Helloween

Por Daniel Dutra | Fotos: Cortesia/Century Media Brasil

Se você leu até o fim a resenha do novo CD do Helloween, Rabbit Don’t Come Easy, e a entrevista com o vocalista Andi Deris, eu diria que elas talvez não tenham sido decisivas para que alguém comparecesse ao Canecão no último dia 16 de setembro. Afinal, não apenas era uma chuvosa terça-feira, mas na mesma noite o Deep Purple se apresentava no ATL Hall, na Barra da Tijuca. Não dá para medir a divisão, mas existe um óbvio ponto de interseção entre os dois públicos. No entanto, quem é fã da banda alemã tinha a obrigação de estar em Botafogo.

Se as duas primeiras passagens do grupo pelo Brasil – em 1996, no Monsters of Rock, e em 1998, abrindo para o Iron Maiden – serviram apenas o aperitivo para os shows como headliner em 2001, ainda assim ficou faltando algo. Nada como uma mexida, portanto, para gerar expectativa. Com Sascha Gerstner (guitarra) e Stefan Schwarzmann (bateria) nos lugares de Roland Grapow e Uli Kusch, respectivamente, e um excelente CD nas lojas, o Helloween começou sua turnê mundial no Brasil e deu aos fãs um presente melhor que o esperado.

Não faltaram surpresas num Canecão que recebeu um bom público – 1.600 pessoas, segundo a produção. O início da apresentação foi uma viagem no túnel do tempo, rumo ao passado de onde a banda garimpou Starlight e Murderer, músicas do primeiro trabalho dos alemães, o miniálbum intitulado simplesmente Helloween (1985). Enquanto os fãs mais novos, muitos deles que conheceram o grupo já com Deris, não entendiam o que estava acontecendo, os mais antigos eram uma mistura de felicidade e incredulidade.

O que veio a seguir, então, foi uma tremenda covardia. Quando Deris anunciou “uma música do Keepers parte dois”, quem poderia imaginar que seria Keeper of the Seven Keys? Houve quem falasse “eu pensei que iria morrer sem assistir à banda tocá-la ao vivo”, e talvez seja esta a melhor maneira de definir o que foi a obra-prima de 13 minutos de duração, uma das canções clássicas e mais bonitas do heavy metal em todos os tempos. Sem tempo para recuperar o fôlego, as obrigatórias Future World e Eagle Fly Free colocaram a casa abaixo. Pronto, o primeiro tempo nem tinha chegado ao fim e a partida já estava vencida por goleada.

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O material mais recente veio na forma de Hey Lord!, I Can e a balada Forever and One, provando definitivamente que o set list havia sofrido uma reformulação e tanto. Claro, Dr. Stein não poderia ficar fora, mas daí para frente continuava uma surpresa atrás da outra. O novo álbum cedeu Open Your Life, Back Against the Wall e Sun 4 the World – todas ótimas, principalmente a primeira –, mas Just a Little Sign (retirada do repertório na última hora) e Listen to the Flies fizeram falta. Como nem tudo são flores, a decepção ficou por conta Schwarzmann, inegavelmente um bom batera, mas que passou longe de muitos licks dos excepcionais Uli Kusch e Mikkey Dee (que gravou Rabbit Don’t Come Easy como músico convidado).

Apesar das espetaculares Sole Survivor e Where the Rain Grows, em que o trabalho primoroso de Kusch ficou no CD, ficou a impressão de que foram escolhidas as músicas mais fáceis da época do ex-baterista (obviamente, nenhuma composição de Grapow foi apresentada). Rabugice à parte, nada que tenha atrapalhado, afinal, mesmo Michael Weikath (guitarrista e líder) estava bem mais solto, e o baixista Markus Grosskopf continua se divertindo como nunca no palco, espaço comandado com maestria por Deris, ótimo vocalista (sim, senhor!) e um frontman como poucos no heavy metal. E como reclamar de uma apresentação dos inventores de um estilo (o restante do metal melódico é conversa para boi dormir) que teve a apoteose de Power e fechou com How Many Tears? Sorte de quem presenciou.

Resenha publicada na edição 98 do International Magazine, em novembro de 2003.

