A resenha do retorno do Living Colour ao Rio de Janeiro (e ao Circo Voador) poderia ser resumida em uma frase: a banda deveria tocar na cidade uma vez por mês. Exagero? Não para uma banda sem igual, que consegue fazer em cima do palco algo muito melhor do que já faz nos discos – são apenas sete trabalhos de estúdio em mais de 30 anos de carreira, todos acima da média, alguns que são verdadeiras obras-primas. E uma dessas joias foi a razão de o quarteto voltar à cidade outrora maravilhosa depois de uma década: Vivid, o álbum de estreia, lançado em 1988 – e sim, são dez anos, uma vez que, sejamos sinceros, o Rock in Rio de 2013 não conta. Lembre-se: um dos melhores e mais importantes grupos da história do rock foi (muito mal) escalado no Palco Sunset num dia de Ivete Sangalo, David Guetta e seu pendrive e Beyoncé.
Enfim, no entanto, Corey Glover (vocal), Vernon Reid (guitarra), Doug Wimbish (baixo) e Will Calhoun (bateria) levaram para os fãs carioca a Vivid 30th Anniversary Tour, com uma diferença em relação à turnê que começou no fim do ano passado, na Austrália: o disco foi realmente tocado da primeira à última faixa, o que Calhoun havia confirmado em entrevista realizada antes do giro pela América do Sul (clique aqui para ler o bate-papo com o batera). Mas foi com duas canções do disco mais recentes, Shade (2017), que os quatro iniciaram o espetáculo – e sem estardalhaço, diga-se: nada de introduções sonoras ou alguma bombástica entrada. Apenas os quatro chegando ao palco, um a um, para começar a despejar música da melhor qualidade. Curiosamente, foram dois dos três covers presentes no trabalho, o que ajudou a fortalecer o clima de contemplação da grande maioria que ajudou a lotar a famosa lona na Lapa. Preachin’ Blues, de Robert Johnson, foi anunciada pelos acordes de Reid antes de virar um ótimo (e obviamente mais pesado) blues elétrico, enquanto Who Shot Ya? mostrou uma forte e sempre presente faceta da banda.
“Gostaria de dedicar essa música a Evaldo dos Santos Rosa e Marielle Franco”, disse o guitarrista, referindo-se ao músico negro fuzilado com mais de 80 tiros pelo Exército, que confundiu seu carro com um veículo usado por assaltantes, e à vereadora executada por milicianos em março de 2018 – os dois casos ocorridos no Rio de Janeiro. E fez todo sentido. Nas mãos do Living Colour, a visceral versão da controversa canção do rapper Notorious B.I.G., assassinado em 1997, aos 24 anos, virou um hino contra a política armamentista e a violência policial. Mas o show não foi panfletário, e nem precisaria. Quem acompanha o Living Colour além da música, prestando um mínimo atenção nas letras de mensagens nada subliminares, sabe muito bem que o grupo está do lado certo. Por isso mesmo, boa parte do público, ao fim da apresentação, lembrou-se com “carinho” do protofascista que (ainda) está presidente da República.
Mas aquela noite de quinta-feira era, no geral, uma celebração ao disco que colocou o Living Colour no mapa, então Cult of Personality começou a festa logo em seguida, incendiando de verdade pista e arquibancada. Foi lindo de ver a pista com os fãs cantando “I am the cult of” no fim, todos com os braços para cima acompanhando cada palavra da frase. O suficiente para arrancar um largo sorriso de Glover e Reid, que muitas vezes tinham de instigar a plateia, mas não aqueles que se mostraram fãs com as músicas na ponta da língua, uma vez que a participação era completamente voluntária. Foi o caso de I Want to Know, que, arrisco dizer, foi testemunhada ao vivo pela primeira vez por todos os presentes. Ou seja, um daqueles momentos em que saber o que viria pela frente não atrapalhou a empolgação.
