Helloween

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Poucas bandas conseguem, hoje em dia, ser consideradas referências de um estilo ao mesmo tempo em que ainda se destacam no cenário heavy metal. Uma delas, sem sombra de dúvida, chama-se Helloween. Não apenas o pai do que chamamos de metal melódico – e 90% das bandas do estilo não aprenderam a lição –, o grupo é um dos melhores do rock pesado. Há muitos anos, diga-se de passagem. Responsáveis por clássicos absolutos, como as duas partes de Keeper of the Seven Keys, os alemães já passaram por poucas e boas em quase 20 anos de carreira. Há aproximadamente dois anos, o guitarrista Roland Grapow e o baterista Uli Kusch foram demitidos, e assim começou a novela sobre os substitutos. Henjo Richter (Gamma Ray) disse não, e as seis cordas foram parar nas mãos de Sascha Gerstner (ex-Freedom Call), mas as baquetas foram a principal dor de cabeça. Mark Cross (ex-Metalium) foi anunciado como novo batera, mas uma doença chamada mononucleose, causada pelo vírus Epstein-Barr, o deixou impossibilitado de continuar as gravações do novo álbum, Rabbit Don’t Come Easy. Mikkey Dee foi chamado para ajudar, gravou dez das 12 faixas do disco e seguiu dando sequência à sua carreira ao lado de Lemmy e Phil Campbell no Motörhead. Ainda em recuperação e sem previsão de alta, Mark perdeu o posto para Stefan Schwarzmann (ex-Accept, UDO e Running Wild), que chegou para gravar b-sides e acabou ficando definitivamente.

No início de abril, o vocalista Andi Deris e o guitarrista Michael Weikath estiveram em São Paulo para divulgar Rabbit Don’t Come Easy, que tem lançamento mundial para 5 de maio – Markus Grosskopf (baixo) completa a atual formação. Tivemos a oportunidade de bater um ótimo papo por telefone com Deris, que se mostrou bastante sincero – uma qualidade que para muitos chega a ser um defeito – e não deixou assunto algum sem esclarecimento: rasgou elogios a Gerstner, falou (e muito!) dos problemas com Grapow e Kusch, lembrou-se de Michael Kiske e enalteceu a volta do Helloween a seu estilo único e consagrado, entre outros assuntos. Divirtam-se.


Olá, Andi. Como estão sendo os dias no Brasil?
Bastante corridos. Estou cansado, mas com um belo copo de café brasileiro à minha frente. Isso torna as coisas mais fáceis (risos).

Então, vamos às perguntas. Depois dos problemas nos últimos dois anos, como podemos dizer que o Helloween está hoje? O que mudou do disco anterior, The Dark Ride (2000), até o novo trabalho, Rabbit Don’t Come Easy?
Exatamente o que prometemos aos nossos fãs. The Dark Ride foi uma experiência. Depois de seu lançamento, fizemos questão de dizer que o Helloween voltaria a ser a banda que todos conhecem. O “Happy Happy Helloween” está de volta (risos), e com um guitarrista sensacional. Tenho de admitir que sou um grande fã do Sascha Gerstner.

E como vocês chegaram até ele?
Na verdade, foi uma recomendação do Charlie Bauerfeind, nosso produtor. Ele trabalhou com o Freedom Call, banda em que o Sascha tocava, e nos disse que tínhamos de chamá-lo, pois trata-se de um guitarrista extraordinário, uma grande pessoa e que se encaixaria perfeitamente no Helloween. Ele é bem mais novo que nós (N.R.: tem 26 anos), passou dez dias de experiência conosco na Alemanha e provou ser a escolha certa.

E Sascha compôs três músicas (N.R.: Open Your Life, Sun 4 the World e Listen to the Flies) para o novo disco, o que significa que vocês o deixaram bem à vontade e confiante. Isso também fez como que ele desse um novo gás ao Helloween?
O Sascha é dez anos mais novo que eu e o Markus e tem 14 anos a menos que o Weiki. Isso significa que ele cresceu ouvindo Helloween e minha ex-banda, Pink Cream 69, então você realmente pode colocar dessa maneira. Quer dizer, não foi nem o caso de ser um novo sopro na banda, mas uma verdadeira tempestade (risos). Ele adora nossa música e veio com toneladas de ideias. Chegamos até mesmo a botar um freio nele, pois estava prestes a explodir (risos). Sascha é incrível, e você pode perceber tudo isso quando ele toca. É o melhor guitarrista que já ouvi, e é isso que estávamos precisando. Não digo isso porque ele está tocando comigo, até porque nunca me referi ao Roland dessa maneira. Tenho certeza de que, estando ou não no Helloween, seu futuro e carreira serão brilhantes. Estou realmente feliz por tê-lo na banda, principalmente porque gostamos dele como pessoa, e ele se deu muito bem com o Weiki. Parecem até mesmo um casal (risos).

Isso é importante, sem dúvida. Não apenas porque é preciso haver uma boa química numa dupla de guitarristas, mas também porque estamos falando de Michael Weikath.
E agora eu realmente sei disso. Quando entrei no Helloween, fiquei maravilhado ao fazer parte de uma banda com dois guitarristas. Pensei: “É isso mesmo!”, pois no Pink Cream 69 havia apenas um guitarrista (N.R.: Alfred Koffler). Apesar de eu gravar as partes de violão quando necessário, não éramos exatamente uma dupla. No Helloween eu precisei de dois anos para perceber que Roland e Weiki não gostavam um do outro, afinal, nunca ensaiavam juntos, não se encontravam ou se falavam direito.

É surpreendente que Michael e Roland tenham ficado tanto tempo numa mesma banda (N.R.: aproximadamente 11 anos).
Sim, definitivamente era muito estranho. Muita gente ficava surpresa depois de perguntar quem havia tocado guitarra nessa ou naquela música, pois eu respondia “eu e o Weiki”. Perguntavam como era possível se eu sou apenas o vocalista, aí eu explicava que éramos nós que escrevíamos as músicas, assim, quem mais então poderia tocar? Roland estava sempre interessado apenas no que ele compunha, ou seja, uma ou duas canções. E não era culpa nossa, mas apenas o fato de que ele não trazia à banda mais do que isso.


