Affront – World in Collapse

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Apesar de mais thrash e menos death metal do que a estreia com Angry Voices (2016), o novo trabalho do Affront é uma nova aula de violência sonora, que vai do instrumental agressivo e bem e trabalhado às letras que fazem de World in Collapse – título bem sugestivo, diga-se – um necessário soco no estômago. Os 30 segundos do bonito início acústico de Dirty Front servem de preparativo para a pancadaria de uma das melhores canções do disco, um thrash empolgante que não esconde a influência de Kreator, mas que apresenta resquícios death em riffs e uma ótima seção instrumental de metal mais tradicional durante o curto e eficiente solo de guitarra.

Um início empolgante para mostrar o poderio de M. Mictian (baixo e vocal), R. Rassan (guitarra) e R. Lobato (bateria), que a seguir promovem uma sinfonia de machucar pescoços em Your Lies Your Fall, canção com forte interpretação de Mictian e algo que o trio faz muito, mas muito bem: melodias vocais em cima dos riffs de guitarra. O recurso é utilizado com excelência em outras faixas, como Monument to Hate, que tem uma levada e um refrão com coro matadores; Ancestral, com um belo trabalho de Lobato; e Forgotten By God, que empolga mesmo quando mete o pé no freio e tem mais um daqueles refrãos caprichados para fazer o público maltratar os pulmões.


Por falar em particularidades, há outra muito interessante: começar a música com o refrão, exemplo da espetacular Favelas, Senzalas (e que refrão!) e, mais uma vez, de Ancestral. E se você reparou bem, o Affront abriu o baú de ótimos refrãos, em sua maioria simples e extremamente eficientes. O de There’s No Tomorrow é de tirar o chapéu em meio a mudanças de clima muito boas; e o de Violence complementa uma canção que tem tudo para ser um massacre ao vivo. Tente escutá-los e não sair imediatamente cantando. E por falar em massacre, a faixa-título é uma agressão em forma de música, sendo de fato a trilha sonora para o contexto do álbum.

Com um ótimo trabalho percussivo de Lobato, bem tribal mesmo, em cima de uma melodia de frevo, Sowed By Lies tem ótimas nuances da guitarra de Rassan e é, até mesmo por trazer algo diferente e enriquecer a obra, forte candidata a melhor canção de World in Collapse. A bela Mazurka, peça acústica baseada em Chorinho, de Villa Lobos, encerra o disco como ele começou: com o violão trazendo calma e reflexão que vão de encontro a força e agressividade do som e das letras, estas a cargo de Mictian.


Veterano da cena carioca, fundador da banda de black metal Unearthly, o baixista e vocalista do Affront explora em Favelas, Senzalas sua experiência como morador da Favela Nova Holanda, onde nasceu e foi criado; expõe o perigo da ascensão do fascismo em diversos cantos do mundo, Brasil incluindo, em Monument to Hate; conta em Ancestral os ataques sofridos pelos índios da Aldeia Maracanã; e lembra em Forgotten By God qual é a parcela da população que costuma ser esquecida pelo estado, numa abordagem muito atual do cenário brasileiro. Sim, o Affront faz bem ao lembrar que o heavy metal não costuma andar de mãos dadas com governos opressores e ditatoriais como os de extrema-direita. Fica a lição.

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Faixas
1. Dirty Blood
2. Your Lies Your Fall
3. Favelas, Senzalas
4. Monument to Hate
5. There’s No Tomorrow
6. Violence
7. Ancestral
8. Forgotten By God
9. Sowed By Lies
10. World in Collapse
11. Mazurka


Banda
M. Mictian – baixo e vocal
R. Rassan – guitarra
R. Lobato – bateria

Lançamento: 2018
Produção: M. Mictian & R. Rassan
Mixagem: Ciero

Whitesnake – Flesh & Blood

Por Daniel Dutra | Fotos: Katarina Benzova/Divulgação

Não faltam motivos para considerar Flesh & Blood um dos lançamentos mais esperados do ano. “Claro, é o novo do Whitesnake!”, você pode ter pensado, mas acontece que o 13º álbum de estúdio da banda de David Coverdale vem depois do excelente Forevermore (2011) – na prática, o último trabalho de inéditas até então – e do desnecessário The Purple Album (2015). E na comparação entre estes dois discos ressalta a principal questão: até que ponto a ausência de Doug Aldrich seria sentida? Reb Beach, que assumiu o posto de braço-direito de Coverdale, e Joel Hoekstra, o novato na turma, são tecnicamente inquestionáveis, mas é inegável que as composições sofreram um impacto. Para o bem ou para mal, fica a gosto do freguês.

O ‘press release’ diz que Beach criou cinco músicas com o vocalista, e Hoekstra, seis, sendo que não especifica quais, assim como não faz menção às canções restantes, incluindo as duas bônus da edição especial. E diga-se: estas não fizeram parte da audição para a imprensa num streaming que deixou a dúvida se a produção do álbum era realmente decepcionante, prejudicando principalmente o som da bateria de Tommy Aldridge – Michael Devin (baixo) e Michele Luppi (teclados) completam a formação. Felizmente, a versão física de Flesh & Blood apagou a má impressão sonora, e os créditos no encarte foram elucidativos: Beach é coautor de Shut Up & Kiss Me, Get Up, Sands of Time e Can’t Do Right for Doing Wrong; Hoekstra, de Gonna Be Alright, Trouble is Your Middle Name, Well I Never, After All e If I Can’t Have You; Coverdale compôs sozinho Always & Forever, When I Think of You (Color Me Blue), Flesh & Blood e Heart of Stone; e os três fizeram juntos Good to See You Again e Hey You (You Make Me Rock).


Enfim, esse impacto representou uma volta ao passado do grupo, escancarado logo de cara com Good to See You Again, com um riff mais bluesy, uso de slide e uma pegada heavy rock dos anos 70. Em seguida, o sexteto avança para a década de 80, já que Gonna Be Alright tem um pouco de Slide it in (1984) e um tantinho de Whitesnake (1987). Completando a trinca inicial, Shut Up & Kiss Me já nasceu rock de arena e cresce a cada audição, apesar de confirmar que o melhor mesmo começa a vir a seguir. Mais pesada, Hey You (You Make Me Rock) tem um baita refrão e Coverdale cantando numa região mais grave algumas partes da ótima melodia vocal. É a partir daí que Flesh & Blood engrena. Sabe aquela veia rock’n’roll arrasa-quarteirão da Cobra Branca? Está presente em Trouble is Your Middle Name e Get Up, esta com Beach e Hoekstra debulhando alternadamente e também em conjunto.