Krisiun

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Impressionante. Não há outra palavra para descrever o nível ostentado pelo Krisiun hoje em dia. Com disco novo na praça, o excelente Works of Carnage, o trio formado pelos irmãos Alex Camargo (baixo e vocal), Moyses Kolesne (guitarra) e Max Kolesne (bateria) prova definitivamente ser um dos grandes nomes do death metal mundial, além de o grande representante do metal brasileiro no exterior, atualmente. No dia 4 de setembro, conversamos por telefone com Alex sobre o CD, que vem recebendo rasgados elogios da imprensa especializada, o lançamento do primeiro DVD, o prestígio alcançado pela banda no cenário do rock pesado e muito mais.

Quando recebi minha cópia de Works of Carnage, ouvi como referência que o novo disco estava “cabuloso”, palavra que foi novidade para mim. Depois que escutei o CD, no entanto, entendi perfeitamente o que quiseram dizer.
(N.R.: rindo) Essa foi boa! Acho que é isso mesmo!

Rolou alguma pressão pelo fato de o Krisiun ser hoje o grande nome brasileiro do metal no exterior?
O novo álbum é uma continuação do Ageless Venomous (2001), mas é claro que demos um novo passo, subimos mais um degrau. Sempre procuramos levar para frente não apenas a banda, mas também o estilo. É preciso conhecer para fazer som extremo, que está ficando mais popular, mas de certa forma ainda é discriminado. Batalhamos muito e ensaiamos para caralho, não de ficar cinco horas por dia tocando guitarra, já que não pregamos isso, mas de deixar o Krisiun 100% entrosado. Procuramos levar nossa proposta para frente e não ficar batendo na mesma tecla, mas é claro que temos muito orgulho do que já fizemos. Quando gravamos o disco anterior, havia uma febre muito grande do death metal esporro, algo sem propósito. Tentamos limpar e fazer uma música brutal e rápida, mas que as pessoas entendessem o que estava acontecendo. Nossa intenção é fazer com que o death metal seja visto como um estilo musical, mas obviamente mantendo a ideologia que sempre esteve conosco. Nunca negamos o fato de a banda ser 100% metal e temos orgulho disso, só que sempre estamos evoluindo e buscando o profissionalismo. Com Works of Carnage, conseguimos manter essa limpeza, mas trouxemos de volta o peso que as pessoas acham que faltou no Ageless Venomous, no qual nós acabamos limpando demais o som.

E o disco é até bem curto (N.R.: 32 minutos).
Sim, porque nossa intenção foi fazer um trabalho dinâmico, sem enrolação, sem ficar repetindo riff para aumentar o tempo de uma música.

Mas aí o fã tem de ficar apertando “repeat” toda hora porque o CD acaba rapidamente (risos), ainda mais que há vinhetas instrumentais como Outro, que encerra o disco. Aliás, qual o conceito das instrumentais bem curtas, como War Ritual e Shadows?
(N.R.: rindo) O lance do fã é esse mesmo! Bom, procuramos manter a atmosfera do álbum usando elementos diferentes. Por mais que a banda esteja satisfeita com o trabalho, não estamos aqui para pregar que o novo disco é o melhor, que o Krisiun é a banda mais foda, entende? Tudo que colocamos no CD é de coração, como as introduções, que são bem naturais para nós. Em todos os trabalhos usamos para dar uma quebrada, mostrar uma faixa diferenciada. A ideia em War Ritual foi fazer algo bem agressivo com a bateria, mas dando sentido ao que estamos fazendo. Tem a ver com a proposta da música.

Você falou em mostrar o death metal como estilo musical, acabando com o estigma de “barulho mal feito”, como se barulho pudesse ser bem feito (risos). Você não acha que a resposta está justamente no som do Krisiun, que não é nem um pouco fácil de fazer?
Sim, é por isso que ficamos gratos pelas oportunidades que temos para mostrar nosso trabalho. Por mais que a banda esteja solidificada, o apoio que recebemos é sempre muito importante. Mas ainda há muito preconceito, infelizmente.