Mas a verdade é que não importa quantas vezes você saiba que a música seguinte é Middle Man ou Desperate People, porque: (i) a performance de Glover na primeira é sempre especial (pesquise a razão da letra), assim como Calhoun brinca de tocar bateria; e (ii) você pode usar a segunda para exemplificar a genial musicalidade da banda. Aliás, musicalidade que faz de Open Letter (To a Landord) uma das coisas mais maravilhosas que você pode presenciar ao vivo, e a razão atende por Corey Glover, que sempre dá aula de técnica e, principalmente, feeling ao improvisar naquele início – e faça-se o registro: o vocalista esteve impecável durante todo o show. Improviso. Palavra-chave para descrever o arrasa-quarteirão que foi Funny Vibe, especialmente o começo, e o desfecho de tirar o fôlego em Memories Can’t Wait, cover do Talking Heads.
Se a belíssima Broken Hearts, que mostrou toda a elegância de Wimbish ao tocar as linhas de Muzz Skillings (e que som de baixo lindão!), causou quase o mesmo impacto de I Want to Know, Glamour Boys se juntou a Cult of Personality no quesito grande empolgação do público. Previsível, mas ainda assim bom demais soltar a voz em “I’m fierce” e acompanhar Glover e Reid na, digamos assim, coreografia que se seguiu à frase principal do refrão – fora o “Trinta anos! Trinta anos! Trinta anos e nosso crédito ainda não é bom”, zoação do vocalista no lugar da original “Whaddya mean my credit’s no good?”. Soltar a voz com vontade foi o que aconteceu ao responder a pergunta de What’s Your Favorite Color? (Theme Song), emendada de primeira com a avassaladora Which Way to America?. Acabava aí a comemoração dos 30 anos de uma das obras-primas do Living Colour, e como se fosse necessário um tempo para recuperar o fôlego, Calhoun mandou ver em momento solo.
Bom, é fato que, por mais extraordinário que seja o batera (e ele é mesmo um dos melhores do mundo), o solo poderia ter dado lugar a uma ou duas músicas. Ainda assim, tirando a meia dúzia de pessoas que talvez desconheçam a inquietude musical e percussiva de Calhoun, a tônica do momento foi de respeito e reverência (bom, o que ele fez foi impressionante, então…). Com todo mundo de volta ao palco, o coro da plateia foi por Elvis is Dead, mas o que veio a seguir foi Love Rears its Ugly Head, numa versão tão espetacular que não deu para acompanhar Glover, uma vez que o vocalista jogou fora a melodia vocal original e improvisou lindamente.
E sabe quando um show tem clímax? Pois bem, rolou Elvis is Dead numa performance tão matadora que colocou Reid pulando e fazendo luxuosos vocais de apoio – sem contar a inserção de Hound Dog, imortalizada pelo próprio Rei do Rock, com uma interpretação que mereceu até Glover imitando seus trejeitos rebolativos. A sequência? Type, claro, e com a quinta marcha engatada para passar por cima de cada alma presente no Circo Voador. Simplesmente demolidora, com um encerramento destruidor que fez a banda ser ovacionada pela casa, a ponto de Glover, com enorme sorriso no rosto, ficar olhando para os companheiros com aquela cara de “vamos tocar mais!”. Tinha Time’s Up, Wall, Ignorance is Bliss, Leave it Alone e um sem-número de outras pérolas, mas o show ficou por aí mesmo. Quer dizer, ficou nas 16 músicas executadas de maneira única num espetáculo irretocável e irresistível. Um espetáculo que não pode levar outros dez anos para acontecer no maltratado Rio de Janeiro.
Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce e Márcio Carreiro
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Setlist 1. Preachin’ Blues 2. Who Shot Ya? 3. Cult of Personality 4. I Want to Know 5. Middle Man 6. Desperate People 7. Open Letter (To a Landlord) 8. Funny Vibe 9. Memories Can’t Wait 10. Broken Hearts 11. Glamour Boys 12. What’s Your Favorite Color? (Theme Song) 13. Which Way to America? 14. Will Calhoun Drum Solo 15. Love Rears its Ugly Head 16. Elvis is Dead 17. Type
Trinta (e um) anos depois do lançamento do primeiro álbum, Vivid, o Living Colour continua uma força sem igual. Durante todo esse tempo, o trabalho de Corey Glover (vocal), Vernon Reid (guitarra), Doug Wimbish (baixo) e Will Calhoun (bateria) continuou incomparável e intocável. São todos músicos extraordinários, sem dúvida, mas é a obra sem barreiras, num horizonte artístico ilimitado, que mantém a banda relevante num cenário que muda de humor a todo instante. Rumo ao Brasil pela oitava vez, pouco mais de um ano depois da última passagem, quando fez um solitário show em São Paulo, o Living Colour volta à capital paulista (dia 14 de junho), mas incluiu no roteiro o retorno ao Rio de Janeiro depois de dez anos. Um verdadeiro presente para os fãs cariocas, que receberão o grupo nova-iorquino mais uma vez no Circo Voador, dia 13 – vamos combinar que a apresentação no Palco Sunset do Rock in Rio em 2013 não conta, afinal, a banda foi muito mal escalada no mesmo dia de Ivete Sangalo, David Guetta e Beyoncé. E se a música do quarteto é única e formidável nos discos, em cima do palco ela ganha proporções ainda melhores. Para falar disso e mais um pouco, conversamos com Calhoun, então coloque o Vivid para rodar – sim, eles vão tocá-lo na íntegra! –, aproveite o papo e se prepare para os espetáculos.
Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação
Vamos começar falando dos próximos shows no Brasil. O Living Colour esteve no país em 2018 para uma única apresentação em São Paulo, e agora há uma data no Rio de Janeiro, onde a banda não toca desde 2009… Quais são as expectativas? Will Calhoun: Deixe-me começar agradecendo a você pela oportunidade de fazer essa entrevista. Amamos o Brasil e estivemos aí no ano passado, é verdade, mas estamos ansiosos por esses novos shows, para agradecer a todos os nossos fãs pelo apoio durante todos esses anos. É o trigésimo aniversário do Vivid, então montamos uma combinação interessante de músicas para essas apresentações.
É o que eu iria perguntar, porque andei olhando os setlists de shows recentes da Vivid 30th Anniversary Tour, mas a banda não está tocando o álbum na íntegra… Will: Mas agora planejamos tocar algumas canções de discos variados e também o Vivid da primeira à última faixa. Queremos dar aos brasileiros um show de aniversário realmente fantástico, com músicas variadas (N.R.: o Living Colour realmente tocou as 11 faixas do disco de estreia na primeira noite da turnê sul-americana, em Santiago, no Chile).
A primeira vez do Living Colour no Brasil foi em 1992, como headliner do Hollywood Rock. Doug Wimbish havia acabado de substituir Muzz Skillings, mas ainda não era integrante fixo, e a banda foi eleita por público e crítica como o melhor show do festival. Quais são suas lembranças? Will: Aqueles shows foram incríveis! Não esperávamos ser tão bem recebidos no Brasil, até porque era nossa primeira vez. Particularmente, eu estava ansioso para visitar seu país porque o meu filme favorito na infância era “Orfeu Negro” (N.R.: também conhecido como “Orfeu do Carnaval”, produção ítalo-franco-brasileira do cineasta francês Marcel Camus, o longa foi lançado em 1959). Depois de assistir àquele filme, eu queria desesperadamente conhecer o Brasil, por isso fiquei aí por um mês depois daquelas apresentações. Aluguei um carro e fui com um amigo brasileiro de São Paulo para a Bahia, e essa viagem mudou a minha vida. Tive a oportunidade de visitar escolas de samba, conhecer e me divertir com Carlinhos Brown e os músicos da Timbalada. Fui apresentado a Lenine e Marcos Suzano, a uma comida maravilhosa, ao ritmo do maracatu e a tantas outras coisas maravilhosas da cultura brasileira.
E vocês não demoraram a voltar. Já no ano seguinte, em 1993, mas para um único e incrível show em São Paulo. O local estava eletrificado, e lembro-me do Corey Glover se jogando três vezes na plateia… Will: Toda a turnê do Stain em 1993 foi mágica, mas o público naquele show foi inacreditável, então nós ficamos ainda mais empolgados para tocar no Brasil novamente.