Quer mais heavy rock? Tome Well I Never, com um refrão repetitivo que é para você passar a semana inteira cantando. Baladas? Temos. When I Think of You (Color Me Blue) é a primeira. É baba, então fique com o toque bluesy que Coverdale levou também para o seu lado mais sensível. Escute a acústica After All e Heart of Stone, na qual o vocalista tem bela performance, não à toa novamente numa região mais grave da sua voz. Até aí, Flesh & Blood é mais um bom disco do Whitesnake, mas três canções asseguram mais alguns décimos na nota final: a empolgante faixa-título, que tem um instrumental de primeira na parte dos solos (e que solos!); a ótima Always & Forever (pode gritar Thin Lizzy ao escutá-la); e a maravilhosa Sands of Time, com uma melodia oriental enriquecida pela orquestração, remetendo ao Led Zeppelin de Physical Graffiti (alguma surpresa?), e mais um show da dupla de guitarristas.


Em tempo: a versão deluxe, apenas importada , vem com um DVD e, entre os mimos para os fãs do Whitesnake, duas faixas inéditas. E são duas das melhores deste Flesh & Blood como um todo. Can’t Do Right for Doing Wrong é uma bluesy ballad deliciosa, com um grande trabalho de guitarra de Beach, que deixa para fritar lá no fim, quando a canção já está em ‘fade out’, e mostra ao longo de cinco minutos um tremendo bom gosto nas notas econômicas que despeja . Sem contar a belíssima interpretação mais grave e rasgada (e sexy, vá lá) de Coverdale. If I Can’t Have You, por sua vez, passeia até pelo gospel, graças à melodia vocal que inicia a música, mas agarra firme o hard blues – como se fosse mais um resgate do passado, diga-se – e traz Coverdale apresentando um vocal mais agudo e atual. Valem muito a pena.

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Faixas
1. Good to See You Again
2. Gonna Be Alright
3. Shut Up & Kiss Me
4. Hey You (You Make Me Rock)
5. Always & Forever
6. When I Think of You (Color Me Blue)
7. Trouble is Your Middle Name
8. Flesh & Blood
9. Well I Never
10. Heart of Stone
11. Get Up
12. After All
13. Sands of Time
14. Can’t Do Right for Doing Wrong (faixa bônus)
15. If I Can’t Have You (faixa bônus)


Banda
David Coverdale – vocal
Reb Beach – guitarra
Joel Hoekstra – guitarra
Michael Devin – baixo
Tommy Aldridge – bateria
Michele Luppi – teclados

Lançamento: 10/05/2019
Produção: David Coverdale, Reb Beach, Joel Hoekstra e Michael McIntyre
Mixagem: Christopher “Muffin Man” Collier

Threesome – Keep on Naked

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Gonçalves/Divulgação

Keep on Naked é de dois anos atrás, e de lá para cá as mudanças não acabaram: com a saída do guitarrista Bruno Manfrinato, a banda de Campinas, que um dia já foi um sexteto, se estabeleceu como quarteto; e essa mesma banda, que neste EP ainda se chamava Threesome, agora atende por Freesome. Uma alteração aqui, outra ali… Pouco importa. Elas só seriam irrelevantes se o grupo tivesse regredido, o que definitivamente não é o caso, e as três “novas” músicas já mostravam que o negócio tinha ficado melhor – diga-se: o primeiro registro da nova fase foi uma versão bem peculiar de Badlands para o CD duplo For Those About to Brazil… The Brazilian Tribute to AC/DC, e o segundo, uma leitura ainda mais interessante para Perfect Strangers, que estará presente em Woman from Brazil… The Brazilian Tribute to Deep Purple, a ser lançado no fim do ano.

Versão repaginada de Why Are You So Angry? – faixa de abertura do primeiro disco, Get Naked (2014) –, Sweet Anger continuou aquele rock’n’roll bacana movido por um riff esperto de guitarra, mas mostrou a vantagem da primeira mudança de formação, ainda como Threesome: com a saída de Bruno Baptista, o microfone principal foi assumido por Juh Leidl, que foge do lugar-comum dos vocais femininos ao apresentar uma voz doce, mas cheia de personalidade e, muito importante, malícia – a formação é completada por Fred Leidl (guitarra, piano e vocal), Bob Rocha (baixo) e Henrique Matos (bateria). É Juh o destaque em outra releitura própria oriunda do álbum de estreia, Every Real Woman, encurtada para ERW. A bem da verdade, desde o início deveria ter sido dela a voz principal numa música alto astral e com um ótimo e dançante refrão, além de uma letra que, agora mais do que nunca, vai descabelar os tais cidadãos de bem e conservadores em geral.

Única inédita do EP, My Eyes, tem o vocal rasgado de Fred à frente, com Juh dando o ar da graça num trecho lento, na segunda metade de canção, guiado pelo baixo caprichado de Rocha – numa linha que, apesar de qualquer semelhança ser mera coincidência, remete a I Was Made for Lovin’ You, do KISS. A canção tem um refrão que gruda mais do que chiclete em cabelo, mas o mais legal, no entanto, é que se trata de uma que cai como uma luva no rock alternativo brasileiro. Mas aquele alternativo adorado pelos moderninhos, porque o Threesome… Quer dizer, o Freesome tem tudo para ser recebido de braços abertos por uma geração indie que precisa de doses verdadeiras de rock’n’roll.

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Faixas
1. Sweet Anger
2. My Eyes
3. ERW

Banda
Juh Leidl – vocal
Fred Leidl – guitarra, piano e vocal
Bruno Manfrinato – guitarra
Bob Rocha – baixo
Henrique Matos – bateria

Lançamento: 2017
Produção e mixagem: Maurício Caujeiro

Steve Hogarth

“Eu te amo!”, gritou uma menina assim que Steve Hogarth entrou no palco do Theatro Net Rio, e o vocalista retribuiu com beijos direcionados à plateia. Foi esse o clima, de leveza e descontração, durante as duas horas de um show intimista, parte da turnê H Natural, que pode ser explicado com o título de uma das músicas do Marillion que fizeram parte do repertório – você sabe do que estou falando. “Tudo bem? O que vamos fazer?”, disse ele, já sentado ao piano, antes de iniciar uma versão única de Easter, com direito a uma interpretação vocal livre, principalmente no fim da canção. Alguém até pode perguntar como uma apresentação de piano e voz consegue fazer barulho, porque a resposta veio em seguida, com a performance visceral de Hogarth em Hollow Man.

