Radio Moscow

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

A quarta passagem do Radio Moscow pelo Brasil é um convite a todos que curtem o bom e velho rock’n’roll. Serão cinco shows – dias 27 (Palmas), 28 (Florianópolis), 29 (São Paulo) e 31 de março (Aldeia Velha) e dia 1º de abril (Rio de Janeiro) – para Parker Griggs (guitarra e vocal), Anthony Meier (baixo) e Paul Marrone (bateria) mostrarem a força do quinto disco, o ótimo New Beginnings (2017), e confirmar que a bandeira do estilo está mesmo em boas mãos. Formado em 2003, o power trio americano é um dos principais representantes de uma geração que nada contra a maré ao abraçar as raízes fincadas nos anos 60 e 70, mas sem soar datada. O grupo traz para os dias de hoje um passado revigorado, e não faltam improvisos, longos solos de guitarra, feeling e talento em cima do palco. Prepare-se para alta doses ao vivo de música boa e visceral, e aumente o volume – porque vale a pena conferir também Radio Moscow (2007), Brain Cycles (2009), The Great Escape of Leslie Magnafuzz (2011) e Magical Dirt (2014) – enquanto devora as palavras do líder Griggs, que respondeu já em solo brasileiro às perguntas que enviamos para ele.

Creio que vocês já estejam bem familiarizados com o público do Brasil, então talvez não haja mais aquele sentimento de novidade. Mas há algo especial nesta nova turnê pelo país?
É sempre uma nova experiência para nós, porque é mais uma oportunidade de conhecer pessoas novas e interessantes, fazer novos amigos e ouvir novas e incríveis bandas brasileiras. Estamos muito empolgados com o festival na floresta que muitos de nossos amigos brasileiros têm falando tanto (N.R.: o Aldeia Rock Festival, em Aldeia Velha, no estado do Rio de Janeiro). Aliás, é uma felicidade saber que alguns dos grupos com os quais dividimos o palco em turnês passadas também estarão no festival, como Quarto Astral e The Mountain Session, por exemplo.

Perguntei porque a novidade está na apresentação em Palmas, no Tocantins. Não é um lugar muito comum para shows de rock, diga-se. Você está ciente disso?
Ouvi dizer que faremos o primeiro show internacional de rock na cidade de Palmas, e isso é absolutamente incrível! Falaram para mim que os promotores locais realmente se esforçaram para que isso acontecesse, então espero que mais bandas comecem a tocar por lá depois de nós. É sempre bom saber que há uma nova cena em ascensão e que, a despeito das dificuldades, um público mais jovem está se conectado à música que fazemos e ao rock’n’roll em geral.

Dito isso, quais são suas lembranças das experiências anteriores (N.R.: o Radio Moscow fez turnês no Brasil em 2014, duas vezes, e 2016).
As lembranças são sempre as mais doces, porque aqui as pessoas são muito amáveis e nos tratam bem demais. É difícil expressar todos os sentimentos em poucas palavras, mas eu diria que estamos sinceramente agradecidos por todo o amor e energia positiva que recebemos daqueles que encontramos nos shows, incluindo as bandas com as quais tocamos e fazemos jams.


New Beginnings é o primeiro disco do Radio Moscow pela Century Media, então o que mais mudou para a banda desde que assinou com o selo?
Nós já excursionamos na América do Norte e na Europa para promover o novo álbum, mas depois desta viagem pela América do Sul (N.R.: o trio passa também por Argentina, Uruguai e Chile) voltaremos à Europa para mais festivais e outros shows como atração principal, então ainda estamos tentando entender essa mudança como um todo. No entanto, o simples fato de termos assinado com uma gravadora maior tem sido encarado por muitos como uma mudança no jogo, e isso tem mesmo ajudado na divulgação da banda e do New Beginnings. E também foi bom porque a Abraxas, nosso agente aqui, funciona como gravadora e pôde fazer um acordo de licenciamento com a Century Media para lançar e distribuir nossos discos na América do Sul. Curiosamente, no passado isso não era possível por causa da política de nossa antiga gravadora (N.R.: Alive Records). De fato, acreditamos que as coisas estão mudando para melhor.

Imagino que o nome do novo álbum está relacionado a essa nova fase…
Sim, definitivamente! É o segundo trabalho com a atual formação, e Paul, Anthony e eu sentimos que estamos crescendo e ficando cada vez mais conectados musicalmente à medida que o tempo vai passando (N.R.: Marrone, que havia passado pela banda em 2010, entrou definitivamente em 2012, e Meier, em 2013). Eles estão contribuindo mais no processo de composição, e o fato de escutarmos os mesmos discos em nossas casas torna mais fácil para todos nós fazer jams, criar, gravar e tocar.

É natural que as pessoas relacionem o Radio Moscow a você, mas devo dizer que as baquetas finalmente encontrarem seu dono em Paul Marrone. A química está mesmo muito boa atualmente, não?
E está ficando melhor a cada dia! Paul é um amigo de longa data, e sou fã dele como músico. Ele toca baixo no Alpine Fuzz Society, banda que tenho com Mario Rubalcaba, baterista do Off! e do Earthless, então estamos constantemente fazendo jams e conversando sobre música. Quando vi pela primeira vez o Anthony tocando, tive certeza de que se encaixaria perfeitamente no Radio Moscow. E ele mostrou ser muito profissional logo nas primeiras jams e nos primeiros shows, mostrou estar interessado em tocar quantas músicas do Radio Moscow fossem possíveis ao mesmo tempo em que adicionou um toque pessoal nas linhas de baixo e nos riffs. Paul e Anthony já fizeram parte ou ainda tocam em alguns grupos de progressivo psicodélico na região de San Diego, como Astra, Sacri Monti e Birth, então eles são definitivamente pessoas com as quais você deve formar uma banda. Sou um felizardo por ter essas caras ao meu lado nos últimos cinco anos ou mais.

Minha primeira impressão ao ouvir New Beginnings foi que você optou por uma abordagem mais forte nos vocais, que estão mais rasgados, como se você tivesse tomado uma garrafa de uísque antes das gravações. Foi intencional?
(rindo) Talvez, porque você pode incluir muitos cigarros aí (risos). Mas estou tentando largar gradualmente os dois (risos). Nós também tentamos criar uma atmosfera mais sombria e obscura no novo álbum, certamente uma abordagem mais pesada em nossa música, e provavelmente isso é um reflexo desses tempos sombrios que estamos vivendo.

As guitarras são outro ponto alto do disco, com vários riffs e solos lancinantes e cheios de feeling. O trabalho ficou ainda melhor que o de Magical Dirt, e canções como Driftin’ e Last to Know são grandes exemplos disso.
Muito obrigado, cara! Bem, eu não sei como chego a isso, porque não realmente não faço mais nada o dia inteiro a não ser tocar guitarra, então encaro o que você falou como um elogio, mesmo. Sim, com certeza essas músicas são algumas das que têm um trabalho de guitarra muito mais intenso. E acredito que nosso talento para compor também melhorou bastante.


E creio que a principal inspiração para No One Knows Where They’ve Been foi Jimi Hendrix, não?
Sim, porque Hendrix é sempre uma influência. Neste caso, a música foi originalmente composta por Paul e gravada pelo Cosmic Wheels, sua outra banda. Decidimos fazer uma versão dela para New Beginnings, e pelo visto posso dizer que funcionou muito bem.

Ainda sobre o novo álbum, preciso citar as minhas duas favoritas. Pick Up the Pieces soa como se tivesse sido composta ao vivo e com a banda em cima do palco, enquanto Dreams deve ficar ainda melhor nos shows, com aqueles solos ganhando continuação numa jam.
Nós adoramos fazem jams. O fato de não haver regras a serem seguidas durante um improviso nos leva a diferentes direções dentro de um mesmo tema musical, assim exploramos nossos limites criativos e algumas vezes até mesmo os ultrapassamos. Ao adicionar uma jam a uma música construída de maneira regular, você enriquece essa música. Gostamos de riffs fortes e pesados, de versos e refrãos pegajosos, mas também gostamos de criar esses interlúdios com jams nas quais o ouvinte ficará imerso nas texturas musicais mágicas que tentamos elaborar. Quanto mais rápido o ouvinte mergulhar nessa jam que é uma viagem psicodélica, mais rápido ele volta à realidade com um soco dado por nossos pesados riffs e pelo andamento da canção, que segue em frente!

Esta é uma pergunta que tenho feito a alguns músicos: os últimos anos têm apresentado um sem-número de bandas inspiradas naquelas que começaram tudo. Algumas são mais bluesy, e outras, mais pesadas, mas o foco é o rock’n’roll clássico. Radio Moscow, Kadavar, Vintage Trouble, The Vintage Caravan, Blues Pills, Rival Sons, Inglorious e por aí vai… Como você explicaria esse, digamos, movimento?
Acredito que as pessoas cansaram daquele som superproduzido dos anos 80 e de parte dos anos 90, então elas começaram a criar e a tocar música mais orgânica, analógica mesmo, inspirada em seus ídolos das décadas de 60 e 70. E foi graças à internet que, de repente, vários grupos underground oriundos dessa época de ouro do rock’n’roll começaram a ganhar visibilidade, assim nós fomos cavar mais e mais fundo para descobrir muitas joias que estavam enterradas. E as compartilhamos com os amigos. Assim surgiu essa nova geração, da qual nós e todas essas bandas que você mencionou fazemos parte. Isso aconteceu em vários países, incluindo o Brasil, porque vocês possuem uma cena de rock retrô muito rica. A luz acendeu sob nossas cabeças, então pensamos: ‘Podemos fazer parte da história do rock’n’roll, podemos continuar trilhando aquele caminho que foi esquecido no fim da década de 70.’ O que quero dizer é que continuamos escrevendo a história, porque não é apenas venerar o que foi feito nos anos 60 e 70. Temos nossas influências e referências, mas estamos sempre olhando para o futuro.

