Black Sabbath – Past Lives

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Alguém lembra que o último trabalho inédito do Black Sabbath, chamado Forbidden, lançado em 1995? Que o álbum foi gravado por Tony Martin (vocal), Neil Murray (baixo), Cozy Powell (bateria) e, claro, Tony Iommi? Talvez não, mas certamente muitos se lembram de Reunion, duplo ao vivo lançado três anos depois para celebrar a turnê realizada pela formação original da maior banda de heavy metal de todos os tempos.

Como é inegável a importância do que fizeram juntos Iommi, Ozzy Osbourne, Geezer Butler e Bill Ward, foi lançada mais uma pérola para os fãs. No dia 20 de agosto chegou às lojas o CD duplo Past Lives, com gravações ao vivo da década de 70, ou seja, diversão garantida. O álbum saiu ainda numa versão limitada, em digipack, com pôster colorido e uma palheta que obviamente nunca chegou perto de Iommi ou Butler. Mas o que importa mesmo é a música. Então, vamos a ela.

O primeiro CD nada mais é que a remasterização de Live at Last, disco lançado em 1980 e que não contou com o aval da banda. À época, o Sabbath colhia os frutos do excepcional Heaven and Hell, primeiro trabalho sem Ozzy nos vocais, e sua ex-gravadora, NEMS, resolveu lançar ao vivo em questão e relançar a discografia do grupo, tirando proveito de sua renovada popularidade. Com Ronnie James Dio na voz principal, a banda não se fez de rogada e declarou que o trabalho era um bootleg, eufemismo escolhido a dedo para dizer que não fazia parte da discografia oficial.


Hoje, nada disso importa. Os fãs têm Live at Last em suas coleções, mas mesmo assim não pularão direto para o outro CD de Past Lives. O disco é ótimo não apenas por conter eternos clássicos da banda. Sweet Leaf, Children of the Grave, War Pigs e Paranoid são sempre destaques, mas o que dizer de músicas como Tomorrow’s Dream, Cornucopia e Wicked World, na qual a banda se aventura pelo jazz? Se alguém ainda não conhece o show realizado em 1973, em Manchester, na Inglaterra, a oportunidade bate à porta.

Um dos grandes méritos de Past Lives é logo percebido no CD 2. Não há músicas repetidas, nada de incluir outra versão de Paranoid apenas por se tratar de um grande marco. Claro, a história da banda é recheada de clássicos, então encontramos mais alguns deles: Sympton of the Universe, Iron Man, Black Sabbath, N.I.B. e Fairies Wear Boots. No entanto, as músicas que completam o trabalho nunca poderão ser relegadas ao rótulo de “lado B”, já que são infinitamente melhores que o trabalho de bandas que pretensamente – culpa da mídia ou não, pouco importa – carregam a palavra “metal”.

O disquinho abre com uma ótima versão para Hand of Doom, da obra-prima Paranoid (1970), segundo disco do grupo. Do primeiro álbum (1969), homônimo, temos Behind the Wall of Sleep, enquanto Sabotage (1975) é representado também por Hole in the Sky e pela sensacional Megalomania, que finalmente saiu do circuito de bootlegs para um lançamento oficial. Infelizmente, Technical Ecstasy (1976) e Never Say Die! (1978) foram ignorados, sendo que ao menos a faixa-título do último merecia registro.


Em cima de um palco, todos sabemos do potencial dos hoje senhores de Birmingham. Das interpretações alucinadas de Ozzy aos riffs maravilhosos do mestre Iommi, passando pela intuição de Ward e a técnica de Butler, os fatos se juntam para torná-los insuperáveis. Apesar de os quatro lembrarem do Black Sabbath como uma banda de hard rock, principalmente por causa das influências de blues, Past Lives é a prova definitiva que o grupo definiu o caminho do heavy metal. O estilo não seria nada e muito menos teria metade das bandas surgidas nas últimas três décadas não fosse o que eles começaram em 1969.

Resenha publicada na edição 88 do International Magazine, em outubro de 2002.

Shaman – Ritual

Por Daniel Dutra | Fotos: Mario Alberto e Divulgação

Foram pouco mais de dois anos até o lançamento de Ritual, um trabalho aguardado não apenas por ser a estreia do Shaman em CD, mas principalmente por se tratar da banda dos ex-Angra Andre Matos (vocal), Luis Mariutti (baixo) e Ricardo Confessori (bateria). E para quem está se perguntando se valeu a pena, a resposta é simples: o Brasil ganhou duas bandas superiores a qualquer outra de metal melódico em todo planeta. Fim das comparações.