A situação piorou quando Roland gravou seus dois discos solos (N.R.: The Four Seasons of Life, em 1997, e Kaleidoscope, 1999)?
O que era exceção virou regra durante a pré-produção de Better Than Raw (1997), quando Roland apareceu com apenas um riff e esperava que dele nós fizéssemos uma música. Eu simplesmente disse que trabalharia em algo que eu escrevi, não numa ideia que havia sobrado de seu disco solo. A minha música entraria no álbum, pois eu não construiria nada tendo como ponto de partida alguma sobra do que ele estava fazendo.

Por isso o título do novo álbum é bem explicativo, tendo em vista os problemas que vocês tiveram com Roland e Uli. O processo que culminou com a saída deles começou antes ou depois da última turnê?
Na verdade, o problema com Roland começou há três anos e meio. Para ser sincero, eu e Uli estávamos querendo tirá-lo da banda naquela época, mas foi o Weiki quem deu a ele uma segunda chance. Só que não adiantou muita coisa, e, para piorar, Uli ainda foi para o lado do Roland. A situação acabou se invertendo, e tivemos de fazer algo, pois cedo ou tarde eles precisariam sair. Naquelas circunstâncias, as coisas já não funcionavam mais, a química havia ido para o inferno. Depois do show no México (N.R.: no início de agosto de 2001, quando Deris ficou bastante gripado e algumas apresentações foram canceladas), decidimos que o Helloween deveria ser uma banda feliz novamente. Eu não quero jogar toda a responsabilidade em cima dos dois, mesmo porque há sempre os dois lados da moeda. Simplesmente não estava mais dando certo.

Então, o ambiente conturbado internamente influiu para que The Dark Ride fosse um disco mais, digamos, pesado e sombrio?
Honestamente, nós tínhamos de colocar a banda de volta aos trilhos. E havíamos sido bem claros quando dissemos que o álbum anterior seria apenas uma experiência. Naquela época sentimos que era necessário lançar um álbum mais sombrio. Além disso, havia muita gente reclamando e perguntando por que fazíamos sempre o mesmo estilo de música, ou seja, provamos que isso é besteira. Agora é diferente, pois estamos num ótimo momento, e você está certo: o título do diz tudo, pois foi bem difícil tirar o coelho da cartola (risos). O novo disco mostra a todos que o “Happy Happy Helloween” está de volta e definitivamente não tem nada a ver com The Dark Ride. É possível perceber isso logo ao olhar para a capa.


Voltando ao Sascha, o vocalista do Freedom Call, Chris Bay, deu uma versão no mínimo curiosa para a saída dele da banda. O principal motivo teria sido a falta de vontade de ficar muito tempo excursionando, além de o metal não mais atraí-lo mais, então Sascha cortou o cabelo e começou uma banda pop. Como vocês lidam com esse tipo de comentário?
(N.R.: rindo) Ele não deve saber que o Sascha foi uma recomendação do Charlie. Se pudesse imaginar que hoje seu ex-guitarrista está tocando no Helloween, acredito que não teria falado uma merda como essa. A maior prova de que isso é besteira está justamente no Charlie, que conhece todo mundo no Freedom Call e nos mostrou que Sascha é totalmente apaixonado por metal. Chris Bay disse uma grande mentira (N.R.: na edição de setembro de 2002 da revista Roadie Crew), afinal, nosso produtor sabe o que é melhor para nós.

Com a doença de Mark Cross, Mikkey Dee teve de completar o álbum. Ele vem fazendo um trabalho relativamente simples nos últimos dez anos, com o Motörhead, mas todos sabem que ele é um baterista extraordinário, e acredito que ele se encaixaria muito bem no Helloween. Vocês chegaram a pensar em convidá-lo para ser um membro efetivo? Ou mesmo chegaram a fazê-lo?
Não, apenas aconteceu de nós conhecermos o Mikkey há bastante tempo. Você sabe, o Motörhead e o Helloween já tocaram em mesmos festivais (N.R.: incluindo o Monsters of Rock de 1996, em São Paulo). Tínhamos perdido cinco semanas e meia por causa do problema com o Mark, então precisávamos de um baterista que pudesse gravar rapidamente e que fizesse um grande trabalho, por isso ligamos para ele. Foi na base da amizade, mesmo. O Mikkey se juntar ao Helloween nunca foi colocado em questão. Resolvemos chamá-lo porque era a decisão mais acertada, diplomaticamente falando. Primeiramente, porque ele é um fã da nossa música. Segundo, ele toca numa banda que é, no mínimo, tão grande quanto o Helloween. Assim, por que ele sairia do Motörhead?

E vocês não esconderam que ele apenas estava ajudando…
De jeito algum. Não sabíamos se o Mark iria se recuperar a tempo, pois ele havia gravado apenas duas músicas, Listen to the Flies e Don’t Stop Being Crazy. Mikkey chegou, gravou cinco e ainda ficamos com sete para terminar. Depois disso, Mark foi para casa para tentar se recuperar, sendo que depois de um mês ele deveria voltar e tentar finalizar o álbum. Obviamente, isso não aconteceu, e tivemos de ligar novamente para o Mikkey, porque não queríamos usar um baterista desconhecido. Foi uma situação complicada, e sabíamos que fazendo isso as especulações sobre o novo baterista do Helloween começariam, ainda mais porque à época o Mark não estava fora. De qualquer maneira, eu concordo com você: ele é fantástico. Mikkey chegou ao estúdio sem a menor ideia do que teria pela frente, mas pegou as músicas com muita rapidez e fez um trabalho impressionante.

E como vocês acharam o Stefan Schwarzmann?
Acidentalmente (risos). Nós temos uma tradição de gravar b-sides (N.R.: músicas que entram apenas nos singles ou são usadas como bônus) e precisávamos de alguém para tocar bateria, já que o Mikkey estava no Japão com o Motörhead, assim não poderíamos contar com ele para isso. Weiki queria gravar Fast as a Shark, do Accept, e Markus sugeriu que chamássemos o Stefan, já que ele tocou na banda. Ligamos para ver se havia interesse, e ele acabou gravando suas partes no estúdio caseiro do Markus, que, por sua vez, nos lembrou que ele estava sem nenhuma banda no momento.

