Óperas rock são sempre um projeto ambicioso, da mesma maneira que também não são mais nenhuma novidade. Jesus Christ Superstar e Tommy (The Who), claro, são referência no gênero, mas de uns anos para cá o heavy metal foi tomado de assalto por vários exemplares. Os guitarristas Nikolo Kotzev (Nostradamus), Arjen Lucassen (Star One e Ayreon) e Daniele Liverani (Genius) fizeram os seus, e o vocalista do Edguy, Tobias Sammet, não ficou atrás com o bem-sucedido Avantasia. No entanto, quando se pensava que já estava bom, eis que surge o Aina com ótimo Days of Rising Doom – The Metal Opera.
Com o time envolvido na história, era mesmo difícil imaginar que não desse certo. O núcleo central do Aina é formado por Sascha Paeth (guitarra, produção e arranjos), Robert Hunecke-Rizzo (bateria, guitarra, baixo, produção e arranjos), Miro (teclados, arranjos de orquestras e efeitos) e Amanda Somerville (vocal e concepção artística e lírica). Além de um instrumental de primeira linha composto basicamente pelos três primeiros, o conceito da obra é um trabalho primoroso de Amanda, que criou um país (Aina), sua língua (Aindahaj) e a história da guerra causada por um grande amor.
Musicalmente, o negócio é tão bom que dá até para esquecer alguns lampejos de metal melódico. Aliás, dois nomes se sobressaem de tal maneira que tornam Days of Rising Doom – The Metal Opera irresistível: Michael Kiske e Glenn Hughes. O ex-vocalista do Helloween está brilhante como sempre em Revelations, na bela Silver Maiden, em Restoration e na maravilhosa Serendipity. Hughes, por sua vez, dá aula na parte de lenta de Flight of Torek, mas também em The Siege of Aina (com a companhia de Candice Night, a senhora Ritchie Blackmore), Rebellion e Talon’s Last Hope, esta num ótimo dueto com Andre Matos (Shaman).
É claro que há outros destaques, a começar por Thomas Rettke, vocalista do finado Heaven’s Gate. Seria um desperdício deixá-lo mais uma vez fora dos vários projetos que pipocam no rock pesado, prova disso é a excelente The Beast Within, música de trabalho com um ótimo riff escrito por Paeth. Mas Rettke manda muito bem também em Naschtok is Born e Son of Sorvahr, esta uma das melhores do disco. Simone Simons (Epica) cumpre muito bem o papel de voz soprano em Restoration, enquanto Tobias Sammet mostra que está cada vez mais Andre Matos nas músicas em que participa, principalmente Flight of Torek.
No campo instrumental, é impossível não ressaltar os arranjos de orquestra da primeira à última faixa, a participação do Trinity School Boy Choir (formado por oito crianças) e os detalhes instrumentais muito bem sacados, como a influência de música árabe em Lalae Amêr. As participações especiais também não ficam apenas nos vocalistas, já que uma turma respeitável enriquece o trabalho, a destacar o baixista T.M. Stevens (Son of Sorvahr) e os tecladistas Derek Sherinian (The Siege of Aina), Erik Norlander (Rebellion) e Jens Johansson (Revelations, provando que é muito melhor quando não está no Stratovarius).
Para completar, Days of Rising Doom – The Metal Opera é acompanhado de um CD e um DVD bônus, ambos com farto material. O primeiro traz o épico The Story of Aina em duas versões (instrumental e com vocal); as edições de The Beast Within, Flight of Thorek e The Siege of Aina; a demo de Talon’s Last Hope (a cargo de Hunecke-Rizzo); e o mais bacana: versões alternativas para Rape of Oria e Silver Maiden, ambas na bela voz de Amanda. A primeira, inclusive, chama-se Ve Toúra Sol, nada menos que a canção cantada em Aindahaj. O belo trabalho termina com o DVD, que contém a indefectível galeria de fotos, o (ótimo) “making of” e o videoclipe de The Beast Within, todo feito em animação 3D. Um belo presente para os fãs de metal.
