Tiamat

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

O heavy metal na Suécia tem um capítulo à parte dedicado ao Tiamat. Depois de ter se destacado como um dos grandes nomes do som extremo, o grupo liderado pelo vocalista e guitarrista Johan Edlund mudou radicalmente a partir do álbum Wildhoney, ganhando destaque no cenário mundial. O ano era 1994, e a banda passou vulgarmente para o lado do gothic rock – graças à complexidade das canções, o termo atmosferic music foi rapidamente associado. Quase dez anos depois, o Tiamat – hoje completado por Anders Iwers (baixo), Lars Sköld (bateria) e Thomas Petersson (guitarra) – lança seu nono trabalho, Prey. No dia 20 de outubro batemos um rápido e interessante papo com Edlund, por telefone, e aqui você confere a íntegra da conversa.

Prey não tem nada a ver com o Tiamat de dez anos atrás, mas é um desenvolvimento do trabalho realizado em Judas Christ, de 2002. Vocês encontraram finalmente um caminho ou os fãs podem esperar por outras mudanças no futuro?
Eu não acho que mudamos tanto, realmente. Na verdade, concordo quando você fala de evolução. O mais importante é que mantivemos a sonoridade típica do Tiamat.

O primeiro single do novo álbum é Cain, que é bem menos comercial que Vote for Love, a faixa de trabalho de Judas Christ. Como se deu a escolha?
Nós fazemos música para os fãs e não estamos interessados no sucesso comercial que um single poderia trazer. Além disso, Cain representa bem todo o álbum e é uma boa amostra do que fazemos.

A banda gravou recentemente um videoclipe para ela. Você pode nos dizer algo respeito?
Sim, fizemos um trabalho com um conceito bem abstrato, por isso é difícil explicar com palavras. Você realmente precisa assistir ao vídeo para chegar a uma conclusão. Não há uma história, digamos assim, mas algumas imagens bem fortes.

Divide é uma das músicas mais bonitas do álbum, com alguns vocais femininos e arranjos de orquestra. Para ser sincero, é a minha favorita em Prey. Acredito que tenha sido uma das mais difíceis para gravar, não?
Obrigado pelo elogio, já que Divide também é a minha favorita. Eu realmente gosto muito dela. Mergulhei fundo na hora de escrever os arranjos, pensar em como poderia ficar a orquestração, ou seja, fiz a música com muito amor. Adicionei vários elementos, mas tudo foi muito bem encaixado. Ela não ficaria confusa se tirássemos esses elementos.

Acredito que ela estará nos próximos shows. Você já pensou como fará para reproduzir ao vivo todos os arranjos originais?
Acho que o tecladista que nos acompanhar terá muito trabalho. Vamos precisar de um com três mãos (risos).

Carry Your Cross and I’ll Carry Mine é outra canção com vocais femininos. Já havia essa ideia quando você a compôs?
No geral, todo o processo de composição foi bem espontâneo. Carry Your Cross and I’ll Carry Mine, por exemplo, eu sabia que deveria ser cantada também por uma garota. Foi natural saber que não se encaixaria completamente na minha voz. Tenho a mente aberta e a liberdade para fazer o que quero, por isso fui atrás quando surgiu a ideia.

Eu escutei apenas a ‘promo copy’ de Prey, por isso mesmo não tenho as letras. De qualquer maneira, dá para perceber que há um tema religioso. Você pode nos falar do conceito do disco?
Sim, claro. Ele lida com aquilo que sempre explorei nas letras: vida, morte, amor, religião e, especialmente, questionamentos a respeito desses assuntos, alguns que não podem ser facilmente respondidos. Eu não dou as respostas, mas estou à procura delas.

Vocês gravaram um cover para Sleeping (In the Fire), do W.A.S.P., que infelizmente não está na ‘promo copy’. De quem foi a ideia de gravá-la?
Foi uma combinação de nosso gosto pessoal. O W.A.S.P. é uma das poucas bandas que todos nós gostamos, pois temos gostos bem diferentes um do outro.


Bom, e quais os grupos que você tem escutado atualmente?
Eu ouço de tudo, de Celtic Frost a Pink Floyd, incluindo muita coisa que está entre eles.