A “culpa” de tudo foi do Markus, então? (risos)
Sim, foi. Na verdade, Stefan estava para sair de uma banda chamada Skew Siskin, ou havia acabado de sair, eu não sei… Enfim, Markus soube disso e fez o convite, e ele disse que adoraria ter uma oportunidade de se juntar ao Helloween. Passamos um tempo juntos, e o resultado foi óbvio: Stefan é o novo baterista.


Tenho uma pergunta um pouco difícil e entenderei se você não quiser respondê-la. Em uma entrevista recente, Roland disse algumas desagradáveis a seu respeito. Além de acusá-lo de ser a principal razão por que ele e Kusch foram demitidos, afirmou que o Helloween não toca músicas mais antigas porque você não é capaz de cantá-las…
(N.R.: interrompendo)… Eu não consigo entender isso. Nós tocamos muitas músicas antigas, algumas que as pessoas consideram difíceis de cantar. Infelizmente, não dá para agradar a todos. Estou na banda há quase dez anos e já gravei cinco álbuns (N.R.: Deris não inclui o duplo ao vivo, High Live, de 1999, e o disco de covers, Metal Jukebox, de 1999), então temos muita coisa para tocar de todas as fases.

E por que todo mundo que sai do Helloween sempre fala que houve problemas de relacionamento com o Michael Weikath. É tão difícil assim trabalhar com ele?
Se é complicado lidar com o Weiki, deve ser porque ele quer manter o Helloween vivo. Não é difícil, e eu nunca tive problemas com ele, isso porque eu me esforço para cumprir minha tarefa como um fã da banda. Eu adoro o Helloween que está em Rabbit Don’t Come Easy, e será fácil entender os motivos quando você escutar o novo álbum. Muitas respostas estão nele, e dá para entender o motivo por que certas pessoas não estão mais conosco (N.R.: Deris refere-se a Kusch e Grapow). Pode confiar em mim, é fato que voltamos ao “Happy Happy Helloween” como nunca antes.

Há alguma música no novo álbum que sintetize isso? Alguma preferida ou que você ache que ao vivo transmitirá esse sentimento?
(N.R.: pensativo) Essa é uma pergunta difícil, porque é como ter de dizer qual filho eu mais amo (risos). Depende do meu estado de espírito, se estou a fim de ouvir algo mais heavy metal, speed, thrash ou melódico. Particularmente, acho que todas as músicas trazem os elementos típicos do Helloween. Digo isso respaldado pela opinião de todos que já ouviram o disco, pois os comentários têm sido extremamente positivos. Tenho certeza de que você irá adorar o novo trabalho.

Para falar a verdade, o único álbum que eu realmente não gosto é o Chamaleon. Mesmo o The Dark Ride, que não agradou a muitos fãs e até mesmo a vocês, eu acho um grande disco.
Mas foi divertido fazer o The Dark Ride, apesar de ser um trabalho que não deveria mesmo ter continuidade. Infelizmente, algumas pessoas (N.R.: Deris novamente se refere Kusch e Grapow) não estavam dispostas a colocar o Helloween em seu lugar de direito, por isso eu entendo os motivos de Weiki e Markus quando decidiram dar um basta na situação. O curioso é que eu não participei da decisão final justamente porque estava me recuperando de uma gripe para podermos cumprir os shows no México e na Colômbia. Claro, fiquei sabendo das discussões e, honestamente, não posso imaginar com exatidão como aconteceu. Em minha opinião, foi uma situação de dois contra dois, e chegou a um ponto em que Weiki disse que sairia da banda.

Mas ele é sinônimo de Helloween, não dá para imaginar a banda sem ele.
Você está certo, é o que também penso. Encontrei o Uli depois de um tempo, e ele veio com aquele papo de que eu não disse nada, não fiquei do lado deles. Minha resposta foi simples: “Não posso evitar nada a partir do momento em que se discute a saída do Weiki. Sinceramente, assim não havia como vocês ficarem”. Vamos falar sério, o Helloween sem o Weiki é uma piada de mau gosto. A situação é simples: havia quatro membros originais. Um está morto (N.R.: Ingo Schwichtenberg, que teve sérios problemas de depressão e acabou cometendo suicídio em 8 de março de 1995), e o outro é o líder do Gamma Ray (N.R.: Kai Hansen). Assim, dois ainda estão na banda, sendo que Weiki é extremamente importante, e todos nós sabemos disso. Ele é capaz de pegar uma música minha, da época do Pink Cream 69, e transformá-la numa do Helloween apenas porque está tocando guitarra nela.

Sem dúvida, ele e Kai Hansen criaram algo único.
Exatamente! E é o que devemos guardar, por isso não entendo essas discussões, assim como não entendo o motivo por que tanta gente ainda faz comparações com Michael Kiske.

O assunto certamente deveria ter morrido com o passar dos anos, mas agora acredito que ganhará força com a volta definitiva de Kiske à música, não?
Sim, mas o máximo que podemos fazer é respeitá-lo no que diz respeito a isso. Ele não quer mais fazer heavy metal, mas música pop. Eu não entendo por que as pessoas se importam tanto com o que Michael Kiske está fazendo ou não. Ele é um grande cantor e faz pop rock, e isso não é ruim. É apenas a decisão dele. No entanto, as pessoas têm de entender que o Helloween voltou a ser uma banda de metal em 1994…

… Você já vai antecipar a minha próxima pergunta (risos). Como foi entrar no Helloween num momento tão difícil, ou seja, com a banda tendo sido demitida da EMI depois do fracasso comercial do Chamaleon (1993)?
Vamos colocar da seguinte maneira: quando ouço alguns fãs mais antigos dizendo que gostariam que o Michael voltasse, eu apenas pergunto onde eles estavam quando o Chamaleon fracassou. Se houvesse tantos fãs naquela época, o disco teria sido bem-sucedido. Tenho de ser honesto com você e admitir que eu gosto do álbum, mas não sob o nome Helloween. Há músicas muito boas, algumas que fariam muito sucesso com o Bon Jovi (risos). Mas eu pergunto: onde estavam os fãs? Hoje, eles não podem dizer “Ah, nós adoramos o Chamaleon e fizemos com que vendesse milhões”. Não, eles sumiram na época, e o disco vendeu praticamente nada.