Resenha publicada na edição 103 do International Magazine, em junho de 2004.
“… Um álbum que definitivamente acabará com todos os preconceitos a respeito de Zakk Wylde e o Black Label Society… Uma coleção de músicas provocantes, contagiantes e conscientemente fascinantes”. Bom, é isso aí que está escrito no adesivo colado na capa do novo álbum do Black Label Society, Hangover Music Vol. VI – como o próprio nome entrega, o sexto trabalho do grupo. No entanto, parece que Wylde não liga mesmo para a reação das pessoas ao seu trabalho. Já foi dito aqui que o sujeito é o melhor guitarrista do heavy metal na atualidade, fala o que pensa – patriota extremista, diz muita besteira quando o assunto é os Estados Unidos – e é responsável por trabalhos pesadíssimos em sua banda.
Como ele poderia fazer sua música chegar a outro público? A capa do CD tem dois crânios e, entre eles, uma vela queimando dentro de um copo. Fica difícil, não? Mas quando você coloca o disco no aparelho do som percebe que as 15 músicas não são para deixar o ouvinte com dor de cabeça, mas realmente para aliviar aqueles que estão de ressaca. Wylde trocou os riffs espetaculares e cheios de harmônicos pelo violão e o piano, na linha de seu primeiro e único álbum solo, o excelente Book of Shadows (1996).
Uma iniciativa que poderia ser arriscada, uma vez que Wylde lançou em 2003 o melhor disco do Black Label Society, The Blessed Hellride, e manteve a média com o DVD Boozed, Broozed & Broken-Boned. No entanto, ele não deixou a peteca cair e gravou mais um trabalho de primeira linha. Hangover Music Vol. VI possui mais guitarras do que Book of Shadows, diga-se, mas ainda assim é um álbum para ouvir em momentos de relaxamento, com o quarto no escuro e em silêncio.
Há momentos mais sombrios – Steppin’ Stone (imagine o Black Sabbath semiacústico) –, mais rock – as excelentes House of Doom e Layne – e até mesmo um curto solo de violão – Takillya (Estyabon) –, mas o restante é um apanhado formidável de baladas deliciosas. Crazy or High e Queen of Sorrow têm refrãos mais fortes e uma interpretação mais energética de Wylde, que faz o piano sobressair na belíssima Yesterday, Today, Tomorrow. O mesmo vale para Whiter Shade of Pale, cover do Procol Harum que ficou uma beleza somente a piano e voz. Tecnicamente, o guitarrista não é uma grande vocalista, mas é bom ressaltar que sua voz é boa e ganha muito com o sentimento que ele coloca nas músicas.
E já que a guitarra não foi inteiramente deixada de lado, Wylde manda ver em alguns solos de tirar o fôlego, como em She Deserves a Free Ride (Val’s Song), uma das calmas e com vocal bem suave. No Other e nas já citadas Steppin’ Stone e House of Doom. Fear fecha o disco com um bom trabalho solo ao violão, simples e muito eficiente, mas ainda há o que se destacar em Hangover Music Vol. VI. O formato acústico predomina nas ótimas Once More e Won’t Find it Here, e o duo piano/violão é o dono do jogo nas belíssimas Damage is Done e Woman Don’t Cry.
Ao contrário do que costuma fazer em estúdio, Wylde não se cercou apenas do baterista Craig Nunenmacher e fez o resto sozinho. Claro, ele é responsável por todos os vocais, teclados, guitarras e violões, mas não assumiu o baixo em todas as músicas. As quatro cordas também foram manuseadas por Mike Inez (Alice in Chains, ex-Ozzy Osbournes), John “JD” DeServio (ex-integrante do próprio Black Label Society) e James Lomenzo, que tocou com Wylde no Pride & Glory e foi confirmado recentemente como o novo baixista do grupo. Além disso, John Tempesta (ex-White Zombie e Testament) assumiu as baquetas em uma faixa.
O Black Label Society se prepara agora para tocar no palco principal do Ozzfest – junto a Superjoint Ritual, Dimmu Borgir, Slayer, Judas Priest e Black Sabbath – e, além de Lomenzo e Nunenmacher, contará também com o guitarrista Nick Catanese, fiel escudeiro de Wylde.