Apesar do infeliz rótulo de mystic metal, o Shaman cumpriu o que prometeu. Ritual é um belo disco de heavy metal, com grande riqueza sonora e detalhes que prendem a atenção a cada audição. Tudo é absolutamente bem feito, e a produção de Sascha Paeth com a banda, impecável. O disco abre com a bela instrumental Ancient Winds, e logo a ótima Here I Am chega para se tornar um daqueles clássicos instantâneos para começar um show ou futuramente ser a primeira do bis. É aqui que o guitarrista Hugo Mariutti começa a mostrar serviço: um riff bem sacado com uso moderado do harmônico.

Em um disco coeso do início ao fim, sem maiores exibições individuais, há de se destacar For Tomorrow (ótimo trabalho acústico do Grupo Terra América aliado ao peso das guitarras), Ritual e as excelentes Time Will Come (destaque para o melhor refrão do disco e, mais uma vez, para Hugo) e Over Your Head (grande trabalho com a melodia indiana e ótimo solo de Derek Sherinian, ex-tecladista do Dream Theater).


As participações especiais não param por aí. Fábio Ribeiro, que acompanha a banda ao vivo, é o convidado em Blind Spell. Marcus Viana (Sagrado Coração da Terra) aparece em três faixas, enquanto Tobias Sammet (Edguy) divide os vocais em Pride, a música mais anos 80 e que lembra bastante o Helloween da fase Keepers of the Seven Keys. Como infelizmente nem tudo são flores, Fairy Tale, na trilha sonora da novela O Beijo do Vampiro, da Rede Globo, é uma balada muito agradável, mas a ponte “Life is good…” é feia. Nada que desabone Ritual, obviamente.

O Shaman no palco: o show

A banda esteve no Rio de Janeiro no dia 27 de setembro, quando se apresentou no ATL Hall para um público que se não foi dos mais agitados nas músicas da banda, mostrou que está com as letras na ponta da língua e ficou mesmo prestando atenção nas “novidades”. A única de Ritual que ficou fora da apresentação foi Blind Spell, substituída com maestria não apenas por material do Angra, mas também por um festival de covers muito bem escolhidos.

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Nothing to Say e Carry on, claro, levaram os fãs ao delírio. As desnecessárias Wings of Reality e Lisbon também, com a última sendo cantada em uníssono. Não faltou Painkiller (Judas Priest), mas houve surpresas: com Matos na bateria e Confessori na guitarra e vocal, a banda emendou Paranoid (Black Sabbath). Luis incorporou Lemmy Kilmister de maneira hilária e funcional para cantar Ace of Spades (Motörhead), enquanto Burn (Deep Purple) ficou excelente.

Mas a compostura foi mesmo para as cucuias quando Yves Passarel (guitarrista do Capital Inicial) subiu ao palco para tocar Living for the Night, clássico do Viper (ex-banda de Yves e Matos) e do metal nacional. Foi a hora de relembrar os dias de Caverna II e cantar a plenos pulmões.

Resenha publicada na edição 88 do International Magazine, em outubro de 2002. A análise do disco veio acompanhada de um relato sobre o show de lançamento.

Deep Purple – Perihelion

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Há quatro anos sem lançar um disco de estúdio, o Deep Purple pode fazer com que os desavisados imaginem que a banda tem precisado de alguns anos para recuperar o fôlego. Porém, o que o grupo mais tem feito é soltar CDs e DVDs ao vivo no mercado para saciar a fome dos fãs. Estes, por sua vez, não estão nem um milímetro errados. Se há dinheiro no bolso, vale sempre a pena conferir o porquê de o Purple ser um dos melhores grupos da história do rock também em cima do palco.

O último lançamento é o DVD Perihelion, com a íntegra da apresentação realizada no Sunrise Theatre, na Flórida, em 5 de junho de 2001. O vídeo traz um atrativo a mais para o fã, já que provavelmente é o último lançamento com Jon Lord na banda. Aos 61 anos, o tecladista aproveitou a deixa de uma cirurgia no joelho para decidir ficar mais tempo com a família, se afastando das longas turnês do Purple. Em seu lugar entrou o experiente Don Airey, ex-Colosseum II, Whitesnake, Ozzy Osbourne e um sem-número da artistas.