Sempre digo que foi o pior momento da história do Helloween.
Sim, a banda estava morta. Depois de oito anos, posso dizer àqueles que querem saber a verdade: o Helloween estava falido. Veja bem, o Pink Cream 69 era a banda revelação na Alemanha e estava vendendo bastante, fazendo muito dinheiro quando eu decidi sair para apostar minhas fichas numa banda que estava falida. Depois de tanto tempo eu posso falar isso.


Master of the Rings (1994) é um disco espetacular, lançado realmente quando as pessoas não acreditavam mais no Helloween. Com tudo isso que conversamos, sendo você um compositor extremamente ativo, podemos dizer que você tem uma grande parcela de crédito na volta da banda aos bons tempos?
Eu espero que as pessoas realmente pensem assim. Sei que definitivamente tenho uma parte importante dos méritos nesse processo, e fico feliz que a maioria dos fãs goste do que fazemos hoje, não do que a banda fazia na época do Chamaleon. Mas às vezes penso: “O que esses caras estão falando?”, pois se alguns fãs querem o Michael de volta, tudo bem, então eles querem o Helloween fazendo pop rock. Na verdade, eu não dou a mínima para esse assunto, pois o Helloween é meu hobby. Eu amo a banda, é o que eu mais gosto de fazer na vida, mas minha máquina de dinheiro não é o Helloween, mas minhas empresas (N.R.: como o estúdio Mi Sueno, em Tenerife, na Espanha, onde foram gravados The Dark Ride e Rabbit Don’t Come Easy, além de várias sessões de Better Than Raw e Metal Jukebox).

E qual seu disco favorito do Helloween?
Nossa, isso é difícil. (N.R.: pensativo) Definitivamente, Keeper of the Seven Keys Part II (1988), Time of the Oath (1996) e Rabbit Don’t Come Easy. Bom, no momento minha resposta é 100% o novo disco (risos), pois ele é um pouco de cada um dos discos que eu falei.

E como estão os planos para a turnê? Quando veremos o Helloween novamente no Brasil?
Pelo que eu sei até o momento, em agosto estaremos em alguns países do Leste Europeu e depois viremos ao Brasil. A turnê sul-americana já está marcada para setembro.

Isso é ótimo. Não sei se você soube, mas ontem (N.R.: 6 de abril) o Shaman tocou no Rio de Janeiro, e um dos momentos mais aguardados do show era sua presença e a do Michael Weikath em Eagle Fly Free. Como vocês não puderam ir, por causa dos vários compromissos de divulgação, os fãs cariocas ficaram um pouco desapontados.
Não fiquem! Certamente tocaremos no Rio, não há dúvida disso, pois nós realmente queremos. Eu amo Copacabana e água de coco! (risos). Peço desculpas aos fãs, mesmo porque a participação em São Paulo foi acidental. Quer dizer, foi uma experiência ótima, mas não estava em nossa agenda, então imagine os outros shows com o Shaman… Foi coincidência estarmos na cidade no mesmo dia. A banda estava gravando um DVD e nos convidou, por isso apenas dissemos “Sim, vamos nos divertir”. Como eu estava muito bêbado, foi realmente o que fiz (risos).

Sobre sua carreira solo, você lançou dois álbuns (N.R.: Come in from the Rain, de 1997, e Done By Mirrors, 1999) e parou por aí. Tem planos para mais algum?
Na verdade, não. Tenho andado muito preguiçoso para isso, além de estar bastante ocupado com meu estúdio em Tenerife e minha companhia de vídeo. Fora isso, hoje minha atenção está voltada principalmente ao Helloween, não sei se conseguiria arranjar tempo para gravar um novo disco solo. Eu nem tenho muita vontade também, mas se um dia voltar a fazer, gostaria de gravar com Mikkey Dee e Warren DeMartini (N.R.: guitarrista do Ratt e agora também no DIO). Esse seria um projeto interessante.

Nos seus dois discos as músicas não têm nada a ver com o Helloween, o que é ótimo, afinal, não faria sentido lançar algo fora da banda. Enfim, que tipo de música você costuma ouvir nos dias de folga, em casa?
Sempre as coisas clássicas, de KISS a Judas Priest e Aerosmith. Hoje em dia, gosto muito do Spiritual Beggars (N.R.: banda de Michael Amott, guitarrista do Arch Enemy e ex-Carcass). Fiquei assustado quando ouvi a banda pela primeira vez, há dois anos. Fiquei pensando “Opa, eles estão fazendo algo muito à frente do seu tempo”, mas hoje fico feliz que o som esteja sendo aceito com mais facilidade.


Para terminar, gostaria de citar alguns vocalistas e ter sua opinião a respeito de cada um. Pode ser?
Sem problema. Vamos lá!

Paul Stanley, já que você é um grande fã de KISS.
(N.R.: rindo) Eu diria que ele está muito bem. Como sempre.

Ronnie James Dio.
(N.R.: rindo bastante) Meu Deus, onde eu estava com a cabeça na hora em que você perguntou o que eu costumo ouvir? (risos) Ronnie é um dos meus favoritos em todos os tempos, seja no Rainbow, no Black Sabbath ou em sua própria banda.

Ian Gillan (Deep Purple).
Algumas vezes ele é ótimo. Em outras não.

Geoff Tate (Queensrÿche).
Sempre ótimo.

Bruce Dickinson (Iron Maiden).
Eu poderia dizer que às vezes ele está muito bem, algumas vezes não. Mas isso seria mentira (risos). Bruce nunca está mal, pode ter dias apenas razoáveis (risos). Eu adoro Iron Maiden, cresci ouvindo a banda.

Robert Plant (Led Zeppelin).
Absolutamente bom no passado, mas não gosto muito dele hoje em dia.

Ray Gillen (ex-Badlands e Black Sabbath).
Era para ter sido um grande vocalista, mas se perdeu no meio do caminho. Não sei por que motivos. Enfim, não entendo por que ele não foi adiante na carreira. Uma pena que tenha morrido antes de alcançar o reconhecimento e sucesso que merecia. Era uma promessa.

Jeff Scott Soto (Talisman).
Nunca fui muito fã dele, mas é definitivamente um grande músico.