Aliás, o que esse cara canta é um absurdo. Ele simplesmente fez queixos caírem em Instant Karma!, de John Lennon, e não apenas pela técnica, mas também pela alta carga emocional que coloca em suas interpretações. “Como você está?”, perguntou um fã. “Fantástico, afinal, estou no Rio de Janeiro. Vocês têm sorte de viver aqui”, respondeu Hogarth, dizendo o quão incrível é o sentimento de ver a cidade pela janela do avião momentos antes da aterrissagem. “Minha primeira vez aqui foi em 1990, e ainda estou me recuperando”, brincou, arrancando risos do público e errando na conta. Ao se referir ao Hollywood Rock, em sua primeira turnê como vocalista do Marillion, Hogarth disse que esteve no Rio em quatro oportunidades, mas foram sete no total (as seis anteriores, com a banda).

Algo me diz que ele repensaria a sorte dos cariocas se morasse na cidade durante algum tempo, mas como o foco aqui é a música, You’re Gone foi simplesmente de arrepiar. Lembra-se da mistura de técnica com sentimento? Exatamente. Uma das vantagens do formato é ouvir músicas que o Marillion normalmente não tocaria no Brasil, como a belíssima Estonia, do fabuloso This Strange Engine (1997), um dos discos favoritos deste que vos escreve. E por falar em álbuns favoritos, Seasons End foi mais uma joia da obra-prima homônima lançada em 1989 e que marcou a estreia de Hogarth na banda inglesa, numa versão despida tão maravilhosa que mereceu os aplausos mais efusivos até então.

Steve Hogarth


“Alguém quer falar comigo? Vamos conversar”, convocou o vocalista, e a primeira manifestação da plateia veio na congratulação pelos 30 anos no Marillion. “Trinta anos, e eu imaginava que iria durar dois anos, talvez dez”, disse Hogarth, bem-humorado e lembrando como não nos damos conta de certas coisas. “Meu Deus, já se passaram dez anos da morte de Michael Jackson, mas parece que ele se foi há apenas dois anos. Tempo é algo muito estranho.” Em seguida, um fã perguntou quando um Marillion Weekend seria realizado no Rio de Janeiro, e o vocalista não se fez de rogado. “Bem, quantas pessoas temos aqui?”, questionou, arrancando risos de quem sabe que a cidade virou um cemitério para shows de rock, mas enaltecendo quem ainda apoia. “Não é sua culpa, porque você veio. Mas não tenho certeza de que os números batem.” Não, não batem mesmo, e imaginar que o Rio ficaria fora do roteiro da H Natural na América do Sul e, por isso, muita gente reclamou, uma vez que o Marillion levou bom público nas três vezes em que tocou no Vivo Rio nesta década. Mas reclamar é o que público carioca mais tem feito atualmente, porque comparecer aos shows é outra história.

Em mais um momento cômico da noite, um fã gaiato perguntou “Brasil ou Argentina?”, lembrando que as duas seleções jogavam naquele instante por uma vaga na final da Copa América. “Você quer saber quem eu acho que vai vencer? O jogo está acontecendo agora, então não sabemos, certo? Honestamente, espero que seja o Brasil. Mas vou para a Argentina amanhã à noite, e se me perguntarem lá, vou dizer que torci para eles.” Entre risos, um pedido por The Uninvited Guest ganhou de resposta “Mas como tocá-la no piano?”, e aí sim alguém foi atendido: The Great Escape, bonita por natureza, fez a felicidade de outro fã e antecedeu dois outros ótimos momentos: Runaway e The Model, esta um cover do Kraftwerk que, com o perdão da sinceridade, ficou melhor que o original. No mesmo pacote de Estonia, No One Can foi um deleite e aumentou a esperança por The Party, outra favorita de Holidays in Eden (1991), o que infelizmente não aconteceu.

Mas tudo bem, porque Maybe I’m Amazed, do Wings – ou de Paul McCartney, como queira – foi emocionante. E houve nova pausa para uma interessante seção de perguntas e respostas – confundida com pedidos, diga-se, resultando numa explicação direta de Hogarth: “Não, não peçam músicas agora. Perguntem-me algo, como a cor da minha cueca, o que eu comi no café da manhã, de que é feita a minha jaqueta”. Na verdade, no entanto, a pausa foi para a ótima resposta a uma pergunta simples: “Qual foi a sua maior influência musical?”. Hogarth não poupou esforços para contar sua história.

Steve Hogarth


“Tudo começou com os Beatles, depois veio o The Kinks e alguma coisa de Rolling Stones. Quando cresci um pouco mais, descobri o Yes, mas não peçam para tocar nada deles (risos). Aos 17 anos, conheci o Genesis, e foi naquela época que assisti ao Yes nas turnês do Fragile (1971), Close to the Edge (1972) e Tales from Topographic Oceans (1973)’; e ao Genesis nas turnês do Nursery Cryme (1971), Foxtrot (1972), Selling England By the Pound (1973) e The Lamb Lies Down on Broadway (1974). Mas foi quando vi o The Who na turnê do The Who By Numbers (1975) que eu pirei, porque eles me deixaram maravilhado! Nunca mais fui o mesmo depois daquilo. Aprendi muito naquela noite, porque os caras subiram ao palco como se a vida deles dependesse daquilo. O sentimento que tive foi de que era entretenimento, mas que também era importante. Tudo a respeito do Who dizia que o que estava acontecendo era importante, e se você não parasse para escutar, eles desceriam do palco para sacudi-lo (risos). A energia era inacreditável! Eles me ensinaram que entrar num palco e ficar de frente para uma plateia é um grande privilégio, e você deve sempre fazer por merecer. Nunca dê nada como certo, porque cada noite tem de ser a coisa mais importante que já aconteceu para você. Tem sido assim para mim desde então, e sempre será. Não pode haver preguiça, e se alguém não estiver escutando, desça e chute a cadeira onde ele está sentado. Eu já fiz isso, tive de fazer, apesar de não precisar mais (risos). Se tivesse de chutar essas cadeiras onde vocês estão sentados, eu provavelmente quebraria a minha perna (risos). Ou seja, fui inspirado pela honestidade e pela energia do Who; pelas composições e também pela energia do Kinks; e sempre haverá os Beatles. Mas também por David Bowie, que tinha uma habilidade para usar camisas interessantes (risos).”

