Helloween – Rabbit Don’t Come Easy

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

O Helloween criou e ensinou, mas os alunos não aprenderam. Alguns até se saem razoavelmente bem, mas a maioria fez com que o metal melódico se tornasse uma subdivisão extremamente maçante dentro do rock pesado. Então, não surpreende que os alemães não apenas sejam referência, como também se mantenham entre os grandes do estilo. E o excelente Rabbit Don’t Come Easy é a prova cabal disso. “O ‘Happy Happy Helloween’ está de volta”, diz o vocalista Andi Deris, em entrevista para divulgar o décimo ‘full-length’ do quinteto. “Nós tínhamos de colocar a banda de volta aos trilhos. The Dark Ride (2000) foi apenas uma experiência, mas agora é diferente, pois estamos num ótimo momento. Muitas respostas estão no novo trabalho, e dá para entender por que certas pessoas não estão mais conosco.”

Deris não tem meias palavras e mostra-se bastante sincero ao comentar os problemas que culminaram com a saída em 2001 do baterista Uli Kusch e do guitarrista Roland Grapow, alvos da indireta acima. “O problema com Roland começou três anos e meio antes. Eu e Uli estávamos querendo tirá-lo da banda, mas Weiki (N.R.: o mentor e guitarrista Michael Weikath) deu uma segunda chance a ele. Não adiantou muita coisa. Uli acabou mudando de lado, e a situação se inverteu, por isso tivemos de fazer algo, pois cedo ou tarde eles precisariam sair. Naquelas circunstâncias, as coisas já não funcionavam mais, a química havia ido para o inferno. Depois do show no México (N.R.: no início de agosto de 2001, quando Deris ficou bastante gripado e algumas apresentações foram cancelados), decidimos que o Helloween deveria ser uma banda feliz novamente.”

Os dois ex-integrantes formaram o Masterplan – que lançou no fim de 2002 um ótimo disco homônimo –, e Andi não esconde uma, digamos, antipatia por Roland. “Eu precisei de dois anos para perceber que ele e Weiki não gostavam um do outro, afinal, nunca ensaiavam juntos, não se encontravam ou se falavam direito. Roland estava sempre interessado apenas no que ele compunha, ou seja, uma ou duas canções. E não era culpa nossa, mas apenas o fato de que ele não trazia à banda mais do que isso”, lembra o vocalista, que dá um exemplo concreto. “Durante a pré-produção de Better than Raw (1997), ele apareceu com apenas um riff e esperava que dele nós fizéssemos uma música. Eu simplesmente disse que trabalharia em algo que eu escrevi, não numa ideia que havia sobrado de seu disco solo.”


Sascha Gerstner (ex-Freedom Call) assumiu as seis cordas e tornou-se o orgulho do Helloween. “Ele tem 26 anos e cresceu ouvindo Helloween e minha ex-banda, o Pink Cream 69. Sascha é incrível, o melhor guitarrista que já ouvi. Você pode perceber tudo isso quando ele toca, e não digo isso porque ele está tocando comigo, mesmo porque nunca me referi ao Roland dessa maneira. Estou realmente feliz por tê-lo na banda, principalmente porque gostamos dele como pessoa, e ele se deu muito bem com o Weiki. Parecem até mesmo um casal (risos).” Para o lugar de Uli foi chamado o ex-Metalium Mark Cross, que contraiu uma doença chamada mononucleose, causada pelo vírus Epstein-Barr, e acabou sendo substituído por Stefan Schwarzmann (ex-Accept, UDO e Running Wild). No entanto, foi o magistral Mikkey Dee (Motörhead) quem assumiu as baquetas nas gravações. “Concordo com você. Ele é fantástico! Chegou ao estúdio sem a menor ideia do que teria pela frente, pegou as músicas com muita rapidez e fez um trabalho impressionante.”