Em aproximadamente uma hora e 40 minutos, o Purple faz um apanhado de sua história, obviamente das fases em que Ian Gillan é o vocalista, num show simples e ao mesmo tempo empolgante. Mais uma vez fica a prova do bem que a saída de Richie Blackmore fez ao grupo. “É ótimo estar numa banda feliz. Eu recomendo a todo mundo”, já dizia o baixista Roger Glover. Completando, é também evidente que o genial Steve Morse trouxe novo ânimo, revigorando o Purple mesmo musicalmente, como provam Purpendicular (1996) e Abandon (1998).


Sem comparações técnicas entre Morse e Blackmore, é certo que o primeiro provavelmente riu mais em Perihelion que o segundo em toda sua vida. E daí? Talvez isso sirva para explicar o fato de o Purple, em alto astral com Morse, estar resgatando muitas de suas músicas da década de 70, todas com o dedo de Blackmore. Foi assim como Maybe I’m Leo, Pictures of Home e Bloodsucker em turnês passadas, continuando com No One Came e a belíssima When I Blind Man Cries (sempre um show à parte de Morse nas seis cordas) até hoje. Agora, foi a vez de tirar Fools (Fireball, de 1971) e Mary Long (Who Do We Think We Are!, 1973) do fundo do baú. Pontos, muitos pontos para a banda.

Não é de hoje que o Purple é facilmente colocado entre as melhores bandas ‘on stage’, independentemente de seus integrantes serem músicos conceituados. Ian Paice não é mais o baterista extraordinário de álbuns como Burn, muito menos Gillan é o mesmo vocalista capaz de arrancar lágrimas com suas interpretações em Child in Time. Pouco importa. A idade pesa de um lado, mas traz experiência de outro. Por isso mesmo, as apresentações dos ingleses são sempre empolgantes.

Em Perihelion, músicas que têm lugar marcado na história – Woman from Tokyo, Lazy, Perfect Strangers, Smoke on the Water, Speed King, Hush e Highway Star – convivem muito bem com a “nova” fase. Ted the Mechanic e a maravilhosa Sometimes I Feel Like Screaming (inevitável dizer que Morse emociona até defunto aqui) não saem mais do repertório. E os fãs aplaudem de pé.

Infelizmente, o DVD só é encontrado em versão importada e não há previsão alguma de lançamento no Brasil. Mas assim como os CDs Live at The Olympia ’96, Total Abandon – Australia ’99 e Live at the Rotterdam Ahoy, é obrigatório aos fãs e essencial a quem gosta de rock. Em versão nacional, você pode adquirir tanto o CD como o DVD de In Concert With the London Symphony Orchestra, versão anos 90 do Concerto for Group and Orchestra. Ambos saíram em versão nacional pela Sum Records.

Resenha publicada na edição 88 do International Magazine, em outubro de 2002.

Halford – Crucible

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Se alguém ainda tinha dúvidas de que Rob Halford se arrependeu de seu projeto tecnoindustrial Two – levado a cabo com Trent Reznor, do Nine Inch Nails –, o novo trabalho do Halford, Crucible, acaba com todas elas. O disco é heavy metal puro, mesclando anos 80 com uma sonoridade moderna (nada de alterna metal, por favor) e com tudo para agradar em cheio aos fãs mais puristas do estilo.

Como em time que está ganhando não se mexe, o vocalista manteve o ótimo time de músicos dos dois últimos trabalhos – Resurrection (2000) e o duplo ao vivo Live Insurrection (2001). Além dos guitarristas Pat Lachman e Mike Chlasciak, do baterista Bobby Jarzombek e do baixista Ray Riendeau, à frente da produção continua Roy Z, e a qualidade fica 100% garantida. A gravação de Crucible não deixa buracos para críticas.

Curiosamente, para delírio dos fãs, Halford mais uma vez se mantém fiel ao som do Judas Priest, mais ainda que sua própria ex-banda. One Will e Betrayal (com vocais um tanto quanto cansativos) são bons exemplos de como o grupo inglês soava na década de 80 e hoje, com o excelente Tim “Ripper” Owens nos vocais, se descaracterizou com os apenas bons Jugulator (1997) e Demolition (2001).


Mas Halford não se prende totalmente ao passado com o Judas, porque lembra seus momentos com o Fight em Handing Out Bullets e Hearts of Darkness. Apesar do visual mezzo heavy metal, mezzo Village People, Crucible traz algumas pérolas do rock pesado: Golgotha, Weaving Sorrow, Heretic, Trail of Tears e a faixa que dá nome ao disco são grandes composições, com riffs espertos e uma cozinha dominada por Jarzombek, que rouba a cena em vários momentos.