Muito obrigado pela entrevista, Andi, e espero vê-los em setembro no Brasil.
Sim, e eu é que agradeço. Gostaria de dizer que se você realmente ama o Helloween, do jeito que a banda tem de ser, tem minha palavra que irá adorar o novo álbum. Os fãs brasileiros foram os responsáveis pela recepção mais calorosa que tive em toda a minha carreira, e isso não foi há muito tempo, mas em 1996, quando tocamos pela primeira vez no Brasil (N.R.: no Monsters of Rock). Eu lamento por não sabermos, antes disso, da legião de fãs que temos no país. Tenho de admitir que é uma vergonha, mas, agora que sabemos, iremos tocar aqui sempre que pudermos.

Mãos à obra, Scott Rockenfield

Por Daniel Dutra | Fotos: DBAR Productions e Divulgação

O ano de 2002 não foi dos melhores para o Queensrÿche. Depois do anúncio da saída do guitarrista Kelly Gray, o que se viu ou leu foram rumores, trocas de farpa, dúvidas sobre o novo trabalho e incerteza quanto ao futuro da banda. A ausência nos palcos só foi quebrada no dia 31 de dezembro, numa apresentação especial de réveillon em Anchorage, no Alaska. O anúncio da volta de Chris DeGarmo em fevereiro deste ano começou a colocar a casa em ordem, precedendo uma sequência de boas notícias. A confirmação de shows em alguns festivais de verão na Europa, o CD chegando às lojas em julho e a tour de force que era o sonho de nove em dez fãs de progressive metal: Queensrÿche, Dream Theater e Fates Warning juntos numa turnê que, a princípio, será um privilégio apenas dos americanos.

As peças estão se encaixando, mas antes disso Scott Rockenfield não ficou de braços cruzados. Foi o integrante mais ativo do Queensrÿche durante todo o ano. Experiência solo não faltava, principalmente depois dos dois bem-sucedidos trabalhos ao lado do guitarrista Paul Speer: TeleVøid (1998), trilha sonora de um curta de animação gráfica que valeu aos dois uma indicação ao Grammy, e Hells Canyon (2000), obra instrumental de rock progressivo.

Slave to the System, o melhor do rock’n’roll

O primeiro passo surgiu com o Slave to the System, uma iniciativa de Kelly Gray e do vocalista/guitarrista Damon Johnson (Brother Caine). Rockenfield comprou a ideia, que acabou se transformado em mais do que um projeto com as chegadas do baixista Roman Glick (também do Brother Cane) e de Scott Heard (guitarrista/vocalista do Sweaty Nipples). Lançado de forma independente, Slave to the System é um excelente disco de rock, pesado e acessível na medida exata.

Stigmata, Ruby Wednesday, Desinfected, Zero e a excelente faixa-título dão conta do recado e comprovam o alto astral do disco, com ótimas linhas vocais, refrãos de extrema competência e riffs e levadas absolutamente empolgantes. Com o mesmo salto de qualidade, Leaves mostra uma faceta groove, Gone Today e Walk the Line têm um imenso potencial radiofônico, e as baladas trazem um belo trabalho na forma de Will You Be There, Love this Life e Abyss (as duas últimas muito, muito bonitas).

O hiato no Queensrÿche propiciou ao grupo espaço na agenda para algumas apresentações, que se tornaram um aquecimento para o próximo disco. Sem Glick, com o baixo a cargo de Johnson nas gravações, o Slave to the System vem passando um bom tempo num estúdio em Seattle preparando o segundo álbum. É uma das bandas de rock mais legais surgidas nos últimos dois anos.

Decepção progressiva

Primeiro trabalho inteiramente solo, The X Chapters – Theatre of the Mind é a prova da paixão de Rockenfield pelo rock progressivo. A satisfação fica ao gosto do freguês, mas infelizmente o batera se espelhou no que há de mais chato no estilo. Há bons momentos, como em Opening Title, Theatre of Mind e September (que faz menção à belíssima Chasing Blue Sky, gravado pelo Queensrÿche como bônus da versão japonesa de Hear in the Now Frontier, de 1997), mas as maiores influências são o chatíssimo Mike Oldfield, responsável pelo quase sonolento Tubular Bells (exceção feita ao tema que virou trilha sonora de “O Exorcista”), e o não menos chato Tangerine Dream.

Totalmente composto, arranjado e tocado por Rockenfield, The X Chapters – Theatre of the Mind é uma verdadeira decepção. Melhor ficar com o disco duplo e interativo Performance Series Drum Loop CD, uma coletânea de seus mais famosos licks e arranjos de bateria para a música do Queensrÿche. É a prova de que, entre (muitos) acertos e (poucos) erros, Scott Rockenfield sempre foi um baterista de técnica e criatividade excepcionais.

Artigo publicado na edição 92 do International Magazine, em abril de 2003.

Jimi Hendrix – Blue Wild Angel

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Falar o que Jimi Hendrix representou para a música é ser óbvio, porém verdadeiro. Foi um gênio, alguém muito à frente de seu tempo, o maior guitarrista que o mundo pôde ver. Gravou apenas quatro discos em vida, incluindo um ao vivo (Band of Gypsys, de 1970) apenas com canções inéditas e um duplo de estúdio (Electric Ladyland, de 1968) que continua atual e referência 35 anos depois de chegar às lojas pela primeira vez. Mais que guitarrista e músico, Jimi Hendrix foi um artista brilhante e incomparável. Sorte nossa que sua obra vem ganhando o tratamento que merece nas mãos da Experience Hendrix, por mais que Janie Hendrix seja acusada de estar fazendo fortuna à custa do legado do irmão. Podemos até mesmo poupar seu pai, Al, falecido não tem muito tempo. A verdade é que eles nos fizeram um favor.

A quantidade de CDs e LPs lançados com o nome Jimi Hendrix é incalculável, em sua maioria piratas ou trabalhos obscuros e de qualidade sonora duvidosa, sem contar péssimos acabamentos gráficos. Desde que pai e irmã ganharam na Justiça o direito de administrar o espólio de Hendrix, a discografia do guitarrista foi relançada de maneira decente. O disco que Hendrix gravava quando morreu ganhou uma versão digna e um nome de acordo com sua vontade (First Rays of New Rising Sun, em 1997), além de um bom lote de material ao vivo ter ficado mais acessível. Quem não se interessou pela íntegra dos dois shows com a Band of Gypsys (no duplo Live at Fillmore East, em 1999), o festival de Woodstock (Live at Woodstock, no mesmo ano) e o maravilhoso BBC Sessions (1998)?