E a natureza está seguindo o seu curso de diversas maneiras. Motörhead, Black Sabbath e Rush se foram, o Slayer está se despedindo… Em mais cinco ou dez anos, as bandas que crescemos ouvindo não estarão mais na ativa. Que tipo de futuro você espera para a sua geração? É uma transição normal ou uma enorme responsabilidade?
Se é isso que precisa acontecer, então vamos deixar acontecer. Houve a época da música clássica, com Mozart, Bach e por aí vai, mas então as aulas de violino e piano foram deixadas para trás porque os garotos começaram a pedir um violão de Natal a seus pais. Aí veio a guitarra, e o rock’n’roll estabeleceu padrões completamente novos na produção e no consumo de música. Isso durou várias décadas, mas hoje um garoto com um laptop pode ser tornar a próxima estrela da música. Isso deveria fazer sentido? (risos)

“Modas vêm e vão, mas a ideia de um grupo de garotos se juntando numa garagem para tocar o tipo de música que faz os vizinhos chamar a polícia… Isso é para sempre.” A frase está no Facebook do Radio Moscow, então, por mais que a música esteja seguindo um caminho estranho, há esperança enquanto os mais jovens ainda estão descobrindo Jimi Hendrix e The Allman Brothers Band, por exemplo.
E acredito que o rock’n’roll é mesmo sobre isso, cara! É autoexpressão através da música, exatamente como fizeram Jimi Hendrix e Allman Brothers, que você mencionou. O desejo de realizar mudanças positivas é o que dá forma ao rock’n’roll, é o que deixa a sua chama viva e acesa!


Bom, eu tenho de trazer esse assunto à tona, mas fique à vontade para não responder. Nem todos sabem que dois dos integrantes originais do Blues Pills fizeram parte do Radio Moscow. Você gostaria de dar a sua versão para o que levou Zach Anderson e Cory Berry (N.R.: baixista e baterista, respectivamente) a abandonarem a banda durante um show?
Se você não se importar, eu prefiro realmente não falar sobre isso (N.R.: em 2011, Griggs e Berry foram às vias de fato durante uma apresentação, e o líder do Radio Moscow foi atingido na cabeça por uma guitarra atirada contra ele).

Para terminar, quais são seus cinco discos favoritos?
É difícil listar e até mesmo lembrar todos, mas citaria Blues from Laurel Canyon (1968), de John Mayall, e todos os álbuns do Fleetwood Mac enquanto Peter Green ainda estava na banda. Há bons discos de algumas bandas underground dos anos 60 e 70, como H.P. Lovecraft, T2, Master’s Apprentice, Jerusalem e Bull Angus, e também sou grande fã de Pappo’s Blues, da Argentina, e de Lanny Gordin, guitarrista brasileiro.

É isso, Parker, e obrigado pela entrevista.
Muito obrigado a você, cara! Espero vê-lo e também todos os fãs nos shows! Adoramos o Brasil! Cuidem-se!

Red Fang

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

Stoner rock ou rock progressivo? Uma cacetada atrás da outra ou longas viagens instrumentais? Canções que preterem solos de guitarra ou o talento de um dos grandes nomes do instrumento? Foi mais ou menos isso que passou pela cabeça quando foram anunciados para o mesmo dia os shows do Red Fang e de Steve Hackett no Rio de Janeiro. Como a vida é feita de escolhas, a opção foi pela estreia do quarteto americano em solo carioca, uma vez que o músico inglês tem batido ponto com frequência na cidade.

Mas a verdade é que o Red Fang poderia ter sido um belo aperitivo para o espetáculo do ex-guitarrista do Genesis. A programação de matinê que culminou com a perda do show do Dandara, que abriu os serviços no Teatro Odisseia, faria com que fosse possível rumar ao Vivo Rio, a poucos quilômetros de distância da Lapa, para assistir a Hackett e sua banda. Quem manda não fazer as contas?

Penitência registrada, o fato é que Bryan Giles (guitarra e vocal), Aaron Beam (baixo e vocal), David Sullivan (guitarra) e John Sherman (bateria) serviram um ótimo prato principal naquela noite de sexta-feira. É só lembrar de Blood Like Cream, que abriu o show, para ficar tudo bem, porque foi o início de sinfonia de cabeças e pés batendo ao ritmo de uma música cujo refrão é absolutamente irresistível. E que ficou melhor ainda ao vivo, com a participação do público que compareceu em bom número à acanhada e tradicional casa.

O peso de Malverde deu sequência a uma pressão que logo mostrou qual é o seu alicerce: riffs de guitarra. Crows in Swine e No Air foram a união do melhor desses dois mundos – peso e riffs, incluindo o de baixo da segunda –, e no meio delas ainda teve o acento mais pop de Not for You, comprovando o acerto na divisão dos vocais de Beam, mais limpo e palatável, e Giles, mais agressivo e heavy metal. E o resultado da união das duas vozes pode ser sentido em canções como Into the Eye, que veio a seguir com seu refrão hipnótico.

Red FangRed FangRed FangRed FangRed FangRed FangRed FangRed FangRed FangRed FangRed FangRed Fang

E tome porrada! E uma bem dada com a dobradinha Antidote, pesada como deve ser um filho do Black Sabbath, e Wires, que transformou o Odisseia num pula-pula – principalmente a parte da frente da pista, onde se concentraram aqueles que eram realmente fãs de carteirinha do Red Fang. “Vamos tocar a próxima especialmente para vocês. Não sei se querem ouvi-la, mas acredito que sim. Mas preciso beber um gole de cerveja antes”, disse Beam, confirmando a predileção do grupo por suco de cevada. Bom, era a vez de Sharks, e quem não queria mais rock’n’roll? Sim, todos queriam.

A levada contagiante de Cut it Short, que provocou novos momentos de êxtase na turma do gargarejo, abriu espaço para a arrastada e pesada The Smell of the Sound, que colocou o trem de volta aos trilhos ao acelerar no fim. E veio a trinca que encerrou o set regular… Alguém anotou a placa? Dirt Wizard preparou o terreno com um riff espetacular, a rápida Flies mereceu a roda aberta pelo público, e Prehistoric Dog simplesmente deixou os fãs ensandecidos.

Teve mais roda, teve mais pula-pula, e poderia ter acabado aí que todos voltariam felizes da vida para casa. Mas o quarteto retornou ao palco para um bis que, apesar de não estar no set list, vem se mostrando protocolar na atual a turnê – o Red Fang ainda promove seu quarto álbum, Only Ghosts, lançado em 2016. Bom, protocolar porque todo mundo já esperava a festa continuar, e os últimos momentos de uma hora e 15 minutos de celebração rock’n’roll foram com Hank is Dead, animada, e Throw Up, arrastada e pesada. Animação e peso, exatamente os elementos que marcaram a bela estreia do quarteto de Oregon no Rio de Janeiro.

Set list
1. Blood Like Cream
2. Malverde
3. Crows in Swine
4. Not for You
5. No Air
6. Into the Eye
7. Antidote
8. Wires
9. Sharks
10. Cut it Short
11. The Smell of the Sound
12. Dirt Wizard
13. Flies
14. Prehistoric Dog
Bis
15. Hank is Dead
16. Throw Up

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Pearl Jam

Por Daniel Dutra | Fotos: Alessandra Tolc

Não foi a primeira e certamente não será a última vez do Pearl Jam no Brasil – e no Rio de Janeiro, para ser mais preciso –, mas era a segunda vez no Maracanã, praticamente o quintal de casa, então foi inevitável atender ao chamado. E a decisão de finalmente conferir a banda ao vivo nada tem a ver com qualquer aversão ao grunge, uma vez que o movimento serviu tanto para o bem, caso de grupos como Alice in Chains e Soundgarden, como para o mal – a rigor, seu principal representante, aquele aborto musical malsucedido chamado Nirvana.

No caso deste escriba, a verdade é uma só: a paciência foi gradativamente acabando depois do álbum de estreia, o excelente Ten (1991). De fato, ela durou pouco. Foi até Vitalogy (1994), mas como quem sabe faz ao vivo… Mas antes teve o Royal Blood e a curiosidade de ver o que Mike Kerr (vocal, baixo e teclados) e Ben Thatcher (bateria) aprontariam agora que têm dois álbuns na discografia – Royal Blood (2014) e How Did We Get So Dark? (2017). Resumindo, o que a experiência havia acrescentado ao trabalho dos ingleses depois da apresentação no Palco Mundo do Rock in Rio em 2015.

O resultado prático continua o mesmo. A dupla passa de ano graças àquela média entra as boas intenções em estúdio e a óbvia e esperada ausência de dinâmica no palco. Kerr troca de baixo música sim, música também, o que deixa um vácuo que se torna ainda mais incômodo num estádio. Em um momento o instrumento é de quatro cordas, em outro tem cinco, e algumas vezes as duas primeiras cordas têm espessura menor porque é preciso um timbre para a execução de um, digamos, solo.

“É uma honra voltar a um de nossos lugares favoritos no mundo”, disse ele enquanto era preparado o teclado para Hole in Your Heart, como se os intervalos entre as canções já não fossem grandes o suficiente. Leve em consideração que até mesmo Thatcher foi à frente do palco, antes de Figure it Out, para puxar palmas da plateia. Ele ainda repetiu o feito em Out of the Black, na qual é o destaque com uma levada bem criativa, indo até o pit para fazer média com quem já esperava ansiosamente pelos anfitriões da noite. E que chegou a ser distraído com o funcional joguinho de dividir a plateia em direita e esquerda.

Talvez os 55 minutos de show tivessem funcionado melhor num local menor e fechado. No entanto, apesar da ausência de um terceiro instrumento – desculpa aí, mas rock tem que ter guitarra – e de um frontman de carteirinha, as boas ideias estão lá. Come on Over conta com um refrão muito legal, I Only Lie When I Love You possui um agradável quê de Beatles, Little Monster e Hook, Line & Sinker apresentam ótimos e pesados riffs de baixo, e Loose Change tem um groove que remete ao soul e funk de gente grande.