E foi neste momento que outro gaiato gritou Life on Mars?, e a resposta foi um “ainda não (risos)”. “É complicado tocar essa música. Poderia deixá-la para o fim, até vocês não se importarem mais (risos)”. E música brasileira? “Não conheço nada, exceto Tom Jobim. Mas é apenas isso, porque sou inglês, ou seja, um estúpido (risos). Não se ouve música brasileira na Inglaterra.” E novas bandas que vêm fazendo um bom trabalho? “Hum…”, murmurou Hogarth, fazendo uma careta e ouvindo um fã que não entendeu a pergunta berrar “Rolling Stones” lá do fundo. “Mas eles não são uma nova banda, e é um milagre que ainda estejam vivos! (gargalhadas). Eu costumava tocar Ruby Tuesday, mas não lembro mais…”, disse H, que até tentou. “Não consigo, e é uma vergonha eu não ter ensaiado essa música (risos), mas acho que não falei todas as minhas influências. Tem a Joni Mitchell com sua poesia e honestidade, mesmas razões por que incluo o Prefab Sprout; o The Blue Nile, por causa de sua inacreditável crueza emocional, e porque Paul Buchanan é um ótimo cantor; o Daryl Hall, do Hall & Oates, que é o cantor mais incrível… Bom, ele seria uma influência se eu menos conseguisse chegar perto dele, já que ele é fora de série, tecnicamente falando, mas sou influenciado também por Peter Gabriel e Massive Attack, uma banda que gosto muito. É o tipo de música que escuto hoje em dia, na verdade, e coisas como dub reggae, R&B… Ah, Radiohead é maravilhoso. Tenho muito respeito por eles. Quando as pessoas me perguntam como eu definiria o som do Marillion, porque elas não têm ideia, eu digo: ‘Olha, se o Pink Floyd e o Radiohead tivessem um bebê, mas um que ficasse em contato com seu lado feminino, seríamos nós (risos).”

Steve Hogarth


Depois de sete minutos de bate-papo, Hard as Love voltou a encher o teatro de música, e o trecho a partir de ‘It makes you hungry and it makes you high’ até ‘It makes you guilty and it makes you lie’ foi de arrepiar. Em seguida vieram Beyond You; Cage, do primeiro disco solo de Hogarth, Ice Cream Genius (1997); e House, mas para recuperar o fôlego antes de The Sky Above the Rain, que foi emocionante, e da aplaudida 80 Days, mais uma grande surpresa outra de This Strange Engine – literalmente, uma vez que Hogarth soltou um “Bom, não era para eu fazer isso, mas…”. E se era para surpreender, então toma uma bonita versão de Cloudbusting, de Kate Bush, emendada com um “Obrigado e boa noite” que não fez ninguém levantar para ir embora, uma vez que ainda havia o protocolar bis.

Enrolado a uma bandeira do Brasil, entregue por uma fã na beira do palco, Hogarth sentou novamente ao piano e perguntou: “O que vamos fazer?”. Atender a pedidos, começando com Beautiful – e só não gosta dessa música quem é muito de mal com a vida – e terminando com Afraid of Sunlight, que está no rol das músicas perfeitas do Marillion. Em ambas, H mostrou que a lição aprendida com o The Who ainda vive, porque cantou como sua vida dependesse de uma performance espetacular. Entre elas ainda teve espaço para Fantastic Place, e depois para uma bela canção de “quando eu era criança…” – se alguém souber nome e autor, por favor, entre em contato – antes do encerramento com a sempre bem-vinda Neverland (e que letra belíssima!), numa noite em que talento e simpatia deram o tom de um espetáculo sem igual.

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

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Setlist
1. Easter
2. Hollow Man
3. Instant Karma!
4. You’re Gone
5. Estonia
6. Seasons End
7. The Great Escape
8. Runaway
9. The Model
10. No One Can
11. Maybe I’m Amazed
12. Hard as Love
13. Beyond You
14. Cage
15. House
16. The Sky Above the Rain
17. 80 Days
18. Cloudbusting
Bis
19. Beautiful
20. Fantastic Place
21. Afraid of Sunlight
22. (Desconhecida)
23. Neverland

Uganga – Servus

Por Daniel Dutra | Foto: Daniel Moreira/Divulgação

O que esperar do Uganga depois de Opressor (2014), quinto disco da banda mineira? Como em time que está ganhando não se mexe, Gustavo Vazquez seguiu na produção, e a responsabilidade do sexteto – então formado por Manu “Joker” (vocal); Christian Franco, Thiago Soraggi e Maurício “Murcego” Pergentino (guitarras); Raphael “Ras” Franco (baixo e vocal) e Marco Henriques (bateria e vocal) – para Versus aumentou com o financiamento oriundo do Wacken Foundation, organização sem fins lucrativos idealizada em pelos produtores do Wacken Open Air, com apoiadores do calibre de Alice Cooper; e do Programa Municipal de Incentivo à Cultura (PMIC) de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, casa do grupo.

O Uganga, no entanto, não sentiu a pressão e gravou um álbum que você não apenas tem de ouvir, mas precisa escutar diversas vezes para absorvê-lo, tamanha a riqueza de detalhes e inserção de diferentes sonoridades no autoproclamado thrashcore do grupo. A introdução instrumental Anno Domini apresenta alguns toques orientais, mas nada que vá sair chutando o balde logo de cara, porque a faixa-título vem a seguir numa veia thrash metal trazendo a reboque riffs lancinantes e aqueles coros à la Exodus. Cheia de nuances e mudanças de clima, ora para mandar o fã entrar na roda, ora para machucar seu pescoço, Medo deixa o ouvinte anestesiado para a quarta faixa.


Com as participações do vocalista do Witchhammer, Casito Luz, e do saxofonista Marco Melo, O Abismo é uma viagem por parte da musicalidade de Servus. O começo dedilhado dá o clima; a seção doom no meio, durante os solos, revigora a canção; e as mudanças de andamento no fim, com algo meio Lamb of God para apoiar os vocais rapeados, fazem dela uma das melhores do CD. O nível continua alto na psicodélica e progressiva Dawn, que peca por ser muito curta (pouco menos de dois minutos). Até aqui você já está deliciado com a salada de estilos, mas Hienas mostra que tem espaço para mais. Os funcionais riffs palhetados acompanhando os dois bumbos são a entrada para um interessante jogo de vozes – coros, um vocal limpo e etéreo e outro mais forte – e, principalmente, para a bem sacada participação do grupo chileno de rap Lexico (e parte da ótima letra está em espanhol).