Depois do espetacular box set com quatro CDs lançado em 2000, outra amostra de material inédito convivendo com arquivos raros, no fim de 2002 chegou a vez de o festival da Ilha de Wight chegar às lojas completo, em CD duplo e DVD – no Brasil, o CD foi lançado em março deste ano na versão simples, com sete músicas a menos. Blue Wild Angel: Live at the Isle of Wight traz o último registro ao vivo de Hendrix (ao menos, é o que todos sabemos até agora), gravado em 30 de agosto de 1970 – pouco antes do fatídico 18 de setembro. Ele ainda chegaria a se apresentar em alguns outros poucos países europeus – Suécia, Dinamarca e Alemanha – antes de voltar a Londres acompanhando Billy Cox, que involuntariamente bebera ponche com ácido na passagem pela Holanda e, como consequência, tivera sérios problemas.


Em Wight, quis o destino que Hendrix subisse ao palco às três da madrugada, pegando um público cansado e ao mesmo tempo ansioso para ver o guitarrista, que não tocava na Inglaterra havia quase dois anos. Ao lado de Cox e do espetacular baterista Mitch Mitchell, ele entrou incendiando com sua versão para God Save the Queen, em seguida emendando Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles. Foi a estratégia para acordar o público, mas o próprio guitarrista estava num momento atípico. Não dormia há horas e passara o dia dando entrevistas, isso com a cabeça voltada ao imbróglio jurídico que tinha com o ex-empresário Ed Chalpin.

Mesmo com tantos problemas e acontecimentos fora do comum – alguns momentos de dispersão mental, como Mitchell perdendo o tempo duas vezes em Machine Gun –, Hendrix ainda tinha espírito para provocar o público, fazendo piadas por causa do horário e do cansaço. Tudo isso só ressalta que Blue Wild Angel: Live at the Isle of Wight é, na verdade, mais uma aula de feeling, coisa de arrancar lágrimas. Spanish Castle Magic, Voodoo Child (Slight Return), Red House, Foxey Lady, Hey Joe, Purple Haze, Freedom, Message to Love, Hey Baby (New Rising Sun), In From the Storm… Hendrix mostrava que não tinha limites, em qualquer momento de sua curta carreira. Faça um favor a você mesmo e adquira o CD – o importado ainda vem em edição de luxo, em versão digipack – e o DVD – na íntegra e com a sequência original do show, mais alguns bônus que você só verá depois de assistir ao show algumas muitas vezes (apesar do ‘cameraman’ que deve ter bebido além da conta).

Resenha publicada na edição 92 do International Magazine, em abril de 2003.

Dream Evil e Soilwork largam na frente

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Fim do primeiro trimestre, então está encerrado o período de lançamentos que infestam as lojas no início do ano. Sempre há várias opções no mundo do rock pesado, e os destaques acabam pipocando por todos os lados. De praias diferentes, Dream Evil e Soilwork colocaram seus novos trabalhos na praça, e aqui você fica sabendo por que eles dispararam na frente entre os melhores.

O fenômeno Dream Evil

Muita coisa mudou no cenário heavy metal nos últimos dez anos. Os Estados Unidos abraçavam com cumplicidade o estilo, gerando inúmeras bandas e dando aval para o sucesso comercial em todo o mundo. O início dos anos 90 marcou a volta ao underground, por assim dizer, e a Europa tornou-se o berço. Os números, salvo raras exceções, não atingiam mais atingiam a casa dos milhões de álbuns vendidos, mas curiosamente houve uma profusão de bandas surgindo ao mesmo tempo em que o preconceito – sem fundamentos, diga-se de passagem – diminuiu.

Hoje, é praticamente impossível conhecer tudo que é lançado, a não ser que você tenha muita grana ou contatos com gravadoras, lojistas e imprensa especializada. Há muita coisa que não merece atenção, realmente, mas vez ou outra aparece uma banda que deixa todo mundo na cena de queixo caído. É o caso do Dream Evil, banda sueca que começou despertando interesse por causa das presenças do guitarrista Fredrik Nordström – proprietário do Studio Fredman e produtor de grupos como Arch Enemy, HammerFall e In Flames – e do exímio baterista Snowy Shaw – mais conhecido por substituir o insubstituível Mikkey Dee na banda de King Diamond, ponte que o levou também para a primeira formação da volta do Mercyful Fate.

A espera pelo primeiro disco, DragonSlayer, foi pequena e transformou a curiosidade em rasgados elogios. Apesar da capa e das letras sobre espadas e dragões, o trabalho é simplesmente primoroso e revelou dois novos talentos: o excelente vocalista Niklas Isfeldt e guitarrista-prodígio Gus G., natural da Grécia e um verdadeiro ás das seis cordas. O resultado foi assistir à escalada do Dream Evil com menos de um ano de vida: DragonSlayer marcou presença nas listas de melhores CDs de 2002, e o grupo foi eleito a revelação do ano nas principais revistas especializadas.


Sem descanso, a banda voltou ao estúdio, e em janeiro de 2003 chegou às lojas europeias Evilized, que a Century Media lançou recentemente no Brasil (assim como fez com o trabalho de estreia no ano que passou). Se alguém falou em “prova do segundo disco”, esqueça. O novo álbum já nasceu obrigatório. Mais madura, com letras menos fantasiosas e um instrumental mais pesado, a banda coloca-se definitivamente entre as melhores surgidas no metal nos últimos tempos. Shaw continua dando aula, Gus G. continua impressionando com riffs e solos fantásticos, e Isfeldt… Bom, o que dizer de um vocalista de timbre agradável e bonito e que ignora totalmente o artifício dos pavorosos agudos? Resta apenas dar os parabéns.