Royal BloodRoyal BloodRoyal BloodRoyal BloodRoyal Blood

Só que tudo isso se mostrou descartável quando, com meia de hora atraso, os primeiros acordes de Release marcaram o início da apresentação do Pearl Jam. É o risco que qualquer banda corre ao abrir o show de um grande nome, mas Eddie Vedder (vocal), Mike McCready e Stone Gossard (guitarras), Jeff Ament (baixo) e Matt Cameron (bateria) apelaram – o tecladista Boom Gaspar, que acompanha o quinteto de Seattle ao vivo desde 2002, foi uma figura meramente decorativa. Com um palco belíssimo – com destaque para as 11 bolas móveis (cinco de cada lado e uma, a maior, no centro) – e uma iluminação azul, vermelho e verde em tons mais escuros, o grupo começou como se estivesse tocando num pub.

A bela Release foi apenas o início de uma trilogia completamente intimista, completada por Low Light e Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town. Foi um momento de estado transe coletivo que não chegou ao fim com Go: foi amplificado por uma versão arrasadora da faixa que abre Vs. (1993), teve um momento de baixa com All Night e voltou com toda força em Animal, não à toa, mas uma amostra do segundo disco do grupo. Os fãs foram à loucura, e os telões que já haviam captado a imagem de Chris Cornell nas costas da camisa de Cameron – ex-companheiro do saudoso vocalista no Soundgarden – pareciam ter sido programados. Até mesmo com tomadas aéreas o foco no público era sempre nos momentos certos, de mãos para o alto, cantoria e pula-pula.

“Uma garrafa grande para um grande show”, disse Vedder ao mostrar uma das garrafas de vinho que tomou durante o show, antes de iniciar Given to Fly. E o vocalista fez questão de se comunicar em português na maior parte do tempo, uma simpática iniciativa ajudada por algumas folhas de papel com a necessária cola. Desnecessário dizer que Jeremy provocou comoção, ou que Corduroy foi bem recebida, mas foi em Even Flow que o bicho pegou. Cortesia de McCready, é bom dizer.

Com um longo solo – enfadonho para alguns, como o rapazinho que não parava de gritar pedindo por Leash –, o guitarrista mostrou de onde vem a sua inspiração. Rolaram menção a Third Stone from the Sun, de Jimi Hendrix, e improvisos que entregam o desejo de McCready de ser Jimmy Page (pergunte se ele usou aquela Gibson SG de dois braços…), Ace Frehley e, principalmente, Michael Schenker, seu grande herói (nota importante e necessária: o cara tem uma banda-tributo ao UFO, a Flight to Mars).

E depois de bons momentos (Mind Your Manners e sua veia punk rock e a beleza de Garden) e outros longe disso (Wishlist, dedicada ao Red Hot Chili Peppers, e Lightning Bolt), Vedder e cia. resolveram mostrar ao vivo a primeira música inédita em cinco anos. Can’t Deny Me foi precedida de um breve discurso político – “Quando se tem um líder ruim, o povo deve liderar”, bradou o vocalista, que por alguns instantes usou uma máscara do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump – e teve a figuração do baterista do RHCP, Chad Smith, tocando um cowbell amarrado numa cadeira. Valeu pela experiência, porque animador mesmo foi o fim da primeira parte do show, com a energética Porch.

Pearl JamPearl JamPearl JamPearl JamPearl JamPearl JamPearl JamPearl JamPearl JamPearl Jam

Em um bis para bater o recorde do KISS, que em sua turnê Alive 35 mandava ver seis músicas sem sair de cima, o Pearl Jam voltou ao palco para reiniciar os serviços de forma acústica, com Sleeping By Myself – do segundo disco solo de Vedder, Ukelele Songs (2011) – e Inside Job. Mas foi a trinca seguinte que voltou a levantar os ânimos, e pouca importa se apenas Do the Evolution tirou do chão os pés de quem estava na pista. Daughter e Black têm aquela beleza que emociona. Simples assim.

“Esta música é para as mulheres fortes de nossas vidas. Mães, irmãs, namoradas, esposas… Fracos são os homens que não apoiam as mulheres, então ela é também para os homens que são fortes o bastante para ajudar na luta pela igualdade”, discursou Vedder antes de Leaving Here, canção imortalizada pelo The Who. Palavras sinceras de alguém que estava radiando felicidade – o início do bis, aliás, foi marcado por um agradecimento do vocalista ao bem comportado público, já que “há muito tempo não fazíamos um show sem precisar pedir a vocês que deem um passo para trás porque pessoas estavam sendo imprensadas aqui na frente.”

Depois de mais um alto (Blood) e outro baixo (Better Man), o Pearl Jam fez aquele que poderia ter sido um encerramento apoteótico. Precedido pelo riff de Burn, do Deep Purple, puxado por McCready (viu só?), Alive foi um momento de catarse. Na pista, nas arquibancadas, nos camarotes e também no palco, e nem mesmo as luzes do Maracanã todas acesas (sinal de que o tempo havia estourado) tiraram o brilho. E o auge não foi quando McCready entregou seu instrumento nas mãos de Josh Klinghoffer, que saiu solando como se não houvesse amanhã. O guitarrista do RCHP continuou no palco, e o Pearl Jam ganhou novamente a companhia de Smith para uma versão arrasadora de Rockin’ in the Free World – Smith, diga-se, assumiu o comando das baquetas na metade final e acrescentou um toque ainda mais visceral ao clássico de Neil Young.

Completamente alucinado, Vedder pulava e dançava como se disso dependesse sua própria vida – depois dos vários goles de vinho que tomou ao longo da noite, compreensível. Sim, ele já não estava necessariamente sóbrio, mas ainda assim não aceitou o pedido de casamento de uma fã que levou até as alianças e saiu apenas com uma foto e um aperto de mão. Ah, sim: o show de duas horas e 45 minutos terminou mesmo com Yellow Ledbetter, completamente dispensável àquele momento, mesmo para quem já havia assistido a um show do Pearl Jam. Para um estreante como este que vos escreve, um set de 29 músicas com 12 extraídas dos dois primeiros álbuns – sete de Ten, cinco de Vs. – apenas ratificou a decisão de abandonar os discos da banda, há 24 anos.

Set list Pearl Jam
1. Release
2. Low Light
3. Elderly Woman Behind the Counter in a Small Town
4. Go
5. All Night
6. Animal
7. Given to Fly
8. In Hiding
9. Jeremy
10. Corduroy
11. Even Flow
12. Immortality
13. Wishlist
14. Mind Your Manners
15. Lightning Bolt
16. Garden
17. Can’t Deny Me
18. Porch
Bis
19. Sleeping By Myself
20. Inside Job
21. Daughter
22. Do the Evolution
23. Black
24. Leaving Here
25. Blood
26. Better Man
27. Alive
28. Rockin’ in the Free World
29. Yellow Ledbetter

Set list Royal Blood
1. Where Are You Now?
2. Lights Out
3. Come on Over
4. I Only Lie When I Love You
5. Little Monster
6. Hook, Line & Sinker
7. Hole in Your Heart
8. Loose Change
9. Figure it Out
10. Out of the Black

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Angra

Por Daniel Dutra | Fotos: Henrique Grandi/Divulgação

A entrevista de capa da ed. #229 da Roadie Crew leva o amigo leitor ao mundo de ØMNI, o novo disco do Angra, através do papo com Rafael Bittencourt e Felipe Andreoli. Mas a conversa com os dois músicos foi longa e frutífera, então as seis páginas da revista precisavam de uma continuação para que o conceito do álbum pudesse ser absorvido da melhor forma possível. Aqui você encontra todo o restante do bate-papo sobre o nono trabalho de estúdio da banda – completada por Fabio Lione (vocal), Marcelo Barbosa (guitarras) e Bruno Valverde (bateria) – e outros assuntos igualmente interessantes. Portanto, o segredo é simples: devore as páginas da revista, depois mergulhe no site. De preferência ouvindo as 11 músicas de ØMNI em ‘loooping’. Mãos à obra e boa leitura.

ØMNI é um disco conceitual que mistura realidade e ficção de maneira mais complexa do que se imagina. Então podemos começar explicando a história.
Felipe Andreoli: É um conceito idealizado pelo Rafael, baseado em várias pesquisas que tem feito. Ele criou o conceito unindo todos os elementos, como geometria sagrada, ficção científica e viagem no tempo, e unindo também os elementos às histórias de outros discos do Angra, mais precisamente Holy Land, Rebirth e Temple of Shadows, para juntar todos eles numa só história. O Rafael pega várias doutrinas, bate no liquidificador da cabeça dele e encontra uma coerência entre todas elas. Isso pode não refletir a religião de cada um dentro da banda, porque temos crenças diferentes, mas no fim faz muito sentido. É uma mistura de religião, filosofia e ciência que criou uma história muito legal, e uma que não acho impossível vivermos ainda neste século. Como nos comunicarmos com pessoas de outras dimensões ou de outras épocas. São situações intocáveis para nós agora, mas que estão sendo estudadas no campo da ciência, astrofísica, astronomia e física quântica. Ele escreveu todas as letras, que contam diferentes partes dessa história, então é o cara ideal para falar como o conceito se desenvolveu.

