Rush

Por Daniel Dutra | Fotos: Reprodução

Não há dúvida de que 2002 foi uma temporada no mínimo interessante. Do Brasil pentacampeão mundial de futebol a um país com otimismo e esperança reacesos com a eleição de Lula, houve felicidade para todos (ou quase). Na música não poderia ser diferente. Está certo que, entra ano e sai ano, surgem bandas que são apontadas como a salvação desse tal de rock’n’roll que tanto gostamos. Tudo bem que houve uma febre de grupos e cantores agora fabricados até mesmo por programas de TV, mas pelo menos a decadência das ‘boy bands’ tornou-se realidade. Enfim, coisas boas, coisas ruins e o acontecimento do ano: finalmente o Rush aportou em terras brasileiras.

Já não era sem tempo. Aliás, diga-se de passagem, houve tempos melhores. Quem escreve estas linhas está longe de ser um fã ‘die hard’ do trio canadense. Longe disso, acredito que o fabuloso Rush – subjetivamente falando, claro – acabou no Signals (1982), inclusive. Aí se vão duas décadas. De 1982 até novembro do ano passado – quando a banda tocou em Porto Alegre (20), São Paulo (22) e Rio de Janeiro (23) –, foram mais oito álbuns (sem contar coletâneas e os tradicionais ao vivo). Somando tudo temos um apanhado de boas canções, mas a grande maioria está muito abaixo do esperado de quem um dia lançou obras-primas como Fly By Night (1975), 2112 (1976), Hemispheres (1978) e Moving Pictures (1981). Mas e daí? Em cima do palco, Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart são imbatíveis. Juntos, precisam de poucos minutos para deixar grupos formados por fãs de carteirinha, como o Dream Theater, parecendo iniciantes num sarau.

E foi exatamente o que aconteceu numa noite de sábado, no Maracanã. Foram 50 minutos de atraso até que as luzes se apagassem e a introdução com o tema de “Os Três Patetas” – usado pela última vez na turnê do Presto (1989) – saísse dos amplificadores. Nos telões, a primeira amostra do humor peculiar dos músicos – ou seria do peculiar humor canadense? – ao aparecerem as imagens de Lee como Moe; Peart como Larry; e Lifeson como… Brad Pitt! Mas antes que alguém pudesse pensar “sobrou para o Curly”, os três iniciaram com Tom Sawyer. O que os mais de 40 mil fãs presentes ao Maracanã estavam vendo e ouvindo não era a abertura de “Profissão Perigo”, tema de um McGyver que um dia foi herói de muitos deles na adolescência. E não é qualquer grupo que pode abrir um espetáculo de três horas e dez minutos com Tom Sawyer.

Sabe uma daquelas boas canções da “nova fase” do Rush? Distant Early Warning foi a segunda do set list, acompanhada de New World Man, Roll the Bones (muito bem recebida) e Earthshine. Bastava olhar para o lado e perceber que não faltava quem soubesse qualquer verso destas, mas o que dizer quando Peart tocou as primeiras notas de YYZ? Em 30 anos da carreira, o sorriso no rosto de Lee mostrava que a reação da platéia, cantando a melodia de uma música instrumental e pulando ao seu ritmo, era algo novo e fascinante. E mostravam-se absolutamente hipnotizados todos aqueles que já ouviram YYZ o suficiente para decorá-la de trás para frente.

Para acalmar os ânimos, The Pass. Para provar que a música ainda vale a pena, Bravado. Não que esta seja uma grande composição, mas Lifeson a torna memorável com seu belíssimo solo. Seguindo a escola de um dos maiores mestres no assunto – David Gilmor, do Pink Floyd –, uma aula de melodia e bom gosto nas (poucas e lentas) notas. The Big Money, uma das melhores da banda nos últimos 20 anos, antecedeu uma surpresa mais do que agradável no fim do primeiro set. Era hora de saudosismo. Incluída no repertório devido ao seu sucesso por aqui, Closer to the Heart já não era novidade, mas The Trees e Freewill foram tesouros desenterrados (em substituição a Vital Signs e Between Sun & Moon). Três dos maiores clássicos do Rush em sequência e a sensacional Natural Science para depois Lee anunciar o intervalo de 20 minutos (esquema de apresentação que o guitarrista Joe Satriani e o ex-Pink Floyd Roger Waters, por exemplo, também vêm adotando há alguns anos).


