show foi lindo, com músicas maravilhosas apresentadas por uma banda maravilhosa. E Palmer acertou em cheio ao optar por não ter um tecladista. Os jovens Paul Bielatowicz (guitarra) e Simon Fitzpatrick (baixo e chapman stick) se dividiram na missão de emular em seus instrumentos o trabalho de Emerson, com eventual e rara ajuda de samples, e foram muito além: conseguiram brilhar em pé de igualdade com o veterano batera. A tônica ficou clara nas duas primeiras canções da noite. Abaddon’s Bolero trouxe Fitzpatrick preenchendo bem os espaços, e Karn Evil 9: 1st Impression, Part 2 flertou com o heavy metal graças ao riff de Bielatowicz.

“Welcome back, my friends, to the show that never ends”, brincou Palmer ao se dirigir à plateia pela primeira vez. Mas não foi apenas uma referência ao clássico segundo álbum ao vivo do ELP. O show tem que continuar, e o batera realmente encontrou a fórmula ideal para manter viva a música do trio sem soar oportunista. O cartão de visitas já havia sido entregue, mas uma versão absurda de Tank enterrou qualquer dúvida que ainda pudesse existir: enquanto Bielatowicz (como toca esse garoto!) e Fitzpatrick simplesmente debulharam, Palmer mostrou com suas viradas à la Buddy Rich que, aos 68 anos, ainda toca como se estivesse brincando.

Baterista e mestre de cerimônias. Para falar com o público, Palmer ia à frente do palco e contava histórias. Lembrou-se de quando ele e os dois antigos companheiros receberam a visita de um sujeito de paletó, terno e gravata – “pensei que fosse alguém cobrando impostos”, disse, arrancando alguns dos vários risos da noite – e ficou sabendo que alguém estava acusando o trio de plágio, por isso teria de compensar financeiramente o autor da reclamação. “Olhei para trás e vi que o Keith havia se mandado. Pensei: ‘OK, ele sabe de alguma coisa’.” Era a vez de Knife-Edge, clássico do álbum de estreia baseado em peças do tcheco Leoš Janáček (1854 – 1928) e do alemão Johann Sebastian Bach (1685 – 1750), que não estavam por trás na notificação extrajudicial, obviamente.

Carl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP LegacyCarl Palmer's ELP Legacy

Quer mais clássico? “Esta é daquela disco que tem a cara dos três, e eu sou o mais bonito, à esquerda.” Modéstia de Palmer à parte, ele se referiu a Trilogy, faixa-título do terceiro, álbum lançado em 1971, e o show foi todo de Bielatowicz. Eu já disse que o garoto toca demais? Acredite, o que você está imaginando é pouco, porque o que ele fez aqui foi de cair o queixo. E valeu até a brincadeira tocando, digamos, ‘air keyboard’ para fazer uma referência ao que estava fazendo: levando os geniais teclados de Emerson com maestria para a guitarra. “Shit Happens”, disse Palmer, mostrando a haste quebrada de um dos pedais de bumbo. “É a quinta vez que isso acontece em toda a minha carreira, mas é pouco se levar em consideração que já são 55 anos.” Pediu cinco minutos para consertar. Levou menos tempo até a surpresa do repertório.

“Antes de a banda acabar pela primeira vez, fizemos um disco em 1978 que…” Palmer nem precisou completar, porque ele mesmo fez uma cara de mea-culpa. “Como pode uma banda de rock progressivo lançar um álbum chamado Love Beach? Parecíamos o Bee Gees na capa, mas estávamos bonitões.” Sim, Love Beach é controverso, mas Canario soou agradável ao vivo e no formato power trio tradicional, ou seja, com guitarra, baixo e bateria. Melhor, porém, foi 21st Century Schizoid Man. Muito bem recebida, a canção do King Crimson, grupo que Greg Lake integrou em seus primeiros anos, de 1968 a 1970, foi precedida pela história de como o saudoso baixista a sugeriu a Palmer e Emerson depois que o ELP se reuniu no início dos anos 90.