E como foi o desenvolvimento da ideia que culminou no conceito do ØMNI?
Rafael Bittencourt: Eu li muita coisa sobre hinduísmo e meditação, por exemplo. À época, lembro-me que a banda estava divulgando o Aqua e depois teve problemas de formação, então eu anotava várias coisas num caderno, mas era algo muito pessoal. Quando fizemos o Secret Garden, optei por outro tipo de história, mais realista e pontual, sem caráter épico. Quando começamos a trabalhar no ØMNI e as músicas estavam tomando forma, peguei meus cadernos porque em todas as épocas criativas eu resgato as ideias que tenho guardadas, minhas linhas de raciocínio. A todo instante estou fazendo desenhos e anotações, até em bloquinhos de hotel, e guardo tudo, afinal, não sei o que pode valer a pena mais para frente. (N.R.: Rafael mostra várias folhas com imagens e frases, incluindo alguns numa folha do Radisson Hotels & Resorts) Este aqui tem uma reflexão sobre como fazer um cruzamento de ideias, então desenhei esse esquadro, escrevi quatro ideias e fui criando um sistema geométrico para que as ideias se cruzassem de maneira mais ou menos equilibrada. Este outro tem um quadrante como se fosse Yin e Yang, e separei dentro dele tudo o que não se vê e não se pode tocar; tudo o que se vê e o que se pode tocar; e tudo o que não se vê, mas se pode tocar. Aí você pensa na emoção, que é abstrata e se aproxima da realidade, e por aí vai. Esses papéis e cadernos são a minha linha condutora quando reflito sobre algo, se quero falar de amor ou se vejo na TV alguém que atropelou uma mulher e fugiu, porque imagino dentro desse quadrante o que eu falaria para essa pessoa. Quando faço isso, todos os assuntos dentro do quadrante se conectam porque dou uma linha condutora a eles. A conexão existe na hora de bolar um título, e o nome vira uma síntese. Não usei esses exemplos no ØMNI, que é um sistema que vinha criando faz bastante tempo, mas tem a ver com a metodologia de trabalho que elaboro na minha mente e vou usando para ter assuntos. Tenho algo chamado diálogos internos, porque converso muito comigo mesmo, mas imaginando que estou falando com outra pessoa. Por exemplo, estou com raiva e fico horas conversando com essa pessoa, mas chega um momento em que ela mostra que eu não estou tão certo como imaginava. O diálogo fica tão real que começo a tentar encontrar um ponto de equilíbrio, e o Sistema ØMNI é isso: tentar sair de você mesmo, ficar fora do seu lobo frontal, do seu sistema de crenças e da sua identidade, para enxergar o que está orbitando ao seu redor. E quando encontro outro ponto de vista dentro de determinada situação, um ponto de vista que não é meu, a resolução é incontestável. A resposta é imparcial.

Dentro de tudo isso, a maneira como foram incluídos Shadow Hunter e Carolina IV acabou mesmo fazendo sentido.
Rafael: Sim, porque o Shadow Hunter, como viajante do tempo, participou da descoberta da Arca de Salomão, um objeto cheio de segredos e mistérios. É a Arca da Aliança que Hitler e Napoleão tentaram encontrar. Até Indiana Jones foi atrás dela (risos) (N.R.: assista ao primeiro filme da saga, “Indiana Jones e Os Caçadores da Arca Perdida”, de 1981). Com ela, os Templários adquiriram o conhecimento para desenvolver a nova arquitetura, a mesma das igrejas góticas, um novo sistema socioeconômico, com a criação dos bancos, e outras coisas que, de certa forma, tiraram a Europa da idade das trevas e, 400 anos depois, culminaram na Renascença. Ou seja, por que não usar o Shadow Hunter como personagem em ØMNI? Com Carolina IV existe um paralelo na história com a nova e iminente civilização, porque a consciência superior nos coloca no papel dos índios quando os europeus foram conquistar as Américas. A civilização ocidental como é hoje vai se enxergar como os índios no exato momento em que isso acontecer. Tem o ímpeto da descoberta. É um paralelo com a própria banda, porque ØMNI representa o que ela é hoje: abriu caminho, tem uma história de heroísmo e é precursora em várias coisas. O Angra ainda não é um grande herói porque continua navegando, e nós não temos como saber qual é o fim dessa história, mas é uma das caravelas que desbravou o mar para chegar à Europa, aos Estados Unidos e ao resto do mundo. Estamos levando de volta para os nossos colonizadores a grande mistura cultural e racial que somos hoje.


E que bibliografia você indica para quem deseja se aprofundar no conceito do disco?
Rafael: As pessoas podem achar que sou maluco ou arrogante, mas a verdade é que sou aficionado por encontrar ideias que conectem quatro formas do conhecimento humano: filosofia, ciência, arte e teologia, a fé em várias religiões. Seria uma dica suficiente para começar a pesquisar, mas na ciência um cara que fala muito bem para nós, leigos, e eu sou um leigo, é o Carl Sagan (N.R.: respeitado cientista falecido em 1996, responsável pela série “Cosmos: Uma Viagem Pessoal”, de 1980, e autor de mais de 20 livros, incluindo “Contato”, de 1985 e que originou o filme de mesmo nome em 1997). Na religião há várias coisas que podem ser lidas, como as obras dos grandes mestres da humanidade, e posso citar Paramahansa Yogananda (N.R.: guru indiano) e Deepak Chopra (N.R.: médico e escritor indiano), que misturam filosofia e religião. Estudei estética e um pouco de história da arquitetura, então vale ir atrás do impacto da arte na sociedade, de como ela se revela nos movimentos gótico, renascentista e barroco, por exemplo. Eu não leio coisas que são difíceis, como trabalhos de historiadores que seguem por um caminho complicado, e recentemente tenho lido menos porque o tempo está cada vez mais escasso. Mas tenho assistido a muitas séries, principalmente da Netflix que misturam muito esses assuntos, e pesquiso muito na internet. Isso sempre gera um insight, então busco no Google se já existe algo relacionado ao assunto, começo a discernir o que no meu insight é diferente dos assuntos que já existem. Se eu penso num roteiro, pesquiso e encontro coisas semelhantes, mas não exatamente o que pensei, assisto ao que é diferente, ou leio, e vou encontrando meu próprio caminho. Tenho livros de todos os tipos de assunto, mas posso indicar “Pilares da Terra”, do Ken Follett, que mistura as histórias da arte e da religião, fala da construção das igrejas góticas e lida com momentos de ignorância moral e de sabedoria da humanidade; “A Arte da Guerra” (N.R.: de Sun Tzu), que vez ou outra pego para pesquisar; “Uma Breve História do Tempo”, do Stephen Hawking; e “Breve História de Quase Tudo”, de Bill Bryson, cientista que pega várias teorias e as explica. Ele vai do Big Bang ao homo sapiens, e a minha história no ØMNI vai do homo sapiens à transcendência. Misturei essas coisas e tudo o que vejo pela frente. Às vezes caio em reflexão até ouvindo um funk, aí essa reflexão emenda em outra coisa… O lance é não reprimir os sentidos. ‘Ah, isso é uma merda. Ah, isso é ruim.’ Não. Acredito que o artista é uma antena de captação, recebe as vibrações ao seu redor e tem de convertê-las em alguma coisa.

Sobre a questão da arrogância, creio que não é por aí. O artista não pode deixar de fazer algo porque pode parecer complexo demais, e me refiro ao aspecto lírico. Isso não é subestimar quem ouve, mas podar a criatividade.
Rafael: Concordo completamente. Inclusive, estava conversando ontem sobre isso com uns amigos aqui em casa. Nós mostramos a capa do ØMNI, feita pelo Daniel Martin Diaz, um artista que me comove. Eu chorei quando vi o desenho, que já existia, não foi feito para o CD. Liguei e perguntei se gostaria de fazer a capa do disco, e ele disse que faria uns dois ou três desenhos originais para eu ver. Disse que gostaria daquele, porque é o que melhor representa o conceito, por uma série de razões. Poderia passar umas duas horas falando sobre essa ilustração, porque ela mexe com meus lados emocional e racional. Não estou brincando quando digo que chorei quando vi a arte, mas aí as pessoas vêm e dizem que não gostaram da capa. Tudo bem não gostar, não é disso que estou falando. Quando um artista apresenta algo, ele faz isso para mexer com o público, mas hoje as pessoas estão tão acostumadas com arte superficial que acabam fazendo um julgamento artificial. É uma pena, porque se trata de um ciclo de ignorância, de falta de educação artística e de educação geral. A verdade é que não temos cultura no Brasil, e muitas vezes o público de heavy metal quer o óbvio porque isso conforta as suas inseguranças. Não quer algo que mexa com a sua expectativa, apenas que ela seja atendida, porque o público não quer mudar. Não está pronto para receber algo novo, que mexa com ele e o faça amadurecer. O ØMNI é um disco que veio para mexer com esse tipo de público, porque tem um sabor diferente, é algo que ele nunca provou, então é preciso mastigar um pouco mais para sentir esse sabor. Quando um artista lança uma nova peça nas artes plásticas, as pessoas ficam pensando ‘Puta merda, não entendi’, então é preciso que elas façam o trabalho de tentar entender. No heavy metal não existe esse trabalho, porque o cara não entende e já parte para o ‘não gostei’. Isso é falta de cultura.

A capa não tem espadas e dragões, mas acredito que o fã do Angra pode se acostumar com ela. É o que acontece desde o início, até mesmo com o nome da banda.
Rafael: Sim, desde o começo eu gosto de provocar. As pessoas falaram ‘Porra, banda com nome de praia?’ quando ouviram (risos), mas Angra é uma deusa na nossa mitologia. Além disso, é uma palavra que tem pronúncia forte no mundo todo. Quando colocamos ritmos brasileiros, a primeira reação foi negativa, mas aos poucos fomos mostrando ao público que aquilo fazia sentido, porque é possível recorrer às próprias raízes para ser original. Não é possível ser original copiando Steve Vai ou Yngwie Malmsteen, então minhas raízes podem deixar meu som espontâneo e consistente, afinal, a consistência está na minha identidade. Fizemos o carnaval com o Carlinhos Brown em 2016 para afirmar isso, e o público não entendeu. Mas é normal. Há quem se diga cristão, mas não sabe perdoar e é preconceituoso. O ser humano é incoerente, não sabe praticar as próprias crenças, colocar em prática a teoria em que acredita, então muitas vezes se comporta da maneira que ele mesmo considera errada, mas é tão natural e inconsciente que não percebe. Paciência. O que temos de fazer? Acreditar e levantar a bandeira do que estamos fazendo, que é arte, cultura, reflexão, transformação de padrões, amadurecimento nosso e das pessoas. Fazer isso é nossa obrigação.