Faixa de abertura de Vapor Trails (2002), o novo trabalho do grupo, One Little Victory iniciou bem o segundo set, principalmente por causa do ótimo trabalho de Peart e pelos efeitos. Sim, o dragão no telão e a pirotecnia foram, ao lembrarmos da apresentação como espetáculo visual, os melhores momentos do show. No entanto, o maior espaço reservado ao material mais recente valeu mesmo por causa da excelência técnica do trio. A pesada Driven, Ghost Rider (que substituiu Ceiling Unlimited), Secret Touch, Dreamline e Red Sector A fizeram as atenções ficarem voltadas às performances individuais. Assim como sua voz única e inconfundível, Lee tem na lista de marcas registradas a precisão de cantar, tocar e manusear pedais de teclado ao mesmo tempo. A prática leva à perfeição, está certo, mas é de impressionar graças às linhas de baixo ao mesmo tempo bonitas e complexas que ele escreve.

Do lado esquerdo do palco, Lee fez tudo o que os fãs já esperavam. Do outro, Alex Lifeson acabou roubando o show. Subestimado por muita gente, já que tecnicamente não aparece tanto quanto seus companheiros, o guitarrista tocou tudo e mais um pouco. Sem apelar para malabarismos, Lifeson foi o grande destaque individual da noite: belos timbres, belos solos e bom gosto a toda prova nas melodias que cria nas seis cordas. Nada que não esteja em qualquer disco do Rush, mas algo que boa parte dos fãs já havia esquecido.

A instrumental Leave That Thing Alone acaba explicando o porquê de Lifeson ser injustamente relegado a segundo plano. A música, que só fica interessante mesmo depois de uns dois minutos, antecede um dos momentos mais esperados do show: The Rhythm Method, o solo de Neil Peart. Há razão de ser. O baterista é hors-concours não à toa e, depois de quase 30 anos, está ainda melhor. Seu solo é uma demonstração de técnica ímpar, mas usada em função do ritmo que a própria música (sim, música!) tem no nome. A utilização de seu kit é perfeita, culminando com uma homenagem ao seu grande ídolo, Buddy Rich. Mas qual o diferencial? Peart está distante daquele baterista de movimentos rígidos de outrora. Está mais solto e tocando de uma maneira bem mais bonita, resultado das aulas com o lendário Freddy Grubber, também professor de feras como Steve Smith e Vinnie Colaiuta.

Uma bela versão acústica de Resist foi a porta de entrada para o túnel do tempo. De volta a 1976, o trio emendou 2112 (na verdade, Overture e Temple of Syrinx), e, vergonha de quê?, não foi possível segurar as lágrimas – de emoção mesmo, não de uma nova demonstração do tal humor. Se em A Show of Hands (1989) as vítimas foram Lee e Lifeson, desta vez os dois ficaram esperando que Peart, com o corte proposital de som logo no início da música, perdesse o tempo (o que obviamente não aconteceu).

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Limelight veio depois, mas foi La Villa Strangiato que voltou a emocionar todo e qualquer fã. Execução perfeita, um jazz improvisado, Lifeson cantando e dizendo que é muito fácil cantar, Lee apresentado como “garoto de Ipanema” (um doce para quem adivinhar o que o baixista tocou em seguida), e Peart, como Milton Banana. Tudo num só fôlego até o apoteótico fim com a maravilhosa The Spirit of Radio. Fim? Não, e o bis ainda teve By-Tor and the Snow Dog (com Cygnus X-1 servindo de introdução) e Working Man. A chuva que caiu cinco minutos depois de os três se despedirem espantou apenas o forte calor. A alma dos fãs já estava lavada, como poderá ser conferido no DVD gravado naquela noite de sábado.

Sim, o Rush no Brasil foi o grande acontecimento da música no país em 2002. Tudo bem, houve quem reclamasse da duração do show e do intervalo, como se fossem surpresas. Bom, por isso mesmo reclamaram que tudo foi cansativo para quem não é fã dos canadenses – mas, ora bolas, o que uma pessoa que não gosta da banda foi fazer no Maracanã? Com três décadas de carreira e um sucesso conquistado apenas e tão somente com a música, não de marketing e hits em rádios, o Rush faz shows para os fãs. Estes têm a certeza que Lee, Lifeson e Peart não entrarão chapados no palco e com seus instrumentos desafinados. Não, eles também não cospem nas câmeras de TV, tampouco colocam o pau para fora em rede nacional. Respeito é algo que todo fã deveria exigir. Mas há gosto para tudo. A democracia é uma bênção.

Resenha publicada na edição 90 do International Magazine, em janeiro de 2003.