E o disco? Vale a pena repetir: Rabbit Don’t Come Easy é arrasador, simplesmente o melhor trabalho do Helloween desde Master of the Rings (1994). Just a Little Sign, primeiro single e música que abre o álbum, diz tudo: levada empolgante, aquelas guitarras características (e únicas) e um refrão que você sai cantando sem precisar ouvir uma segunda vez. Tudo remete ao que o Helloween criou há mais de 15 anos. Exemplos? As ótimas The Tune, Hell Was Made in Heaven e Do You Feel Good; a balada Don’t Stop Being Crazy e Never Be a Star, faixa com acento mais hard; e as excelentes Sun 4 the World e Listen to the Flies (com um belíssimo solo de Gerstner).

Quer músicas mais pesadas? Escute Back Against the Wall e a espetacular Liar (com um dos muitos shows de Dee ao longo do disco). Uma para justificar estas linhas? A perfeita Nothing to Say. Pouco mais de oito minutos de riffs sensacionais (sem esconder a admiração de Weikath pelo ex-Deep Purple Ritchie Blackmore) e várias mudanças de andamento, incluindo uma passagem reggae como ponte para o excelente refrão e também uma parte lenta/instrumental belíssima no meio da canção. Resumo da ópera: Nothing to Say é o sinônimo de Rabbit Don’t Come Easy.

Resenha publicada na edição 93 do International Magazine, em junho de 2003.

Queensrÿche: a MK I ainda vive

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Vinte anos de história, 15 deles registrados nos sete CDs que a Capitol Records relançou em maio nos Estados Unidos: chegou a vez de o Queensrÿche ganhar a inevitável série remasterizada, com faixas extras, encartes com liner notes e fotos novas e/ou inéditas. O trabalho (muito bem) caprichado da gravadora dá as caras logo no primeiro lançamento, a demo tape que virou o EP simplesmente intitulado Queensrÿche (1983). O autor do texto histórico é ninguém menos que Paul Suter, editor da conceituada Kerrang! e um dos grandes responsáveis pelo sucesso inicial da banda. Ao receber uma fita dos então empresários do grupo, Kim e Diana Harris, Suter rasgou seda numa edição da revista inglesa – “o futuro do heavy metal”, disse ele –, e o resultado foi avassalador: as quatro músicas (Queen of the Reich, Nightrider, Blinded e The Lady Wore Black) se transformaram em vinil 12″ (do selo independente e próprio do grupo, 206 Records), 60 mil cópias foram vendidas e um contrato com a EMI foi assinado sem que Geoff Tate (vocal), Michael Wilton e Chris DeGarmo (guitarras), Scott Rockenfield (bateria) e Eddie Jackson (baixo) tivessem feito show algum.


O bônus do CD é simplesmente delicioso, pois se trata da íntegra do maravilhoso vídeo Live in Tokyo (1985), ou seja, as canções do EP e seis do primeiro álbum, The Warning, lançado em setembro de 1984. Produzido por James Guthrie (Pink Floyd), este é um trabalho essencial à discoteca de qualquer metalhead que se preze. E um dos melhores exemplos do que o metal dos anos 80 tem de melhor. Nada do hard rock americano que despontava (não à toa o Queensrÿche era frequentemente associado à Inglaterra), mas um som pesado e já preocupado com a qualidade instrumental, ratificada na presença de Michael Kamen, responsável pelas partes orquestradas. Fora isso, letras inteligentes e uma postura séria. Tudo isso fica latente em músicas como Warning, NM156, o clássico Take Hold of the Flame e a épica Roads to Madness. De presente, a reedição traz versões ao vivo de The Lady Wore Black e Take Hold of the Flame, além de Prophecy – que, diga-se de passagem, foi bônus do EP quando lançado em CD em 1988. Trata-se de uma das primeiras composições da banda, mas a gravação foi realizada durante as sessões de Rage for Order.