Voltando à realidade criada para o Sistema ØMNI, dá para dizer que a relação com a ficção científica é mais plausível do que se possa imaginar?
Rafael: As dimensões a que me refiro são bolhas que ficam flutuando no multiverso e que poderão ser abertas por quem está no futuro, e as pessoas que precisam de ajuda estão transitando e são viajantes do tempo. Elas procuram por uma consciência coletiva em busca da salvação. Quando sairmos da consciência individual para a coletiva, poderemos nos comunicar com outros seres humanos, mortos ou vivos. Vamos abrir as portas das dimensões do multiverso, e a comunicação com os universos paralelos vai deixar de ser fantasia. Recentemente, li uma reportagem sobre um cara que se afogou e ficou 35 minutos embaixo d’água, ou seja, estava morto. Levado a superfície por uma onda, ele bateu com o peito num pedaço de madeira de um barco e, com o impacto fazendo-o expelir água dos pulmões, voltou à vida. Como explicar isso? Ele disse que viu uma luz que o chamava, mas não sentiu algo como ‘Meu Deus, estou morrendo! Estou deixando minha realidade, meus filhos, minhas coisas.’ Ele sentiu que estava retornando, e isso deu a ele uma sensação de conforto. Baseei-me também nesse relato para chegar a uma conclusão que por enquanto é fantástica e uma profecia, mas que vou enfatizar até que se prove o contrário.

Ou seja, se o futuro se mostra assustador, há uma mensagem positiva em ØMNI.
Rafael: Sempre espero acontecer algo que vai mudar as coisas para melhor. Isso me faz bem, e acho que cultivar isso faria bem para qualquer um. Quem está vencendo a guerra para manter a cortina fechada quer uma humanidade desesperada, sem esperança, porque é isso que mantém a cortina fechada.

Inclusive na questão do efeito borboleta, não estragando ainda mais o presente e o futuro ao mexer no passado.
Felipe: Sim, porque de certa forma a viagem no tempo pode ser uma tecnologia pacificadora. Seria uma maneira de os seres humanos mais evoluídos conseguirem dar o alerta, olhando para o futuro para corrigir o passado.
Rafael: Vamos entender a suspeita, o medo de quando ficamos sozinhos, o diálogo interno e uma série de coisas que achamos ser apenas nosso pensamento e imaginação. Teremos uma sensação de conforto e de retorno.

E por que 2046 para o Sistema ØMNI acontecer?
Rafael: Não tem uma explicação, realmente, porque é intuitivo. Quando faço imersão criativa, a meditação sobre os assuntos que resultam na criação de um sistema, alguns assuntos surgem intuitivamente. A mente gira em torno desse sistema até o momento em que passa a andar sozinha, e é aí que eu me ausento para apenas observar o que está acontecendo, como se assistisse a filmes passando nessa linha de raciocínio. 2046 surgiu quando fechei os olhos para imaginar quando tudo poderia acontecer. Vejo isso como uma profecia, mas o ano tem uma coerência com a viagem dos dias de hoje até o momento em que a consciência entra em ação, e ela já está em andamento. É uma questão do momento em que ela estará suficientemente amadurecida para deixar de ser ficção e virar realidade. O que falta para isso? Acredito que vamos viver uma revolução de novos tipos de fontes de energia, politicamente falando, porque o poder no mundo está nas mãos de quem detém o petróleo e das empresas que dependem do petróleo. É uma revolução que já está tomando forma. Acredito que estamos diante de um sistema de economia virtual que vai mudar o mundo, porque os bitcoins e afins serão responsáveis por uma transformação muito grande ao lado da deep web (N.R.: conteúdo da internet inacessível para ferramentas de busca porque está em redes que não têm ligação entre elas), porque na deep web há grandes grupos que querem revolucionar o sistema financeiro, fazer uma virada econômica e geopolítica. O poder estará nas moedas virtuais, num primeiro momento, e depois nas fontes de energia, então imaginei que levaria uns 30 anos para tudo isso acontecer. Seriam dez anos para o surgimento de uma nova economia, dez anos de uma guerra de resistência e mais dez anos para a consolidação dessa nova economia. Começando em 2016, quando comecei a estruturar o conceito, acredito que seja uma linha bem razoável.

E como a frase ‘flying missiles, atomic bombs and the second coming of Jesus’, de Jimmy Swaggart e que está no fim de War Horns, se encaixa no conceito (N.R.: a frase faz parte de um discurso que virou o disco Flying Missiles, Atomic Bombs and the Second Coming of Jesus Christ, lançado pelo pastor em 1972)?
Rafael: (rindo) Isso foi ideia do Jens Bogren, porque War Horns é praticamente inteira feita com partes da Bíblia. Usei trechos do Apocalipse e de São Mateus, e apenas o refrão foi escrito por mim. Há algo muito inquietante para mim dentro do Apocalipse, a descrição de uma situação estrelar que acontece de cinco mil em cinco mil anos, e João escreveu que no apocalipse isso aconteceria. É um assunto que entrou na minha cabeça e me deixou sem dormir, me fez ficar pesquisando. João fala da Sétima Trombeta, e a Festa das Trombetas é a virada do ano judeu, que em 2017 foi em 23 de setembro, mesma época do solstício de outono (N.R.: a data seria mais uma apontando o fim do mundo e a volta de Jesus Cristo). Foi também a época em que estávamos terminando o disco, quando a sétima trombeta seria tocada, ou seja, o apocalipse estava de fato começando. Há uma teoria de que todos os anúncios de fim do mundo, como 21 de dezembro 2012, acontecem porque o Vaticano não quer pânico com o verdadeiro início do apocalipse, e em tese ele já começou. E sem alarde para não ser vulgarizado, virar filme da Disney, coisa de Hollywood.


Como foi a reação da banda no momento em que o Rafael chegou com o conceito?
Felipe: Nós começamos o trabalho pelo instrumental, em algum camarim na Alemanha durante a turnê que fizemos com a Tarja em 2016. Foi quando esboçamos as primeiras ideias, porque o clima era muito bom, Bruno, Marcelo e o Fabio estavam com muita vontade de compor. Ao longo dos meses fomos juntando material, mas foi a partir de março de 2017 que passamos a nos reunir periodicamente para transformar as ideias em músicas. E o mais o legal do ØMNI é o aspecto coletivo, porque nos discos anteriores nós trabalhamos com bateria eletrônica para programar partes de músicas ou músicas completas, então depois as mostrávamos para o resto do pessoal. Desta vez, não. O Bruno estava o tempo inteiro na bateria, e tudo surgiu de uma maneira muito orgânica, com a banda fazendo jams. Alguém chegava com uma ideia, um colocava algo, outro adicionava mais alguma coisa, e o resultado final não lembrava em nada a ideia inicial. Muitas vezes descartávamos a original em favor de sugestões que vieram depois, porque eram mais legais, e o tempo todo nós estávamos tocando juntos. Isso fez uma enorme diferença, especialmente na hora de conectar as partes, porque no som mais progressivo, por exemplo, há o risco de a música parecer uma colagem e várias canções que não se conversam. Por estarmos num processo orgânico, as partes eram derivadas uma da outra e assim por diante, então tivemos sucesso ao transformar mesmo o material mais complicado em músicas coerentes, com começo, meio e fim.

E acredito que o Jens Bogren captura muito bem esse lado orgânico. Ao contrário de outros produtores conceituados, como Andy Sneap, suas produções não têm aquela bateria gritando para todo mundo que está trigada.
Felipe: E como já conhecíamos o método de trabalho dele, chegamos ao estúdio mais bem preparados para receber o seu input. Fizemos uma pré-produção maior do que a do Secret Garden exatamente porque já sabíamos da importância desse input, então chegamos sabendo muito bem as músicas, porque as tocamos durante bastante tempo. Além de ser um produtor que tira um som fantástico, o Jens é também um cara muito musical. Mais do que isso, ele entende o som do Angra, enquanto alguns produtores poderiam achar bizarras algumas coisas que fazemos. Tem produtor na Europa que simplesmente não entende o lance brasileiro, aí quer esconder apenas porque não faz parte do seu universo. O Jens abraça essas ideias e nos provoca para irmos além, explorando e ousando mais. E agora ele também já sabia o que esperar de nós como banda, ou seja, o conceito musical, e também como indivíduos, a maneira como cada um trabalha. No fim, o som do ØMNI é ainda mais orgânico do que o do disco anterior porque, por exemplo, o Bruno toca demais e tem uma pegada fantástica, então seria um pecado esconder o som da bateria com um monte de trigger. Um monte de banda europeia tem um som de bumbo que parece um canhão, parece que vai derrubar a parede da sala a cada bumbada (risos), mas não é isso que estávamos buscando. Queríamos um som bonito, pesado e moderno, mas sem perder a característica do instrumento. A bateria é o instrumento que mais sofre com o lance digital, mas hoje em dia o mercado tem como praxe editar tudo no grid, ou seja, pegar todas as peças e colocá-las milimetricamente no tempo, como se a bateria tivesse sido programada. O Jens é absolutamente contra isso, e nós também, por isso você consegue ouvir a música do Angra respirar. Se em determinada canção ele tocou um pouco mais para frente ou para trás, não importa. As flutuações de tempo na música são respeitadas no processo que adotamos, e acredito que isso transparece no resultado final.

E faz todo sentido, uma vez que é assim que acontece ao vivo.
Felipe: Exatamente! É o mais próximo que se pode chegar da vibração de uma banda tocando ao vivo. No estúdio os instrumentos são gravados separadamente, então seria inviável capturar nos moldes atuais exatamente como o Angra soa ao vivo. Mas é definitivamente o mais perto que chegamos, com os artifícios de hoje em dia, da banda interpretando a música, não apenas a colagem das partes gravadas por cada um.