Em um show de progressivo a autoindulgência é convidada de honra, então os solos individuais se fizeram presentes. Bielatowicz desfilou técnica de ‘tapping’ e ‘two hands’, e ninguém segurou o riso – nem mesmo o músico – quando um gaiato aproveitou um momento de silêncio para gritar “Foda!” com vontade. A imagem do disco solo do guitarrista, Preludes & Etudes (2014), deu lugar nos telões laterais para imagens de antigos filmes de faroeste durante Hoedown, que soou muito bem no novo-velho formato escolhido por Palmer. Depois, o óbvio virou surpresa. “Esta música, escrita por Greg, é muito especial para mim. É nosso grande hit nos Estados Unidos, e acredito que tenha tocado nas rádios daqui, também.” Sim, Lucky Man, mas com Ritchie nos vocais. Sim, o Ritchie de Menina Veneno, mas também o Ritchie do Vímana, banda brasileira de rock progressivo que, em sua curta trajetória na década de 70, contou com nomes como Lulu Santos, Lobão e o ex-Yes Patrick Moraz.

Depois do solo de Fitzpatrick, mais surpresas. From the Beginning contou com a voz de Sérgio Vid (Vid & Sangue Azul), e C’est la vie, com a de Toni Platão (ex- Hojerizah), coerente ao poupar a música de seus habituais exageros ao cantar. Surpresas improvisadas, diga-se. Cada uma contou com um convidado no violão que sequer foi anunciado – se ajudar, o primeiro parecia o Almir Sater, e o segundo, o Rob Caggiano (Volbeat, ex-Anthrax). Só na aparência, claro. E de longe. Bom, de volta à programação normal: “Sei que essa música teve muita importância para bandas de rock progressivo à época, e felizmente eu estava na que a criou.” Amigo, Tarkus foi um desbunde, com várias passagens instrumentais de tirar o fôlego, coisa para renovar a esperança na boa música (dois garotos tocando com um veterano, lembra?) Não à toa foi, pela primeira vez na noite, aplaudida de pé por todos.

Uma versão matadora de Carmina Burana, de Carl Off, lembrou a todos quem era o astro principal da noite, porque Palmer fez o possível parecer impossível na bateria. “É um privilégio estar de volta ao Rio de Janeiro”, disse ele, 25 anos depois. “A próxima canção é a instrumental número 1 do ELP no Reino Unido, e se vocês aplaudirem bastante depois, talvez nós toquemos mais uma.” Pediu e foi atendido. Fanfare for the Common Man ganhou um bem-vindo peso extra e trouxe a reboque o aguardado solo de bateria. Veja bem: Carl Palmer é um dos cinco bateristas em atividade que têm habeas corpus para fazer solo de bateria. E foi justamente aplaudido de pé por ser criativo e mais musical (e malabarista, claro) do que um simples espancador de peles e pratos.

O bis? O trio nem precisou sair do palco – na verdade, as definições de TOC foram atualizadas com sucesso: o bateria havia avisado que os shows no Brasl durariam uma hora e 55 minutos, e foi exatamente o que aconteceu. Nem um minuto a menos, nem um minutos a mais. E teve pedal quebrado, participações especiais… Enfim, Nutrocker, que virou um rock’n’roll de primeira acompanhado no telão por imagens de Palmer, do ELP e de manchetes de jornais e revistas, encerrou um espetáculo rico em bom gosto e execução musicais. De dar orgulho a quem gosta e se preocupa com isso. Claro, tem quem ironize, mas não se preocupe. Quem faz isso provavelmente está procurando um amor que ouça Los Hermanos, A Banda Mais Bonita da Cidade, O Teatro Mágico, Clarice Falcão, Mallu Magalhães e outras cruzes muito pesadas para carregar.

Set list
1. Abaddon’s Bolero (de Trilogy, 1971)
2. Karn Evil 9: 1st Impression, Part 2 (de Brain Salad Surgery, 1973)
3. Tank (de Emerson, Lake & Palmer, 1970)
4. Knife-Edge (de Emerson, Lake & Palmer, 1970)
5. Trilogy (de Trilogy, 1971)
6. Canario (de Love Beach, 1978)
7. 21st Century Schizoid Man
8. Guitar Solo
9. Hoedown (de Trilogy, 1971)
10. Lucky Man (de Emerson, Lake & Palmer, 1970)
11. Bass Solo
12. From the Beginning (de Trilogy, 1971)
13. C’est la vie (de Works Volume 1, 1977)
14. Tarkus (de Tarkus, 1971)
15. Carmina Burana
16. Fanfare for the Common Man/Drum Solo (de Works Volume 1, 1977)
17. Nutrocker (de Pictures at an Exhibition, 1971)

Clique aqui para acessar a resenha no site da Roadie Crew.