Acabou? Claro que não. A pesadíssima Wrath of God, Crystal e Sun mostram que Halford ainda tem muito pano para manga e continua sendo um vocalista de primeiro escalão (mais ainda quando não se esgoela). Esperto, aposta no tradicionalismo ao mesmo tempo em que incorpora mais peso às músicas. Ainda que felizmente não tenha sofrido com o preconceito por ter assumido ser homossexual, Halford recebeu pesadas críticas por causa do Two e soube dar a volta por cima.

Fazendo aquilo que sabe fazer melhor, precisava apenas acertar o primeiro tiro. Conseguiu com Ressurrection (2000) graças à reputação de “Metal God” adquirida por escrever um capítulo à parte na história do metal. Assim vieram a participação de Bruce Dickinson – mais do que nunca em alta por causa da volta ao Iron Maiden – na excelente The One You Love to Hate e, merecido reconhecimento, a ajuda providencial de Roy Z. Guitarrista, compositor e produtor de mão cheia, foi ele um dos responsáveis por também levantar a carreira solo de Dickinson depois do fracasso com Skunkworks (1996). No Halford, assinou várias músicas do primeiro disco e algumas de Crucible. Só faltou mesmo ser músico efetivo.


Felizmente para uns, infelizmente para outros, Rob Halford e sua banda podem ter sua vida encurtada. A dedicação full time do vocalista acabou sendo um dos empecilhos para que o aguardado projeto com Dickinson e Geoff Tate (Queensrÿche) não saísse do papel. Muito gente sonhou com o dia em que seria lançado o CD Three Tremors – ou Trinity, como queiram –, a união de três das maiores vozes do rock em todos os tempos.

Agora é a vez de os boatos dando conta de uma possível volta do vocalista ao Judas Priest tomarem conta do cenário. Tudo bem, é assunto antigo, mas a fonte vem do grupo Halford. Em entrevista à revista Roadie Crew, o líder do Riot, Mark Reale, comentou a possibilidade de Jarzombek retornar ao seu posto no grupo. O motivo? O batera teria dito que não há muito mais o que fazer na banda de Rob Halford, já que o mesmo não estaria escondendo seu desejo de ser parte integrante de mais uma reunião no metal. Enquanto isso, fique com Crucible. É muito mais seguro.

Resenha publicada na edição 88 do International Magazine, em outubro de 2002.

Nuclear Assault

Por Daniel Dutra | Fotos: S. Bollmann/Divulgação

Um dos ícones do thrash metal nos anos 80, o Nuclear Assault está de volta com sua formação original. Onze anos depois de gravarem Out of Order, John Connelly (guitarra e vocal), Dan Lilker (baixo), Anthony Bramante (guitarra) e Glenn Evans (bateria) estão juntos novamente. Por telefone, Lilker concedeu uma rápida e divertida entrevista.

Como e por que se deu a volta?
Tudo começou no início deste ano. Eu havia deixado a banda há dez anos porque queria me dedicar ao Brutal Truth, que acabou em 1998. Aí o S.O.D. voltou com um novo disco e eu não queria mesmo tocar em dois grupos. Recentemente, no entanto, perguntei aos outros integrantes do Nuclear se eles queriam fazer alguns shows, pois certamente seria divertido como antes. Entramos em contato com alguns produtores e voltamos em abril, no Metal Fest, em Nova Jersey (EUA).

A ideia partiu de você, então?
Sim. Há alguns anos eles queriam voltar, e eu disse não. Agora foi minha vez de perguntar se eles topavam, e eles disseram que sim (risos).


E como têm sido os shows até agora?
Tocamos no CBGB, em Nova York, e gravamos nosso show em Massachusetts para um álbum ao vivo, mas não lembro o nome dele agora (risos). Estivemos no Wacken Open Air, na Alemanha, e agora chegamos ao Brasil.

Por que apenas um show no país?
Infelizmente, não é uma decisão apenas nossa. Recebemos o convite e aceitamos, mas seria maravilhoso tocar no Rio de Janeiro e até na Amazônia (risos).

E há planos para um disco de estúdio?
Eu e John já escrevemos umas oito músicas novas, mas tudo parou há uns dois meses porque eu e minha esposa nos mudamos de Nova York. Temos de voltar a nos reunir para compor mais um pouco, pois tenho certeza de que o disco ficará excelente. Arrumar uma boa gravadora não será difícil, pois as pessoas estão mostrando bastante interesse na volta do Nuclear Assault.