E vamos ao segundo disco, que mostra a banda à frente de seu tempo. Rage for Order chegou às lojas em 1986 e foi criticado por boa parte da imprensa e dos fãs, mas foi necessário pouco tempo para que todos se rendessem a um trabalho visionário. Duvida? Vale lembrar que não é exagero dizer que grupos como Fates Warning e Dream Theater não estariam fazendo o que fazem hoje não fosse este álbum. Há 17 anos, o Queensrÿche dava o ponto de partida no prog metal: apesar de as músicas não passarem de quatro ou cinco minutos, a influência de rock progressivo é sentida não apenas no maior uso dos teclados, mas nos efeitos sonoros e arranjos. Além disso, o soberbo instrumental fugia do lugar-comum. Excelentes riffs (muitas vezes dois diferentes tocados paralelamente numa mesma música), harmonias, arranjos e solos belíssimos, estes invariavelmente alternados e dobrados.


Walk in the Shadows, I Dream in Infra Red, London e Screaming in Digital são perfeitas, mas The Whisper merece menção especial graças ao genial Scott Rockenfield. De andamento 4/4, a música se transforma numa de 12/8 por causa de uma quiáltera no contratempo. Inteligência e bom gosto de um batera de talento e criatividade ímpares. Os bônus do CD são de dar água na boca, apesar de a versão alternativa para Gonna Get Close to You destoar de todo o restante (faça-se o registro, é uma composição da canadense Lisa Dal Bello): temos registros ao vivo de The Killing Words e Walk in the Shadows e um belíssimo remix acústico de I Dream in Infra Red. O melhor, no entanto, ainda estava por vir. Em 1988 saiu a obra-prima Operation: Mindcrime, o melhor disco conceitual de heavy metal em todos os tempos. O enredo trazia uma evolução da influência do escritor George Orwell – principalmente da obra “1984” – nas letras do Queensrÿche, algo que já se mostrara presente em The Warning.

A trama não é tão simples, mas cabe aqui um resumo: líder de uma organização criminosa e movimento revolucionário, Dr. X acredita que pode dominar o mundo com métodos violentos. Ele tem no viciado Nikki o seu homem de confiança para assassinar políticos e líderes religiosos. Ao mesmo tempo, a prostituta Mary é tirada das ruas e transformada numa freira para vigiar os passos de Nikki, mas o relacionamento de ambos fica mais sério que o planejado. Dr. X ordena que Mary seja assassinada, enquanto o garoto pede que as mortes cessem e se recusa a fazer o trabalho. Ao voltar para a igreja, Nikki a encontra morta, e daí para frente a sequência dos acontecimentos leva o fã à dúvida, já que a história deixa margem para três interpretações sobre quem pode ser o assassino: Dr. X, o próprio Nikki (alucinado por causa do efeito das drogas) e Padre William, outro membro da organização (e minha aposta, diga-se de passagem).


Musicalmente, Operation: Mindcrime é brilhante do primeiro ao último segundo: Revolution Calling, a faixa-título, Spreading the Disease, as maravilhosas The Mission e Suite Sister Mary, Breaking the Silence, I Don’t Believe in Love e Eyes of a Stranger são um verdadeiro bálsamo. Como bônus, The Mission e uma linda releitura de My Empty Room, ambas ao vivo. Sucesso de crítica, com Geoff Tate elevado ao status de uma das melhores vozes do rock, o Queensrÿche experimentaria o sucesso comercial com Empire, lançado em setembro de 1990. Oito milhões de cópias vendidas apenas nos EUA, quatro discos duplos de platina, seis singles e premiações no Billboard Music Awards e MTV Music Awards em 1991 (com a belíssima balada Silent Lucidity escolhida a música do ano pelo público).