Ozzy Osbourne

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

Razão e coração. Impossível o segundo não falar mais alto que o primeiro ao analisar a despedida carioca de Ozzy Osbourne numa Jeunesse Arena tomada por dez mil pessoas, afinal, é mais uma ficha que cai. O Madman, que completa 70 anos em dezembro, vai apenas parar com as longas turnês, então não podemos esperar uma Retirement Sucks 2 depois desta No More Tours 2 – o primeiro adeus, em 1992, basicamente foi motivado pela esclerose múltipla. Um diagnóstico errado, porque o vocalista tem Síndrome de Parkin, raro problema genético cujos sintomas são parecidos com os da Doença de Parkinson, porém mais leves.

O problema agora é o mesmo que outros artistas enfrentam: o tempo. Perdemos Ronnie James Dio, perdemos Lemmy Kilmister. O Black Sabbath já fez o seu canto dos cisnes, o Slayer entrou em modo ‘game over’, o KISS, queiram ou não, está mesmo à beira do fim da estrada… Ah, sim: Judas Priest e Scorpions ficaram apenas na ameaça, mas quantos anos mais para cada um deles? Há um sem-número de artistas nos acréscimos do segundo tempo ou já disputando a prorrogação, e os próximos cinco a dez anos serão marcados pelas despedidas dos grandes responsáveis por toda uma formação musical. A melhor das graduações, diga-se.

Entendeu por que é impossível ser 100% racional? Ozzy deve fazer um show aqui e outro ali ao término de uma turnê programada até o fim de 2019, mas é melhor nos acostumarmos definitivamente a matar a saudade com CDs e, principalmente, DVDs. Isso porque já estamos todos acostumados com o set list que o Madman apresenta, e nem é preciso dar aquela pesquisada na internet antes do show. Depois de um vídeo bacana com imagens da carreira do Madman, sabíamos que Carmina Burana, de Carl Off, abriria os serviços. E daí? Não importa quantas vezes você tenha presenciado isso ao vivo, porque a ovação a Ozzy, assim que ele coloca o pé no palco, é de reverência. Foi sempre assim, mas agora com um tom de emoção como nunca antes.

“Let the madness begin!” Foi novamente assim que Ozzy anunciou Bark at the Moon, a primeira do repertório, e quando ele pediu “everybody howl!”, todo mundo virou lobisomem e uivou para acompanhar o ídolo. O set list é o de sempre, né? Meu amigo, o cara pode abrir um show com Bark at the Moon e mandar Mr. Crowley em seguida. É muita pressão. E são dois clássicos com quatro dos solos de guitarra – dois em cada música – mais espetaculares da história do heavy metal. Obrigado, Randy Rhoads. Obrigado, Jake E. Lee. Para completar o pódio, I Don’t Know obviamente ganhou o coro do público em seu refrão simples e absurdamente funcional.

Passados os primeiros minutos de êxtase, Fairies Wear Boots, a primeira do Black Sabbath na noite, serviu para observações – curiosamente, a ex-banda de Ozzy só foi lembrada com canções de Paranoid (1970). Palco caprichado, com um telão que ocupava todo o fundo e uma enorme cruz que não era meramente decorativa. Fazia parte, digamos assim, da iluminação do espetáculo. E que iluminação! Principalmente no jogo de lasers verde e vermelho que causava um belíssimo efeito quando usado. E tinha Ozzy em melhor forma do que quando esteve aqui em 2016, na derradeira turnê do Sabbath. Claro, há muito ele não dá aqueles saltos, e mesmo o balde d’água só se fez presente uma vez. O teleprompter é usado com mais frequência do que antes, e as escorregadas vocais (e nas letras, vez ou outra) continuam lá. Virou charme, mas a alegria “let’s go fucking crazy” não se perde. É a mesma alegria quase infantil que o Príncipe das Trevas demonstra ao ouvir os fãs cantarem “Olê! Olê! Olê! Ozzy! Ozzy”. Momentos para colocar um sorriso no rosto de qualquer um.