Houve uma evolução natural da banda, mas vocês sempre se mantiveram fiéis às raízes do death metal. Qual sua opinião a respeito das subdivisões dentro do estilo, como a vertente mais melódica de grupos como Children of Bodom?
Olha, como não temos rabo preso com ninguém, vou ser sincero com você (risos). Algumas pessoas podem ver esse filão como uma evolução, mas é algo que eu não consigo ouvir. Não me identifico com o som e o acho um pouco artificial. Só que eu não tenho nada contra, afinal, todo mundo é livre para tocar e gostar do que quiser.


E a palavra “melódico” pode dar a entender que o death metal não tem melodia.
Claro, não é o caso de ter velocidade e agressividade na raiz e adicionar melodia. Toda música é melódica, por mais brutal que seja. Se ela é tocada corretamente, tem melodia. Para mim, essa nova divisão não é feita de maneira natural, ela já nasce com uma ideia preestabelecida. Nosso propósito é fazer música naturalmente, criar o que estamos sentindo, sem querer atingir determinados padrões. Nossas influências são as bandas tradicionais de metal dos anos 80, e depois vieram o thrash, o death e o black metal. Ouvimos o que nos agrada, mas é aquilo: não posso desmerecer ninguém. Apenas não me identifico com esse filão.

Isso tudo serve também para o black metal sinfônico de bandas como o Dimmu Borgir, então?
Exatamente. Inclusive, nós já fizemos turnê com o Dimmu Borgir e nos damos muito bem. Existem elementos legais na música da banda, muito bem feita e profissional, mas não faz a minha cabeça. E até disse isso a eles (risos). É como um trem que vai numa direção e de repente dá uma guinada brusca em busca de outro caminho (risos). Isso é pessoal, na verdade, porque eu curto o black metal mais direto de bandas como Dark Funeral e Marduk.

Não à toa vocês gravaram In League With Satan, do Venom. De quem foi a ideia, já que a versão ficou bem Krisiun, mas sem perder as características originais?
Estávamos ensaiando meio que de brincadeira e ficou bem legal, ou seja, surgiu de improviso. O Venom sempre está presente com a gente, já que quando começamos a curtir metal era a banda que mais tinha atitude, no sentido de ser objetivo no som agressivo da época. Acho que a identificação rola até mesmo por ser um power trio que remou muito contra a maré e foi muito discriminada, mas que se fortaleceu junto ao público que acreditava no som. Aquela história de “isso é barulho” (risos). In League With Satan é uma música vibrante, por isso mantivemos o andamento e procuramos colocar nosso espírito nela, como uma homenagem ao Venom. Se fosse por um esquema comercial, nós não a gravaríamos no nosso CD, mas participaríamos de um disco-tributo. Espero que um dia eles saibam disso (risos).

Falando em discriminação, não bate uma ponta de decepção com o fato de grande mídia e gravadoras ‘majors’ não darem valor a uma banda brasileira que está com um cartaz enorme lá fora, que é respeitada por toda a imprensa especializada e fãs de metal?
Nós temos muito orgulho de estar fazendo o que sempre sonhamos, de estar levando lá para fora nossa proposta, temos muito orgulho de ser uma banda brasileira se destacando no cenário, sem pagar pau para gringo. Mostramos que é possível sair do Brasil e fazer bonito lá fora, que aqui se faz música tão boa ou até melhor. Sem querer desmerecer ninguém. O problema é que hoje não há mais espontaneidade, rola muito jabá, há muito grana rolando, e as gravadoras compram espaço para veicular seus artistas. Até mesmo na época áurea do metal, no meio dos anos 80, tudo era mais espontâneo, as bandas estavam na cena porque tinham tesão. Hoje está tudo misturado, e a mídia fecha os olhos para determinadas coisas porque não interessa trazer algo novo, o negócio é bater na mesma tecla até o fim. No meio de toda essa competição, nós mandamos um foda-se e fazemos o que podemos. No metal há muita gente séria e as bandas estão mais profissionais, por isso as gravadoras especializadas estão fortes e lançando mais material na praça. Caminhamos de maneira independente, mas é claro que às vezes um ou outro programa de TV abre as portas e quer dar uma força. Nós estamos aí para o que der e vier na intenção de levar o metal para frente.