A influência de Pink Floyd fica latente em Pentagram, por sinal. Foi intencional?
Sem dúvida, pois a banda sempre foi uma grande influência para mim. Percebi que poderia mostrar isso de maneira mais explícita numa de minhas músicas. Podemos dizer que é realmente um tributo ao Pink Floyd.

Ainda sobre Pentagram, a letra é baseada num poema de Aleister Crowley (1875-1947) (N.R.: famoso poeta e praticante do ocultismo que viveu na Inglaterra). Você teve até mesmo de pedir permissão ao Ordo Templi Orientes (N.R.: Ordem criada por Crowley em 1904 que cuida do legado literário do “bruxo” e promove sua filosofia e visão). Como aconteceu?
Bom, a letra é baseada num poema chamado justamente “The Pentagram”, sendo que realmente tive de pedir permissão. Queria muito poder usá-lo porque acredito que ele representa bastante a influência que tenho de Aleister Crowley. Com “The Pentagram” você pode conhecer a fundo o mundo de Crowley.

O Tiamat é hoje categorizado como gothic rock, mas acho que a banda é mais complexa do que isso. Você se sente confortável com esse rótulo?
Não faz a menor diferença para nós. Na verdade, ao mesmo tempo em que não temos nenhum problema com isso, também não aceitamos o rótulo. Quer dizer, acredito que não seja possível explicar o que fazemos em duas ou três palavras. Mas é o que as pessoas fazem, por isso deixamos que decidam como querem nos rotular.

Há alguma expectativa especial em relação ao lançamento de Prey no Brasil?
Minha maior expectativa é que o disco seja muito bem recebido, assim poderemos tocar em seu país. Estivemos muito perto de tocar no Brasil em 2002, foi a primeira vez que planejamos algo a respeito e iríamos também a outros países da América do Sul. Toda a vez que lançamos um novo álbum aumentam as possibilidades de irmos aí.

E o que aconteceu ano passado que acabou não dando certo?
Eu não sei. Havia pessoas trabalhando para isso, e a nossa parte foi dizer “é claro que queremos ir”. Espero que com Prey nós realmente possamos tocar para os fãs brasileiros. Eu não sei o que esperar do Brasil, mas tenho uma boa ideia por causa dos shows que são realizados aí, com várias bandas gravando discos ao vivo no país, mostrando fãs realmente entusiasmados. Tudo parece muito intenso, e eu ficaria um pouco nervoso, mas é disso que gosto (risos). Falando assim, percebo como espero que possamos tocar no Brasil. As pessoas parecem ser apaixonadas pela música. Como nós amamos o que fazemos, haverá uma simbiose.

E como estão os preparativos para a próxima turnê?
Nós ainda vamos começar a preparar tudo, nem temos datas ainda. Tentaremos fazer o maior número possível de shows e tocar em quantos países pudermos. Queremos apresentar nossa música para quem quiser ouvi-la e assistir a uma de nossas apresentações.

Minha última pergunta é baseada no press release de Prey, em que você é citado como um “gênio musical”. Você concorda ou mesmo sabia disso?
(Rindo) Ótima pergunta! Eu soube disso há alguns dias e achei muito estranho (risos). Para mim, gênio é alguém como Albert Einstein! (mais risos) Eu sou apenas um músico de rock.

Obrigado pela entrevista, Johan, e o espaço é seu.
Gostaria de dizer aos fãs brasileiros para não perderem as esperanças, pois há uma grande chance de tocarmos para vocês. Saibam que estamos trabalhando sério para que isso aconteça o mais rápido possível. No mais, obrigado a você pela agradável entrevista.

Entrevista publicada na edição 99 do International Magazine, em dezembro de 2003.

Arch Enemy – Anthems of Rebellion

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Da mesma maneira que existem bandas intocáveis – aquelas que lançam discos que o fã compra sem pensar duas vezes –, há o músico que é sinônimo de qualidade. Seja qual for o trabalho em que ele estiver envolvido, a satisfação é garantida. O guitarrista Michael Amott se encaixa perfeitamente no perfil, conquistado com Heartwork, lançado pelo Carcass em 1994, álbum que fez coro ao saudoso Chuck Schuldiner – ex-guitarrista e vocalista do Death, que um ano antes lançara o marco chamado Individual Thought Patterns – para ajudar a mudar a cara do death metal.