Ratos de Porão

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

O Ratos de Porão lança seu novo disco, Onisciente Coletivo, para não apenas provar ter uma das trajetórias mais interessantes do rock brasileiro, mas principalmente ratificar sua importância no cenário musical. Por telefone, entrevistamos o vocalista João Gordo – que segue ao lado de Jão (guitarra) e Boka (bateria), trio que agora conta com Fralda no baixo – e com menos de cinco minutos de conversa a pauta foi deixada de lado. O que se seguiu foi um papo bem-humorado sobre os mais variados assuntos.

Podemos começar falando sobre o novo disco, lançado cinco anos depois do último trabalho…
… Esse negócio de cinco anos é furada, porque gravamos muita coisa (N.R.: o período abrange os anos em que o grupo não lançou um trabalho completo de inéditas). O último disco cheio havia sido o Carniceria Tropical, de 1998 (N.R.: de 1997, na verdade). Ele saiu no mundo inteiro e foi bastante elogiado. Chegamos a fazer três turnês, incluindo até a Europa.

Sim, durante esse tempo houve outros lançamentos, mas nenhum álbum de inéditas.
Pois é, nós andamos um tempo tocando direto e demoramos para compor, além de eu quase ter morrido por causa de um problema de saúde. Acabou que fizemos o Guerra Civil Canibal, com covers e algumas inéditas; o Sistemados pelo Crucifa (N.R.: regravação do primeiro disco, Crucificados pelo Sistema); e o Só Crássicos (N.R.: coletânea). Gravamos também vários tributos… Pô, nem lembro mais, é muita coisa (risos).

Mas por que tanto tempo até o Onisciente Coletivo?
Demoramos porque só ensaiávamos uma vez por semana. Afinal, não temos estúdio e precisamos ficar pagando para ensaiar. Complica porque há o lado financeiro de cada um na banda.

E como foi o processo de composição, então?
Não tem ideia, nós só vamos compondo. Rola de uma hora ficar empacado, não sair nada. De repente sai um monte de música, principalmente com o Jão e o Boka. Aliás, eles nem precisaram de mim. As letras vêm depois da música. Sempre foi assim, e dessa vez foi até meio abortado (risos). Eu pego uma fitinha com as bases e fico cantando em cima.

Você não deixou passar em branco os atentados de 11 de setembro. No entanto, em músicas como Terror Declarado e Próximo Alvo você aborda o assunto com outra perspectiva. Você não teme críticas por apontar uma culpa dos EUA?
Eu apenas narrei os fatos. Escrevi “Qual o próximo alvo na América?” e também “Qual o próximo alvo da América?”. Em Terror Declarado eu falo em árabe “Mawetuhom Yaa Halaawa”, que significa “nós vencemos, eles morreram”. Não estou tomando partido de ninguém, não.

O Ratos sempre foi crítico com a situação no Brasil. O que você acha do país atualmente?
É um momento de transição. O Lula pegará uma bomba muito grande, e com qualquer passo errado as críticas serão imensas (N.R.: a entrevista foi realizada no dia 25 de outubro, ou seja, dois dias antes do segundo turno). Haverá muita vigilância. Em quatro anos ele não conseguirá mudar o Brasil. É que nem a Marta (N.R.: Suplicy, petista e prefeita de São Paulo), que pegou só a casca, já que o (ex-prefeito) Celso Pitta destruiu a cidade. Não há como consertar tudo rapidamente.

E os oito anos do governo Fernando Henrique Cardoso?
O FH até tentou, mas virou capacho do FMI. Ele parece ser um cara honesto e de boas intenções, só que se rendeu. A mesma coisa pode acontecer com o Lula por causa da Alca (N.R.: Área de Livre Comércio das Américas). Isso acaba virando Cuba, mas eu falo no bom sentido (risos).


Voltando à música, como foi assinar com uma gravadora que pode trabalhar bem a banda no Brasil?
O Ratos existe há 20 anos e quase nunca parou de tocar um mês sequer. Sinto-me feliz por termos chegado até aqui, lançando o 14º disco, mesmo que seja contando um monte de porcaria (risos). Hoje eu ainda me encontro em cima do muro, com um pé no mainstream, por causa da MTV, e o outro atolado no underground.