Como o Rafael é hoje o único integrante da formação original, o Felipe é o segundo membro com mais tempo de casa. O que mudou na relação interna?
Felipe: Mudou muita coisa, com certeza. O Kiko era um cara muito ativo na banda como um todo, não apenas no processo de composição, e nos últimos anos a banda vinha sendo gerida por nós três e o Paulo Baron, nosso empresário. Tivemos de suprir essa carga de trabalho e criação do Kiko, e a divisão ficou para mim e o Rafael. Foi um processo legal, porque tenho a oportunidade de participar e estar mais presente, de contribuir cada vez mais. O Kiko participou em War Horns, que tem uma parte escrita por ele, mas foi uma contribuição pequena por causa de seus compromissos com o Megadeth. O Kiko é um cara que compõe muito sozinho, faz aquele processo de gravar com bateria eletrônica e depois mostrar as músicas prontas ou bem adiantadas para a banda, e agora ficou tudo muito concentrado em mim, no Rafael e no Bruno, porque moramos em São Paulo. Sempre que pôde, o Marcelo veio de Brasília passar um tempo conosco, e o Fabio ficou um grande período participando da composição. Ele escreveu a grande maioria das melodias vocais. A ausência do Kiko deixou o Angra mais unido como banda, então a criação ficou mais bem dividida entre os integrantes. Mais democrática, porque deu a todos a oportunidade de se expressar no disco. Em uma banda com mais de 25 anos de carreira, é difícil um membro que entrou há dois anos participar do processo de composição. Geralmente é algo fechado, centrado nos líderes ou fundadores, porque é assim que funciona. São as regras do jogo, e imagino que no Megadeth deve ser assim, centrado no Dave Mustaine, embora o Kiko tenha contribuído em algumas músicas. Mas não no Angra. Queremos o input dos novos integrantes, que o trabalho reflita também suas influências e ideias e que eles se sintam parte do processo. E o disco se beneficia dessa riqueza, dessa variedade.
Rafael: Felizmente, ainda tenho parceiros de confiança, talento e competência para continuar trabalhando. Eu prefiro trabalhar em equipe, porque empaco individualmente. Sou bom em grupo e me preparei para isso, então ter alguém como o Felipe é uma bênção, porque eu trabalhava muito mais com o Kiko, naturalmente. Agora tenho o Felipe ao lado, e ele é um cara extremamente motivado e entusiasmado na hora de colocar suas ideias.

Creio que o tempo na estrada azeitou o processo no estúdio, mas tem o lado de trabalhar com um novo guitarrista depois de tanto tempo.
Rafael: O Marcelo foi uma sucessão infinita de surpresas. Eu já sabia que era dedicado, mas ele superou minhas expectativas, porque não sabia que era tanto. Todos os dias, realmente todos os dias o cara acorda e começa a tocar (risos). Ele fica horas estudando, com metrônomo e tal, e me ajudou a recuperar uma motivação para também estudar. Como guitarrista, havia aquele pensamento de ‘Será que ele está à altura do Kiko?’, nos sentidos criativo, técnico e versátil. O Marcelo superou minhas expectativas também nisso, porque apareceu com um solo mais bonito do que o outro, e era a peça que faltava em termos de empatia. Ele é um cara leve no convívio, tranquilo e sempre de bom humor, e no palco eu vejo nele um escudo muito forte, uma solidez emocional e espiritual. É muito consistente como profissional, tem ideias de marketing e uma visão de mercado de como o Angra deve ou não deve ser. Eu não poderia estar mais feliz com a atual formação, porque ela representa como estou hoje. Os caras têm muito gás, mas não são uns loucos. São focados e disciplinados, e isso é muito importante.

Como a história de ØMNI passa por outros três discos, fiz um exercício de imaginação musical para buscar referências. Por exemplo, Caveman poderia entrar em Holy Land, e Light of Transcendence tem a ver com Temple of Shadows. Ela tem algo da bateria de Spread Your Fire
Rafael: É verdade. Eu tenho um molde que uso desde o Angels Cry. O disco do Angra começa com um speed metal, depois vem uma canção mid-tempo, um heavy metal mais lento, mas que não chega a ser uma balada, que pode ser a terceira ou quarta faixa. Só que depois da balada vem uma música mais prog ou étnica, com ritmos brasileiros, e na sequência volta o speed metal, que é para o álbum não ficar leve. Vem outra balada, que pode ser mais pop ou metal, e novamente um speed metal com toques clássicos e misturas brasileiras. É uma moldura que gosto de utilizar, mas nem sempre temos material suficiente para completá-la. Quando temos, no entanto, o CD é um sucesso. Só que não adianta apenas copiar o material antigo, é preciso ter inspiração para renová-lo. Posso dizer que ØMNI é a minha obra-prima, o que não significa que fiz o disco sozinho. É porque conseguir aprimorar a minha capacidade de criar estruturas eficazes e de desenvolver a ideia dos integrantes. Além das minhas ideias, consigo apropriar as ideias dos outros para a estética do Angra.

Isso tem a ver com o fato de você ser o único membro da formação original?
Rafael: Sem dúvida, e isso me dá a propriedade de dizer que sou o único que realmente sabe, porque uma opinião minha nesse sentido podia ser questionada quando o Kiko estava na banda. Em termos de estrutura, desenvolvimento de ideias, direcionamento e criação de conceito, eu sei que me aprimorei porque venho fazendo isso há 26 anos. É por isso que digo que o ØMNI é minha obra-prima, porque pude guiar todas as ideias para que elas se transformassem num disco cem por cento do Angra. As pessoas podem ouvir e falar ‘Isso é Angra!’, então acho que sou o cara que pode adaptar qualquer ideia ao som da banda, seja uma batucada de samba ou um riff de thrash metal. O que fiz agora foi pegar as ideias e convertê-las para linguagens que já haviam sido usadas no Angra, porque eu não queria que as pessoas estranhassem a nova formação, afinal, hoje temos o Marcelo na banda. Quando o Felipe trazia um riff mais thrash metal, eu tinha de fazer com que soasse uma novidade no sistema que o fã reconhece. É um sistema padrão que precisa ser uma surpresa, e o tempo todo eu tive que pensar em satisfazer a expectativa do fã e surpreendê-lo ao mesmo tempo. Existe uma linha fina que separa isso. Às vezes você satisfaz o fã, mas não inova absolutamente nada. Em outras, inova tanto que acaba gerando uma decepção. É minha obra-prima porque encontrei o equilíbrio entre até onde poderíamos inovar e experimentar e até onde o estilo do Angra deveria ser preservado, continuar intocável.

O Angra já teve Milton Nascimento como convidado especial, então não é surpresa alguém fora do heavy metal. Mas agora tem a Sandy, e a patrulha do metal infelizmente pode não receber muito bem a ideia. Pouco importa se Black Widow’s Web é uma das melhores músicas do disco.
Rafael: A Sandy foi convidada porque havia um propósito artístico. A música é uma história, e ela desempenhou um papel que tem um lado ingênuo da mulher, o lado que ingenuamente cativa e seduz. A Sandy fez isso a vida inteira, porque faz parte da vida do brasileiro e da cultura do país. Ela canta desde que era uma criança fofa, mas hoje é um ícone, e para nós é uma grande honra tê-la nos ajudando a contar a história. Existe o propósito artístico e existe o privilégio de ter alguém da nobreza da Sandy. Quanto às possíveis críticas, hoje, com a internet, a comunicação com os fãs ficou melhor e dá para saber imediatamente quais são suas expectativas. Isso é até uma base para criar, mas em hipótese alguma vamos ficar reféns dessas expectativas, por causa do que conversamos antes. O perfil psicológico do fã do Angra é de alguém muito conservador, fechado para novas ideias, inflexível e inseguro, o que gera uma dificuldade para aceitar a quebra de paradigmas. Não vamos nos render a isso, porque nosso papel é educá-lo musicalmente, fazer com que ele amadureça e cresça culturalmente. É assim que vai apreciar com mais abrangência a música e a arte em geral.


Eu iria perguntar exatamente se a música foi pensada para duas vozes femininas, não que vocês já tivessem os nomes em mente.
Felipe: Sim, precisávamos desse contraste. Não funcionaria se cada uma cantasse toda a música. A Alissa também canta limpo, mas a sua voz é naturalmente mais agressiva. A Sandy tem uma voz doce, perfeita para o momento em que a Viúva Negra está seduzindo o parceiro. Depois, quando chega a hora de partir para cima e matá-lo, tinha que ser a Alissa. Foi justamente para servir à música que as convidamos.

Mas vocês pensaram em outros nomes que não fossem as duas? E foi o Fabio quem convidou a Alissa, certo?
Felipe: Sim, e a história é a seguinte: estávamos no 70000 Tons of Metal, e a Alissa estava com o Arch Enemy e também com o Kamelot, banda com a qual já havia feito algumas turnês, justamente quando ela conheceu o Fabio. Nós ficamos bem impressionados com a presença e o talento da Alissa, então pensamos em compor algo para ela cantar. Tínhamos os riffs que casavam bem com o estilo dela, então terminamos a música com Alissa em mente. Nunca cogitamos outro nome, então teríamos de pensar o que faríamos com a música se ela dissesse não (risos). A Sandy veio um pouco depois, quando fizemos a introdução de Black Widow’s Web, porque vimos que precisaríamos de alguém como ela. E a Sandy também foi nossa primeira opção, então teríamos de correr atrás de uma cantora do mesmo estilo caso ela tivesse recusado.

No fim das contas, o contraste não foi apenas das vozes, mas artístico, de nomes com backgrounds completamente diferentes. O que é ótimo, diga-se.
Felipe: Sim, e também acho legal esse lado inusitado. Se eu pedisse o nome de dez cantoras, acredito que ninguém acertaria. Honestamente, admiro muito a Sandy. Acompanho sua carreira solo e vejo que ela faz tudo com muita qualidade e zelo. Para mim, é uma honra tê-la num disco do Angra.