Depois do Carcass, Amott passou a dividir seu tempo entre o stoner rock do Spiritual Beggars (já com quatro discos lançados) e o aclamado Arch Enemy, que acaba de lançar seu quinto trabalho de estúdio, Anthems of Rebellion. Formada em 1996 por Michael e seu irmão e também guitarrista Christopher Amott, Johan Liiva (baixo e vocal) e Daniel Erlandsson (bateria), a banda sueca lançou o primeiro álbum, Black Earth, no mesmo ano e em 1998 – com Martin Bengtsson no baixo e Peter Wildoer na bateria, ambos do Armageddon – gravou Stigmata, trabalhos que fizeram o nome da banda no país natal.

Com o retorno de Erlandsson às baquetas e as quatro cordas a cargo de Sharlee D’Angelo (Mercyful Fate), estava dado o primeiro passo rumo ao posto de um dos melhores grupos de metal. Burning Bridges chegou às lojas em 1999, mas foi em 2001 que aconteceu a cartada definitiva, com a saída de Liiva e a entrada de Angela Gossow, ex-repórter de uma revista alemã que, depois de uma entrevista com a banda, resolveu deixar uma fita demo com os integrantes. A loura causou dúvidas nos fãs, mas Wages of Sin (2002) sepultou todas elas: botando muito marmanjo no bolso, Angela mostrou-se capaz, e seus vocais agressivos e guturais contribuíram para que o disco ganhasse o selo “obra-prima”.


Para a felicidade dos fãs, em Anthems of Rebellion o quinteto fez mais um trabalho perfeito. A vinheta Tear Down the Walls prepara para o massacre que vem a seguir, com Silent Wars – destaque para os magníficos duelos dos irmãos Amott – e o primeiro single, We Will Rise, em que Erlandsson realiza um trabalho espetacular com dois bumbos – o batera, diga-se de passagem, brilha em todo o CD. Uma década depois de o death metal ter deixado de ser uma “massa sonora disforme” (um eufemismo para “barulho”, termo infelizmente ainda usado por muita gente, que um dia ouvi), o Arch Enemy volta a apresentar um instrumental pesado, criativo e construído tendo como base estruturas melódicas irretocáveis.

Dead Eyes See No Future, Leader of the Rats, Dehumanization e Saints and Sinners (esta com backing vocals limpos) convivem muito bem com Anthem e Marching on a Dead Road, temas instrumentais que comprovam aos radicais a existência de feeling na música extrema. Apesar de Anthems of Rebellion ser um trabalho uniforme, é impossível não apontar destaques, a começar por Instinct e Despicable Heroes. A primeira apresenta riffs fantásticos e uma ótima linha vocal, e a segunda, resquícios diretos do death metal, ambas com uma atuação ímpar de Angela Gossow.

End of the Line (mais riffs maravilhosos e novamente backings limpos) e Exist to Exit (que nos remete ao Slayer da fase Seasons in the Abyss) mostram a facilidade do Arch Enemy em renovar o heavy metal – principalmente o death e o thrash – para fazer algo único nos dias de hoje. Para completar, o disco – que tem um belíssimo trabalho gráfico – chega ao Brasil acompanhado de um CD bônus com três músicas gravadas durante a Wages of Sin Campaign 2002: Lament of a Mortal Soul, Behind the Smile e Diva Satanica. Obrigatório a todos que gostam de rock pesado.

Resenha publicada na edição 99 do International Magazine, em dezembro de 2003.

Living Colour – Collideøscope

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Se o leitor conferiu a entrevista com Corey Glover, sabe que o escriba aqui não esconde sua paixão pelo Living Colour. Poderia enumerar as razões por que tenho especial carinho pela banda, mas sou obrigado a resumir: é o melhor, mais ousado e mais criativo grupo de rock surgido nos últimos 20 anos. Se ainda assim for necessário um exemplo prático, ouça Collideøscope, o primeiro álbum de estúdio em dez anos, o trabalho que marca a volta depois de cinco anos do anúncio da separação, depois de sete anos sem Glover (vocal), Vernon Reid (guitarra), Will Calhoun (bateria) e Doug Wimbish (baixo) não tocarem juntos.