E ainda existem os radicais falando que você se vendeu?
Olha, eu não me vendi, fui comprado (risos). Pô, estou com 40 anos e antes da MTV eu era tão fudido como os que me criticam. Quem fala mal é porque tem dor de cotovelo, não percebe que no meu programa (N.R.: Gordo a Go-Go) eu aproveito para zoar. Faço merchandising porque posso me arrepender depois, ficar velho e chorando pelas oportunidades que não aproveitei. E atire a primeira pedra quem recusar um cachê de R$ 80 mil para falar algumas besteiras numa propaganda. Eu não sou trouxa, não posso recusar uma proposta assim.

E levou muito tempo para conquistar algo?
Meu, o Ratos é uma instituição, mas nós ralamos muito. Ainda assim, ao mesmo tempo em que tocamos para 60 mil pessoas na Espanha (N.R.: no Festival Viña Rock), ficando em hotel cinco estrelas, em outros lugares da Europa nós dormimos no chão. Aliás, os espanhóis dão muito valor às bandas locais, não tem a inveja que rola aqui.

Mas de uns anos para cá, bandas nacionais com um som mais pesado têm tido mais entrada em rádios.
Sim, mas as gravadoras acharam um filão. Cada uma pegou um clone do Raimundos e esqueceu que existem várias bandas boas e desconhecidas por aí. Para um grupo como o Ratos é ainda mais difícil. Brasileiro gosta de blá blá blá alegre, não quer ouvir crítica, seja com ou sem palavrão.

E como rolou com a Century Media?
Ela é uma gravadora de heavy metal, pensa alto por natureza. Para a galera do metal tudo tem de ser superprodução, muito bem feito, um megaevento. A Century Media sabe da história do Ratos, do valor que a banda tem. Nós batemos à porta dela porque sabíamos que no Brasil seremos bem trabalhados, já que no resto do mundo temos contrato com Alternative Tentacles, à exceção de Espanha e Portugal, onde a Pick Generation nos lança. Todas elas nos pegaram porque sabem da nossa importância, como influenciamos muitas pessoas. Nós nem tentou procurar grandes gravadoras. Elas não entendem nada de rock, não querem saber do histórico de um grupo. Vendeu menos de cem mil cópias, não presta.

Mas esses números geralmente não duram para sempre, ainda mais nessa época de bandas pré-fabricadas. Não há mais uma carreira regular.
Pois é, podemos não subir, mas também não caímos. Mantemos a média, nunca venderemos mais que 20 mil cópias (risos).

E os problemas de saúde? A turnê foi adiada para o início de 2003 porque você será submetido a uma cirurgia, certo?
Sim. Tive flebite na perna esquerda, uma pré-trombose. Na verdade, em junho nós chegamos a fazer shows na Europa para divulgar o novo disco. Foram 15 num ritmo animal (N.R.: 12 na Alemanha e o restante em Portugal, Áustria e Suíça). Em algumas cidades foi aquilo que eu te falei, dormindo no chão, em lugares sujos. No início é legal para caralho, mas a partir da terceira ou quarta vez você cansa, percebe que as pessoas são sempre as mesmas, só estão mais velhas e bêbadas. Os caras ficam cada vez mais chatos, e as minas, mais feias (risos). Enfim, eu voltei doente, então nós paramos por um tempo. Não dá mais para passar por isso.

Para encerrar, você está sabendo do projeto de revitalização do Circo Voador? Pergunto porque o Ratos esteve diretamente envolvido com a situação que causou o fechamento.
Meu, tem de reabrir! É um patrimônio cultural do Rio de Janeiro. Aquilo foi foda, uma tremenda ignorância. Eu não sou da cidade e não sei direito o que aconteceu, mas foi uma palhaçada (N.R.: no fim de 1996, Luiz Paulo Conde foi comemorar ao lado do Circo Voador sua eleição à prefeitura da cidade, na noite em que o Ratos de Porão se apresentava. Acabou saindo do local sob vaias e protestos do público. No dia seguinte, César Maia, padrinho político de Conde e terminando seu primeiro mandato como prefeito, alegou que a casa não tinha isolamento acústico e mandou fechá-la). Nós tocamos mais de 30 vezes lá e até hoje nos arrependemos de não termos gravado o CD ao vivo no Circo. No Brasil, nosso público mais fiel é o carioca. Nossos melhores shows sempre são no Rio.

Entrevista publicada na edição 90 do International Magazine, em janeiro de 2003.

Yngwie Malmsteen – Attack!!