O mais legal de Evilized é que toda a banda – incluindo o baixista Peter Stålfors – participou do processo de composição, já que DragonSlayer estava praticamente pronto por Nordström e Isfeldt quando o line up foi fechado. Assim, o que encontramos no álbum é um trabalho coeso e maduro, apoiado na dobradinha qualidade/experiência dos músicos. Para completar, os poucos resquícios de metal melódico presentes no trabalho anterior são coisa do passado, pois as 12 músicas são sinônimo da energia e refrãos empolgantes do metal da década de 80 com uma sonoridade atual – leia-se a excelente produção de Nordström. Break the Chains, By My Side e Fight You ‘Till the End são a trinca de abertura, não deixando pedra sobre pedra e fazendo você assobiar as melodias logo na primeira audição. A faixa-título mostra que o Queensrÿche fez escola, trazendo todos os elementos presentes nos primeiros discos do grupo precursor do prog metal: belas linhas vocais, um grande trabalho de guitarra e um andamento contagiante.

Além de ser um dos melhores bateras do atual cenário, Shaw revela-se um compositor de primeira linha com Invisible e a maravilhosa Bad Dreams, a melhor música do disco e que ao vivo promete ser um arrasa-quarteirão. Em Forevermore temos a indefectível balada (lembra-se da citada veia anos 80?), sem exageros e longe do esquema meloso das escritas por Jon Bon Jovi, por exemplo. Uma das influências da banda vem à tona na excelente Children of the Night, que muito bem poderia ter sido composta pelo Scorpions e estar no mesmo patamar da clássica Big City Nights.

As oito faixas já valeriam o investimento, mas Live a Lie e Fear the Night, ambas com riffs simples e eficientes, e The End, que lembra os bons momentos do finado Europe, são ótimas. E se não está suficiente para você, Made of Metal traz aquele sentimento bacana do Manowar de músicas como Kings of Metal e Metal Warriors (bons tempos…). Assim como DragonSlayer, Evilized é essencial para quem gosta de heavy metal tradicional de qualidade, para quem quer o que de melhor o estilo produz.


Soilwork: metal como o metal deve ser

Felizmente, bandas como o Dream Evil não são o único oásis encontrado no rock pesado, que tem produzido um sem-número de bandas inexpressivas ou que soam da mesma maneira – invariavelmente tentando copiar (sem sucesso) o que foi iniciado (com maestria) pelo Helloween em 1987. Uma alternativa a quem não aguenta tanto marasmo está no que vem sendo chamado de death metal melódico. A melodia adicionada ao rótulo pode assustar, mas as bandas do “novo” estilo têm mostrado criatividade para não realizar um trabalho repetitivo, resgatando a simplicidade e empolgação do heavy metal.

Grupos como Arch Enemy, preparando o sucessor da obra-prima Wages of Sin; In Flames, em turnê para divulgar o excelente Reroute to Remains; e Chlidren of Bodom, que acaba de lançar o ótimo Hate Crew Deathroll, são três dos melhores nomes da atualidade. O Soilwork já garantira seu lugar na lista com os álbuns A Pedrator’s Portrait (2001) e Natural Born Chaos (2002), mas agora ratifica de vez sua posição com a pérola Figure Number Five, lançado pela Nuclear Blast com distribuição da Century Media em terras tupiniquins.


Muito peso, técnica apurada a serviço do feeling e músicas que fazem com que você não consiga ficar quieto. Rejection Role abre o CD de maneira espetacular e mostra de cara o grande destaque do disco: Björn “Speed” Strid, dosando com perfeição vocais agressivos – no melhor estilo Phil Anselmo (Pantera) e Burton C. Bell (ex-Fear Factory) – e limpos – de característica própria, dando vida aos excepcionais refrãos encontrados em todas as músicas.

Henry Ranta (bateria), Ola Flink (baixo), Sven Karlsson (teclados) e a excelente dupla de guitarristas formada por Peter Wichers e Ola Frenning não ficam atrás. São responsáveis por um instrumental poderoso, que deixa irresistíveis músicas como Overload (que riff sensacional!), Figure Number Five, Stangler, Light the Torch, Cranking the Sirens, Brickwalker e The Mindmaker (impressionante como Wichers e Frenning são uma usina de grandes riffs). Mais cadenciada, Departure Plan dá o tempo necessário para retomar o fôlego, enquanto Distortion Sleep e Downfall 24 pisam no freio, mas mantêm o peso (mas não, você não encontrará nenhum compasso 1/1 à velocidade da luz no disco). Não apenas um excelente disco de metal, Figure Number Five é mais uma obra para trazer de volta a velha força do estilo.

Artigo publicado na edição 92 do International Magazine, em abril de 2003.

Black Sabbath – Never Say Die

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Você tem algum DVD do Black Sabbath? Olha que há boas opções. Pode começar com Last Supper, dedicado à volta da banda com sua formação original, em 1997, para a turnê batizada de Reunion (que infelizmente não passou pelo Brasil). Lá fora foram lançados no formado digital os dois volumes de History of Black Sabbath, divididos nos períodos 1970-1978 e 1978-1992. No entanto, com um pouquinho de sorte, você pode encontrar ambos em alguma banca de jornal perto de sua casa – desde que não tenham sido recolhidos, afinal, trata-se de pirataria. Caso ache que vale correr atrás – e também o risco – antes que acabe a mamata…

Agora, se três títulos não são suficientes para saciar sua fome de Ozzy Osbourne, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward – e Ronnie James Dio, Vinnie Appice… –, saiu do forno, pela primeira vez em DVD, o antológico e essencial Never Say Die, gravado em 1978. Claro, estamos falando da formação clássica da banda mais importante e influente da História do heavy metal, mas o vídeo vale por muito mais que isso. Trata-se de um registro de uma fase conturbada do grupo, que desencadearia na saída definitiva de Ozzy e, pouco tempo depois, na entrada de Ronnie James Dio.


Alegando problemas pessoais, o vocalista abandonou o barco em 1977, sendo substituído por Dave Walker (ex-Fleetwood Mac). A segunda formação do Sabbath não chegou a gravar, mas deu início ao processo de composição do álbum Never Say Die! nos cinco meses em que contou com Walker – outubro de 77 a janeiro de 1978. Depois de uma única apresentação, no programa Look Here!, da BBC em Midlands, no qual tocaram Junior’s Eye, o grupo se restabeleceu com a volta de Ozzy e começou as gravações do novo disco. Os problemas, no entanto, estavam longe de terminar.