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Mas aí a banda encerrou as atividades ou, como eu costumo dizer, entrou num hiato de 1995 a 2000. Como foi para você? Will: Aquele foi um período muito desafiador… Eu tive de me adaptar a não estar mais numa banda, mas o tempo livre permitiu a mim a maravilhosa oportunidade de viajar para pesquisar sobre música. Voltei ao Brasil e fiquei aí durante três meses, desta vez no Recife. Visitei um incrível escola chamada Centro de Educação e Cultura Daruê Malungo, fundada e gerida por um grande amigo e músico, o Mestre Meia-Noite (N.R.: como é conhecido o capoeirista, bailarino e educador Gilson Santana). Ele e sua adorável família tomam conta da escola, e eu fiquei impressionado em como os jovens aprendiam no local a focar na própria cultura. Fiquei impressionado com todas aquelas belas crianças criando fantasias, aprendendo danças tradicionais e se reconectando com sua ascendência angolana. Aliás, fiz um pequeno documentário sobre essa viagem e o lançarei no próximo ano. Também viajei e estudei no Marrocos, Mali, Senegal, Belize, China e partes limitadas do Caribe, e o que fez com que nos reuníssemos foi o tempo. Ao retomarmos a banda, todos trouxemos experiências musicais muito especiais que colocamos na mesa para criar um novo capítulo musical para o Living Colour.
Collideøscope foi lançado em 2003, e no ano seguinte a banda voltou ao Brasil (confira aqui como foi o show no Rio de Janeiro). Vocês esperavam ser tão bem recebidos depois de tanto tempo? Will: Não! Nós apenas torcemos para que fosse incrível como havia sido nas vezes anteriores, e foi!
E continua sendo. Falando especificamente sobre a cidade onde moro, o Rio de Janeiro, o último show completo na cidade ficou marcado por uma noite em que vocês tocaram por três horas. Will: Sim! Todos as nossas apresentações no Rio foram maravilhosas, mas não tínhamos planejado tocar por três horas naquele dia (N.R.: 16 de outubro, terceira das quatro datas da perna brasileira da turnê do The Chair in the Doorway). Acontece que vocês foram tão espetaculares que não queríamos sair do palco (risos).
Vamos falar um pouco do álbum mais recente, Shade (2017). Oito anos o separaram de The Chair in the Doorway, e isso é muito tempo. O que houve que deixou o processo tão demorado? Will: E não levamos oito anos para gravá-lo, porque em boa parte desse tempo nós não trabalhamos no Shade. Foram apenas três anos em cima do disco. Gravamos muitas músicas, usamos vários estúdios, experimentamos diferentes produtores e engenheiros de som. Esse processo acabou expandindo o tempo de gravação, mas também trocamos de empresário, de agentes e de advogados durante esse período, além de termos estudado oportunidades em outras gravadoras. No fim das contas, estávamos tentando criar a melhor situação possível para lançar o álbum.
E foram sete estúdios diferentes, incluindo até mesmo um no Reino Unido. Como foi essa experiência? Will: Interessante e longa… No entanto, ter opções demais às vezes pode causar problemas.
Shade tem 13 músicas, sendo que no EP Who Shot Ya? (2016) há duas que poderiam facilmente ter entrado nele, “Regrets” e uma versão fabulosa de This Place Hotel (N.R.: composição de Michael Jackson em sua época no The Jacksons). Quantas vezes vocês mudaram o track list? Will: (rindo) Foram muitas mudanças, em minha opinião, porque nós continuamos compondo mesmo durante as gravações de Shade. De certa forma, não estávamos satisfeitos com todas as canções que tínhamos, então ficamos compondo e gravando sem parar.
A propósito, Who Shot Ya? saiu apenas no formato digital. Alguma chance de o EP ser lançado em CD? Will: (empolgado) Absolutamente!
Ótimo! Como citei This Place Hotel anteriormente, gostaria de falar dos outros covers. Who Shot Ya? (N.R.: The Notorious B.I.G.) é autoexplicativa, mas como surgiu a ideia de regravar Preachin’ Blues (N.R.: Robert Johnson) e, especialmente, Inner City Blues (N.R.: Marvin Gaye), que ficou fantástica? Will: Obrigado! Decidimos gravar Preachin Blues porque havíamos tocado essa música durante a comemoração do aniversário de cem anos do Robert Johnson, no Apollo Theater, em Nova York, num evento com vários outros grandes artistas (N.R.: batizada de “Robert Johnson at 100”, a celebração aconteceu no dia 6 de março de 2012). Acontece que fomos aplaudidos de pé, então vimos ali que iríamos fazer uma versão de estúdio. Gostamos tanto dessa música que ela precisava entrar no Shade, enquanto Inner City Blues foi uma decisão do Vernon Reid e do produtor Andre Betts.
