Ozzy Osbourne – The Essential

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Ozzy Osbourne virou uma celebridade além das fronteiras do heavy metal. Apesar de o reality show “The Osbournes” já não ser mais tão engraçado – afinal, é hilário ou deprimente ver Kelly Osbourne ter ataque de estrelismo e humilhar o pai em frente às câmeras? –, o vocalista está a todo o momento nas manchetes. Jantar com George W. Bush na Casa Branca; convite ao príncipe William para se hospedar na casa da família em Los Angeles, quando o herdeiro do trono inglês estiver nos EUA; a troca de baixistas (Robert Trujillo indo para o Metallica e deixando o posto para Jason Newsted, ex-Metallica); regravação de um clássico do Black Sabbath, Changes, em dueto com a filha mais nova, que aproveitou para pegar uma carona e fazer a abertura das apresentações no Reino Unido; a nova edição do Ozzfest, incluindo alguns shows no festival cancelados por causa de uma laringite; e, finalmente, a razão principal desta linhas: a coletânea dupla The Essential Ozzy Osbourne.


O CD nada mais é do que um registro do fim da festa no relacionamento com a Sony Music, gravadora com a qual Ozzy estava há 20 anos. A rescisão do contrato, em maio, encontrou razão na saída do presidente Tommy Mottola no início do ano, mas para muitos o real motivo foi outro: a decisão única e exclusiva da esposa de Ozzy, Sharon, muito puta da vida com a demissão de Kelly por causa da baixa vendagem (menos de 150 mil cópias) de seu disco de estréia, Shut Up (2002), lançado pela subsidiária Epic Records. Verdade ou mentira, a impressão que dá é que The Essential Ozzy Osbourne foi a resposta da Sony, já que só serve mesmo para quem conhece pouco ou nada da carreira solo do vocalista. Bom, talvez para algum colecionador extremado.

Você conhece algum best of ou greatest hits que tenha agradado aos fãs? Sim, é a velha história, mas aqui a coisa é pior, e o dedo tem de ir direto na ferida: não há uma música sequer de The Ultimate Sin (1986). Nada, nem a canção que dá nome ao disco, nem o hit Shot in the Dark ou mesmo Killer of Giants e a brilhante performance de Jake E. Lee (tudo bem, Bark at the Moon é presença obrigatória, e nela Lee fez um dos solos mais bonitos da história do rock pesado). Nem mesmo na discografia apresentada no encarte o trabalho foi incluído. Por quê? Perguntas para Sharon, Michael Guarracino e Bruce Dickinson (não, não é o vocalista do Iron Maiden), responsáveis pela compilação.


Necessário também questionar por que o irregular No Rest for the Wicked (1988) cedeu quatro canções. Foi o trabalho de estréia de Zakk Wylde, mas apenas Miracle Man (uma “homenagem” ao então pastor Jimmy Swegart, flagrado com uma prostituta num motel americano barato) e Crazy Babies se justificam. A partir daí, no entanto, a coisa até melhora um pouco. De No More Tears (1991) temos Mama, I’m Coming Home, Desire, I Don’t Want to Change the World (ao vivo, versão do Live & Loud, 1993), a espetacular faixa-título e mais um pouco; e Bark at the Moon (1984), Ozzmosis (1995) e Down to Earth (2001) ficam devendo apenas uma música cada: as ótimas Centre of the Eternity, My Jekyll Doesn’t Hide e That I Never Had, respectivamente. Todas deveriam estar na compilação.

Por último e mais importante, o início de tudo. A obra-prima Blizzard of Ozz (1980) e Diary Madman (1981), os dois primeiros discos de Ozzy, sofreram um bom trabalho arqueológico e são responsáveis por um dos clichês mais deliciosos da música: falar do saudoso Randy Rhoads, gênio das seis cordas e uma das maiores perdas do rock. Crazy Train, Flying High Again, Over the Mountain e I Don’t Know – versão ao vivo retirada de Tribute, lançado em 1987 e de onde saiu também Paranoid, a única do Sabbath na coletânea – são de arrepiar, mas a balada Goodbye to Romance e Mr. Crowley vão além. Duas décadas se passaram, mas é impossível não se emocionar com o feeling contido na primeira e os dois solos da segunda, gravados de improviso e no primeiro take. No fim das contas, o mérito de The Essential Ozzy Osbourne é fazer com que a garotada transforme a curiosidade em mais dois CDs na estante, a dobradinha do início de carreira do Madman. Se for assim, intencionalmente ou não, o dever estará cumprido.