Ozzy OsbourneZakk WyldeOzzy OsbourneBlaskoOzzy OsbourneTommy ClufetosOzzy OsbourneAdam WakemanOzzy OsbourneZakk WyldeOzzy OsbourneBlaskoOzzy OsbourneTommy ClufetosOzzy OsbourneAdam WakemanOzzy OsbourneZakk WyldeBlaskoZakk WyldeAdam WakemanZakk WyldeTommy ClufetosZakk WyldeBlasko e Tommy ClufetosZakk WyldeOzzy OsbourneZakk Wylde

Mais do que isso, é contagiante, mesmo que em alguns momentos do show ele tenha feito um esforço extra diante da apatia de parte do público. Como na hora de apresentar a banda, cuja estrela é Zakk Wylde. O guitarrista não precisou de muito para ser aplaudido efusivamente, mas os companheiros – Blasko (baixo), Tommy Clufetos (bateria) e Adam Wakeman (teclados e guitarra base) necessitaram de um empurrãozinho. “Esse cara é um Wakeman, porra!”, disse Ozzy, em tom de repreensão, ao pedir mais aplausos para o músico. Havia uma parcela do público que não tinha ideia de quem é o pai do rapaz, muito menos da ligação do sobrenome com a história do Sabbath, afinal, sempre vai ter quem ouça War Pigs e diga que é um cover do Faith No More. De qualquer maneira, apesar dos momentos “I can’t fucking hear you”, o Madman nunca deixou de “I love you all”.

Antes de War Pigs, no entanto, as estruturas foram balançadas com Suicide Solution e No More Tears, duas joias que, a rigor, foram um show à parte de Wylde – também teve a baladinha Road to Nowhere para dar uma acalmada nos ânimos. Foi o barulho que precedeu o esporro, porque o clássico do Sabbath foi não apenas um momento de catarse. Foi a extensão dos solos massacrantes do guitarrista, que – assim como fez com o Zakk Sabbath, em novembro do ano passado – desceu para o pit (onde deveriam ter ficado os fotógrafos, vetados pela produção da banda) e largou os dedos sem dó nem piedade. Largou os dedos e também os dentes, tocou com a guitarra nas costas e apresentou um medley matador com trechos de Miracle Man, Crazy Babies, Desire e Perry Mason, canções que bem poderiam estar inteiras no repertório – ao menos a primeira e a última, que estão entre as melhores da carreira solo de Ozzy, e para as quais Wylde escreveu solos antológicos.

Depois de Clufetos espancar a bateria com os holofotes voltados somente para ele, Ozzy retornou ao palco para Shot in the Dark, que voltou ao set na turnê de Scream (2010), ainda com Gus G., e felizmente não saiu mais. Mas o lado hard rock do Madman – do injustiçado The Ultimate Sin (1986), mais precisamente – parece ter ficado apagado em algum canto da memória do público. Uma pena, porque a música é tão alto nível quando o disco. Mas para o fã que estava próximo de mim e gritou “Jake E. Lee!” ao ouvir as primeiras notas, meus parabéns. Parabéns também a todos que cantaram I Don’t Want to Change the World, incluindo o “Uh!” logo depois do riff no início, porque se esgoelar em Crazy Train é fácil.

OK, é complicado competir com os clássicos, mas Mama, I’m Coming Home fez melhor antes de Paranoid, que encerrou a noite como (quase) todos esperavam. Houve quem achasse que não era o fim da festa, mas foi o desfecho de 90 minutos de emoção, para o coração calar a razão e achar legal até a rodinha Nutella aberta na pista. Pouco importa se as músicas do Black Sabbath poderiam ter dado lugar a material próprio. Ou que o set list tenha sido o mesmo das duas últimas turnês no Brasil (em 2011 e 2015), praticamente à exceção de canções pós-1991, ano de No More Tears. No centro do palco, no comando de tudo, estava John Michael “Ozzy” Osbourne, um dos quatro rapazes que há 50 anos deram os primeiros passos para criar o estilo que despertou nossa paixão pela música. Ozzy foi um dos arquitetos do caminho que me levou a escrever estas linhas. Ozzy foi um dos responsáveis por despertar em você o interesse em lê-las. E isso não tem preço.