Bom, tem uma faixa que chamou minha atenção, Program, porque é interessante que seja uma canção composta pelo produtor e outros dois coautores fora da banda. Qual a história por trás dela? Will: Nunca gostamos dessa música por completo, então tentamos várias coisas diferentes. Usamos vocalistas de apoio, cordas, metais, teclados, loops e até mudamos a letra, então decidimos eventualmente pela versão que está no disco.
Eu poderia falar sobre todo o álbum, mas o que você pode dizer da belíssima Two Sides? Will: Ela simplesmente lida com problemas… Há apenas dois lados, a verdade e a mentira, e as pessoas escolhem um deles conforme afeta particularmente seu resultado.
Mencionei Who Shot Ya? anteriormente, e é triste como ela ainda é atual (N.R.: gravada em 1995 pelo rapper Notorious B.I.G., assassinado dois anos depois, ela foi usada pelo Living Colour como uma canção contra as armas e a violência policial). Inclusive no Brasil, onde um caso recente ilustra um dos problemas que vivemos: o do músico negro Evaldo Rosa dos Santos, fuzilado com mais de 80 tiros pelo Exército enquanto ia com a família a um chá de bebê. Isso porque seu carro foi confundido com um usado por assaltantes… Will: Eu li sobre esse terrível incidente e sinto muito, mesmo. É algo que está acontecendo no mundo todo, não é uma situação nova. O mundo está mudando rapidamente… É como o meu grupo favorito de rap, o Public Enemy, declarou de maneira clara e inteligente no disco Fear of a Black Planet, de 1990: essas mudanças são uma grande ameaça a muitas políticas estabelecidas. A estrutura de poder conservadora está e sempre continuará tentando barrar qualquer mudança positiva que ameace o seu controle colonial.
Para terminar, depois de mais de 30 anos de Living Colour, o que você pode dizer sobre cada disco da banda? Quero dizer, o que eles representaram à época e o que significam hoje para você. Suas lembranças, e começamos com Vivid. Will: Nosso primeiro álbum. Ensaiávamos cinco ou seis dias por semana e tocávamos constantemente em casas locais, então a banda estava muito entrosada quando fez Vivid, que representa o mundo para mim! Foi ele que trouxe atenção internacional para o Living Colour. De Mick Jagger e Rolling Stones a ser empossado no Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana, em Washington D.C., incluindo a oportunidade de fazer música honesta e de verdade num nível supremo, com um produtor fantástico, Ed Stasium. E a turnê do Vivid foi um desafio, pois estávamos desbravando novos territórios para nós mesmos e definido um movimento… Com ajuda do Bad Brains e do Fishbone. Foram precisos alguns shows para as pessoas entenderem nossas reais intenções, mas éramos e ainda somos uma banda muito poderosa em cima do palco. Nossa música ao vivo é mais progressiva do que nos discos.
E o segundo álbum, Time’s Up (1990)? Will: A banda havia acabado uma turnê com o Rolling Stones e terminado uma turnê própria sem tempo para respirar. Começamos a gravar o disco em Los Angeles, que não é a minha cidade favorita para ficar num estúdio depois de meses na estrada. Prefiro Nova York, então levou um tempo para eu me ajustar a um novo ambiente e sistema. Mas assim que começamos a finalizar as músicas, as gravações ganharam forma e caráter próprios. Estávamos um pouco exaustos das turnês, por isso nossos humores estavam ainda mais afiados para criar arte, e foi um período interessante na indústria musical. Eu adorava o Time’s Up quando o fizemos e gosto ainda mais dele agora, e a sua turnê foi ótima. Fomos convidados para o primeiro Lolapalooza.
E chegamos ao Biscuits (1991). Will: Foi um EP para colocarmos algum material novo sem que fosse preciso lançar um disco completo. Tínhamos muitas músicas ao vivo e faixas de estúdio inacabadas para escolher, e as canções de estúdio foram finalizadas em apenas um dia.