Há o encontro do punk rock com o metal nas empolgantes 7 Dedos (Seu Fim), com um baita refrão, e Lobotomia, com mais uma letra que merece atenção; e você encontra scratches em Couro Cru, que vai da porradaria à calmaria com facilidade, além de uma instrumental de respeito em Imerso e o passeio entre o heavy rock e o doom em Fim de Festa. Mas nada se compara às músicas que fecham o CD. Com as vozes da dançarina e cantora pernambucana Flaira Ferro e de Luiz Salgado, E.L.A. é um primor em três minutos e 43 segundos de um eletrônico carregado pelo violão, com scratches, melodias vocais hip hop e referências de música popular brasileira. E Depois de Hoje…, que traz como convidado o espiritualista Sr. Waldir, é a continuação arrastada e hipnótica da faixa anterior, formando um belíssimo casamento. Servus é um trabalho para ser apreciado sem moderação.

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Faixas
1. Anno Domini
2. Servus
3. Medo
4. O Abismo
5. Dawn
6. Imerso
7. 7 Dedos (Seu Fim)
8. Couro Cru
9. Hienas
10. Lobotomia
11. Fim de Festa
12. E.L.A.
13. Depois de Hoje…

Banda
Manu “Joker” – vocal
Christian Franco – guitarra
Thiago Soraggi – guitarra
Maurício “Murcego” Pergentino – guitarra
Raphael “Ras” Franco – baixo e vocal
Marco Henriques – bateria e vocal

Lançamento: 2019
Produção: Manu “Joker” e Gustavo Vazquez
Mixagem: Gustavo Vazquez

Barril de Pólvora – Barril de Pólvora

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

A sensação imediata ao ouvir pela primeira vez o disco de estreia do Barril de Pólvora, autointitulado, é a de ter voltado aos anos 80, mais especificamente ao som pesado feito no Brasil à época. Pela qualidade do hard rock e do heavy metal que embalam o rock’n’roll praticado pela banda mineira, a satisfação da audição, por exemplo, foi a mesma de quando conferi o também homônimo álbum de estreia do Golpe de Estado. E com mais dois detalhes em comum, um positivo e outro nem tanto. As letras em português, muito bem construídas num idioma rico e difícil como o nosso, são dignas de elogio, mas a produção e até mesmo a timbragem dos instrumentos não precisavam remeter àquela década. Não ficou ruim, diga-se, mas em alguns momentos chega a segurar o grupo.

De fato, a produção não compromete o resultado final, uma vez que as músicas forjadas por Flávio Drager (vocal), Emerson Martins (guitarra), Saulo Santos (baixo) e Alexis Bomfim (bateria) são ótimas, mas Barril de Pólvora ganharia pontos com um som mais moderno e encorpado. Só que a cornetagem para por aí, porque a audição do CD é extremamente agradável. O Som do Trovão começa escancarando o metal tradicional dos anos 80, incluindo uma passagem mais doom na segunda metade, à la Black Sabbath, e apresenta um dos destaques do trabalho: a voz de Drager, que injeta sinceridade numa temática que poderia soar batida (heavy metal, o som do trovão).


Já que falamos nos pais do metal, Muito Papel pra Pouca Solução tem um riff que remete a Sabbath Bloody Sabbath, além de uma das melhores letras do quarteto – sobre algo bem comum no dia a dia do brasileiro: a burocracia. Inércia é um hard blues de primeira, com merecido destaque para os ótimos solos de Martins, e blues é algo que o Barril de Pólvora domina bem, uma vez que Blues da Saudade empolga, principalmente na interpretação de Drager e nos solos alternados entre Martins e Santos. E se o quarteto passeia por dois embriões musicais – o do metal e o do rock’n’roll –, era de se esperar que houvesse um rockão empolgante. E há: Tocando no Inferno.

Com um riff meio hipnótico, Loucuras, Sonhos e Delírios é um heavy rock mais cadenciado, com interessantes mudanças de tempo; e passagens instrumentais bem legais também não faltam à faixa-título, mais uma canção com uma letra bem sacada. Para completar, Tempestade, bonita instrumental guiada pela guitarra, fecha um CD que atira para mais de um lado e sempre acerta o alvo. Uma ótima estreia, que antecipa a expectativa para o que pode vir pela frente. Inclusive, de como a música será embalada pela mesa de produção.

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Faixas
1. O Som do Trovão
2. Muito Papel pra Pouca Solução
3. Inércia
4. Tocando no Inferno
5. Loucuras, Sonhos e Delírios
6. Blues da Saudade
7. Barril de Pólvora
8. Tempestade

Banda
Flávio Drager – vocal
Emerson Martins – guitarra
Saulo Santos – baixo
Alexis Bomfim – bateria

Lançamento: 2018
Produção: Rodrigo Garcia
Mixagem: André Cabelo

Rise of the Northstar – The Legacy of Shi

Por Daniel Dutra | Fotos: Ben Berzerker/Divulgação

Uma coisa não dá para negar: o Rise of the Northstar é uma banda peculiar no cenário da música pesada. Não que o seu crossover seja um divisor de águas, afinal, a novidade na mistura de heavy metal, rap e hardcore é a inclusão de elementos da cultura japonesa, mas a banda formada por Vithia (vocal, único integrante remanescente da formação original), Evangelion-B e Air One (guitarras), Fabulous Fab (baixo) e Phantom (bateria) se destaca entre seus pares nos dias atuais. E The Legacy of Shi, o segundo disco do quinteto francês, é um passo à frente de Welcame (2014) – o ROTN ainda lançou dois EPs, Tokyo Assault (2010) e Demonstrating My Saiya Style (2012), antes de assinar com a Nuclear Blast.

The Legacy of Shi foi precedido pelo single Here Comes the Boom, que hoje tem quase dois milhões de visualizações do videoclipe no YouTube e mais de seis milhões de audições da faixa no Spotify. E a música mostra o melhor lado do grupo: um hit pesado e de fácil assimilação, com refrão que gruda na cabeça. Curiosamente, uma leve puxada no freio de mão depois da curta The Awekening, que abre o CD com um instrumental que dá o tom do trabalho. Mal comparando, um misto de Body Count e Biohazard com toques de Boo-Yaa T.R.I.B.E., especialmente nas melodias vocais, embalado por uma produção de primeira – a cargo do próprio
Rise of the Northstar ao lado de Joe Duplantier, guitarrista e vocalista do Gojira.