Essa mistura no metal tem muito a ver com o panorama nos EUA, que hoje não tem ideia do que realmente é heavy metal. Você acha que ficar forte por lá é definitivamente importante para o estilo?
Eu entendo o que você quer dizer. Essa tendência de impor bandas nunca vai mudar, é algo programado. Agora, uma banda que tem história e compromisso com o rock’n’roll não vai fazer parte dessa mídia de massa, aparecer todo dia na TV e de uma hora para outra desaparecer. Para o Krisiun, não deixa de ser uma surpresa poder fazer turnês nos Estados Unidos e ter os discos lançados lá. O metal ainda é considerado um estilo maldito, mas tem crescido muito nos EUA. Como o mercado é de altos e baixos, o metal corre por fora, mas não morre nunca.

Esse “maldito” tem a ver apenas com o fato de as pessoas terem medo do que não conhecem.
Exatamente. Discriminação e preconceito são as primeiras coisas que vêm à cabeça da pessoa, aqueles clichês de dizer que o metal é mal tocado, negativo e coisa do Diabo (risos). Da nossa parte, apesar do reboliço, existe sempre o orgulho de ser uma banda de metal e uma bande de metal brasileira, mas sem patriotismo barato, tipo usar boné ou camisa do Brasil em todos os lugares. O lance é estar na cena e contribuir para o crescimento. Aqui no Brasil tem muito grupo bom. Com o profissionalismo, a tendência é que muitos despontem.

Tem alguma que você considere estar pronta para estourar?
Olha, velho, eu aprendi a não apostar em ninguém. Só o tempo pode dizer, pois aparece e some muita coisa ao mesmo tempo. Musicalmente falando, tem muita coisa boa, mas às vezes é uma febre, as coisas demoram a acontecer, e a banda acaba sumindo. Há grupos que eu curto bastante, que são fiéis e ajudam a solidificar o metal, mas vamos ver quem vai estar firme daqui a sete ou oito anos. Nós começamos em 1988 e estamos aí até hoje, depois de ter tomado muita lambada nas costas (risos). É fácil pegar uma fórmula e ficar flutuando com ela, o difícil é ver quem vai dar a cara à tapa, porque a hora do “vamos ver” é o que importa.

Voltando ao disco, na Europa ele será lançado com uma faixa bônus, They Call Me Death (N.R.: no Brasil, o CD também foi lançado com esta música, além de uma faixa interativa com o videoclipe de Murderer). Foi decisão da gravadora?
Na verdade, ela é antiga (N.R.: da primeira demo tape do Krisiun) e foi regravada com mais duas músicas para servir de bônus do relançamento do Apocalyptic Revelation (1998) nos EUA. Até mesmo por uma necessidade de deixar o novo disco mais longo, a Century Media resolveu lançar They Call Me Death como bônus na Europa, onde a música era inédita.


A capa de Works of Carnage (N.R.: feita por Jacek Wisniewski) é a melhor de todos os álbuns do Krisiun. De quem foi a ideia e como ela se relaciona com a temática do disco?
A ideia foi em conjunto com o artista, sendo que tentamos passar com a arte o que mundo vem atravessando nos últimos tempos. De uma maneira mais explícita, mostrar esse apocalipse disfarçado que está rolando, o fato de o mundo estar ficando cada vez menos humano. Nós não estamos aqui para pregar o mal ou adorar o Diabo, isso já foi debatido há muito tempo, mas para discutir para onde estamos caminhando. Não exploramos o tema apenas sob a visão apocalíptica, mas também pelo aspecto da experiência e daquele lado negro que todo ser humano tem. Não nos conformamos com muita coisa, mas nossa maneira de expressar isso é com a música, não podemos sair na rua matando um monte de gente (risos). Gostamos de dar valor às culturas mais antigas e abordar o caos, mostrar que o mundo surgiu dele e está voltando a ele. A cidade retratada na capa é a de Hiroshima, no Japão, um simbolismo do extermínio total. É um círculo em que não pregamos o mal nem dizemos às pessoas o que eles devem fazer.