Resenha publicada na edição 103 do International Magazine, em junho de 2004.
Formado no início dos anos 90, em Estocolmo, na Suécia, o Opeth surpreendeu logo com seu disco de estréia, Orchid (1995). Mais do que o death metal melódico que hoje está em voga graças a grupos com Arch Enemy, In Flames, Children of Bodom e Soilwork, o quarteto mostrava um tendência progressiva que o diferenciava no cenário. Morningrise (1996), My Arms Your Hearse (1998) e Still Life (1999) ajudaram a consolidar a banda, mas foi com o excelente Blackwater Park (2001) que surgiram os primeiros sinais de que o melhor ainda estava por vir.
À época, o grupo passou a trabalhar com Steven Wilson (Porcupine Tree), e a parceria – mais nas ideias e produção do que no processo de composição – resultou em mais duas obras-primas: Deliverance (2002) e Damnation (2003). Os álbuns foram gravados simultaneamente, mas a gravadora optou por lançá-los com um intervalo de seis meses, não porque um CD duplo seria comercialmente inviável, mas porque Damnation era um trabalho de rock progressivo! E apesar de a banda afirmar que foi o primeiro e último desvio em sua trajetória, trata-se de um dos melhores discos do gênero nos últimos anos.
Para comprovar que, uma década depois do primeiro álbum, o Opeth certamente é um dos grupos mais criativos do heavy metal, recentemente chegou às lojas o DVD Lamentations: Live at Sheperd’s Bush Empire 2003, registro de um show gravado na tradicional casa londrina, com repertório apenas dos três últimos discos. Em pouco mais de duas horas, Mikael Åkerfeldt (vocal e guitarra), Martin Lopez (bateria), Peter Lindgren (guitarra) e Martin Mendez (baixo), acompanhados do convidado especial Per Wiberg (teclados, Spiritual Beggars), fazem uma apresentação primorosa.
A primeira parte tem a íntegra de Damnation – além de Harvest, canção de Blackwater Park que se encaixa no conceito progressista. É uma maravilha conferir ao vivo músicas como as excelentes Widowpane (linda), Death Whispered a Lullaby (ótimas linhas de baixo, quebradas precisas de bateria e grandes passagens acústicas), Hope Leaves (com solos à la David Gilmour), In My Time of Need, Weakness (um misto de No Quarter, do Led Zeppelin, com Angelo Badalamenti da trilha sonora de “Twin Peaks”) e a espetacular instrumental Ending Credits, que Åkerfeldt confessa ser um “rip off” do Camel.
Aliás, faça-se o devido registro: o líder Åkerfeldt é mesmo um gênio. Ótimo guitarrista e vocalista (tem uma voz belíssima e vai do gutural ao suave com uma facilidade inacreditável), o cara é um compositor e tanto. A segunda metade do show é a prova definitiva disso, afinal, o cara que escreve a maravilhosa Master’s Apprentices merece mesmo ser aplaudido. Ela é uma das músicas de Deliverance, que aparece ainda com a espetacular faixa-título e A Fair Judgement, que encerra a apresentação mostrando exatamente como a mistura feita pelo quarteto é sensacional.
Blackwater Park cedeu The Drapery Falls e The Lepper Affinity, e faltam adjetivos para descrevê-las. Assim como as três de Deliverance – sim, apenas cinco músicas na última hora de apresentação, uma vez que todas ultrapassam a casa dos dez minutos –, elas são recheadas de belos temas de guitarra, passagens intrincadas que passam ao largo da autoindulgência e momentos de uma beleza singular convivendo em perfeita harmonia com partes mais pesadas e repletas de riffs inspirados.
“A banda mais brilhante do metal” (Guitar World) e “Música estupidamente impressionante, inventiva, inspirada e não menos que incrível” (Kerrang!) são duas das definições dadas ao Opeth pela imprensa especializada. Não fogem da verdade. O DVD ainda traz o documentário “The Making of Deliverance & Damnation”, com uma hora de entrevistas e cenas do grupo gravando os dois trabalhos. Lamentations: Live at Sheperd’s Bush Empire 2003 é mesmo imperdível.
