Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação
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Depois de quatro dos maiores nomes da história do rock (Led Zeppelin, Black Sabbath, Deep Purple e KISS) terem sido passados a limpo – superficialmente, claro, pois não há como ser de outra forma –, temos mais um capítulo interessante dos tributos musicais. E este gira em torno de dois personagens: Bob Kulick, veterano guitarrista de estúdio, produtor e irmão mais velho de Bruce Kulick, ex-KISS; e Billy Sherwood, músico com uma passagem recente pelo Yes, tendo participado dos álbuns Open Your Eyes e The Ladder.
Sempre com pelo menos um dos dois à frente da produção, desde 1995 já foram lançados mais de dez trabalhos homenageando bandas e artistas solo. E o mais curioso em todos os CDs é que há poucas mudanças em relação aos participantes. Uma peculiaridade que acabou proporcionando a formação de supergrupos que infelizmente (será?) nunca poderemos ver em cima do palco.
Sherwood foi quem deu o pontapé inicial, com Jeffology – A Guitar Chronicle, para homenagear Jeff Beck. Destaques para as três primeiras faixas do CD: New Ways Train Train, com Warren DeMartini (Ratt); Led Boots, com Vivian Campbell (Def Leppard); e Heart Full of Soul, com Paul Gilbert (ex-Mr. Big). A primeira experiência fez o produtor tomar gosto por celebrar guitarristas. Em seguida, com A Salute to Stevie Ray, foi a vez de Stevie Ray Vaughan, um dos melhores guitarristas de blues em todos os tempos. Nas mãos de Steve Morse (Deep Purple), Travis Walk mostra o porquê, mas há ainda uma ótima turma de alunos e discípulos: Trevor Rabin (ex-Yes), Stanley Jordan, Walter Trout, Steve Stevens e Richie Kotzen (Mr. Big).
Influência de um sem-número de guitarristas de rock, mas num nível abaixo de Beck e Vaughan em excelência técnica, temos Ace Frehley (KISS). O ótimo Spacewalk traz Marty Friedman (ex-Megadeth) em Deuce; Charlie Benante e Scott Ian (Anthrax) em Rip it Out; e Vinnie Paul e Dimebag Darrel (Pantera) fazendo a melhor homenagem do CD ao recriar a belíssima instrumental Fractured Mirror.
Com o fim da seção seis cordas, Sherwood, agora com Kulick no posto de copiloto, iniciou os trabalhos com dois belos cartões de visitas: AC/DC e Queen. No tributo à banda australiana, Thunderbolt, é impossível não destacar Zakk Wylde em Hell Ain’t a Bad Place to Be; a dupla Jake E. Lee (ex-Ozzy e Badlands) e Lemmy Kilmister (Motörhead) em It’s a Long Way to the Top; e o belo time de Shake a Leg: Billy Sheehan (baixo) e Pat Torpey (bateria), a cozinha do Mr. Big; Bob Kulick (guitarra); e o vocalista John Corabi, que mostra por que marcou presença no melhor disco do Mötley Crüe.
Na outra mão, não apenas mais um bom trabalho, mas também uma ação beneficente. Com Dragon Attack, parte do dinheiro arrecadado com as vendas foi – e ainda é – destinada ao Mercury Phoenix Trust, entidade de combate à AIDS. Rodando o CD, encontramos bons momentos em Another One Bites the Dust, com John Petrucci (Dream Theater); Save Me, impecável com Jeff Scott Soto nos vocais e o belo solo de violão de Bruce Kulick; e Tie Your Mother Down, com Lemmy arrasando mais uma vez, escorado por uma das melhores cozinhas do rock: Rudy Sarzo (baixo) e Tommy Aldridge (bateria).
Sherwood sairia de cena provisoriamente depois do primeiro tributo a Freddie Mercury e companhia, em 1997, pois não havia mais como conciliar a produção dos discos com seu trabalho no Yes (do qual, aliás, ele saiu em 2000). No entanto, o Queen mereceu outra homenagem quatro anos depois. Em Stone Cold Queen – com Bruce Bouillet (ex-guitarrista do Racer X) ao lado de Bob Kulick na produção –, a grande novidade é We Will Rock You em versão apresentada ao vivo pelo grupo inglês, ou seja, com pegada mais rock. Ambos os CDs são obrigatórios para os fãs da Rainha, mas cabe um conselho ao ouvir o segundo: para não deixar todo o restante sem graça, deixe Somebody to Love por último, já que a interpretação de Geoff Tate (Queensrÿche), simplesmente emocionante, deixaria Mercury orgulhoso.