É também uma questão de liberdade artística.
Felipe: É parte da função do artista ser quem vai mostrar ao público o que é vanguarda, mostrar qual é a sua expressão artística naquele momento, e em nenhum momento nos sentimos pressionados a repetir o sucesso do passado usando as mesmas fórmulas. É muito difícil replicar o sentimento de descoberta, mas é o que tentamos trazer em todo álbum: ‘Olha o que os caras fizeram dessa vez! Que coisa nova legal!’ Podemos fazer isso andando para frente, sem repetir as fórmulas do passado, assim ficamos satisfeitos como artistas, respeitando e contemplando as raízes do Angra.

Todos nós somos fãs, mas quem tem de ficar satisfeito em primeiro lugar é o artista. Não dá agradar a todos. Tem fã do KISS que não ouve mais a banda porque o Peter Criss não está mais lá, só que ele não tem mais condições de tocar.
Felipe: Exatamente porque o fã busca aquela sensação de quando viu o Peter Criss tocar há muitos e muitos anos. Não dá para culpá-lo por isso. Eu também queria de volta a sensação que tive quando escutei o Ride the Lightning pela primeira vez, mas eu sei que o Metallica mudou, andou para frente. Não tem como esperar que algo como aquilo se repita. Se a pessoa não quer se abrir para ouvir o que o Metallica tem para oferecer hoje, pode ficar em casa curtindo os discos antigos, sem dar a mínima para o que eles estão fazendo. O que eu acho chato é ficar forçando a barra, tipo ‘Porra, vocês não fizeram um álbum como o Master of Puppets! Estou chateado!’ Cara, eles já fizeram. O disco está aí, você pode ouvir quantas vezes quiser até morrer (risos). E mesmo se fizesse hoje um trabalho exatamente nos moldes do Master of Puppets, o Metallica continuaria sendo criticado, afinal, não seria o Masters of Puppets. Mas quem reclama não lembra que não tem mais os 12, 13 ou 15 anos da primeira vez que ouviu o disco. É mesmo uma sensação muito difícil de replicar, e eu tenho uma teoria: se você não ouve e assimila determinadas bandas quando está formando sua personalidade, vai ser muito complicado gostar delas depois de velho e cricri. Para mim, por exemplo, é difícil aceitar o Accept, que não fez parte da minha formação musical, da mesma maneira que uma pessoa que cresceu ouvindo a banda. As referências são diferentes.

Especificamente sobre o Angra, o curioso é que o primeiro álbum já foi um marco dentro do estilo. E o Angels Cry foi sucedido por um divisor de águas, porque o Holy Land mostra que não é qualquer banda que pode inserir no trabalho a cultura musical do próprio país, e isso inclui convidados fora do heavy metal. O Brasil tem essa singularidade.
Felipe: Com certeza, e tentamos tirar o máximo de proveito disso. Antes de começarmos a fazer o Temple of Shadows, e acredito que tenha sido assim com o Holy Land, estávamos com a sensação do dever cumprido por termos feito um disco que, apesar de gostarmos dele, foi bem calculado. Então tivemos liberdade para pirar, para sermos completamente espontâneos no processo de criação. Aconteceu a mesma coisa agora, pudemos colocar em práticas essas ideias malucas, como ter vocal gutural pela primeira vez num disco do Angra e convidar a Sandy, porque é uma participação inusitada. É preciso lembrar que o Milton Nascimento tem status de lenda, é inquestionável… O cara que questiona a presença dele não conhece história. Se for falar bobagem por aí, é melhor pensar bem, porque está falando do Milton Nascimento. Embora seja uma artista consolidada, porque é impossível alguém no Brasil não conhecê-la, já que ela canta na TV desde os cinco anos de idade, a Sandy não está no patamar de lenda. Ou seja, é mais arriscado. Quando o Rafael veio com a ideia, admito que fiquei como cachorro que entorta a cabeça para o lado (risos), mas não precisei pensar nem cinco segundos para perceber que fazia sentido. Não apenas pelo contexto da música, mas por ser a Sandy. Precisamos aproveitar que nosso legado permite uma ida por caminhos diferentes, mas também o fato de termos acesso a essas pessoas, porque elas respeitam o Angra e sua trajetória, o que a banda representa no país e lá fora. Levamos a nossa cultura para o mundo inteiro, e é por isso que em festivais Brasil afora, ao encontramos com as bandas mais pop e diferentes possíveis, percebemos que o respeito é gigante. Tenho certeza de que qualquer artista dessas bandas aceitaria um convite nosso, porque enxerga a importância do Angra.
Rafael: O fã do Angra também é fã de outros grupos do estilo, e o fã de power metal e metal melódico tem aquele estereótipo um pouco conservador. E esses estilos não são dos mais transgressores dentro do rock pesado, como são thrash metal e o punk ou até mesmo o rock alternativo e o grunge, então tentar quebrar paradigmas no power metal é uma dificuldade. Você basicamente se comunica com um público que, por opção, prefere ser conservador. E isso é um direito que ele tem, chegar em casa e tomar um Toddy quentinho feito pela vovó enquanto ouve Angra e Nightwish (risos). É assim que vai dormir feliz, achando que a vida é fantasia. Como somos uma banda brasileira, acredito que temos a responsabilidade de não iludir o fã. Por exemplo, a música Angels Cry fala de crianças que passam fome na rua, porque eu não queria falar de castelos, dragões e um mundo belo. Seria hipocrisia. Não moro na Inglaterra, minha realidade é diferente. Essa pegada sempre esteve presente nas nossas letras, mesmo com metáforas e analogias que dizem respeito à realidade do ser humano e à sua crueldade, uma reflexão sobre injustiças, desigualdade social e incoerências. Nossas burrices, e me incluo quando falo nossas.

E a percepção geral é que esse caminho sempre é mais bem aceito lá fora.
Rafael: Eu vou além, porque é mais bem aceito nos países desenvolvidos, curiosamente. Nos países do Terceiro Mundo é a mesma coisa. Quando digo que faltam cultura e educação no Brasil, não estou falando dos analfabetos. Falo da grande massa, de uma classe média que não tem consciência e civilidade, não sabe qual é o seu papel como individuo e cidadão, qual é o papel do país no mundo em relação a mudanças. Isso faz do Brasil um país ignorante, que não sabe avaliar para onde está indo a sua cultura, porque há 30 anos as rádios tocavam Tom Jobim e Elis Regina. Essa era a nossa música pop. Gilberto Gil era a música mais prostituída que tínhamos, e havia Amado Batista e Roberto Carlos nas rádios AM. Aí falamos ‘Puta merda, bons tempos’. O samba no Brasil sempre foi foda, mas hoje você não consegue mais assistir a um show com artistas do calibre dos icônicos, porque não há mais interesse. Estamos vivendo um período de trevas na cultura brasileira, então temos de dar educação ao povo para que ele tenha critério e faça um bom julgamento. Como o povo não tem educação, a música acaba nivelada por baixo. A gravadora tenta vender o novo disco da Alcione, mas ninguém quer saber, ninguém compra o CD, então ela lança o que está aí, porque precisa vender.

E está ficando cada vez mais difícil, porque essa falta de cultura faz com que a discussão não seja mais artística e musical. Ninguém quer saber se os dois nomes da moda, Anitta e Pabllo Vittar, têm talento. Os focos são a bunda de uma e a orientação sexual do outro.
Rafael: A música popular sempre foi, desde a era do rádio, música, tendência e comportamento. Os Beatles surgiram vendendo também comportamento, aqueles quatro caras bem comportados e de terninho, mas depois foram um dos pilares da revolução hippie e das grandes transformações comportamentais na sociedade. Mas eles fizeram isso com a música tendo peso e relevância. O KISS é comportamento com Gene Simmons cuspindo sangue, mas também é música. Hoje, a questão comportamental é mesmo muito mais forte que a música, então é preciso encontrar um equilíbrio entre conceito e conteúdo. O mundo precisa voltar a ser criativo.

Você falou que Z.I.T.O. está ligado ao conceito de ØMNI, que houve situações estranhas durante a gravação de Holy Land. Por exemplo?
Rafael: Acho que o Kiko lembra vagamente, talvez o Ricardo e o Luís lembrem, e o Andre levou um choque durante uma tempestade, por isso pode ser o que menos recorde de algo. Mas foi um dos mais afetados com a transformação que vivemos lá. Ficamos isolados no campo, não havia TV, telefone, fax e, obviamente, internet. Estávamos num local cheio de pedras, cheio de magnetismo, então os raios caíam com toda força. O Andre estava tocando teclado, que ficava numa estante de ferro, quando caiu um raio fortíssimo que chacoalhou a eletricidade. Ficamos sem luz por um tempo, e o Andre apareceu na sala completamente tonto e atônito, porque tinha recebido uma descarga elétrica. Aquilo me assustou bastante, porque havia perdido recentemente um amigo eletrocutado.

Para você, Felipe, como foi a experiência de tocar com o Geoff Tate, especialmente para apresentar a íntegra do Operation: Mindcrime, para mim o maior disco conceitual da história do heavy metal.
Felipe: Cara, foi surreal. Estava na Som Livre resolvendo uma lance de edição das minhas músicas quando recebi um SMS do Geoff. Eu o conheci em 2004, quando o Angra tocou no Metal All Stars, na Bolívia e em São Paulo, e trocamos contato. Ele pediu que eu montasse uma banda aqui, pois iria tocar no Brasil, e foi uma felicidade enorme ter recebido o convite porque pude escolher músicos que são extremamente competentes e também amigos. Mais do que isso, pessoas que, assim como eu, são fãs incondicionais e que cresceram ouvindo o Operation: Mindcrime. O Geoff é um cara muito legal, e a convivência foi tão boa que também vou fazer a turnê na Europa com ele. Farei dois shows por noite nas 27 datas europeias do Angra, primeiro com o Geoff, depois com o Angra. Turno dobrado (risos). Será bem pesado, mas vai valer a pena. Tocaremos novamente o Operation: Mindcrime na íntegra, e concordo com você: é certamente o disco conceitual mais animal já feito no heavy metal. Também vão rolar outras músicas da carreira dele, e com o Angra poderei tocar as músicas novas, o que dá uma injeção de ânimo. Há canções que eu toco há exatos 17 anos em todo show, então é uma sensação bacana ter material novo para apresentar. Até porque acreditamos que o ØMNI é um disco muito forte e que as suas músicas vão funcionar muito bem ao vivo. Estou bem ansioso para a turnê.