Resenha publicada na edição 95 do International Magazine, em agosto de 2003.

System of a Down – Steal This Album!

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Pode uma banda lançar um disco simplesmente espetacular e as músicas que ficaram fora ainda formarem, pouco mais de um ano depois, outro trabalho de tirar o fôlego? Se o grupo for o System of a Down e se os dois álbuns forem Toxicity (2001) e Steal This Album! (2002), respectivamente, então a resposta é sim. A história é simples: as canções começaram a vazar na internet, e o novo CD chegou às lojas. Mas antes que alguém grite “oportunismo”, é necessário ressaltar que na Grande Rede circulavam as versões demo, e Steal this Album! tem produção sonora perfeita, a cargo de Rick Rubin e do guitarrista Daron Malakian.

O pirata chegou ao mercado na forma do disquinho prateado, mas até aí também não se discute a validade de ter na estante o CD original. Toxic Demos, um dos bootlegs mais conhecidos, tem capa digipack e produção bem bacana, mas basta olhar as músicas para ver quanta diferença. Quinze faixas contra 16, uma em duas versões diferentes – Thetawaves chamada de Waiting for You, com mudanças apenas no refrão e sua melodia vocal –, o restante também com nomes diferentes e duas canções bônus, Virgin Tea e Fortress (Outer Space), que todo mundo já deve ter baixado (menos eu, que paguei por uma cópia de Toxic Demos).

E por que vale a pena comprar Steal this Album!? Porque já é um dos melhores lançamentos do ano e serve de aperitivo para acalmar os ânimos enquanto Malakian, Serj Tankian (vocal), Shavo Odadjian (baixo) e John Dolmayan (bateria) não aprontam o quarto disco, previsto apenas para 2004. Chic ‘n’ Stu abre o CD mostrando o poder de fogo habitual do SOAD e um questionamento: é curioso notar como os descendentes de armênios fazem tanto sucesso com um som pouco (e muitas vezes nada) acessível. Melodia e (muito) peso aliados a partes rápidas, cadenciadas e lentas, com o versátil e ótimo Tankian ora agressivo, ora suave (provavelmente o vocalista mais próximo do excelente Mike Patton).


Na mesma linha estão as ótimas Bubbles, A.D.D., Pictures, Fuck the System, Streamline e Boom – que ganhou videoclipe dirigido por Michael Moore, vencedor do Oscar de Melhor Documentário por “Tiros em Columbine” (2002). Assim como o discurso inflamado de Moore, Boom traz imagens em que George W. Bush, Tony Blair, Osama Bin Laden e Saddam Hussein aparecem todos como farinha do mesmo saco. Além de músicas típicas da banda, há as mais suaves, como Ego Brain e a belíssima Roulette, e as que ficam no meio termo, exemplo de 36 (Tankian mandando muito bem), Highway Song e Nuguns, que tem a participação do percussionista Arto Tuncboyaciyan.

Entre tanta coisa boa, ainda dá para destacar as melhores: Innervision começa igualzinha a Roots Bloody Roots, do Sepultura, depois vira SOAD e se mantém empolgante como as duas bandas; Mr. Jack cresce para virar um verdadeiro arrasa-quarteirão, cortesia do andamento quebrado de Dolmayan com os riffs alucinantes de Malakian; e I-E-A-I-A-I-O tem um dos refrãos mais bacanas do rock nos últimos tempos, com Tankian numa interpretação, digamos, indígena de dar gosto. É ouvir e sair cantando e pulando.

Ah, sim: sabe o bootleg Toxic Demos? Não tem Innervision, Fuck the System, Ego Brain e Roulette. E também não dá para colocar no computador, acessar um site específico e ter acesso a letras e ficha técnica do disco. Steal This Album! não tem nem encarte, mas o que importa? Difícil é encontrar música mais bacana por aí. Não à toa o System of a Down é uma das melhores bandas surgidas nos últimos anos, e o que é ainda mais gratificante: sem a pompa enganosa de salvação ou futuro do rock.

Resenha publicada na edição 95 do International Magazine, em agosto de 2003.