Com Humanary Stew, Kulick tomou as rédeas, iniciou a formação de um grupo quase inatingível de músicos e revisou vários clássicos de Alice Cooper. Além de nomes inusitados – como Vinnie Colaiuta, um dos mais requisitados bateras de jazz, músico da banda de Sting por vários anos –, o álbum tem como destaque a performance de três vocalistas: Bruce Dickinson (Iron Maiden) em Black Widow; Ronnie James Dio em Welcome to My Nightmare; e Glenn Hughes em Only Women Bleed.
Com uma estreia tão boa, Kulick quase bobeou no tributo seguinte, Not the Same Old Song and Dance, ao Aerosmith. A salada de músicos, de variados estilos, não caiu bem numa obra com uma veia tão roqueira como a da turma liderada por Steven Tyler e Joe Perry. Earl Slick, Nathan East (Eric Clapton), Albert Lee e Tony Levin (King Crimson, Peter Gabriel, Liquid Tension Experiment et cetera) parecem estranhos no ninho, assim o melhor momento do CD ficou por conta de Dio e Yngwie Malmsteen em Dream on.
Kulick se recuperou com Van Halen e Ozzy Osbourne. Para o primeiro, com o CD MMMM – 2000 em algarismos romanos, uma referência ao MCMLXXXIV na capa de 1984 –, duas constatações óbvias: em primeiro lugar, todas as 11 músicas são da fase com David Lee Roth nos vocais, o que sepulta de uma vez por todas a discussão sobre qual o período criativamente mais fértil da banda; segundo, é também um tributo a Eddie Van Halen. Unchained (Dweezil Zappa, filho de quem você está pensando), So This is Love (Blues Saraceno), Dance the Night Away (Reb Beach), Hot for Teacher (Bruce Kulick) e Running With the Devil (Jake E. Lee) são bons exemplos.
Ozzy foi brindado com Bat Head Soup, com Sherwood na mesa de produção ao lado de Kulick. Apesar de o trabalho ser uniforme, não dá para ficar impassível com Mr. Crowley, mais pelos vocais de Tim “Ripper” Owens (Judas Priest) do que por Malmsteen, cujo ego destruiu o antológico solo de Randy Rhoads; Over the Mountain, com um inspirado Mark Slaughter à frente da bateria destruidora de Eric Singer (KISS); Desire, com Lemmy e Richie Kotzen; Shot in the Dark, perfeita com Jeff Scott Soto no microfone; e Goodbye to Romance, que ganhou uma versão definitiva na voz angelical de Lisa Loeb.
Com o mercado já demonstrando sinais de saturação, com a onda de tributos transformada em febre no meio dos anos 90, o Metallica foi o nome da vez no fim de 2001, com Metallic Assault. Kulick, pela segunda vez com a assistência de Bouillet, manteve a qualidade e apresentou duas grandes novidades em sua seleção de músicos. O exímio Vernon Reid (guitarrista do Living Colour) surpreende em The Unforgiven, e Jon Oliva (mentor do Savatage) faz bonito em Nothing Else Matters. Mas o grande mérito do CD, na verdade, é lembrar como a banda de Hetfield e Ulrich já foi de primeira linha, antes dos erros cometidos em sequência a partir de Load. Battery, Welcome Home (Sanitarium), The Thing That Should Not Be, Seek & Destroy e For Whom the Bell Tolls não foram escolhidas à toa.
Paralelamente ao que você acabou de ler, a gravadora americana Magna Carta, especializada em rock progressivo e progressive metal, também realizava um trabalho digno de elogios. Além disso, como canto do cisne no momento em que o assunto já havia virado moda, bandas e artistas solo resolveram lançar tributos a seus ídolos como parte de sua discografia oficial. No próximo número do International Magazine, a terceira e última parte da série.
Matéria publicada na edição 84 do International Magazine, em junho de 2002. Em três partes, um passeio pelos discos de vários artistas homenageando grandes bandas. Um enorme filão à época e em alguns anos seguintes, por isso pede uma nova trilogia a ser publicada aqui em algum momento de 2018.