Resenha publicada na edição 103 do International Magazine, em junho de 2004.
Com a formação original, o Queensrÿche lançou apenas um registro ao vivo. Operation: LIVEcrime (1991) chegou às lojas no formato box set, com VHS e CD ou K7 acompanhados de um livro de 44 páginas contando a história da obra-prima Operation: Mindcrime (1988), álbum conceitual que foi reproduzido na íntegra na turnê do multiplatinado Empire (1990) – dez anos depois a caixa, já fora de catálogo, foi dividida na versão em DVD e no relançamento do CD remasterizado.
O guitarrista Chris DeGarmo pulou fora no início de 1998, e o grupo de Seattle começou uma segunda fase. Com Kelly Gray no posto, gravou Q2k (1999) e resolveu encerrar os mais de 16 meses de excursões com dois shows em sua cidade natal. Assim fora gravados o álbum duplo e o DVD Live Evolution. Mas Gray foi colocado para fora, e o Queensrÿche começava a entrar em sua MK III. Tribe (2003) até contou com a volta de DeGarmo, que resolveu não sair em turnê, e a banda acabou deixando a quinta vaga aberta a convidados.
Quem vem ocupando a posição é Mike Stone, e é com ele que o grupo lançou recentemente The Art of Live – o DVD saiu no dia 22 de abril, e o CD, no dia 8 de junho. O disquinho de áudio, aliás, nem estava programado, mas foi uma nova e agradável surpresa da Sanctuary Records, que já havia lançado Tribe também em DVD-Audio, incluindo um clipe ao vivo de Desert Dance. Apesar de não trazer o show completo, The Art of Live inteligentemente privilegia músicas do mais recente trabalho de estúdio e clássicos que não haviam entrado nos outros títulos.
Outro detalhe que acabou sendo positivo foi a opção pelo preto e branco. Na verdade, as imagens são em sépia – “envelhecidas”, ou seja, com aquele visual marrom e de película com anos de uso. Mais uma prova de que o Queensrÿche sempre procurou fugir do lugar-comum, o que é facilmente percebido na própria discografia. Tribe dá início ao show de maneira peculiar, com os integrantes entrando no palco um de cada vez – na sequência, Scott Rockenfield (bateria), Eddie Jackson (baixo), Stone, Michael Wilton (guitarra) e Geoff Tate (vocal).
Funcionou muito bem, assim como o resgate da ótima Sign of the Times, que em 1997 já versava sobre crianças indo armadas para o colégio e alertava para a delinquência juvenil. Em seguida, mais canções novas: Open, Losing Myself (a única mais ou menos de Tribe) e as excelentes Desert Dance e The Great Divide. Esta última bem representativa da temática lírica do álbum, que não poupa críticas ao presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, e a maneira como ele vem agindo desde os atentados terroristas de 11 de setembro – “Então estamos diante de uma grande divisão? / Há esperança para a América? / Pegue a bandeira que balançamos e a liberdade que cantamos / Sem respeito uns pelos outros / Elas não significam nada”.
Um dos melhores momentos vem a seguir, com o set acústico formado pela maravilhosa Rhythm of Hope, My Global Mind e Roads to Madness. Além da aula de Rockenfield na segunda, o formato ressalta mais uma vez o óbvio: Tate canta demais. A sensacional Della Brown é uma grata surpresa e mostra Stone em um belo solo, acompanhando o sempre inspirado Wilton. Breaking the Silence e The Needle Lies são as únicas representantes de Operation: Mindcrime, sendo que a reação da platéia não deixa enganar: é o disco favorito dos fãs. Best I Can encerra o show sendo mais um belíssimo resgate feito pela banda.