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Não é preciso ouvir o novo trabalho de Yngwie Malmsteen, Attack!!, para chegar à conclusão de que o maior problema do guitarrista é ele mesmo. O disco apenas ratifica o que todos que conhecem sua carreira já sabem, principalmente quem a acompanha desde o início. Em 1984, com 21 anos, o sueco impressionou com seu álbum de estréia, Rising Force. Não houve quem não ficasse de queixo caído com o que ele fazia com as seis cordas, criando um novo estilo, redefinindo a maneira de tocar guitarra no rock e, principalmente, no heavy metal. A velocidade era usada com inteligência; a influência de música clássica e barroca era aliada de maneira belíssima a um instrumental, digamos, mais pesado; e as composições eram um primor.

O impacto foi o mesmo em que arriscou comprar o vinil no Brasil, onde foi lançado quase dois anos depois. À época, o segundo disco, Marching Out (1985), já era encontrado em lojas especializadas em sua versão importada, e houve correria para conseguir uma cópia. Trilogy (1986), o trabalho seguinte, deu as caras por aqui quando o ex-Alcatrazz já era um fenômeno, de revelação a melhor guitarrista do ano em inúmeras publicações em todo o mundo. Hoje, ele continua sendo respeitado por sua contribuição à guitarra, mas tornou-se um músico extremamente chato, além de um sujeito de ego superinflado e detestado por boa parte da imprensa.

Attack!! – seu 18º disco, o 14º de inéditas – é mais uma prova cabal de tudo isso. São 15 músicas num álbum muitas vezes cansativo, poucas vezes realmente interessante. Ruim? Não, apenas indiferente. Provavelmente irá agradar ao fã mais recente, mas isso não basta. A primeira música, Razor Eater, seria melhor não fosse um dos três ou quatro solos que Malmsteen vem repetindo ao longo dos anos. Em Rise Up e Valley of Kings o autoplágio segue para as melodias vocais, absurdamente semelhantes. Assim, bastam três músicas para se perceber como o talento de Doogie White é desperdiçado.

Excelente vocalista, fato comprovado em sua passagem pela última encarnação do Rainbow de Ritchie Blackmore, White esteve com um pé no Iron Maiden. Na verdade, só não substituiu Bruce Dickinson porque aquele concurso foi mesmo uma armação para promover ainda mais o grupo inglês (como se isso fosse preciso). Em Attack!!, White se esforça – ou é indiretamente forçado – a cantar como Mark Boals, o ex-vocalista predileto de Malmsteen. O guitarrista é responsável por todas as músicas e letras, incluindo as linhas para voz, e aí você imagina como seria saudável se houvesse espaço para que outros membros pudessem compor. Mas o máximo que o ego de Malmsteen permite é a inclusão de um engenheiro de som, Tom Fletcher, responsável também pela mixagem. Ainda bem, pois quando o sueco se meteu a fazer toda a produção – em Alchemy (1999) e War to End All Wars (2000), os dois álbuns anteriores –, o resultado foi desastroso.

Enquanto White não realiza um trabalho com personalidade própria, é ainda mais difícil entender o que faz Derek Sherinian no disco. Tecladista de técnica bastante apurada e de grandes ideias (faça um favor a você mesmo e ouça o Planet X, banda instrumental que Sherinian tem ao lado de Virgil Donati e Tony MacAlpine), aqui ele serve apenas de pano de fundo musical. Não há um momento sequer digno de registro. Azar de seu substituto na turnê, Joakim Svalberg, que trocou os vários momentos Jon Lord que tinha com Glenn Hughes e Joe Lynn Turner para trabalhar para Malmsteen (sim, “para” e não “com”) – o próprio guitarrista assumiu o baixo nas gravações, o que é de praxe, e o batera Patrick Johansson completa a cozinha. Atualmente também de praxe, soltou a voz numa canção, Freedom isn’t Free.

Não, eu não me esqueci da música, mas a instrumental Baroque & Roll é uma desnecessária “releitura” da clássica Far Beyond the Sun, e Air, um tema em cima de vários temas de Bach, seria a melhor faixa do CD se Malmsteen a tivesse mantido acústica, da maneira que costuma apresentá-la nos shows. Tudo bem, tudo bem. In the Name of God, Valhalla, Iron Clad e a faixa-título são audíveis, mas Attack!! só vale mesmo pelas ótimas Ship of Fools, Stronghold e Touch the Sky. Para um padrão Malmsteen que já dura mais de dez anos, normal. Para um trabalho com 15 músicas, é muito pouco. A escolha é sua.

Resenha publicada na edição 90 do International Magazine, em janeiro de 2003.