Quer um bom exemplo? Nekketsu, que bem poderia estar na trilha sonora de um dos filmes da franquia “Velozes e Furiosos” ou mesmo na de “Uma Jogada do Destino” (1993), é pula-pula com um andamento que empolga, tem um ótimo riff e backings e corais bem interessantes. Kozo, por sua vez, se destaca pelo forte refrão e por passagens diferentes, com quebras rítmicas que a tornam interessante. É um começo muito animador, mas o álbum começa a dar sinais de cansaço logo em seguida, graças ao déjà vu que passa a permear as canções. Isso acontece com Teenage Rage, apesar da seção hip hop (com direito a loops) em sua segunda metade, e Step By Step, cujas partes lentas e dedilhadas até tentam se desvencilhar do mais do mesmo, mas são atrapalhadas pelo refrão.

Mas são os trechos diferenciados que impedem a limitação do ROTN, uma vez que as músicas seguintes sempre têm um algo a mais. O início matador de This is Crossover cola no thrash metal, enquanto Cold Truth foi feita sob medida para o repertório ao vivo, com um “uh, uh” no refrão pula-pula que é funcional até não poder mais. E se All for One engata novamente a quinta marcha e se sobressai pelo vocal gutural raiz, Furyo’s Day chama atenção com uma seção instrumental bem empolgante, entregando para a faixa-título a missão de fechar o CD nadando na praia do rap metal, com refrão poderoso e vocal suingado.

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Faixas
1. The Awakening
2. Here Comes the Boom
3. Nekketsu
4. Kozo
5. Teenage Rage
6. Step By Step
7. This is Crossover
8. Cold Truth
9. All for One
10. Furyo’s Day
11. The Legacy of Shi

Banda
Vithia – vocal
Evangelion-B – guitarra
Air One – guitarra
Fabulous Fab – baixo
Phantom – bateria

Lançamento: 19/10/2018

Produção: Joe Duplantier e Rise of the North Star
Mixagem: Johann Meyer

Living Colour

A resenha do retorno do Living Colour ao Rio de Janeiro (e ao Circo Voador) poderia ser resumida em uma frase: a banda deveria tocar na cidade uma vez por mês. Exagero? Não para uma banda sem igual, que consegue fazer em cima do palco algo muito melhor do que já faz nos discos – são apenas sete trabalhos de estúdio em mais de 30 anos de carreira, todos acima da média, alguns que são verdadeiras obras-primas. E uma dessas joias foi a razão de o quarteto voltar à cidade outrora maravilhosa depois de uma década: Vivid, o álbum de estreia, lançado em 1988 – e sim, são dez anos, uma vez que, sejamos sinceros, o Rock in Rio de 2013 não conta. Lembre-se: um dos melhores e mais importantes grupos da história do rock foi (muito mal) escalado no Palco Sunset num dia de Ivete Sangalo, David Guetta e seu pendrive e Beyoncé.

Enfim, no entanto, Corey Glover (vocal), Vernon Reid (guitarra), Doug Wimbish (baixo) e Will Calhoun (bateria) levaram para os fãs carioca a Vivid 30th Anniversary Tour, com uma diferença em relação à turnê que começou no fim do ano passado, na Austrália: o disco foi realmente tocado da primeira à última faixa, o que Calhoun havia confirmado em entrevista realizada antes do giro pela América do Sul (clique aqui para ler o bate-papo com o batera). Mas foi com duas canções do disco mais recentes, Shade (2017), que os quatro iniciaram o espetáculo – e sem estardalhaço, diga-se: nada de introduções sonoras ou alguma bombástica entrada. Apenas os quatro chegando ao palco, um a um, para começar a despejar música da melhor qualidade. Curiosamente, foram dois dos três covers presentes no trabalho, o que ajudou a fortalecer o clima de contemplação da grande maioria que ajudou a lotar a famosa lona na Lapa. Preachin’ Blues, de Robert Johnson, foi anunciada pelos acordes de Reid antes de virar um ótimo (e obviamente mais pesado) blues elétrico, enquanto Who Shot Ya? mostrou uma forte e sempre presente faceta da banda.

Living Colour
Corey Glover em noite inspirada e irretocável no Rio de Janeiro


“Gostaria de dedicar essa música a Evaldo dos Santos Rosa e Marielle Franco”, disse o guitarrista, referindo-se ao músico negro fuzilado com mais de 80 tiros pelo Exército, que confundiu seu carro com um veículo usado por assaltantes, e à vereadora executada por milicianos em março de 2018 – os dois casos ocorridos no Rio de Janeiro. E fez todo sentido. Nas mãos do Living Colour, a visceral versão da controversa canção do rapper Notorious B.I.G., assassinado em 1997, aos 24 anos, virou um hino contra a política armamentista e a violência policial. Mas o show não foi panfletário, e nem precisaria. Quem acompanha o Living Colour além da música, prestando um mínimo atenção nas letras de mensagens nada subliminares, sabe muito bem que o grupo está do lado certo. Por isso mesmo, boa parte do público, ao fim da apresentação, lembrou-se com “carinho” do protofascista que (ainda) está presidente da República.

Mas aquela noite de quinta-feira era, no geral, uma celebração ao disco que colocou o Living Colour no mapa, então Cult of Personality começou a festa logo em seguida, incendiando de verdade pista e arquibancada. Foi lindo de ver a pista com os fãs cantando “I am the cult of” no fim, todos com os braços para cima acompanhando cada palavra da frase. O suficiente para arrancar um largo sorriso de Glover e Reid, que muitas vezes tinham de instigar a plateia, mas não aqueles que se mostraram fãs com as músicas na ponta da língua, uma vez que a participação era completamente voluntária. Foi o caso de I Want to Know, que, arrisco dizer, foi testemunhada ao vivo pela primeira vez por todos os presentes. Ou seja, um daqueles momentos em que saber o que viria pela frente não atrapalhou a empolgação.

Living Colour
Vernon Reid e Corey Glover: química e musicalidade acima de toda prova


Mas a verdade é que não importa quantas vezes você saiba que a música seguinte é Middle Man ou Desperate People, porque: (i) a performance de Glover na primeira é sempre especial (pesquise a razão da letra), assim como Calhoun brinca de tocar bateria; e (ii) você pode usar a segunda para exemplificar a genial musicalidade da banda. Aliás, musicalidade que faz de Open Letter (To a Landord) uma das coisas mais maravilhosas que você pode presenciar ao vivo, e a razão atende por Corey Glover, que sempre dá aula de técnica e, principalmente, feeling ao improvisar naquele início – e faça-se o registro: o vocalista esteve impecável durante todo o show. Improviso. Palavra-chave para descrever o arrasa-quarteirão que foi Funny Vibe, especialmente o começo, e o desfecho de tirar o fôlego em Memories Can’t Wait, cover do Talking Heads.