O lançamento do DVD Live Armageddon foi adiado. O que aconteceu e quando ele deve finalmente sair?
Nós tivemos um problema com a gravadora antiga, a Gun Records, da Alemanha, detentora dos direitos dos dois primeiros discos (N.R.: Black Force Domain, de 1995, e Apocalyptic Revelation). Como nós tocamos seis músicas deles, rolou uma burocracia que demora um tempo para sair da fila. Foi chato porque ele deveria ter sido lançado logo depois do novo disco, em outubro, e houve uma expectativa grande. Mas por causa desse atraso, vamos incluir mais um show no DVD e imagens da gravação do Works of Carnage. Até o fim do primeiro trimestre de 2004 ele certamente estará na mão.

A turnê começa no fim de outubro. Vocês vão para os EUA e depois seguem para a Europa. Como está o esquema do Krisiun para o Brasil?
Vamos fazer o que der para fazer aqui, pois sempre fizemos questão de tocar no Brasil. Estivemos recentemente no Nordeste e vamos tocar em Belo Horizonte antes de ir para os EUA fazer a turnê com o Deicide e o Hate Eternal. Voltamos ao Brasil na segunda quinzena de dezembro e já temos shows marcados para Porto Alegre e São Paulo. No começo do ano que vem iremos à Europa, mas ainda estamos esperando fechar o pacote, saber quais as bandas que irão acompanhar. Depois disso, esperamos tocar no Rio de Janeiro com uma boa infraestrutura, num lugar legal. Queremos realizar um bom show para os fãs cariocas.

Nos últimos 15 anos, quais foram as maiores dificuldades? Houve algum momento em que vocês pensaram em desistir?
Todo mundo passa por dificuldades no Brasil, mas nunca deixamos de acreditar. Todos da banda já tiveram um emprego paralelo aqui em São Paulo. Vivemos dias bem difíceis, trabalhando duro para manter o Krisiun, conseguir comer, ter onde morar e pagar as contas. Sempre corremos por fora, sem vergonha nenhuma das dificuldades, mas felizmente estamos firmes até hoje.

Vocês ressaltaram a importância da mudança do Rio Grande do Sul para São Paulo. Alguma vez rolou de ir morar no exterior?
Sim, chegamos a cogitar e tivemos a oportunidade na época do Apocalyptic Revelation, quando ficamos seis meses na Alemanha. Na verdade, ainda rola a oportunidade, e nunca negamos a possibilidade de passar uma temporada maior fora. Agora, é mais viável ficar no Brasil enquanto der para conciliar turnês, gravações e tudo mais. Nós estamos tranquilos aqui, afinal, pagamos conta aqui da mesma maneira que pagaríamos lá fora (risos).


Não é muito comum uma banda ficar tanto tempo sem mudanças na formação. O fato de serem três irmãos acaba ajudando, certo?
Sim, facilita na questão do compromisso. Olhamos um na cara do outro e sabemos que ninguém é traíra. Claro que às vezes quebra o pau (risos), mas são coisas que nunca abalam nossa união. A banda está junta há tanto tempo não apenas porque são três irmãos, afinal, se alguém estiver insatisfeito ou sem trabalhar direito, o melhor é cair fora. Mas ajudou no sentido de acreditar e de um ter firmeza no outro.

E o começo de tudo, ou seja, o que levou vocês três a formarem o Krisiun?
A culpa é de nosso irmão mais velho, que foi criado na capital, enquanto nós éramos moleques do interior, perdidos e sem manjar nada (risos). Lembro que a primeira banda que ouvimos foi o AC/DC. Ele colocou o som, e nós ficamos fissurados, mas não tínhamos ideia de montar uma banda, era só curtir Iron Maiden, Motörhead, Judas Priest e outras bandas. No colégio é que começou o lance de querer tocar, pois sempre tinha alguém com uma guitarra, um baixo.

Alex, obrigado pela entrevista. Parabéns pelo Works of Carnage e por tudo alcançado pelo Krisiun até agora.
Obrigado a você, irmão! Depois de tudo que você falou, eu só tenho a agradecer. Foi firmeza pura (risos). Esperamos tocar em breve no Rio de Janeiro, num lugar bacana para fazer uma puta show!