As músicas, a bem da verdade, foram tiradas das diversas apresentações realizadas durante a turnê com o Dream Theater, de junho a agosto de 2003. Assim, não poderia faltar algo da jam que os dois grupos faziam ao fim dos shows. Comfortably Numb (Pink Floyd) e Won’t Get Fooled Again (The Who) – perfeitamente substituídas no CD por Anybody Listening? – são realmente um deleite. Para finalizar, a resposta a uma provável pergunta: sim, James LaBrie some perto de Geoff Tate.
Resenha publicada na edição 103 do International Magazine, em junho de 2004.
Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação/Arquivo Pessoal (Maximiliano Santiago) e Mario Alberto (Banda Fusão)
Se você nunca ouviu falar em Maximiliano Santiago, saiba que a culpa é do destino. No fim de 2001, o Brasil ficou sem um de seus músicos mais promissores, um guitarrista que teve seu talento reconhecido por ninguém menos que Steve Vai. Aos 21 anos de idade, Max perdeu a luta contra o câncer, mas uma força de vontade e um brilho incomuns foram responsáveis pelo registro de sua obra. Enquanto você lê estas linhas, chega às lojas o CD …Definitivo, e para conhecer toda a história conversamos com o baixista Paulo Andrade, o baterista João Saravia (Sigma 5) e o tecladista Luiz de Simone (Sigma 5) – que formavam o Max e a Fusão – e também com o guitarrista Lula Washington (Allegro), convidado especial no disco e para o show de lançamento que acontece no próximo mês. E não deixe de visitar o site oficial (clique aqui) para mais detalhes.
Primeiramente, como foi o início do relacionamento musical? Paulo Andrade: Eu e Max entramos em contato um com o outro em meados 1999, porque ele queria tocar um projeto para frente. Voltamos a nos falar no ano seguinte, quando ele já havia feito a primeira cirurgia, e a ideia era tocar apenas covers. Começamos a correr atrás de músicos e completamos a banda com o Guto Perez (bateria) e o Daniel Matos (teclados). Fizemos uns dois ensaios para o primeiro show, que teve músicas de Jimi Hendrix, Stevie Ray Vaughan, Beatles e por aí vai. Mas o Guto tocava com um monte de gente e avisou que não poderia continuar, daí o Max chamou o João. João Saravia: Eu conhecia o Max há muito tempo, mas nunca havíamos feito nada juntos. Na época em que tinha uma banda chamada Black Market, ele veio a mim e ao Luiz com a ideia de fazer um show em conjunto com o Sigma 5. Entregou um CD para nós, e fomos assistir a uma apresentação dele. Eu já tinha visto Max tocar quando ele era mais novo e sabia que seria um bom guitarrista, mas na hora do show nós ficamos impressionados. Daí começamos a conversar sobre a possibilidade de tocar juntos, então ele montou o grupo com o Paulo e, quando o Guto saiu, me convidou. Paulo: Na verdade, o Max também havia falado comigo sobre o show dele. Na época, eu tinha uma banda de rock progressivo chamada Equinócio, e ele queria fazer uma noite com os dois grupos, o que acabou acontecendo uma vez em Vargem Grande. Antes, eu fui ao Garage vê-lo tocar com o Black Market e tive a mesma reação do João, pois o Max era carismático e tinha uma presença de palco inacreditável. Isso foi antes da doença, e ele estava supersaudável. João: Parecia que havia um holofote só para ele, que chamava atenção de maneira bem natural. Luiz de Simone: Eu fiquei hipnotizado com ele quando o Black Market e o Sigma 5 tocaram juntos no Black Night. Uns dois meses depois, ele foi assistir a um recital de piano solo que fiz na UFRJ, ficava falando que eu tinha de tocar com ele. Só que minha formação é mais clássica, por isso toco mais rock progressivo, e o lance blues meio jazz não é comigo. Tem de ter um sangue mais negão para conseguir o suingue e a pegada (risos). O Max ira fazer um show beneficente ao Inca (N.R.: Instituto Nacional do Câncer) e pediu que eu fizesse uma música para tocar com ele. Acabei escrevendo Cabo da Boa Esperança, um duo para guitarra e piano, mas o show não rolou. No fim de 2000, quando o CD começou a ser gravado, o Daniel saiu e eu entrei na banda. Acabou que nunca tocamos juntos ao vivo.