Se a belíssima Broken Hearts, que mostrou toda a elegância de Wimbish ao tocar as linhas de Muzz Skillings (e que som de baixo lindão!), causou quase o mesmo impacto de I Want to Know, Glamour Boys se juntou a Cult of Personality no quesito grande empolgação do público. Previsível, mas ainda assim bom demais soltar a voz em “I’m fierce” e acompanhar Glover e Reid na, digamos assim, coreografia que se seguiu à frase principal do refrão – fora o “Trinta anos! Trinta anos! Trinta anos e nosso crédito ainda não é bom”, zoação do vocalista no lugar da original “Whaddya mean my credit’s no good?”. Soltar a voz com vontade foi o que aconteceu ao responder a pergunta de What’s Your Favorite Color? (Theme Song), emendada de primeira com a avassaladora Which Way to America?. Acabava aí a comemoração dos 30 anos de uma das obras-primas do Living Colour, e como se fosse necessário um tempo para recuperar o fôlego, Calhoun mandou ver em momento solo.

Living Colour
Ao fim do show, reverência do palco para a plateia. E vice-versa


Bom, é fato que, por mais extraordinário que seja o batera (e ele é mesmo um dos melhores do mundo), o solo poderia ter dado lugar a uma ou duas músicas. Ainda assim, tirando a meia dúzia de pessoas que talvez desconheçam a inquietude musical e percussiva de Calhoun, a tônica do momento foi de respeito e reverência (bom, o que ele fez foi impressionante, então…). Com todo mundo de volta ao palco, o coro da plateia foi por Elvis is Dead, mas o que veio a seguir foi Love Rears its Ugly Head, numa versão tão espetacular que não deu para acompanhar Glover, uma vez que o vocalista jogou fora a melodia vocal original e improvisou lindamente.

E sabe quando um show tem clímax? Pois bem, rolou Elvis is Dead numa performance tão matadora que colocou Reid pulando e fazendo luxuosos vocais de apoio – sem contar a inserção de Hound Dog, imortalizada pelo próprio Rei do Rock, com uma interpretação que mereceu até Glover imitando seus trejeitos rebolativos. A sequência? Type, claro, e com a quinta marcha engatada para passar por cima de cada alma presente no Circo Voador. Simplesmente demolidora, com um encerramento destruidor que fez a banda ser ovacionada pela casa, a ponto de Glover, com enorme sorriso no rosto, ficar olhando para os companheiros com aquela cara de “vamos tocar mais!”. Tinha Time’s Up, Wall, Ignorance is Bliss, Leave it Alone e um sem-número de outras pérolas, mas o show ficou por aí mesmo. Quer dizer, ficou nas 16 músicas executadas de maneira única num espetáculo irretocável e irresistível. Um espetáculo que não pode levar outros dez anos para acontecer no maltratado Rio de Janeiro.

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce e Márcio Carreiro


Setlist
1. Preachin’ Blues
2. Who Shot Ya?
3. Cult of Personality
4. I Want to Know
5. Middle Man
6. Desperate People
7. Open Letter (To a Landlord)
8. Funny Vibe
9. Memories Can’t Wait
10. Broken Hearts
11. Glamour Boys
12. What’s Your Favorite Color? (Theme Song)
13. Which Way to America?
14. Will Calhoun Drum Solo
15. Love Rears its Ugly Head
16. Elvis is Dead
17. Type

Clique aqui para conferir a resenha no site da Roadie Crew.

Living Colour

Trinta (e um) anos depois do lançamento do primeiro álbum, Vivid, o Living Colour continua uma força sem igual. Durante todo esse tempo, o trabalho de Corey Glover (vocal), Vernon Reid (guitarra), Doug Wimbish (baixo) e Will Calhoun (bateria) continuou incomparável e intocável. São todos músicos extraordinários, sem dúvida, mas é a obra sem barreiras, num horizonte artístico ilimitado, que mantém a banda relevante num cenário que muda de humor a todo instante. Rumo ao Brasil pela oitava vez, pouco mais de um ano depois da última passagem, quando fez um solitário show em São Paulo, o Living Colour volta à capital paulista (dia 14 de junho), mas incluiu no roteiro o retorno ao Rio de Janeiro depois de dez anos. Um verdadeiro presente para os fãs cariocas, que receberão o grupo nova-iorquino mais uma vez no Circo Voador, dia 13 – vamos combinar que a apresentação no Palco Sunset do Rock in Rio em 2013 não conta, afinal, a banda foi muito mal escalada no mesmo dia de Ivete Sangalo, David Guetta e Beyoncé. E se a música do quarteto é única e formidável nos discos, em cima do palco ela ganha proporções ainda melhores. Para falar disso e mais um pouco, conversamos com Calhoun, então coloque o Vivid para rodar – sim, eles vão tocá-lo na íntegra! –, aproveite o papo e se prepare para os espetáculos.

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Vamos começar falando dos próximos shows no Brasil. O Living Colour esteve no país em 2018 para uma única apresentação em São Paulo, e agora há uma data no Rio de Janeiro, onde a banda não toca desde 2009… Quais são as expectativas?
Will Calhoun: Deixe-me começar agradecendo a você pela oportunidade de fazer essa entrevista. Amamos o Brasil e estivemos aí no ano passado, é verdade, mas estamos ansiosos por esses novos shows, para agradecer a todos os nossos fãs pelo apoio durante todos esses anos. É o trigésimo aniversário do Vivid, então montamos uma combinação interessante de músicas para essas apresentações.


É o que eu iria perguntar, porque andei olhando os setlists de shows recentes da Vivid 30th Anniversary Tour, mas a banda não está tocando o álbum na íntegra…
Will:
Mas agora planejamos tocar algumas canções de discos variados e também o Vivid da primeira à última faixa. Queremos dar aos brasileiros um show de aniversário realmente fantástico, com músicas variadas (N.R.: o Living Colour realmente tocou as 11 faixas do disco de estreia na primeira noite da turnê sul-americana, em Santiago, no Chile).

A primeira vez do Living Colour no Brasil foi em 1992, como headliner do Hollywood Rock. Doug Wimbish havia acabado de substituir Muzz Skillings, mas ainda não era integrante fixo, e a banda foi eleita por público e crítica como o melhor show do festival. Quais são suas lembranças?
Will: Aqueles shows foram incríveis! Não esperávamos ser tão bem recebidos no Brasil, até porque era nossa primeira vez. Particularmente, eu estava ansioso para visitar seu país porque o meu filme favorito na infância era “Orfeu Negro” (N.R.: também conhecido como “Orfeu do Carnaval”, produção ítalo-franco-brasileira do cineasta francês Marcel Camus, o longa foi lançado em 1959). Depois de assistir àquele filme, eu queria desesperadamente conhecer o Brasil, por isso fiquei aí por um mês depois daquelas apresentações. Aluguei um carro e fui com um amigo brasileiro de São Paulo para a Bahia, e essa viagem mudou a minha vida. Tive a oportunidade de visitar escolas de samba, conhecer e me divertir com Carlinhos Brown e os músicos da Timbalada. Fui apresentado a Lenine e Marcos Suzano, a uma comida maravilhosa, ao ritmo do maracatu e a tantas outras coisas maravilhosas da cultura brasileira.