Mas não daria para saudar a volta do Living Colour com tanto entusiasmo se não fosse a certeza de que a banda continua relevante. Collideøscope ratifica isso não apenas no campo musical, mas também porque os quatro ainda têm algo inteligente a dizer – e isso faz uma tremenda diferença hoje em dia. Obviamente, os atentados terroristas em 11 de setembro exerceram uma forte influência, ainda mais com Glover estando dentro de um avião rumo a Nova York no fatídico dia.


No entanto, não espere encontrar exemplos típicos de um povo que não consegue enxergar além do próprio umbigo. Não, assim como o Queensrÿche em seu último disco, Tribe, o Living Colour expõe os erros de seu próprio país. Com um quê de The Clash – e propositadamente com a produção mais suja do disco –, a ótima Operation: Mind Control coloca o dedo na ferida: “(…) Isso não parece muito com liberdade / É a operação controle da mente / É a batalha pela alma da América / Apenas vista o casaco da conformidade / Enquanto nós o alimentamos com propaganda / Na TV do Estado / Você está 24 horas sob vigilância do satélite espião / Sempre achado pelo olho que tudo vê / Em Deus nós confiamos / E a alma da América (…)”.

Com elementos eletrônicos e muito peso graças à guitarra e a uma ótima linha vocal, In Your Name aponta a falta de sentido em uma guerra. A ? of When – o maior exemplo do casamento perfeito entre música e tema, com uma interpretação nervosa de Glover – questiona as consequências do evento (no encarte, a letra ocupa uma página inteira, vermelha e com um avião ao fundo). Claro, musicalmente Collideøscope é um bálsamo, de Song Without Sin à curta e bela instrumental Nova. Da oportuna regravação de Sacred Ground – uma das quatro músicas (à época) inéditas da coletânea Pride (1995) – ao acento reggae de Nightmare City – felizmente sem a repetitiva (e muito chata) guitarra característica do estilo.


O disco é recheado de ótimas canções – como Great Expectation, Choices Mash Up e Lost Halo, em que brilham Reid e Glover –, mas ainda assim podemos separar aquelas que conseguem ser diferenciais. Holy Roller e Pocket of Tears são excelentes, principalmente a segunda, uma balada (sem a conotação piegas, por favor) cheia de feeling. Certamente alvo da curiosidade de muitos, Tomorrow Never Knows, dos Beatles, ficou primorosa com os arranjos percussivos do extraordinário Calhoun.

A versão para a música dos Fab Four deve agradar em cheio aos que gostam da banda, mas Back in Black, clássico do AC/DC, já irritou alguns puristas de plantão. Sabe-se lá se o motivo foi o solo de Reid – ou seja, um solo do guitarrista do Living Colour, não de Angus Young – ou a interpretação de Glover – ora soando como ele mesmo, ora soando como Brian Johnson. O resultado? Sensacional. Fazer beicinho é bobagem pura, um conservadorismo que só pode durar até a maravilhosa Flying. Lenta, linda, cheia de groove e com Wimbish, Calhoun e Glover dando um espetáculo. Fora a letra emocionante… Resta agradecer aos deuses da música – enfim, a salvação do rock! – e esperar que o Living Colour realmente chegue ao Brasil no início de 2004.

Resenha publicada na edição 99 do International Magazine, em dezembro de 2003.

Alice Cooper – The Eyes of Alice Cooper

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Talvez você não tenha a menor ideia de quem seja Vincent Damon Furnier, mas certamente conhece Alice Cooper. Aos 55 anos, quase 40 de carreira, o pai do “rock horror show” não perde tempo desde que reencontrou o caminho do bom e velho rock’n’roll no meio dos anos 90. Sim, porque Tia Alice não escapou de alguns trabalhos mais comerciais nos anos 80 – Raise Your Fist and Yell (1987) e Trash (1989) –, mas o responsável por clássicos como Killer (1971), School’s Out (1972) e Billion Dollar Babies (1973) não poderia ter esquecido como ser old school.