Bem diferente do álbum anterior, menos pesado e mais detalhista e técnico, Empire foi a prova de que a banda não tinha limites criativos, já que cada disco era totalmente diferente do anterior. Pérolas como The Thin Line, Jet City Woman, Della Brown e Empire garantem a excelência do álbum, enriquecido com Last Time in Paris (gravada para a trilha sonora do filme “As Aventuras de Ford Fairlane”, de 1990), Scarborough Fair (cover de Simon & Garfunkel) e Dirty Lil’ Secret (lançada como lado B de single). Mas depois de uma turnê de quase dois anos, que trouxe a banda pela primeira vez ao Brasil, para o segundo Rock in Rio, o Queensrÿche foi na contramão do sucesso e sumiu de cena para um longo período de férias.


O silêncio foi quebrado em outubro de 1994, com o lançamento de Promised Land, simplesmente a terceira obra-prima seguida, sem nenhum resquício do último trabalho. Introspectivo, com letras pessoais, repletas de questionamentos e reflexões maniqueístas sobre a vida, o CD traz músicas geniais e nada acessíveis, como I Am I, Damaged, Out of Mind, Disconnected, Lady Jane e Somenone Else? (apenas piano e voz… Impossível descrever exatamente sua beleza). A exceção não-comercial fica por conta de Bridge, linda, com vários trechos acústicos e especial para Chris DeGarmo (a letra fala do relacionamento com seu pai, que abandonou a família quando o guitarrista era pequeno e faleceu durante as gravações do disco). Os extras ficam por conta de Someone Else? numa versão de sete minutos e com toda a banda, Damaged ao vivo e a excepcional Real World (ao vivo e em estúdio), música composta para a trilha sonora de “O Último Grande Herói” (1993), de Arnold Schwarzenegger.

Hear in the Now Frontier, de 1997, marca o fim e o início de um ciclo para o Queensrÿche. Conhecido e exaltado pela complexidade e riqueza dos detalhes nas músicas, o grupo lançou seu trabalho mais simples, o que gerou comentários que havia se rendido ao grunge – uma besteira sem tamanho, convenhamos. O disco não abandona o cuidado com os arranjos e não abre mão da qualidade, como é comprovado em Sign of the Times (belíssimo refrão e uma grande letra), The Voice Inside, You, Some People Fly (perfeita em todos os aspectos), Hero (linda), Reach (riff de guitarra, refrão e bateria de absoluto bom gosto) e sp00L (se alguma banda da safra grunge tivesse escrito uma música como esta, o traje com bermuda rasgada, coturno e camisa de flanela amarrada na cintura não teria sido tão ridículo).


No entanto, há ressalvas: All I Want (cantada por DeGarmo), Cuckoo’s Nest e Anytime/Anywhere nem de longe fazem justiça à banda. Quatro músicas entram de brinde no relançamento: a bela Chasing Blue Sky (que saiu como bônus na edição japonesa) e as versões do MTV Unplugged para Silent Lucidity, The Killing Words e I Will Remember. Mas a EMI America faliu no meio da turnê, e o Queensrÿche ficou órfão. A Virgin assumiu o trabalho de divulgação, mas os shows acabaram resumidos aos Estados Unidos e a uma curta passagem pela América do Sul (Brasil e Argentina). Em janeiro de 1998, um anúncio pegou todos os fãs de surpresa: Chris DeGarmo estava fora da banda. Meses e muitos rumores depois, Kelly Gray (companheiro de Tate no The Myth, no início dos anos 80) ocupou o posto e com ele foram lançados dois discos: Q2k (1999) e o duplo ao vivo Live Evolution (2001).

Apesar de ter feito um bom trabalho no Queensrÿche, como músico e mesmo como produtor, Gray foi posto para fora em maio de 2002, e em fevereiro de 2003 aconteceu o que todos esperavam: DeGarmo estava de volta. Com a formação original, a banda compôs e gravou as dez músicas que farão parte do novo disco, Tribe, a ser lançado em 22 de julho. No entanto, no fim de abril foi anunciado que, “por motivos de agenda”, o guitarrista não participará dos shows na Europa e nos EUA. Enquanto a casa não fica em ordem, muitos fãs já apostam que esta será a última turnê da banda.