Entrevista publicada na edição 98 do International Magazine, em novembro de 2003, mas aqui reproduzida sem a edição para o jornal.

Superjoint Ritual

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Uma das bandas de heavy metal mais bem-sucedidas dos anos 90, o Pantera virou mesmo história. O hiato depois da turnê do álbum Reiventing the Steel, lançado em 2000, fez com que os integrantes se interessassem muito mais por seus projetos (antes apenas) paralelos. Os irmãos Vinnie Paul (bateria) e Dimebag Darrell (guitarra) estão envolvidos com o Damageplan, Rex Brown (baixo) vem trabalhando com o Crowbar, e Phil Anselmo resolveu colocar também um ponto final no quarteto texano. Líder do Superjoint Ritual – cujo segundo álbum, A Lethal Dose of American Hatred, chegou recentemente às lojas –, o vocalista afirmou categoricamente que o “Pantera é coisa do passado”. No dia 27 de agosto, conversamos por telefone com Anselmo, que parecia, digamos assim, ter acabado de acordar para conceder a entrevista. Tido como uma pessoa difícil, o vocalista não faz mesmo o tipo brincalhão, mas mostrou-se educado e sincero, ou seja, sem papas na língua e disparando sua metralhadora verbal sem o menor pudor. Do som mais direto e objetivo do Superjoint Ritual – que conta ainda com os guitarristas Jimmy Bower (Eyehategod) e Kevin Bond (Christ Inversion e Body and Blood), o baixista Hank III e o baterista Joe Fazzio – ao novo disco do Metallica, confira aqui os melhores momentos da conversa.

O som do Superjoint Ritual é bem mais old school, nada parecido com o que você fazia no Pantera. Quais são as principais influências?
Sim, é absolutamente diferente do Pantera! É algo na linha de bandas como Discharge, Agnostic Front, Black Flag e do som dos anos 80. Realmente algo bem old school, como você disse, mas gostaria de deixar claro que não há nada de punk rock. Eu gosto de hardcore e metal, não de rock alegre (risos).

Apesar da mudança radical, existe a possibilidade de um dia você voltar a fazer thrash metal?
Não, estou com o Superjoint Ritual e ponto final. E eu não voltarei para o Pantera. Não olho para o passado, e o Pantera é coisa do passado.

Isso significa que você está em casa, ou seja, é o que você sempre quis fazer?
Sem dúvida alguma, apesar de eu sempre ter feito tudo honestamente na minha carreira. Pior seria estar tocando essa merda de new metal ou fazendo pop para as rádios.

Interessante você mencionar o new metal, já que atualmente sempre está na pauta das entrevistas que faço. Você acredita que bandas como o Superjoint Ritual nos Estados Unidos e a geração de bandas suecas como Soilwork, Arch Enemy e In Flames são o que faltava para mostrar o que realmente é o heavy metal?
Ótima pergunta. No nosso caso, o objetivo e dar às pessoas o que, para mim, é a verdadeira essência do metal, algo que você encontrava no Venom, Destruction, Slayer, Celtic Frost e mais um monte de bandas que poderia citar aqui. Queremos não apenas oferecer isso aos fãs antigos, mas também mostrar aos mais novos que o new metal é um lixo (risos). Nos EUA, os mais jovens têm sido enganados por essa por essa porcaria, por bandas maquiadas e com fantasias, em vez de aprenderem de onde vem a verdadeira música. Hoje os shows se resumem a explosões, laser e todo o tipo de efeitos especiais, isso porque esses grupos precisam disfarçar sua música, que é ruim. Para tocar, o Superjoint Ritual apenas desce de ônibus e vai para o palco, usamos as mesmas roupas que vestimos no dia a dia, algumas luzes e temos uma plateia alucinada. É assim que deve ser. A música deve falar mais alto que os negócios.

Mas e o quanto ao KISS? Não é segredo que você gosta da banda, que usa todos esses artifícios e gravou pelo menos uns quatro discos obrigatórios para qualquer fã de rock?
(N.R.: rindo) Mas eles fazem isso há 30 anos! Bom, no início também não tinha nada a ver com negócios (risos).