E o processo de composição e gravação do disco? João: A ideia era mesmo só tocar covers, mas sempre que eu entro numa banda todo mundo começa a fazer coisas estranhas (risos). No primeiro ensaio nós compusemos MM, uma música própria, aí acabou virando um projeto do Max em que fazíamos alguns covers. Ele e o Paulo estavam sempre se falando e chegavam no estúdio com novas ideias. Começamos a gravar depois da cirurgia, e o Max, além de ser muito jovem e ter aquele vontade de resolver logo tudo, sabia que o tempo era curto. Ele sempre marcava os estúdios e no fim já estava fazendo um esforço enorme para gravar, porque queria deixar tudo pronto. Lembro-me que nas últimas sessões ele já não aguentava de dor e tinha de tocar deitado. Paulo: A última música que o Max gravou foi Cabo da Boa Esperança, com o Luiz. A mãe do Max, dona Graziela, conta que ele chegou em casa dizendo que havia feito todas as guitarras, como se tivesse conseguido juntar toda a energia que restara apenas para finalizar o CD. Ele morreu logo depois, no dia 29 de dezembro. Aliás, no mesmo dia da Cássia Eller, que iria cantar no show beneficente. João: Três músicas são muito marcantes para mim: Ejaculação Precoce, Purerurim e Da Peste. Eles gravaram o baixo e as guitarras numa fita para que eu ficasse ouvindo, mas o Max fazia questão de ir à minha casa com o violão para me mostrar cada pedacinho das músicas, mesmo estando muito mal. Eu abafava a bateria, e ele ficava deitado tocando. Depois, ligava para o pai, seu Daniel, e ficava quieto na cama esperando por ele. A banda ensaiou uma única vez, passando umas três vezes cada música com o Max tocando sentado.
Como foi para a banda finalizar o álbum, chegar até o Lula para o show e tudo que está envolvido no lançamento? Tudo está saindo da maneira que o Max queria? Paulo: O CD era algo muito especial para ele. Dava para sentir que ele estava lutando contra o tempo para gravar as guitarras. Depois que o Max morreu, foi uma decisão unânime da banda e dos pais dele que deveríamos terminar o disco. Começamos a nos reunir para ver o que seria possível fazer para lançá-lo, e aí foram surgindo as parcerias. Há uma quantidade de pessoas envolvidas que nos surpreendeu. Todo mundo que se atrelou ao projeto apenas soube da história e se propôs a ajudar. Lula Washington: Eu não tive a oportunidade de trabalhar diretamente com o Max, até estava falando com o Paulo outro dia a respeito. Foi uma coisa muito doida. Eu assisti a um show dele com o Black Market meio que sem querer, pois entrei sem saber quem estava tocando. No fim, o Max esbarrou em mim no bar, e eu disse que tinha gostado. Meu contato com ele foi apenas esse. Tempos depois o Luiz me ligou perguntando se eu queria fazer parte do projeto… Luiz: … Nós precisávamos de um guitarrista que tocasse para caralho. Não sei por que pensei em você (gargalhadas). Lula: Até então eu não sabia de nada, o Luiz me contou toda a história e ainda me deu uma cópia do CD. Ouvi e entrei de cara porque gostei mesmo, apesar de o estilo ser diferente do meu.
E como rolou a ideia da participação em Mar (N.R.: faixa que conta também com a vocalista Léa Fabres)? Paulo: Na verdade, o CD teria apenas oito músicas, então Mar não entraria. Mas ela tem uma letra do Max, e nas reuniões nós decidimos aproveitá-la. Como não havia nenhuma gravação, pensamos em algo mais acústico. João: E precisava ser feito rapidamente, pois o disco estava quase pronto. Lula: Acabamos nos reunindo e começamos a fazer algumas jams só com baixo e violão. Eu trouxe algumas ideias de arranjos, e aí finalizamos o trabalho.