Artigo publicado na edição 93 do International Magazine, em junho de 2003.

Grand Funk Railroad: remasterizado e essencial

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Você consegue imaginar uma banda lançando quatro discos em pouco mais de um ano, e sem perder a qualidade? Difícil se acostumar à ideia quando, hoje em dia, muitas bandas não conseguem nem chegar a ter o mesmo número de álbuns no currículo. Pegando uma carona no túnel do tempo, de 25 de agosto de 1969 a 3 de novembro de 1970, o Grand Funk Railroad colocou na praça as suas quatro primeiras obras – On Time (1969), Grand Funk (1969), Closer to Home (1970) e Live Album (1970) –, todas recentemente relançadas em versões remasterizadas, incluindo as tradicionais faixas bônus (remixes, demos e versões ao vivo) apenas para os trabalhos de estúdio. Os 12 primeiros discos são parte do pacote, aqui esmiuçado num especial em duas partes.

Parte I

On Time foi o primeiro passo para o fenômeno que se tornaria a banda, apesar de a crítica não ter morrido de amores à época. Birras à parte, o álbum tem em Are You Ready, T.N.U.C. e Heartbreaker clássicos instantâneos e deu ao grupo o primeiro Disco de Ouro. Não bastasse isso, o sucesso fez com que fosse criada a Grand Funk Enterprises, responsável por administrar o dinheiro gerado por Mark Farner (guitarra, vocal e teclados), Don Brewer (bateria e vocal) e Mel Schacher (baixo). Os três, aliás, eram espetaculares ao vivo, algo que o Led Zeppelin pôde comprovar no fim de 1969, em Detroit. Diante da performance avassaladora do power trio, o empresário do Led, Peter Grant, simplesmente o expulsou do palco durante Inside Looking Out, que depois entrou no segundo trabalho da banda.

Grand Funk chegou às lojas em 29 de dezembro, repetindo o desempenho do álbum de estreia. Sucesso de público, Disco de Ouro e criticado pela imprensa (curiosamente, assim como com várias outras bandas, os “críticos experts” acabariam dando o braço a torcer). Mais bem produzido, o trabalho mantém o nível e apresenta um punhado de ótimas canções: Got This Thing on the Move, Mr. Limousine Driver, Winter and My Soul e Paranoid, além da já citada Inside Looking Out, presença obrigatória nos shows durante os anos seguintes. O power trio conseguira sua primeira turnê como headliner pelos EUA, mas foi com Closer to Home, lançado em junho de 1970, que mostrou por que é um dos melhores grupos de rock que o mundo já viu.

A bateria poderosa de Brewer, o groove e as linhas de baixo de Schacher, Farner mostrando não apenas ser um guitarrista de primeira linha, mas principalmente um grande vocalista. Todos estes elementos, somados à musicalidade das composições, transformaram Closer to Home num disco essencial a todos que gostam de rock. Aimless Lady, Mean Mistreater, I Don’t Have to Sing the Blues e I’m Your Captain dispensam adjetivos. Adicionando novos elementos ao som – como violão, Fender Rhodes e orquestra –, o Grand Funk tinha em mãos sua primeira obra-prima.

Três discos foram lançados em apenas dez meses, e a popularidade crescera de maneira impressionante. Para comemorar tanto sucesso, aconteceu o óbvio. Era hora do primeiro álbum ao vivo, e o duplo Live Album, de novembro de 1970, acabou sendo um presente aos fãs, vendido por US$ 5,98 e alçado à Disco de Platina duplo. Curiosamente, I’m Your Captain, maior hit escrito pela banda, ficou fora do álbum, mas Are You Ready, Paranoid, Heartbreaker, Mean Mistreater, T.N.U.C. e Inside Looking Out mostram toda a energia do Grand Funk Railroad. A lamentar, apenas a mixagem do álbum, por causa do irritante aumento do som da plateia durante as músicas.