Em uma entrevista quer fiz com o Dan Lilker ano passado, ele disse que uma das razões da volta do Nuclear Assault era justamente para acabar com o new metal. Há muitas bandas dos anos 80 ressurgindo com força, mas algumas sempre estiveram no topo e parece que estão virando as costas para os próprios fãs, caso do Metallica. Você concorda com isso?
Honestamente, o Metallica esqueceu que é Metallica há muito tempo. De qualquer maneira, Dan Lilker deveria olhar para o próprio rabo antes de falar dos outros. Eu posso tocar thrash, death ou qualquer outro estilo do metal, mas nunca vou usar maquiagem como ele em sua banda de black metal (N.R.: The Ravenous). Por mais que o Nuclear Assault tenha voltado para acabar com alguém, é melhor medir as palavras. O Superjoint Ritual é a arma para acabar com essa bosta de new metal, não o Nuclear Assault.

Mudando de assunto, como a anda a House Core Records (N.R.: gravadora independente fundada por Anselmo)?
Cara, obrigado por perguntar! (risos) Na verdade, os últimos lançamentos foram os dois CDs do Superjoint Ritual (N.R.: o primeiro, de 2002, chama-se Use Once and Destroy), numa parceria com a Sanctuary Records. A gravadora é 100% minha, mas não há tempo para mais nada que não seja dedicação total à banda, já que A Lethal Dose of American Hatred vem tendo um ótimo desempenho. O disco estreou na 55ª posição na Billboard e continua no Top 200, sendo que chegou ao segundo lugar no ranking de independentes e permanece entre os cinco primeiros.

E como estão sendo os shows (N.R.: a turnê começou em julho, e em novembro a banda faz um giro pelos EUA com Sepultura e Morbid Angel)?
Fizemos uma pequena apresentação de aquecimento e, na sequência, dez shows no Texas, além de termos tocado no Novo México. Posso dizer a você que tivemos plateias alucinadas. Você sabe que o Texas é a casa do Pantera, por isso os fãs estão do meu lado.

Falando nisso, o assunto está mesmo encerrado para você, ou seja, o Pantera acabou?
Definitivamente! Vinnie Paul e Dimebag Darrell andaram dizendo muita merda a respeito do Superjoint Ritual, mas eu não desço ao nível deles e não devolvo as palavras… (N.R.: Anselmo faz uma pausa) Você quer saber? A reação deles foi de medo do Superjoint Ritual, que sempre os assustou porque, de certa maneira, é muito melhor que o Pantera. Eles temiam que os fãs do Pantera gostassem mais da minha banda, e foi isso que aconteceu! O que nós fizemos no Texas foi inédito. O Superjoint Ritual destruiu a porra da cidade! (risos) Todos os shows foram devastadores e memoráveis para os fãs, e sei que posso falar por eles.

Você consegue imaginar uma volta do Pantera com outro vocalista?
Não. Fazer algo assim seria estupidez.


Em relação à letra de The Destruction of a Person, ela é destinada a alguém especificamente?
Bem, sei o que você quer dizer (N.R.: Anselmo descreve a reação de alguns daqueles que o chamavam de “amigo” antes de uma overdose de heroína que deixou o vocalista clinicamente morto por seis minutos em meados dos anos 90). Em geral, todas as letras são bem pessoais, mas estão abertas a interpretações. Você me entende, certo?

Sem dúvida. E quando veremos o Superjoint Ritual no Brasil?
Eu espero que em janeiro de 2004. Talvez até antes, mas quero tocar aí no começo do ano que vem, em quantas cidades eu puder.

Obrigado pela entrevista, Phil, e o espaço é seu.
Obrigado a você, e sinto muito pelos problemas. Não sei o que aconteceu (N.R.: Anselmo refere-se às duas vezes que a linha caiu e ele levou alguns minutos para conseguir ligar novamente). Os fãs brasileiros sempre foram extremamente leais e insanos! Eu respeito isso. Nunca farei nada que decepcione vocês, que desaponte a mim e ao metal também. Sempre tento fazer o melhor e dou aos fãs 100% de mim.

Entrevista publicada na edição 98 do International Magazine, em novembro de 2003.