Stain (1993). Will: Doug Wimbish, nosso baixista, se juntou oficialmente à banda. Nosso som havia mudado, então mudamos de produtor, usando o Ron St. Germain. Estávamos entrando numa cena cujo som era mais pesado. Tínhamos uma sala de ensaios só nossa para trabalhar no Stain, então passamos muito tempo compondo e ouvindo nossos próprios conceitos. Eu amo esse disco, e as turnês foram fenomenais. A produção, a iluminação e a equipe técnica eram apenas nossas, o que nos permitiu dar aos fãs uma experiência mais pessoal do que era o Living Colour ao vivo. Pessoalmente, estava lidando com o fato de o meu irmão mais velho lutar contra o vício em drogas, e foi isso que me inspirou a compor Nothingness.
Collideøscope (2003). Will: Foi um álbum muito difícil de fazer. Havíamos voltado depois de quase seis anos separados, então ainda lutávamos para nos libertar de vários problemas. Não é o meu disco favorito da banda, mas é um que tivemos de fazer… Foi quase como uma terapia. Gosto das músicas, mas a produção não é tão forte como a dos três primeiros trabalhos. Excursionar para promover Collideøscope foi muito desafiador, porque não estávamos todos de acordo com o direcionamento musical do Living Colour àquela época.
The Chair in the Doorway (2009). Will: Grande parte do disco foi feita em Praga (N.R.: capital da República Tcheca), e foi mais uma vez estranho gravar fora de Nova York. Desafiador, mas não tão ruim quanto em Collideøscope. Ainda não estávamos todos na mesma página, mas as coisas estavam melhorando. A produção é boa, mas não ótima, e gosto das músicas. No entanto, eu preferia mesmo que tivéssemos gravado em Nova York. Mas tivemos grande ajuda do Pierre de Beauport, um querido amigo e técnico de guitarra do Keith Richards. Usamos seu estúdio (N.R.: The Library, em Greenfield, Massachusetts) para finalizar algumas músicas. Uma delas é Not Tomorrow.
Por último, Shade (2017). Will: Comecei a sentir que estávamos voltando a um grande som e a uma grande produção. Querido amigo da banda, Andre Betts, que é do Bronx como eu, fez um trabalho formidável em Shade. Foram três duros anos para completar esse disco, por causa das muitas mudanças no nosso time… Empresário, gravadora, advogados, produtores, estúdios e engenheiros de mixagem. Nós também interrompemos os trabalhos algumas vezes para sair em turnê, na maioria das vezes na Europa, e gravamos tantas músicas que tivemos um demorado processo de eliminação até decidirmos quais eram as que precisavam estar no CD. Mas assim que começamos a turnê, vimos que tínhamos a seleção perfeita de canções para antigos e novos fãs. Além disso, muitas das letras fazem referência ao nosso atual clima político.
E espero que o sucessor de Shade não leve oito anos para ser lançado. Vocês já pensam no próximo disco? Will: Sim! Já estamos planejando o novo álbum. Na verdade, já começamos o processo.
A essa altura, a chance de você já ter assistido a “The Dirt” é muito grande, mesmo que na casa de um amigo que tenha Netflix, plataforma de streaming onde a cinebiografia do Mötley Crüe estreou no dia 22 de março. Ou pelo menos foi de alguma maneira envolvido pelo longa, porque o barulho não foi pequeno. A história de Vince Neil (vocal), Mick Mars (guitarra), Nikki Sixx (baixo) e Tommy Lee (bateria) para as telonas – baseada no best-seller “The Dirt: Confessions of the World’s Most Notorious Rock Band”, lançado em 2001 – rendeu até mesmo um especial com destaque de capa na ed. #243 da Roadie Crew. Faltava falarmos com algum integrante para fechar o pacote, e foi o que aconteceu: conversamos com Neil para saber suas impressões sobre o filme e as músicas inéditas que compõem a trilha sonora e, principalmente, colocaram o quarteto junto num estúdio depois de mais de quatro anos – a última canção gravada pela banda havia sido All Bad Things, em 2015. Infelizmente, no entanto, o vocalista pôde responder apenas seis das 26 perguntas que estavam na pauta – e que levariam o papo muito mais a fundo na carreira do Mötley Crüe e, diga-se, do próprio Neil. Mas como alguma coisa é melhor do que nada, confira o que ele teve a dizer.