Os bônus:
. On TimeHigh on a Horse e Heartbreaker (versões originais)
. Grand FunkNothing is the Same (demo) e Mr. Limousine Driver (versão original)
. Closer to HomeMean Mistreater (ao vivo e remix), In Need e Heartbreaker (ao vivo)


Parte II

Nesta segunda e última parte, são passados a limpo os oito álbuns seguintes, que fecham o pacote, a começar pelo excelente Survival, original de abril de 1971. No embalo do sucesso conquistado gradativamente nos dois anos anteriores, o trabalho chegou às lojas com um milhão de cópias vendidas, rendeu dois singles – Feelin’ Alright, de Dave Mason, e I Want Freedom – e uma releitura de Gimme Shelter, dos Rolling Stones, infinitamente superior à versão original. Curiosamente, a banda havia cortado aqui o “Railroad” do nome, passando a atender somente por Grand Funk até All the Girls in the World Beware!!! (1974), inclusive.

A popularidade do Grand Funk nos Estados Unidos à época era tão impressionante que foi durante a turnê de Survival que o grupo quebrou um recorde dos Beatles: os 55 mil ingressos para a antológica apresentação no Shea Stadium, em Nova York, no dia 9 de julho, foram vendidos em apenas três dias. Os Fab Four precisaram de um mês e 20 dias para vender a mesma quantidade em 1966. Sem perder tempo, Mark Farner (guitarra, voz e teclados), Mel Schacher (baixo) e Don Brewer (bateria e voz) voltaram para o estúdio em setembro – lembrem-se: o ano ainda é 1971 – para gravar a obra-prima E Pluribus Funk, o famoso “disco da moeda”, graças à capa do vinil na cor prata e em forma moeda. A reedição deste álbum é das mais interessantes, com quatro bônus muito bem escolhidos: I’m Your Captain/Closer to Home, Hooked on Love, Get it Together e Mark Say’s Alright, todas ao vivo.

Em 1972, com a banda no auge, surgiram os problemas com o produtor e empresário Terry Knight. Desconfiados, os músicos passaram a questionar a administração da GFR Enterprises e o contrato firmado com a Capital Records em 1969 (Knight recebia 16% de comissão em cima da vendagem dos álbuns, não os 6% previamente acordados). Uma auditoria foi feita – a cargo de John Eastman Jr., cunhado de Paul McCartney –, e a separação não foi amigável, levando a uma briga judicial que durou anos. Com novo empresário, o tour manager Andy Cavaliere, o Grand Funk assumiu as rédeas da produção e lançou mais um grande disco, Phoenix, mas que não alcançou os números anteriores de venda. Rock ‘n Roll Soul, primeiro single, é o grande destaque do trabalho, que traz ainda a participação do tecladista Craig Frost em algumas faixas e Farner falando abertamente de religião em So You Won’t Have to Die.

O Grand Funk entraria em nova fase, com Frost sendo confirmado como membro efetivo, e a sequência da briga com Knight – que conseguira no fim do ano, respaldado por um mandado da Justiça, confiscar todo o equipamento da banda. Sob a batuta do produtor Todd Rundgren, We’re an American Band foi lançado em julho de 1972 e chegou ao segundo lugar nos EUA, a mais alta posição que o grupo alcançara até então. A nova versão do álbum traz as “inéditas” Hooray e The End – aspas porque elas viram a luz do dia em 1999, no espetacular box set 30 Years of Funk: 1969-1999 –, além de clássicos como a faixa-título, Stop Lookin’ Back, Black Licorice e The Railroad.