The Last Temptation (1994) foi uma tentativa tímida, mas ainda assim preparou o terreno para que Alice Cooper voltasse a encher os olhos de quem curte aquela fase da década de 70. O primeiro capítulo atende pelo nome de Brutal Planet (2000), que rendeu no mesmo ano o excelente DVD Brutally Live, registro de uma apresentação no Hammersmith Apollo, em Londres, Inglaterra (em tempo: o vídeo foi relançado em novembro, numa edição especial que inclui também o CD duplo do show).


No ano seguinte, DragonTown chegou às lojas, e com ele Alice finalizou a trilogia iniciada com a bela Only Women Bleed, de Welcome to My Nightmare (1975) – outro clássico, diga-se de passagem. Every Woman Has a Name encerra a ode à força das mulheres cuja segunda parte, em Brutal Planet, ganhou o nome de Take it Like a Woman. Prestígio reconquistado e som renovado, o passo mais recente foi dado com The Eyes of Alice Cooper, um dos melhores discos de rock de 2003.

O novo álbum – “gravado praticamente ao vivo”, segundo o press release – é espontâneo do início ao fim, com 13 músicas simplesmente irresistíveis. A receita não é complicada: riffs muito bem construídos, refrãos empolgantes, solos de guitarra esbanjando feeling – para a felicidade quase geral, nenhum com milhões de notas por segundo – e uma banda de primeira linha, garantindo o resultado orgânico das canções: Eric Singer (bateria), Chuck Garric (baixo) e os guitarristas Eric Dover e Ryan Roxie, além do tecladista convidado Teddy “ZigZag” Andreadis.

What Do You Want from Me? abre o CD em clima de festa, deixando espaço para o vigor de Between High School & Old School e Man of the Year, esta última com uma saudável dose de punk rock. A trinca é arrasadora e já faz valer cada centavo gasto, mas seria injustiça não mencionar Spirit Rebellius, as nervosas I’m So Angry e Backyard Brawl e a participação de Wayne Kramer, guitarrista do legendário MC5, em Detroit City.


Menos pesado e agressivo que os dois discos anteriores, principalmente Brutal Planet, The Eyes of Alice Cooper tem espaço para Novocaine e Love Should Never Feel Like This, deliciosamente comerciais e uma amostra de como o hard rock pode ser acessível sem abrir mão da qualidade (fazendo ou não uso do laquê e das calças de oncinha). Méritos para Dover e Roxie, que compuseram todas as músicas com Alice (Detroit City ainda tem Garric como coautor) e, apesar de mais novos que o chefe, não fugiram à proposta de fazer um disco de rock puro e simples.

The Eyes of Alice Cooper é um resgate ao som dos anos 70 ao mesmo tempo em que soa absolutamente atual, seja na balada Be With You Awhile (enriquecida com um esperto Fender Rhodes) ou no arranjo de metais de Scott Gilman em Bye Bye, Baby. Talvez seja um choque para quem acha que o rock recomeçou com The Strokes, mas é uma bênção para aqueles que, com a paciência necessária às novidades, não deixam de enxergar o óbvio: não se faz mais rock como antigamente. Saudosismo alimentado por This House is Haunted e a excelente The Song That Didn’t Rhyme. Ouvir The Eyes of Alice Cooper traz aquela vontade de tocar guitarra imaginária, sabe como é?


Resenha publicada na edição 99 do International Magazine, em dezembro de 2003.

Rush – Rush in Rio

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Primeiro, a apresentação no Maracanã, no dia 23 de novembro, no encerramento da turnê do último disco de estúdio do trio canadense, Vapor Trails (2002). Um ano depois, chega às lojas o DVD duplo e o CD triplo Rush in Rio, com a íntegra do memorável show realizado para os fãs cariocas. O lançamento do novo trabalho ao vivo do Rush ganhou até mesmo um site para divulgação. Coisa fina.