A música foi feita em cima da letra? João: Não, ela já existia, e chegamos até a tocá-la com o Max. Lula: Tinha uma guitarra, mas nunca foi gravada. Assim, voltamos tudo para o acústico e valorizamos o lance da letra. Paulo: Nós gravamos apenas voz, violão e baixo. Depois acabei comentando com o Cláudio Guimarães, que fez a mixagem e a masterização, que eu e o Lula estávamos pensando em colocar uma percussão. Um dia eu cheguei no estúdio, e ele me mostrou uma versão com a participação do Ricardo Costa, percussionista que já tocou com Ivan Lins, família Caymmi e mais um monte de gente. O Cláudio mostrou a música e contou a história, e o Ricardo topou gravar na hora. A percussão deu um novo colorido à canção e foi feita por um músico conhecido e excelente que não cobrou nada. Lula: Nós queríamos colocar, só não sabíamos quando conseguiríamos fazer. Aí aconteceu isso. Luiz: O cara chegou lá, pediu para apertar o “rec” e mandou ver. Precisávamos de uma percussão, e do nada alguém se dispôs a fazer. É um exemplo de como as parcerias aconteceram.
E como foi a participação da Léa Fabres? Paulo: O Max a conheceu quando os dois participaram de uma montagem da Dança dos Signos, do Oswaldo Montenegro. Eles fizeram uma temporada excursionando, e o negócio da Léa não era apenas teatral, mas também musical. Ela é uma excelente cantora e sempre era chamada para fazer algumas músicas com a banda. Os dois acabaram trabalhando em cima de uma poesia que o Max havia escrito, que virou a música Mar.
Falando em poesia, o Max também escrevia e pintava. Ele sempre teve essa lado voltado para a arte? Paulo: Ele tinha uma sensibilidade muito forte, era um garoto muito criativo. Eu ia sempre à casa dele para trabalharmos em alguns arranjos, e o Max vinha com algumas ideias fantásticas. Muitas vezes me colocava na rabuda, aliás, porque eu ficava quebrando a cabeça para descobrir como acompanhar (risos). Ele me mostrava os desenhos que fazia, e na parede tinha um incrível do Steve Vai, que era o grande ídolo dele. Ele tinha um lance que eu gostava muito, o de fazer caricaturas, pois sacava muito bem os detalhes das pessoas. Também escrevia poesias e começou a gostar da ideia de musicá-las.
E como tem sido tirar as guitarras, os solos e trabalhar em cima do que foi gravado pelo Max? Lula: Como eu não o conheci, entrei completamente pela música dele. De cara, peguei as canções que têm mais a ver comigo, que me atraíram mais. Eu gosto de tocar todas e não tive grandes dificuldades para assimilar.
Está seguindo tudo fielmente? Lula: Algumas coisas, sim. Não deixo de fazer nenhuma frase importante, mas existe aquele lance de improviso nos solos, e aí eu coloco algo mais com a minha cara.
Aliás, os solos do Max eram mais na base do improviso? Lula: Dá para perceber que foram muito bem pensados, mas eu toco o mais fielmente possível. Há os temas que têm de ser mantidos, pois fazem a música. Paulo: O Max tinha muito de improviso ao vivo. João: Nos shows era improviso total, ele nunca ficava preso a um formato específico. Paulo: E eu falei para o Lula que não tem como ele tocar igual ao Max. Seria impossível, até porque são duas pessoas completamente diferentes. Mas o grande lance de o Lula estar com a gente, além de tocar para cacete, ser supertalentoso e ter uma musicalidade tremenda… Lula: … Obrigado! (risos) Paulo: É que ele topou a história. Um grande lance que também fascinava o Max era que cada um tinha um estilo diferente. Eu venho de uma praia mais jazz e rock progressivo, o Guto tinha um suingue forte de música brasileira, e o Daniel era mais blues. Depois, o João entrou com uma pegada mais pesada. No começo eu até estranhei, mas a coisa foi ficando afinada, e hoje eu sou o maior fã dele… João: … Obrigado também! (risos) Paulo: É sério, eu sou fã de todos. O Luiz tem uma coisa erudita forte para caramba… Vou acabar babando ovo de todo mundo (mais risos). No fim, é algo bem definida para o som do Max, que é cheio de detalhes e muito redondo. Na época, isso era fundamental e preenchia a originalidade que o Max buscava. Essa diversidade de estilos fez o som.