Observação: assim como na turnê do Black Sabbath em 2016, a produção do Ozzy Osbourne vetou credenciamento a todos os fotógrafos – veja bem: não foi a produtora que trouxe Ozzy ao Brasil, e muito menos é o vocalista quem decide isso. Foram liberadas quatro fotos para a imprensa depois do show de São Paulo, o que não aconteceu ao fim das apresentações em Curitiba, Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Na verdade, as imagens disponibilizadas são de um show no Markham Park, em Sunrise, Flórida (EUA), no dia 29 de abril. Em respeito ao leitor, as fotos que ilustram esta resenha são, de fato, da apresentação no Rio de Janeiro. Feitas na raça, no meio do público, e parte do arquivo pessoal do autor das imagens.

Set list
1. Bark at the Moon
2. Mr. Crowley
3. I Don’t Know
4. Fairies Wear Boots
5. Suicide Solution
6. No More Tears
7. Road to Nowhere
8. War Pigs
9. Medley instrumental: Miracle Man/Crazy Babies/Desire/Perry Mason
10. Tommy Clufetos Drum Solo
11. Shot in the Dark
12. I Don’t Want to Change the World
13. Crazy Train
Bis
14. Mama, I’m Coming Home
15. Paranoid

Clique aqui para acessar a resenha no site da Roadie Crew.

Glenn Hughes

Por Daniel Dutra | Fotos: Luciana Pires

Glenn Hughes resolveu cair na estrada para contar a sua história no Deep Purple. Para isso, buscou recriar da melhor maneira possível toda aquela atmosfera dos anos 70. Ele voltou a colocar um tecladista no palco, o dinamarquês Jay Boe, e no aparato do cara é obrigatório ter o Hammond que Jon Lord tocava como ninguém. Também buscou um batera que tivesse a pegada ideal, e o chileno Fer Escobedo, de 25 anos, não apenas tomou o lugar de Pontus Engborg na banda. O garoto usa uma bateria vintage para replicar o som de Ian Paice. Para completar, o sueco Søren Andersen, cuja parceria de dez anos com Hughes sofreu uma única pausa em 2015, quando Doug Aldrich assumiu as seis cordas, se veste como Ritchie Blackmore e tem como companheira quase inseparável uma Fender Stratocaster preta e branca.

No repertório, um mergulho nos álbuns Burn (1974), Stormbringer (1974) e Come Taste the Band (1975). O que poderia dar errado? Bom, o problema é a expectativa causada por tudo isso, e a noite de domingo com o baixista e vocalista no Circo Voador provou como a música pode ser bipolar. Sim, o show foi magistral. Sim, o show foi cansativo. Foram 11 músicas executadas em uma hora e 40 minutos de uma apresentação que teve momentos de euforia e depressão convivendo lado a lado. No início, êxtase. Stormbringer começou incendiando a lona famosa, e Might Just Take Your Life foi de arrancar lágrimas. Como se fosse um sonho realizado ouvir aquela introdução de Hammond e uma banda tinindo para dar apoio a Hughes.

“Vocês estão na minha alma e no meu coração, e não foram vocês que vieram ver o Glenn Hughes. Foi o Glenn Hughes quem veio ver vocês”, disse o baixista e vocalista, emocionado e falando na terceira pessoa depois da primeira ovação da noite. Sail Away e seu groove irresistível vieram na sequência, mas não foi nenhuma surpresa para quem pode ver a dobradinha Hughes & Aldrich em 2015. Ainda assim, tão bem-vinda que um Circo Voador bem cheio não se furtou a gritar o nome do anfitrião. “Eu amo vocês, mas o correto é Rio! Rio! Rio!, porque o Rio de Janeiro é uma das maiores ‘rock cities’ do mundo, senão a maior ‘rock city’ do mundo”, respondeu ele, exagerando na rasgação de seda e recebendo mais aplausos. “Estou aqui para cantar para cada um de vocês, irmãos e irmãs, e o amor é a resposta.”