Novamente com Rundgren pilotando a mesa – e tocando guitarra em Carry Me Through –, Shinin’ on saiu do forno em março de 1974 e, além da excelente música que dá nome ao disco, rendeu à banda um single por duas semanas no primeiro lugar da parada americana: The Loco-Motion, hit gravado por Little Eva em 1962. Ao mesmo tempo em que seguia em frente, o Grand Funk foi obrigado a pagar US$ 284 mil a Knight, que cobrava US$ 73 milhões e alegara ter recebido US$ 2,7 milhões, o que foi desmentido publicamente por Cavaliere. O disco seguinte – o único de estúdio do pacote que não ganhou bônus – foi All the Girls in the World Beware!!!, produzido por Jimmy Ienner e lançado em dezembro. O álbum trazia o grupo menos rock e mais soul, e Some Kind of Wonderful, cover do Soul Brothers Six and Fantastic Johnny C, tornou-se o grande hit.

O segundo single, Bad Time, deu a Farner o certificado de reconhecimento da BMI pela música mais executada nas rádios dos EUA em 1975. Curiosamente, foi a última canção do grupo a constar no Top 20 americano. No mesmo ano foi lançado Caught in the Act (chamar-se-ia Live 75), excelente registro ao vivo da turnê mais recente, apesar de Are You Ready, que abria os shows, ter ficado fora. O relançamento em CD, aliás, acabou sendo o grande vacilo da série em vez de consertar um erro antigo: deveria ser duplo, como o vinil, sem as edições como o corte na introdução e no solo de Brewer – o que, diga-se de passagem, já havia deixado o batera puto da vida.

O irregular Born to Die, último do pacote, traz Bare Naked Woman e Genevie como extras em versões inéditas, mas foi o disco que fracassou em 1976 e causou o primeiro (e muito rápido) fim do Grand Funk Railroad. No mesmo ano, saiu o ótimo Good Singin’ Good Playin’, com a produção de Frank Zappa. O disco não faz parte dos relançamentos porque em 1999 havia chegado às lojas pela primeira vez em CD, remasterizado e com duas faixas a mais: Goin’ for the Pastor e Rubberneck. O Grand Funk ainda está na ativa hoje em dia, mas sem Farner. Ao lado de Schacher e Brewer estão o guitarrista Bruce Kulick (ex-KISS), o vocalista/guitarrista Max Carl e o tecladista Tim Cashion.


Live the 1971 Tour, mais uma pérola do Grand Funk

Uma banda que já lançou três trabalhos ao vivo precisa de mais algum? Se for o Grand Funk Railroad – responsável por discos como Live Album (1970), Caught in the Act (1975) e Bosnia (1997) –, a resposta é sim, e com louvor! No momento em que sua discografia vem sendo relançada, remasterizada em 24 bits e com faixas bônus, chega também à praça o excepcional Live: The 1971 Tour.

O álbum é uma compilação inédita da turnê americana no ano em que a banda lançou a obra-prima E Pluribus Funk e o excelente Survival. À época, o Grand Funk era “apenas” Mark Farner (guitarra, vocal e teclados), Don Brewer (bateria e vocal) e Mel Schacher (baixo), e o que esses três faziam em cima de um palco era covardia. Are You Ready, Footstompin’ Music, I’m Your Captain/Closer to Home, Hooked on Love, Get it Together, T.N.U.C. e Inside Looking Out estão simplesmente arrasadoras.

Para completar, Gimme Shelter aparece em sua versão definitiva – sejamos sinceros, muito melhor que a original, dos Rolling Stones. É uma das quatro faixas tiradas do show realizado no Shea Stadium, em Nova York, no dia 9 de julho, quando o Grand Funk igualou o recorde de público do local, pertencente aos Beatles, mas com todos os ingressos vendidos em 72 horas – Paul McCartney, John Lennon, George Harrison e Ringo Starr precisaram de 50 dias. Compre correndo.

A primeira parte do artigo “Grand Funk: remasterizado e essencial” foi publicado na edição 92 do International Magazine, em abril de 2003, e a segunda, na edição 93, em junho. As duas partes foram adaptadas para formar aqui uma única matéria, com a adição do texto sobre o álbum Live: The 1971 Tour, publicado na seção Curtas & Rasteiras da edição 88, em outubro de 2002.