Para não dizer que o DVD é a nata, a versão apenas em áudio traz duas músicas gravadas no início da turnê: Between Sun & Moon e Vital Signs, que no Brasil foram substituídas por The Trees e Freewill. O acréscimo não deixa de ser interessante, por dois motivos bem simples: Between Sun & Moon, do álbum Counterparts (1993), nunca havia sido tocada ao vivo até então, enquanto Vital Signs, do clássico Moving Pictures (1981), aparece pela primeira vez num registro ao vivo da banda.

Apresentadas as razões para o fã comprar também o CD, vamos ao indispensável DVD. A versão nacional não é digipack como a importada, mas é tão luxuosa quanto: tem sobrecapa e inclui um pôster de quatro dobras, com a capa do vídeo na frente e uma foto lateral do estádio pegando a pista completamente tomada. Claro, vale ressaltar que o capricho na edição brasileira inclui o livreto de 16 páginas com ficha técnica, fotos e um texto escrito por Neil Peart, no qual o batera esmiúça os seis meses de turnê, obviamente destacando os três shows no Brasil – além do Rio, o Rush tocou em Porto Alegre (20) e São Paulo (22).

Peart não esconde a surpresa com a popularidade da banda no país, onde o trio teve o maior público de sua carreira como headliner – 60.000 pessoas em São Paulo, além de 25.000 em Porto Alegre e 40.000 no Rio –, e fala aquilo que todos sabemos: quando quer, o público brasileiro faz parte do show como poucos. “Apenas escute os fãs cantarem nota por nota de YYZ, uma música instrumental, e você perceberá que não é uma audiência qualquer. Eles foram extraordinários, e nós dedicamos nosso show, antes e agora, a eles.” Nós também agradecemos, mas é mesmo emocionante ver tanta gente pulando em YYZ ou todos batendo palmas em The Spirit of Radio.


Independentemente da preferência por material mais antigo ou mais recente, foi assim em todo o show. Particularmente, foi realmente um sonho assistir a Lee, Lifeson e Peart desfilarem Tom Sawyer, The Trees, Free Will, Closer to the Heart, Limelight, La Villa Strangiato e The Spirit of Radio, entre outras, mas nada foi tão espetacular quanto 2112. Àquela altura a compostura já havia ido para o espaço, mas foi impossível segurar as lágrimas – sim, a compostura há muito já havia ido para o espaço, mesmo.

Os extras no segundo DVD não são apenas inevitáveis ao formato, mas aqui um grande complemento. A começar pelo recurso multiângulo em YYZ, La Villa Strangiato e O Baterista, o solo de Peart que ratifica o porquê de o batera ser hors-concours nas principais revistas especializadas em todo o mundo. Além de poder optar pela mesma edição do primeiro disco, você pode assistir às músicas acompanhando apenas um dos músicos – à exceção, claro, de O Baterista, em que há quatro ângulos diferentes de Peart.

O documentário “The Boys in Brazil”, dirigido por Andrew MacNaughtan, apresenta em 55 minutos o humor de Lifeson, a seriedade e o profissionalismo do trio, vários trechos dos shows e ainda abre espaço para os fãs realmente enaltecerem o Rush. Dos anônimos aos famosos, como Andreas Kisser, Paulo Jr. e Derrick Green – guitarrista, baixista e vocalista do Sepultura, respectivamente. Falar demais acaba estragando, então assista a “The Boys in Brazil” com prazer.

Em tempo: vale a pena dar uma força e mostrar como se faz para liberar os “easter eggs”. Para ver a animação “By Tour”, de pouco mais de dois minutos, pressione [enter] ou [OK] no controle remoto aos 26 minutos e 40 segundos do documentário, quando Lifeson fala que o grupo parou de tocar By-Tor and the Snow Dog no fim da década de 70. Para ter acesso ao vídeo do grupo tocando Anthem em 1975, volte ao menu do segundo DVD e digite no controle a sequência [2]+[enter]+[1]+[enter]+[1]+[enter]+[2]+[enter], podendo trocar [enter] por [OK]. Bom divertimento.

Resenha publicada na edição 99 do International Magazine, em dezembro de 2003.