Sim, Hughes estava lá para cantar, e Mistreated foi uma daquelas amostras de cair o queixo. Aos 65 anos, é inacreditável o que esse cara canta. Coisa do outro mundo, inclusive quando sai da sua zona de conforto para emular David Coverdale, dando uma aula no fim da canção ao interpretá-la com tons mais graves e rasgados. Simplesmente impressionante. Até aí era a só alegria, porém… “Vamos voltar ao California Jam”, anunciou ele, referindo-se ao antológico show da MK III do Deep Purple no festival, em 1974. E You Fool No One infelizmente acabou se perdendo numa versão tão exagerada que deixa a de Made in Europe (1976) parecendo edição para as rádios.

Glenn HughesGlenn HughesGlenn HughesGlenn HughesGlenn HughesGlenn HughesGlenn HughesGlenn HughesGlenn HughesGlenn HughesGlenn HughesGlenn HughesGlenn HughesGlenn HughesGlenn HughesGlenn HughesGlenn HughesGlenn HughesGlenn HughesGlenn Hughes

Teve solo de teclado no início. Teve solo de guitarra, com Andersen mandando até trecho daquele blues de Blackmore cuja derradeira versão está em On Stage, do Rainbow, mais precisamente no medley Man on the Silver Mountain/Blues/Starstruck. E teve solo de bateria. Um solo de bateria tão longo que, por mais que Escobedo seja muito bom, foi um balde de água fria. Aliás, dava para beber uns três baldes d’água, urinar todos eles no banheiro da casa e voltar a tempo de pegar o início de This Time Around, que recolocou as coisas em seu devido lugar e foi um dos momentos mais emocionantes da noite. “Eu tinha 23 anos quando compus essa música”, lembrou Hughes antes, porque ao fim não conseguiu esconder as lágrimas.

De fato, foi tão mágico que é necessário lamentar que Owed to ‘G não tenha sido planejada para ser tocada na sequência, como em Come Taste the Band. Aí você lembra da perda de tempo que foi You Fool No One e fica ainda mais decepcionado com a enrolação instrumental em Gettin’ Tighter, apresentada em seguida. “Compus essa música com meu irmão Tommy Bolin. Ele não está fisicamente aqui, mas vive em mim”, disse Hughes. Baita canção, de fato, mas o excesso instrumental poderia ter dado espaço a Lady Double Dealer ou Lady Luck, por exemplo. Inclusive, Smoke on the Water, cujo histórico riff foi alvo de uma, digamos, brincadeira de Andersen no início, poderia ter dado lugar a uma delas. Fica a dica.

Teoricamente, lá estávamos para ouvir clássicos das MK III e IV. No entanto, não dá para brigar com os fatos. Smoke on the Water terminou com um sonoro “Olê! Olê! Olê! Glenn Hughes! Glenn Hughes!”, que emocionou o baixista e vocalista. “Vocês são lindos demais!”, bradou, recebendo de um fã um cartaz com os dizeres ‘You are the holy man’ – anote-se: Holy Man foi limada do set list. Depois de um breve papo sobre espiritualidade e felicidade, veio a “canção que compus com David Coverdale”, e os fãs foram brindados por uma versão arrasadora de You Keep on Moving.

OK, eu já havia visto o set list, então sabia que Highway Star abriria o bis. Independentemente de ser mais uma desnecessária apelação – é um clássico da MK II, com Ian Gillan, catzo! –, causou a esperada histeria. E vá lá que foi interessante ver Hughes atuando como frontman, já que Jimmy, seu roadie, assumiu o baixo durante toda a música, ficando timidamente entre o teclado e a bateria. Interessante, mas ainda assim desnecessário. Sabe por quê? Burn é a resposta. Empunhando um Rickenbacker, Hughes abalou as estruturas do Circo Voador com a sua Highway Star. Ou a sua Smoke on the Water, tanto faz. E um show que começou a toda terminou a toda, com o clímax na imagem do abraço coletivo – sim, de toda a banda – em Hughes. “Olê! Olê! Olê! Glenn Hughes! Glenn Hughes!”, entoavam os fãs. No fim das contas, extasiados.

Set list
1. Stormbringer
2. Might Just Take Your Life
3. Sail Away
4. Mistreated
5. You Fool No One
6. This Time Around
7. Gettin’ Tighter
8. Smoke on the Water / Georgia on My Mind
9. You Keep on Moving
Bis
10. Highway Star
11. Burn

Clique aqui para acessar a resenha no site da Roadie Crew.