Audioslave – Audioslave

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Você se lembra dos lançamentos que ouviu em 2002? Já fez a tradicional lista dos melhores do ano? Pois bem, tire qualquer um dela e inclua o CD de estreia do Audioslave. Lançado em novembro, o disco que leva apenas o nome da banda foi um verdadeiro presente de Natal e justificou toda expectativa em torno da união dos remanescentes do Rage Against the Machine – o guitarrista Tom Morello, o baixista Tim Commerford e o baterista Brad Wilk – com o ex-vocalista do Soundgarden, Chris Cornell.

Quando Zack de la Rocha anunciou sua saída do Rage Against the Machine, em outubro de 2000, a grande dúvida era como seria possível substituir o carismático frontman. O RATM parecia ser o tipo de banda que não funcionaria sem um de seus ingredientes, algo plausível se levarmos em consideração não o direcionamento musical da banda, mas o temático. Rocha não era necessariamente um vocalista e, sejamos sinceros, deixava muito a desejar na hora de acompanhar o instrumental do grupo. Em vez de cantar, ele discursava. Claro, sua metralhadora verbal não era dispensável, fazia parte de um todo e era inteligente no contexto político e social que o RATM adotou desde o início. Mas chegava uma hora que cansava.


Do outro lado, Chris Cornell havia lançado um trabalho solo depois que o Soundgarden encerrou as atividades, em 1997, o bom Euphoria Morning (1999). Sempre foi reconhecido como um ótimo vocalista e, ao contrário de Rocha, é adepto de letras mais pessoais, abrangendo conflitos, relacionamentos e perdas algumas vezes de maneira até abstrata. Poucos meses depois da ruptura no RATM, os boatos davam conta de uma união de forças dos três que ficaram com um dos ex-representantes da safra grunge. Mas a coisa demorou a engatar. Cornell chegou a abandonar o barco pouco depois de a banda, ainda sem nome, ser confirmada para o Ozzfest, mas voltou atrás e o supergrupo começou a tomar forma.

Felizmente, as diferenças de estilo entre Cornell e Rocha sepultaram o RATM. Com um novo vocalista de influências distintas, manter a alcunha seria uma atitude apenas e tão somente comercial. Civilian foi o primeiro nome a ser divulgado mundo afora, mas o quarteto fechou como Audioslave e agora chega às praças com seu disco de estreia. E que disco! Audioslave é um primor musical, uma mistura perfeita do que Soundgarden e RATM tinham de melhor. Pesado e acessível ao mesmo tempo, o álbum foi previamente anunciado pelo primeiro single, a excelente Cochise (responsável por um videoclipe espetacular).


A música abre o CD mostrando logo de cara quem são os maiores destaques da banda: Cornell e Morello. O primeiro está cantando uma barbaridade, numa mistura perfeita de técnica e feeling, e o segundo vale por meia dúzia de guitarristas, com riffs arrebatadores e ruídos e esquisitices que roubam todos os lugares que deveriam ser preenchidos por solos (e neste caso não foram, ainda bem). O trabalho dos dois faz com que Show Me How to Live e Set it Off tornem-se músicas maravilhosas, permeadas de peso e groove (cortesia também de Commerford nas quatro cordas).

Claro, há resquícios de RATM em vários pontos, assim como What Your Are e Bring Em Back Alive remetem ao Soundgarden. Mas a síntese não traz apenas resquícios de Black Sabbath, como em Gasoline, ou experimentalismos à la Led Zeppelin (uma referência muitas vezes percebida), como em The Last Remaining Light. Há sons retos e com refrãos fortes (Exploder e Light My Way), outros mais difíceis (Hypnotize) e também baladas, um lado inexistente no RATM e aqui mais bem explorado que no Soundgarden. Like a Stone, I Am the Highway, Getaway Car e Shadow on the Sun são muito bonitas, ideais para levar qualidade às emissoras de rádio. No entanto, não espere algo como a fórmula encontrada pelo Red Hot Chili Peppers, por exemplo. No Audioslave, tanto a banda quanto o disco, há de sobra o que vem faltando a muito grupo por aí: tesão para compor e gravar. Enfim, tesão para fazer música.


Resenha publicada na edição 90 do International Magazine, em janeiro de 2003.

Primal Fear

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

O Primal Fear estava a caminho do Brasil para a sua segunda turnê no país – em dezembro de 2002, passando por Porto Alegre, Blumenau, Curitiba e São Paulo –, então rolou a chance de bater um papo com o vocalista Ralf Scheepers, que á época tinha, além do fiel escudeiro Mat Sinner (baixo), a companhia dos guitarristas Stefan Leibing e Henny Wolter e do baterista Klaus Sperling. Com um quarto álbum, Black Sun, na rua há oito meses, a rápida conversa (20 minutos) ganhou rumos diferentes, e aqui você encontra a versão editada que foi publicada à época.