Isso é muito bom, porque o cenário hoje é muito diferente dos anos 80.
Hoje nós temos um underground forte com o death e o black metal, mas existem coisas populares como o new metal que não me agradam. Na verdade, acho uma merda (risos). Chamar isso de heavy metal é besteira. Quando as pessoas me perguntam por que voltamos, eu digo que foi para acabar com o new metal (risos). Se você quer ouvir boa música, então tem de fazê-la. Está na hora de mostrar às pessoas o verdadeiro metal. O estilo está voltando à mídia porque todos estão ficando de saco cheio desse lixo de rap metal (risos).


A banda chegou a lançar um disco, Something Wicked, depois que você saiu. O que você acha dele?
Você ouve e percebe que minhas influências não estão lá. É legal, mas é algo que eu provavelmente não faria. O grupo continuou por mais um ano ou dois, mas o antigo feeling não existia mais. O material que estamos escrevendo lembra a época do Handle With Care (1989). Acredito que você dirá “sim, é isso mesmo!” quando escutar.

Para terminar, o que houve com o S.O.D.? Muito se falou em problemas com Billy Milano.
O que eu posso dizer? Scott Ian (guitarra) e Charlie Benante (bateria) estavam ocupados com o Anthrax, e os outros membros da banda ficaram enciumados com toda a atenção que o S.O.D. despertou com o Bigger Than the Devil (N.R.: terceiro disco, de 1999). Billy acabou demitindo os dois, que não teriam tempo para os shows que nós pretendíamos… Bom, Billy gosta de falar mais alto que todo mundo (risos). Para mim não houve problema, pois acredito que mais um disco arruinaria a magia.

O Nuclear Assault estava no Brasil para se apresentar em São Paulo depois de 13 anos – a primeira e até então última vez havia sido em 1989. Eu estava colaborando com o International Magazine fazia cinco meses quando soube da possibilidade de falar com Dan Lilker, tipo “ele tem dez minutos para falar ainda hoje. É por telefone. Topa?” Não deu para preparar pauta. Foi pensar em meia dúzia de tópicos e ligar. E valeu a pena. Publicada na edição 88 do jornal, em outubro de 2002, foi a segunda entrevista que fiz depois que comecei a escrever sobre música. E foi ela que inaugurou a seção Disconnected, assinada por mim no tabloide.

Gary Moore está de volta!

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Sabe aquele disco que não traz nada de novo e mesmo assim nos deixa absolutamente satisfeitos logo ao fim da primeira audição? É justamente o que acontece com Scars, nova obra de Gary Moore. Como o tempo voa, só agora percebemos que o guitarrista levou 13 anos para voltar ao bom e velho rock’n’roll. No início da década, Moore se rendeu ao blues e, apesar da crítica dos mais puristas, esteve longe de fazer feio. Independentemente da acusação de comercializar o som – ora bolas, vejam só! –, ele lançou ótimos trabalhos, como Still Got the Blues (1990) e o ao vivo Blues Alive (1993), este com as participações de Albert King, B.B. King e Albert Collins.

A coisa começou a ficar ruim com Dark Days in Paradise, de 1997, trabalho repleto de um pop rock insosso. O tiro saiu pela culatra dois anos depois, com o horroroso e autoexplicativo A Different Beat. Moore acabou se rendendo ao som eletrônico, seguindo uma tendência iniciada por Jeff Beck no mesmo ano, com o álbum Who Else!, e que atingiu Joe Satriani e Steve Vai, estes com melhores resultados. O lançamento de Back to the Blues em 2001 era um indício de que as coisas entrariam nos eixos.

Sem apelar para mais uma coletânea – foram três de 1994 para cá –, Moore se juntou ao baixista Cass Lewis (ex-Skunk Anansie) e ao baterista Darrin Mooney (Primal Scream). Atendendo pelo nome de Scars, o power trio lança seu primeiro disco, homônimo, e traz o guitarrista com um som mais pesado do que nunca. Se o álbum não é nenhuma novidade – e onde está a novidade no rock? –, por outro lado não esconde duas grandes influências: Jimi Hendrix e Stevie Ray Vaughan.