Exatamente. Essa é uma das razões por que tiro o chapéu para o Iron Maiden, apesar de muitos fãs reclamarem que a banda toca cinco, seis, sete músicas do novo álbum quando sai em turnê. Vocês já sabem o que vão tocar do ØMNI?
Rafael: Nos shows sempre tem aquele cara que foi para ouvir os clássicos e não está por dentro do novo disco, então vamos começar tocando umas quatro ou cinco. E acho que tem de ser as de assimilação mais fácil, que são Travelers of Time, Insania, War Horns, Light of Transcendence e Caveman. Depois vamos colocando aos poucos no repertório canções como Magic Mirror e ØMNI – Silence Inside, e acredito mesmo que mais para o fim do ano os fãs estarão pedindo todas as músicas do ØMNI.

E ØMNI é um disco que merece ser tocado na íntegra, realmente. Mais do que isso, para registrar o bom momento da banda e sua nova formação, um CD e DVD ao vivo seriam bem-vindos. De repente, um novo Angra Fest com as participações especiais da Sandy e da Alissa. Pode ser difícil, mas não custa nada tentar.
Felipe: Sem dúvida, e ficamos viajando nessas coisas também, o tempo inteiro fazendo planos. Como você disse, há coisas que podem ser complicadas de realizar, mas esse DVD vai ter que existir porque o ØMNI merece. Não fizemos um do Secret Garden, mas agora é o momento certo. Não está longe de acontecer, e levar tudo isso para o palco enriqueceria bastante o show.
Rafael: Tudo vai depender da aceitação do público, o quanto ele vai gostar e entender o ØMNI, mas a nossa vontade é mesmo fazer tudo isso. Se ele se tornar um clássico daqueles que as pessoas falam que é inteiro bom, aí é que vai valer mesmo a pena fazer um espetáculo só dele, chamando a Alissa e a Sandy.

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Kadavar

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

Em sua segunda passagem pelo Rio de Janeiro, o Kadavar saiu do acanhado Teatro Odisseia, na Lapa, para o Cais da Imperatriz, na Zona Portuária. Uma mudança significativa para uma banda da geração que vem revisitando e dando nova roupagem ao rock pesado feito nos anos 60 e, principalmente, 70. Obviamente, no entanto, o sucesso do evento – todos os ingressos foram vendidos – também se deve à parceira da produtora Abraxas com a cervejaria carioca Hocus Pocus, e a dobradinha permitiu que o evento tivesse a abertura de dois grupos independentes que muito provavelmente não pisariam tão cedo na cidade. Ou não teriam a oportunidade de tocar para mais de 500 pessoas.

A começar pelo Galactic Gulag, banda de Natal (RN) formada por Pablo Dias e Breno Xavier (guitarras), Gabriel Dunke (baixo) e César Silva (bateria). Na estrada desde 2015, o quarteto aproveitou para tocar todas as cinco músicas de seu álbum de estreia, To the Stars By Hard Ways (2017), mas não se engane: não se trata de um EP, então a apresentação não foi curta. E apesar de a proposta instrumental por vezes oferecer dispersão, o grupo potiguar conseguiu prender a atenção de grande parte daqueles que chegaram às 18h para conferir todos os shows.

Foi assim com o peso e a psicodelia da arrastada Home, ou com esses mesmos predicados na companhia de um belo groove na ótima Escape from Planet Gulag, na qual Dias largou os dedos nas seis cordas – o guitarrista, diga-se, segura bem a onda nas longas canções instrumentais, mostrando-se fundamental para manter o interesse de quem não conhece o som do quarteto. E foi assim até o fim do set, passando pela ótima The Hollow Moon até a diversificada Eta Orionis, com direito até mesmo a um arco nas mãos de Xavier, e uma nova canção, Rise and Fall of Zvezda II, que encerrou o set com uma, digamos, pegadinha: por um momento, por causa de sua introdução de bateria, pensei que ouviria Stargazer, clássico do Rainbow.

Com Phillippi Oliveira (guitarra), Marco da Lata (baixo), Diego Drão (teclado), Carlos Amarelo (percussão) e Júnior do Jarro (bateria) em cena, o Anjo Gabriel se apertou no palco e também fez bonito. O início do show, diga-se, foi de uma felicidade ímpar: com a gravação de uma conversa em 2016 entre o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e o senador licenciado Romero Jucá (MDB-RR), então ministro do Planejamento, o grupo oriundo do Recife mandou ver Resiliência, do compacto homônimo lançado em 2017. Um encaixe perfeito e com boa dose de humor, uma vez que o diálogo que sugeria uma união para barrar a Lava Jato foi na voz feminina do Google Translator.

Musicalmente, Resiliência inseriu percussão e um quê de ritmo nordestino no meio de um instrumental ora pesado, ora progressivo e cheio de quebradeiras. O suficiente para chamar a atenção dos membros do Kadavar, que ficaram a primeira metade da apresentação na escada ao lado do palco curtindo o trabalho do quinteto pernambucano. Em seguida, uma nova canção ainda sem título definiu bem o Psych Kraut Prog do Anjo Gabriel, afinal, o som é mesmo bem singular. Mesmo que Peace Karma seja uma homenagem ao Black Sabbath ao remeter a Hand of Doom, conscientemente ou não, uma canção como a “balada” Sunshine in Outer Space já vale a iniciativa de conferir o trabalho predominantemente instrumental da banda, fundada em 2005 e que já tem dois discos: O Culto Secreto do Anjo Gabriel (2012) e Lucifer Rising (2013).

Anjo GabrielAnjo GabrielAnjo GabrielAnjo Gabriel

Um pouco de atraso, pista lotada e muito, muito calor. Foi com esse cenário que Christoph “Lupus” Lindemann (guitarra e vocal), Simon “Dragon” Bouteloup (baixo) e Christoph “Tiger” Bartelt (bateria) subiram ao palco. Primeiro para fazerem eles mesmos alguns ajustes de última hora, depois para um set arrasador. Com a pesadíssima Skeleton Blues, de Rough Times (2017), o Kadavar começou a colocar a casa abaixo, e Doomsday Machine, de Abra Kadavar (2013), ajudou a manter a empolgação lá em cima com seu riff hipnótico e uma levada empolgante.

“Are you ready for some rock and roll?”, bradou Lupus. Pergunta retórica, claro, porque Pale Blue Eyes, uma das melhores canções de Berlin (2015), animou ainda mais os presentes com um tema de guitarra e um refrão totalmente palatáveis. De volta ao peso – e um peso dos infernos, vale ressaltar –, foi a vez de Into the Wormhole, seguida de mais uma amostra do álbum mais recente: Die Baby Die, que ressaltou a deliciosa linha de baixo de Dragon e um dos refrãos mais sensacionais que você pode encontrar por aí para soltar a voz.

De volta a 2012, mais precisamente ao primeiro disco, autointitulado, Living in Your Head foi quase um show particular de Lupus, guitarrista de extremo bom gosto em timbres, riffs e solos. The Old Man serviu como mais uma prova de como Berlin é querido pelos fãs, que gritaram ao fim da música, e pela primeira vez, o nome do grupo. O set regular emendou mais três músicas do álbum de estreia: a tribal e quase dançante Black Sun; Forgotten Past, que poderia resumir sozinha a importância do Black Sabbath para o Kadavar; e Purple Sage, uma longa e maravilhosa viagem psicodélica e progressiva.

KadavarKadavarKadavarKadavarKadavarKadavarKadavar

O intervalo antes do protocolar bis já apresentava uma pista mais confortável, permitindo aos que lá estavam por causa do trio alemão ir mais para perto do palco – muito baixo, por sinal. Foi a confirmação de que uma parcela considerável foi ao Cais da Imperatriz para um festival de cerveja com música ao vivo. Então, azar de quem foi para o jardim nos fundos da casa para ficar batendo papo e bebendo suco de cevada de todos os tipos, porque Lupus, Tiger e Dragon voltaram para um encerramento matador.

Thousand Miles Away from Home, de Berlin, foi o começo de um fim apoteótico para quem curte o Kadavar, e seu riff – tanto de guitarra quanto de baixo – foi como um aperitivo para All Our Thoughts, outra joia de Kadavar, porque foi a deixa para Lupus emular Tony Iommi e Jimi Hendrix. E isso não é, nem de longe, uma crítica. Faixa de abertura de Abra Kadavar, Come Back Life encheu o local com seu alto astral – repare bem como ela tem um quê de hard rock – e aquele tema de guitarra acompanhado pela melodia vocal. Deve ter empolgado até quem estava vendendo cerveja, graças à seção instrumental no meio da canção, mas quem estava vidrado assistindo àqueles três caras despejarem tanta potência sonora não teve tempo de reparar nisso. O que valeu foi o sorriso no rosto de cada fã.

Set list Kadavar
1. Skeleton Blues
2. Doomsday Machine
3. Pale Blue Eyes
4. Into the Wormhole
5. Die Baby Die
6. Living in Your Head
7. The Old Man
8. Black Sun
9. Forgotten Past
10. Purple Sage
Bis
11. Thousand Miles Away from Home
12. All Our Thoughts
13. Come Back Life

Set list Anjo Gabriel
1. Resiliência
2. Música nova e ainda sem título
3. Claralice
4. Peace Karma
5. Sunshine in Outer Space
6. Mantra II

Set list Galactic Gulag
1. Home
2. Escape from Planet Gulag
3. The Hollow Moon
4. Space-Time Singularity
5. Eta Orionis
6. Rise and Fall of Zvezda II

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