Anthrax

Por Daniel Dutra | Fotos: Andi Buchanan/Divulgação

Há bandas que não precisam estar sempre no auge para ter um lugar de destaque na história. É o caso do Anthrax, um dos ícones do thrash metal e nome dos mais importantes do rock pesado. Responsável por um dos discos essenciais para se entender o estilo nos anos 80 – a obra-prima Among the Living (1987) –, o grupo fez há mais de 15 anos o que hoje muitos acham que é novidade: misturou heavy metal com rap/hip hop. Começou com o EP I’m the Man (1987) e seguiu na parceria com o Public Enemy em Bring the Noise, canção originalmente gravada por Chuck D, Flavor Flav e cia. em 1987, para a trilha sonora do filme “Abaixo de Zero”, mas que ganhou uma nova versão com o Anthrax quatro anos depois. De volta à grande mídia após o fatídico 11 de setembro de 2001 – lembram-se das ameaças com o vírus antraz? –, a banda chegou a anunciar, brincando, que mudaria seu nome para Basket Full of Pupies. Agora é a vez de a música falar mais alto, com o ótimo We’ve Come for You All. Para falar sobre como está o Anthrax hoje, conversamos por telefone, diretamente de Nova York, com o baterista Charlie Benante – John Bush (vocal), Scott Ian e Rob Caggiano (guitarra) e Frank Bello (baixo) completam o time.

Nos últimos dez anos, o Anthrax gravou apenas quatro álbuns, e We’ve Come for You All acabou sendo lançado mais de seis anos depois de Stomp 442 (1995). Por que tanta demora?
Porque nós queríamos dar um tempo. A ideia era fazer algumas coisas fora da banda e depois nos juntarmos, ou seja, voltar a compor quando sentíssemos que era hora de gravar nosso disco mais importante.

E quando vocês decidiram que era o momento certo?
Em junho de 2001, eu acho.

As músicas são todas novas ou há alguma que vocês compuseram antes desse período e resolveram aproveitar agora?
Apenas uma parte de Black Dahlia é sobra do último disco, mas não toda a música.

Você chamou de disco mais importante, mas concorda que We’ve Come for You All é o melhor trabalho do Anthrax com John Bush nos vocais?
Todos nós concordamos, pois trabalhamos duro para isso. Você sabe, não lançávamos um disco há alguns anos, e muita coisa mudou. Seria ótimo se o álbum saísse e vendesse logo umas cem mil cópias, só que é um novo começo para nós nos Estados Unidos, já que na Europa estamos muito melhores. Gostaríamos que tudo acontecesse mais rapidamente, mas sabemos que será um processo lento.


Já que tocou no assunto, você acredita que o new metal tem alguma parcela de responsabilidade no que está acontecendo nos EUA?
(N.R.: pensativo) Bem, acho que o estilo é o que mais se aproxima do heavy metal, mas não é metal. Eles têm de rotular essas bandas de alguma maneira. Na verdade, eu não me importo com Linkin Park ou Limp Bizkit, por exemplo. São apenas boy bands ou bandas pop com guitarras pesadas (risos).

O new metal é bastante popular no Brasil, mas o heavy metal cresceu bastante e de forma consistente nos últimos anos no país. Assim, parece que os EUA estão dando as costas ao estilo que ajudou a crescer.
Com certeza. Na Europa, o heavy metal e o hard rock são levados muito a sério. Diferentemente dos EUA, onde o que importa é a moda, onde muita merda é empurrada todo dia às pessoas. Veja o que aconteceu com a MTV… Para ser honesto, os últimos cinco ou seis anos não foram bons para a música nos EUA. No caso do Anthrax, os meios de divulgação para a nossa música são restritos.

Vocês tentaram uma volta ao som básico com o novo álbum? Quer dizer, as canções continuam não soando simples, mas estão mais diretas e objetivas, sejam as mais agressivas, como What Doesn’t Die e Black Dahlia, ou as mais pesadas, como Refuse to Be Denied e Cadillac Rock Box.
Sim. Preocupamo-nos em trabalhar música por música, e demorou uma seis ou sete para termos uma ideia da forma que o disco estava tomando. A primeira canção que escrevemos foi Superhero, e o álbum seria totalmente diferente se ela fosse, digamos, nosso padrão. Eu não sei como definir Cadillac Rock Box, por exemplo, mas se encaixa no contexto.

Any Place But Here, Nobody Knows Anything e Taking the Music Back têm refrãos empolgantes, perfeitas para levar os fãs à loucura nos shows. Elas estão no set list? Aliás, há alguma no disco que você pode dizer ser a sua preferida?
Obrigado. Sim, estamos tocando essas músicas, mas é difícil dizer de qual eu gosto mais. Na verdade, eu não tenho uma favorita.

A arte da capa foi feita por Alex Ross, que é autor de algumas obras brilhantes publicadas pela Marvel Comics. Como vocês entraram em contato com ele?
Foi um webmaster chamado Brent Thompson que o indicou para nós, quando dissemos que queríamos algo forte e diferente. Na mesma hora achamos uma ótima ideia, e ele mandou um e-mail para o agente do Alex. Começamos a trabalhar a partir daí.