As referências são tantas que é impossível não imaginar que o disco é, no fundo, uma homenagem. Da sonoridade da guitarra aos riffs e solos, passando pelas melodias, quase todo o trabalho aponta para Hendrix, o maior guitarrista da história da música, e Vaughan, o melhor, perdoem-me os xiitas, de todos os que já comandaram as seis cordas no blues. Abrindo o álbum, When the Sun Goes Down mostra que Moore aprendeu direitinho as lições de wah-wah e aponta o que vem pela frente.


Stand Up traz um riff da escola hendrixiana, enquanto World of Confusion é, guardadas as devidas proporções, a Manic Depression de Moore. Em Ball and Chain, um blues no tradicional compasso 4/4, as melodias vocais são feitas em cima das frases de guitarra, recurso bastante usado por Hendrix. A veia blues volta a dar as caras em Just Can’t Let You Go, linda balada com um trabalho impecável de Moore em momento de muita inspiração e feeling. World Keep Turnin’ Round lembra Crosstown Traffic no andamento e tem SRV saindo pelos amplificadores.

Fechando as homenagens, My Baby (She’s So Good to Me) traz à memória dois grandes clássicos de Vaughan: Cold Shot e Pride and Joy. Depois de se espelhar em duas das maiores influências do instrumento – algo digno de aplausos, levando em consideração que Moore já é um cinquentão –, sobra espaço para canções mais pessoais. É o que se houve com o groove de Wasn’t Born in Chicago, em Rectify e na excelente Who Knows (What Tomorrow May Bring)?.

Vigésimo primeiro trabalho capitaneado por Moore – incluindo G-Force, The Gary Moore Band e coletâneas –, Scars é um oásis para quem espera por um bom disco de rock e está cansado das novas sensações do estilo. Na verdade, deveria servir de referência para aqueles que pregam o fim do virtuosismo e acham que The Strokes é a salvação. Ou então que criem a próxima novidade.

Um irlandês talentoso e versátil

Nascido em Belfast, na Irlanda do Norte, no dia 4 de abril de 1952, Gary Moore se interessou pelo rock da mesma maneira que muitos de sua geração: ouvindo Elvis Presley e Beatles. O interesse pela guitarra surgiu ao mesmo tempo em que se apaixonou pelo blues, admirando Jimi Hendrix e o John Mayall’s Bluesbreakers nos anos 60, mas foi seu mentor que deu o primeiro impulso na carreira.

Apontado como menino-prodígio, despertou a atenção de Peter Green, guitarrista que tocou com John Mayall e Fleetwood Mac. Apesar de apenas cinco anos mais novo, Moore homenageou seu ídolo décadas mais tarde, em 1995, quando lançou o álbum Blues for Greeny. Dado o empurrão, em 1971 tinha seu trabalho registrado pela primeira vez, no disco de estréia do Skid Row (não, não é a ex-banda de Sebastian Bach). Durou muito pouco.

Em 1973, formou a Gary Moore Band e lançou Grinding Stone. Ao mesmo tempo em que dava os primeiros passos em sua carreira solo, gravou três discos com o excelente Colosseum II – Strange New Flash (1976), Electric Savage (1977) e Wardance (1978) – e emprestou seu talento ao Thin Lizzy, banda liderada pelo saudoso Phil Lynott e um dos melhores nomes do hard rock. Em duas breves passagens, substituindo primeiramente Eric Bell e depois Brian Robertson, marcou presença no ótimo Black Rose (1979).


Ainda em 1979, conheceu um pouco do sucesso comercial com o hit Parisienne Walkways, ajudando a impulsionar as vendas de Back on the Streets, lançado no ano anterior. O início dos anos 90 reservou o blues para o guitarrista. Além de seu trabalho próprio, participou em 1993 do projeto Muddy Waters Blues: A Tribute, encabeçado por Paul Rodgers, vocalista do Bad Company. No ano seguinte, juntou-se a Ginger Baker e Jack Bruce no BBM. A versão moderna do Cream parou no trabalho de estréia, Around the Next Dream.

Em 2001, antes do lançamento de Scars, Moore carregou as baterias não apenas lançando Back to the Blues, mas colocando sua guitarra em discos de amigos: Living on the Outside, de Jim Capaldi; Shadows in the Air, de Jack Bruce; e Along for the Ride, de John Mayall. Enfim, Gary Moore está de volta!

Resenha publicada na edição 88 do International Magazine, de outubro de 2002. Como não há vídeos oficiais de Scars, a nova versão da matéria traz clipes de Foxey Lady, cover de Jimi Hendrix, e de Parasienne Walkways, porque são canções relacionadas ao texto.