Qual a principal diferença da banda do primeiro álbum (N.R.: homônimo, de 1998) para o mais recente trabalho, Black Sun?
Nós passamos por muita coisa, experiências de turnês e gravações, coisas que se refletem no modo de compor. No primeiro disco estava tudo muito fresco, apenas nos juntamos e fizemos as músicas. Com o tempo, aprendemos o estilo um do outro e começamos a soar melhor como conjunto. O que você ouve com a sequência do trabalho é sempre uma evolução.

E você concorda que o Primal Fear foge do estilo adotado por bandas como o Stratovarius? Quero dizer, as raízes são mais dos anos 80, o grupo faz um som mais direto…
Cada integrante do grupo tem um background diferente. Nós crescemos ouvindo metal na década de 80, bandas como Saxon, Iron Maiden e Judas Priest. Nós ainda amamos o som daquela época, mas o que fazemos sai de nossos corações. É difícil dizer que fazemos esse ou aquele tipo de música.

Ainda assim, o que eu considero importante é que o Primal Fear tem um estilo diferente de sua ex-banda, o Gamma Ray. Isso não significa que suas raízes são realmente mais distantes do metal melódico?
Para mim é muito complicado comparar. Tive grandes momentos com o Gamma Ray, mas hoje o melhor que posso fazer é compor com quem tem o mesmo sentimento que eu a respeito da música. Não há dúvida de que eu era feliz com o Gamma Ray, mas sou muito mais feliz agora com o Primal Fear, que não tem nada ou quase nada a ver com o que fiz no passado. Gosto do que estou fazendo agora. Isso é o mais importante.

É interessante você falar isso, levando em consideração o tipo de som pesado que faz sucesso nos EUA e que os americanos acabam exportando para o mundo inteiro.
Você está falando do new metal (risos). As pessoas têm o hábito de dizer que é heavy metal apenas porque a música tem uma guitarra distorcida, mas eu não vou julgá-las por isso. Todos fazem o que gostam, é apenas uma questão de gosto a pessoa comprar um disco de determinada banda.


Isso pode fazer com que ela queira descobrir a fonte de tudo, quais são as bandas que deram origem ao rock pesado, não?
O fã é muito bem informado hoje em dia, então sempre terá oportunidade de descobrir as raízes do metal. Basta querer.

O Primal Fear é uma das poucas bandas do metal contemporâneo que ainda não lançou um CD ou um DVD ao vivo. Está nos planos algo desse tipo?
Gravamos muitos dos nossos shows da turnê europeia. Como tocamos em festivais, registramos muitas cenas com uma câmera profissional e lançaremos um DVD ainda este ano. Não pensamos num álbum ao vivo, pois o DVD trará nosso show. O próximo disco será mesmo de estúdio.

Alguma coisa que você possa adiantar sobre o novo álbum?
Iremos nos juntar depois do Natal para dar sequência ao processo de composição, às idéias que já temos. Black Sun é o disco mais pesado que gravamos, mas acredito que haverá mudanças, algo mais na linha de nosso primeiro trabalho. O que posso prometer aos fãs é que será um álbum puramente Primal Fear, puramente metal. É algo que não mudamos.

Para terminar, gostaria de sua opinião a respeito de alguns vocalistas. Podemos fazer um pingue-pongue?
Sim, claro!

Ronnie James Dio.
Conheci o Ronnie quando tocamos na Espanha em 2002. É uma pessoa adorável, além de ser um dos melhores do mundo.

David Coverdale (Whitesnake).
Um grande vocalista, com uma veia mais blues rock. De acordo com as mulheres, tem uma voz sexy (risos).

Ian Gillan (Deep Purple).
Ele é fundador de uma escola no heavy metal!

Geoff Tate (Queensrÿche).
Tem uma voz muito forte, é ótimo. Gosto bastante dele.

Glenn Hughes.
Esse cara me assusta! (risos) Ele é impressionante!

Kai Hansen (Gamma Ray).
(Rindo) Eu sabia! (risos) Ele se aprimorou bastante, teve aulas de canto e mostrou que pode tomar a frente da banda também nos vocais.

OK, Ralf. Obrigado pela entrevista.
O prazer foi meu, foram perguntas bem interessantes (risos). (N.R.: falando em bom português) Muito obrigado!

Entrevista publicada na edição 90 do International Magazine, em janeiro de 2003.