Quem participou mais do processo de composição com o Max? João: A maior parte das músicas foi feita com o Daniel nos teclados. O Luiz pegou mais para gravar, à exceção de umas duas ou três em que trabalhou com o Max. Luiz: O Daniel já havia definido algumas coisas, e o Max me passava, mas eu tinha a liberdade de mudar o que eu quisesse. Acabei fazendo os arranjos da minha maneira. Paulo: Muitas coisas o próprio Max definia durante os ensaios, também, porque achava que não estava legal e pedia para fazer de determinada maneira. João: Apesar de ser um projeto do Max, ele um dia disse que não estava estava se sentindo confortável com isso. No entanto, nós deixamos bem claro que estávamos numa banda, mas que havíamos comprado a ideia de que a aprovação final tinha mesmo de ser dele. Nos gravamos motivados e envolvidos de uma maneira positiva, preocupados em fazer exatamente o que ele queria. Infelizmente, hoje estamos trabalhando para o show de lançamento e dando uma entrevista sem ele, que era a pessoas mais importante.
O CD será beneficente, e o dinheiro das vendas, revertido ao Inca. Como surgiu esse caminho? Paulo: Isso é muito importante. Quando ficou doente, o Max criou o Projeto Viver e Crescer, que passa às pessoas com câncer a mensagem de que elas não podem desistir. É um estímulo para fazer com que continuem criando sempre. Mesmo que haja algum obstáculo, é preciso seguir em frente. Max tinha 21 anos de idade quando morreu, mas mostrou uma maturidade incrível ao lidar com uma doença trágica. Era impressionante como ele era centrado mesmo tendo de conviver com aquilo. O projeto é uma parceria com o Inca, e toda a renda do disco será do Instituto, porque isso também era uma meta do Max. João: A história com o Steve Vai tem a ver como o Viver e Crescer. Um amigo em comum, o Pedro Bonfim, conseguiu um contato para chegar ao Vai e escreveu um e-mail, mandando uma foto que o Max tirou com ele num dos shows no Rio, falando do disco que ainda seria gravado e contando do projeto beneficente. O próprio Steve Vai respondeu, e eu tenho o e-mail guardado até hoje (risos), pedindo que enviássemos uma cópia. Nossa ideia era tê-lo participando em uma música, mas infelizmente não deu. No entanto, o Vai deu uma entrevista a uma revista brasileira e falou muita coisa boa do Max, provou que ouviu o CD e gostou.
E como será o show de lançamento? Será apenas um ou vocês pretendem levar para fora do Rio, por exemplo? Luiz: Será apenas um, a princípio, mas eu coloco a maior pilha neles três para fazermos outros, até para seguir com a música do Max. Queria até fazer uma música nova para o show em julho. João: Aliás, o CD sai em meados de junho e também será vendido na apresentação de lançamento. Paulo: Nós ainda não definimos o dia e o local, mas a Léa já confirmou participação, e, além das nove músicas do CD, iremos tocar vários covers: Mary Had a Little Lamb (Stevie Ray Vaughan), Little Wing (Jimi Hendrix), Detroit Rock City (Kiss), You’ve Got to Hide Your Love Away (Beatles) e Cry Machine (Steve Vai), entre outros. Certamente teremos mais convidados especiais, e iremos colocar no site oficial uando tudo estiver confirmado. João: E gostaríamos de agradecer a todos que nos ajudaram no projeto e ainda não mencionamos. André Coelho, baixista do Sigma 5 que mixou o disco; minha irmã, Viviane Saravia, que gravou todas as músicas, à exceção de Mar… Paulo: … Também ao Mario Alberto, que fez o site e a programação visual do CD, e a você pela força!
Entrevista publicada na edição 103 do International Magazine, em junho de 2004.