Ozzy se recusou a cantar algumas músicas que já estavam prontas. Assim, Iommi e Butler incluíram a instrumental Breakout, e Ward assumiu os vocais em Swinging the Chain (algo que ele já havia feito no álbum anterior, Technical Ecstasy, de 1976, com a belíssima It’s Alright). Disco na praça, turnê a caminho e nova despedida. O último show aconteceu no dia 11 de dezembro de 1978, e Ozzy foi despedido no início do ano seguinte – ou pediu demissão, dependendo do ponto de vista. Em março, Dio assumiu o microfone, e a mudança atingiu também o tecladista que acompanhava o grupo: Don Airey (hoje no Deep Purple) deu lugar a Geoff Nichols (até hoje fazendo o pano de fundo musical).

Independentemente de tudo isso, e vamos ao que interessa, Never Say Die mostra o Black Sabbath como as pessoas estavam acostumadas a ver… Bom, apesar de ser muito esquisito ver Ozzy à direita e Iommi no centro do palco. Como os fãs não tinham nada a ver com o mau clima interno, a banda mandava ver no que sabia fazer melhor: tocar clássicos inesquecíveis como Sympton of the Universe (que abre o show), War Pigs, Snow Blind, Black Sabbath, Children of the Grave e Paranoid. Claro, tem o solo de Ward depois de Dirty Woman; tem Never Say Die, uma das melhores composições do grupo; tem a climática introdução de Iommi para Electric Funeral; e tem a ótima Rock and Roll Doctor, um aula do que o próprio nome anuncia.


Musicalmente, é um bálsamo, mesmo admitindo as históricas desafinadas de Ozzy, compensadas pelo mestre Tony Iommi, o maior guitarrista base do rock pesado em todos os tempos (e isso é um elogio). Uma pena que os recursos do DVD não tenham sido explorados. Não há extras, e o ganho de qualidade de imagem e som nem é tão grande. Para os padrões da época, Never Say Die já estava um passo à frente. Se levarmos em consideração que o DVD tem apenas o show em sua duração original (uma hora), é pouco. Mas se levarmos em conta a importância do Black Sabbath para a história do rock, é um item com lugar garantido na coleção.

Resenha publicada na edição 92 do International Magazine, em abril de 2003.

OSI – Office of Strategic Influence

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Os superprojetos reunindo músicos de grandes nomes do rock progressivo e do rock pesado tornaram-se uma constante nos últimos anos. Attention Deficit, Explorer’s Club, Platypus, The Jelly Jam, Jughead, Transatlantic e Liquid Tension Experiment são exemplos de como a mistura dá certo. Mesmo com um ótimo leque de opções, ainda há como gerar enorme expectativa nos fãs. Não foi diferente quando, no fim de 2002, Jim Matheos (guitarrista do Fates Warning), Kevin Moore (tecladista do Chroma Key e ex-Dream Theater) e Mike Portnoy (baterista do Dream Theater) anunciaram que haviam juntado forças no estúdio. O time ainda ganhou o talento do ótimo baixista Sean Malone (Gordian Knot) e a participação especial do vocalista Steve Wilson (Porcupine Tree). O nome da seleção? OSI.

Músicos de talento inquestionável, certeza de encontrar um público cativo nos fãs das bandas envolvidas. Mas o álbum de estréia, Office of Strategic Influence, muito provavelmente deve ter deixado muitos deles falando “nossa, que disco esquisito!”. Quem esperava um crossover entre Transatlantic e Liquid Tension Experience deu com os burros n’água. Em comum, apenas a veia progressiva, mas não espere encontrar solos de guitarra e teclado. São tão raros que você nem lembra que ouviu. Também não há passagens de virtuosismo explícito, pois o negócio são as viagens e os pequenos detalhes em todas as músicas. Ah, sim! As influências de Pink Floyd estão sempre presentes… E também por isso Office of Strategic Influence é genial!

Com Matheos e Moore assinando todas as faixas – à exceção, claro, dos covers presentes no CD bônus –, não dava para esperar menos que isso. Hello, Helicopter!, Memory Daydreams Lapses, Horseshoes and B-52’s e a belíssima Dirt from a Holy Place trazem todos os elementos mencionados, com melodias esquisitas, simples ou complexas. Só elas já valeriam o álbum, mas tudo fica mais bonito com o que está por vir. The New Math (What He Said), a faixa que abre o disco, lembra One e Pieces of Me, do último trabalho do Fates Warning, o excepcional Disconnected (2000); When You’re Ready é puro Floyd da época Waters/Gilmour; e ShutDOWN, com Wilson nos vocais, é uma prova da incrível parede de riffs criada pelo guitarrista, que aqui não escondeu ter decorado a cartilha de Tony Iommi.


Fora ShutDOWN, Moore faz as vezes de vocalista e consegue um ótimo resultado, sempre com interpretações calmas que encaixaram perfeitamente nas músicas. As provas estão em OSI, na excelente Head e em Standby (Looks Like Rain), na qual se ratifica o perfeito entrosamento com Matheos. Como compositor, este é o responsável direto pelo posto do Fates Warning: o de melhor grupo de progressive metal da atualidade. Office of Strategic Influence acaba sendo uma continuação de seu trabalho com Ray Alder (vocal), Mark Zonder (bateria), Joey Vera (baixo) e o próprio Moore, que desde 1997 participa da banda como músico de estúdio. Presente na edição dupla e limitada do álbum, The Thing That Never Was é uma obra-prima de quase 14 minutos, ofuscando até mesmo as versões para Set the Controls for the Heart of the Sun (Pink Floyd) e New Mama (Neil Young).

Bom, eu não me esqueci de Mike Portnoy, ainda mais porque há o que falar além do chavão “talento diretamente proporcional ao tamanho do ego”. Em sua performance mais contida em muito anos, consegue resultados melhores que no último trabalho do Dream Theater, o irregular Six Degrees of Inner Turbulence (2002). Não existem presepadas de quem escreve “lead drums” na ficha técnica de um encarte de CD, mas uma atuação detalhista, precisa e, consequentemente, impressionante. Mais um ponto para Moore e Matheos, que sabem se comportar quando são os donos da bola.

Resenha publicada na edição 92 do International Magazine, em abril de 2003.