Qual foi a sua reação ao assistir à versão final de “The Dirt” pela primeira vez? Vince Neil: Fiquei surpreso com o quão bom é o filme! Quando comecei a assistir, pensei que passaria o tempo todo criticando, tipo ‘Isso não aconteceu dessa maneira’ ou qualquer coisa parecida, mas bastaram os primeiros 15 minutos para eu esquecer até mesmo que era sobre nós. No fim, percebi que se trata de um ótimo filme, simples assim, porque eu havia mesmo assistido a um ótimo filme de rock’n’roll! Fiquei realmente impressionado com os atores (N.R.: Daniel Webber interpretou Neil, enquanto Douglas Booth fez o papel de Nikki Sixx; Iwan Rheon, de Mick Mars; e Colson “Machine Gun Kelly” Baker, de Tommy Lee) e com a maneira como a nossa história foi contada, uma vez que “The Dirt” ficou de fato preso ao livro. Obviamente, é muito difícil colocar dez anos de loucura em apenas duas horas, mas todos fizeram um grande trabalho ao escolher e trabalhar as coisas certas para o roteiro.
Especificamente sobre Daniel Webber, você deu a ele alguma orientação? Alguma cena e interpretação dele o fizeram ficar arrepiado? Vince: Não tive uma chance sequer de aparecer para assistir às gravações, mas pude conversar algumas vezes por telefone com Daniel, que fez o dever de casa direitinho ao me estudar, incluindo meus movimentos e minha personalidade. Ele deve ter visto muitas, mas muitas filmagens e entrevistas minhas! (risos) Todas as cenas me deixaram arrepiado, porque ficaram perfeitas. Por exemplo, sabe a cena do primeiro show, quando eles começam a tocar? Os movimentos que ele fez no palco são absolutamente iguais aos meus! Até mesmo o meu comportamento na cena do primeiro ensaio, quando entrei para a banda, foi exatamente daquela maneira. Foi impossível não ficar arrepiado vendo aquele cara me interpretar.
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Vamos falar das novas músicas, mas começando por uma questão mais abrangente: as pessoas podem achar que foi óbvio ou até mesmo obrigatório registrar material novo para a trilha sonora, mas me parece que o processo foi bem orgânico. Vince: A verdade é que nós não nos separamos, apenas paramos de fazer turnês. Ainda somos uma banda, ainda somos quatro caras que têm uma empresa muito legal chamada Mötley Crüe. A ideia de compor novas músicas começou a nos rondar assim que nos reunimos para discutir o filme, então vocês sempre estarão ouvindo falar de nós. De uma maneira ou de outra.
A respeito de The Dirt (Est. 1981), a participação de Machine Gun Kelly deu um sabor diferente à música. Apesar de ele interpretar o Tommy Lee, acredito que foi ideia deste convidá-lo… Você sabe, por causa do lance hip hop. Vince: Nós procuramos o MGK, para que ele acrescentasse suas partes, quando estávamos trabalhando na versão final da música, mas algo me diz que ele e Tommy queriam fazer algo juntos já havia um tempo (risos). De qualquer maneira, funcionou perfeitamente.
Ride With the Devil, com um groove e refrão ótimos, é a minha favorita, até porque me remeteu ao Mötley Crüe dos anos 80. O que você acha disso? Vince: No geral, acredito que todas as músicas ficaram muito, muito legais. Bom, com Bob Rock no comando não tinha como ficarem ruins, porque se trata de um ótimo produtor. Ele sabe extrair o melhor de cada um de nós (N.R.: Rock havia trabalhado com o Mötley Crüe nos álbuns Dr. Feelgood, de 1989, e Mötley Crüe, de 1994, além das faixas inéditas da coletânea Decade of Decadence, de 1991).
Por último, Crash and Burn soa para mim como uma evolução natural de Saints of Los Angeles (2008). Vince: Não acho que exista uma correlação direta entre ela e Saints of Los Angeles, mas nós definitivamente queríamos que as novas músicas passassem aquele sentimento de serem canções orgânicas do Mötley Crüe. Além disso, procuramos que elas refletissem tanto o filme quanto o livro.