E ele, por acaso, é fã do Anthrax?
Eu não diria que ele é um grande fã, mas conhecia muito material nosso. Então, acredito que seja um pouco fã, sim (risos).

Parece que agora vocês realmente acharam um substituto para o Dan Spitz, já que Rob Caggiano está nos créditos e chegou a produzir o disco, ou seja, tem um papel muito maior que ex-guitarrista Paul Crook.
A química tem de funcionar. Paul é uma ótima pessoa, e nós o adoramos, mas isso não acontecia com ele. Rob provou ser a pessoa certa quando vimos que o relacionamento pessoal estava muito bom, sem contar que é um ótimo guitarrista. Para completar, ele tem uma ideia clara de como o Anthrax deve soar, é parte importante do processo.


Vocês mandaram algumas cópias do single Safe Home para as rádios, mas sem especificar na capa que era um CD do Anthrax. Por quê?
Foi uma tentativa para que não houvesse algum tipo de preconceito. Queremos apenas que as pessoas escutem a música antes de fazer algum julgamento.

Safe Home, aliás, tem umas melodias que lembram Thin Lizzy. Foi intencional?
Não, aconteceu naturalmente. É uma música que surgiu do nada e ficou perfeita. Sinceramente, todas essas bandas de grande sucesso nos EUA não têm uma canção que seja melhor que Safe Home.

Depois de 11 de setembro, o problema com o vírus antraz trouxe alguma atenção à banda. Houve alguma lição tirada do que poderia ter sido uma propaganda negativa?
Acredite, não foi ruim como as pessoas imaginam. Estamos acostumados desde o início com as dificuldades que o nome sempre pode trazer, mas aí aparecem uns imbecis para propagar o terrorismo e assustar as pessoas. O legal foi que não houve nenhuma associação negativa ou maldosa. Anthrax é apenas o nome da banda, não algo ruim como o vírus.

Eu não sei se você é um grande fã do KISS como o Scott Ian…
(N.R.: interrompendo) Como o Scott? Não, não! Corrija isso, por favor. Provavelmente, sou muito mais fã do que ele! (risos)

Ótimo, porque a pergunta era para ele e agora vai para você. O que acha da decisão de colocar Tommy Thayer no lugar de Ace Frehley, inclusive com a maquiagem?
Devo confessor que fiquei meio puto, como todo fã de verdade. Mas depois percebi que isso não importa. Seria melhor se o Ace estivesse lá, mas nada irá impedir Gene e Paul de continuar com a banda e ganhar mais dinheiro com ela (risos).

Ano passado, entrevistei o Dan Lilker (N.R.: baixista do Nuclear Assault), e ele me disse que Billy Milano foi a causa do fim do SOD, inclusive por causa do relacionamento com você e o Scott. Foi isso mesmo?
Absolutamente. Ele tem alguns problemas… (N.R.: pensativo) É difícil lidar com ele.


A primeira e única vez que o Anthrax tocou no Brasil foi em 1994. Quais as lembranças e quando a banda voltará?
Nós adoramos aqueles shows! Foi excitante como a primeira vez (risos). Havia bastante energia, e foi gratificante ver e ouvir os fãs cantando nossas músicas, só que no momento não há planos para retornar. Mas é claro que isso pode mudar.

Vocês tiveram alguns problemas com gravadoras no passado. Como está o relacionamento com a Sanctuary?
A questão principal com as gravadoras é que não é possível ficar 100% satisfeito com o que elas fazem. Sempre há problemas, por isso agora nós tentamos identificá-los e consertá-los antes que se tornem realmente um problema.

No Brasil, alguns artistas já lançam seus CDs de maneira independente, colocando-os à venda em livrarias e bancas de jornal. Você acredita que é possível acontecer isso nos EUA?
Sinceramente, não. Quando estou em turnê, o que faço é visitar todas as lojas possíveis. Confiro se o CD está à venda, se a divulgação é boa e se o preço é acessível. É o que dá para fazer. Infelizmente, não podemos estar em todos os lugares ao mesmo tempo, mas tentamos manter o controle da situação.

Bom, obrigado pela entrevista e boa sorte com o novo disco e a turnê.
Obrigado a você também, e espero vê-lo em nosso show. Se o Anthrax for ao Brasil, claro (risos).

Entrevista publicada na edição 95 do International Magazine, em agosto de 2003.