The Black Crowes – Live

Por Daniel Dutra | Fotos: Reprodução

Discos ao vivo são complicados. Raros são os que deixam o fã absolutamente satisfeito. Basta olhar para a seleção das músicas para perceber que faltam algumas das favoritas, ao mesmo tempo em que não dá para entender como aquela canção insossa entrou. Em Live, álbum duplo que pode ser o derradeiro trabalho do Black Crowes, acontece muito disso. Independentemente do que entrou no CD, é garantida a aula de rock’n’roll puro, simples e empolgante. São 19 faixas que garantem a diversão, mas há espaço de sobra para muito mais.

Era de se esperar que houvesse um bom número de músicas de Lions (2001). É compreensível pelo fato de ser um registro da turnê de divulgação do último trabalho de estúdio, mas o disco é mesmo tão bom que as seis escolhidas se justificam. No primeiro disquinho, Midnight from the Inside Out, Greasy Grass River, Miracle to Me e Cosmic Friend dão muito bem o tom. Na verdade, provam que não havia mesmo mais necessidade de os irmãos Robinson e cia. – Chris (vocal) e Rich (guitarra), com Audley Freed (guitarra), Eddie Harsch (teclados), Andy Hess (baixo) e Steve Gorman (bateria) completando a turma – tentarem afirmação como uma grande banda de rock. Não há dúvida que se trata de uma das melhores que surgiram desde o início da década de 90, e o trabalho com o ex-Led Zeppelin Jimmy Page já provara isso dois anos antes, com o excepcional Live at the Greek.

Para completar os exatos 55 minutos da primeira parte, clássicos instantâneos como Sting Me, Sometimes Salvation e Wiser Time (numa versão maravilhosa, faça-se o devido registro), além de outras ótimas canções como Thick n’ Thin, Curse Diamond e… Bem, Girl from a Pawnshop é a representante solitária de Three Snakes and One Charm (1996), único disco que podemos classificar de irregular na carreira do grupo. A escolha ao menos foi boa, uma das poucas coisas que se salvam do marasmo daquele álbum de estúdio e que ganhou muito em cima do palco.


Alguém está se perguntando onde eles colocaram tanta coisa (no mínimo) boa nas nove faixas que restam? Pois bem, faltou muita coisa. O segundo CD tem aproximadamente 50 minutos, ou seja, meia hora de desperdício de espaço. Pior, não há uma música sequer de By Your Side (1999). Nada de Go Faster, Kickin’ my Heart Around, Go Tell the Congregation ou a faixa-título de um excelente álbum. Mas se não há remédio, vamos dar valor ao que temos. As duas melhores de Lions, Lickin’ e Soul Singing (como são ótimos os backings vocals gospel, e em todo álbum), estão presentes e levantam o ânimo. Black Moon Creeping e High Head Blues são ótimas, e Title Song, excelente. Bom, não tem Jealous Again e Thorn in my Pride, mas loucura maior seria deixar She Talks to Angels, Twice as Hard, Hard to Handle e Remedy fora do show. Como não poderia deixar de ser, as quatro estão arrasadoras e/ou sensacionais ao vivo.

Ouvir Live e ficar achando buracos pode até ser reclamar de barriga cheia. No fim das contas, o disco é bom pacas, mas poderia facilmente entrar para a história com um dos grandes álbuns ao vivo do rock. Uma pena que não tenha sido assim, não importa se pelo mau ambiente interno na banda, causado pelos atritos entre Chris e Rich Robinson, o anúncio de que Gorman pularia fora ao fim da turnê ou qualquer outra coisa, incluindo a tentativa de transformar Kate Hudson – atriz (lembra-se de “Quase Famosos”, de Cameron Crowe?) e esposa de Chris – numa nova Yoko Ono. Menos, menos…

A impressão que fica é que o trabalho foi interrompido antes do tempo – ironia das ironias, a coletânea lançada antes de Lions chama-se A Tribute to a Work in Progress (“Tributo a um trabalho em progresso”). Sejamos otimistas e fiquemos na torcida para que o legado do Black Crowes não seja um ótimo (porém insuficiente) Live. Que o futuro não traga lançamentos realmente pós-fim de carreira, mas álbuns inéditos e uma banda renovada. Enquanto isso, que os trabalhos realizados durante o hiato – Chris Robinson está finalizando seu primeiro álbum solo, New Earth Mud – sirvam mesmo de inspiração para uma volta.

Resenha publicada na edição 90 do International Magazine, em janeiro de 2003.