E vocês não demoraram a voltar. Já no ano seguinte, em 1993, mas para um único e incrível show em São Paulo. O local estava eletrificado, e lembro-me do Corey Glover se jogando três vezes na plateia…
Will: Toda a turnê do Stain em 1993 foi mágica, mas o público naquele show foi inacreditável, então nós ficamos ainda mais empolgados para tocar no Brasil novamente.


Mas aí a banda encerrou as atividades ou, como eu costumo dizer, entrou num hiato de 1995 a 2000. Como foi para você?
Will: Aquele foi um período muito desafiador… Eu tive de me adaptar a não estar mais numa banda, mas o tempo livre permitiu a mim a maravilhosa oportunidade de viajar para pesquisar sobre música. Voltei ao Brasil e fiquei aí durante três meses, desta vez no Recife. Visitei um incrível escola chamada Centro de Educação e Cultura Daruê Malungo, fundada e gerida por um grande amigo e músico, o Mestre Meia-Noite (N.R.: como é conhecido o capoeirista, bailarino e educador Gilson Santana). Ele e sua adorável família tomam conta da escola, e eu fiquei impressionado em como os jovens aprendiam no local a focar na própria cultura. Fiquei impressionado com todas aquelas belas crianças criando fantasias, aprendendo danças tradicionais e se reconectando com sua ascendência angolana. Aliás, fiz um pequeno documentário sobre essa viagem e o lançarei no próximo ano. Também viajei e estudei no Marrocos, Mali, Senegal, Belize, China e partes limitadas do Caribe, e o que fez com que nos reuníssemos foi o tempo. Ao retomarmos a banda, todos trouxemos experiências musicais muito especiais que colocamos na mesa para criar um novo capítulo musical para o Living Colour.

Collideøscope foi lançado em 2003, e no ano seguinte a banda voltou ao Brasil (confira aqui como foi o show no Rio de Janeiro). Vocês esperavam ser tão bem recebidos depois de tanto tempo?
Will: Não! Nós apenas torcemos para que fosse incrível como havia sido nas vezes anteriores, e foi!

E continua sendo. Falando especificamente sobre a cidade onde moro, o Rio de Janeiro, o último show completo na cidade ficou marcado por uma noite em que vocês tocaram por três horas.
Will: Sim! Todos as nossas apresentações no Rio foram maravilhosas, mas não tínhamos planejado tocar por três horas naquele dia (N.R.: 16 de outubro, terceira das quatro datas da perna brasileira da turnê do The Chair in the Doorway). Acontece que vocês foram tão espetaculares que não queríamos sair do palco (risos).


Vamos falar um pouco do álbum mais recente, Shade (2017). Oito anos o separaram de The Chair in the Doorway, e isso é muito tempo. O que houve que deixou o processo tão demorado?
Will: E não levamos oito anos para gravá-lo, porque em boa parte desse tempo nós não trabalhamos no Shade. Foram apenas três anos em cima do disco. Gravamos muitas músicas, usamos vários estúdios, experimentamos diferentes produtores e engenheiros de som. Esse processo acabou expandindo o tempo de gravação, mas também trocamos de empresário, de agentes e de advogados durante esse período, além de termos estudado oportunidades em outras gravadoras. No fim das contas, estávamos tentando criar a melhor situação possível para lançar o álbum.

E foram sete estúdios diferentes, incluindo até mesmo um no Reino Unido. Como foi essa experiência?
Will: Interessante e longa… No entanto, ter opções demais às vezes pode causar problemas.

Shade tem 13 músicas, sendo que no EP Who Shot Ya? (2016) há duas que poderiam facilmente ter entrado nele, “Regrets” e uma versão fabulosa de This Place Hotel (N.R.: composição de Michael Jackson em sua época no The Jacksons). Quantas vezes vocês mudaram o track list?
Will:
(rindo) Foram muitas mudanças, em minha opinião, porque nós continuamos compondo mesmo durante as gravações de Shade. De certa forma, não estávamos satisfeitos com todas as canções que tínhamos, então ficamos compondo e gravando sem parar.

A propósito, Who Shot Ya? saiu apenas no formato digital. Alguma chance de o EP ser lançado em CD?
Will: (empolgado) Absolutamente!


Ótimo! Como citei This Place Hotel anteriormente, gostaria de falar dos outros covers. Who Shot Ya? (N.R.: The Notorious B.I.G.) é autoexplicativa, mas como surgiu a ideia de regravar Preachin’ Blues (N.R.: Robert Johnson) e, especialmente, Inner City Blues (N.R.: Marvin Gaye), que ficou fantástica?
Will: Obrigado! Decidimos gravar Preachin Blues porque havíamos tocado essa música durante a comemoração do aniversário de cem anos do Robert Johnson, no Apollo Theater, em Nova York, num evento com vários outros grandes artistas (N.R.: batizada de “Robert Johnson at 100”, a celebração aconteceu no dia 6 de março de 2012). Acontece que fomos aplaudidos de pé, então vimos ali que iríamos fazer uma versão de estúdio. Gostamos tanto dessa música que ela precisava entrar no Shade, enquanto Inner City Blues foi uma decisão do Vernon Reid e do produtor Andre Betts.

Bom, tem uma faixa que chamou minha atenção, Program, porque é interessante que seja uma canção composta pelo produtor e outros dois coautores fora da banda. Qual a história por trás dela?
Will: Nunca gostamos dessa música por completo, então tentamos várias coisas diferentes. Usamos vocalistas de apoio, cordas, metais, teclados, loops e até mudamos a letra, então decidimos eventualmente pela versão que está no disco.

Eu poderia falar sobre todo o álbum, mas o que você pode dizer da belíssima Two Sides?
Will: Ela simplesmente lida com problemas… Há apenas dois lados, a verdade e a mentira, e as pessoas escolhem um deles conforme afeta particularmente seu resultado.

Mencionei Who Shot Ya? anteriormente, e é triste como ela ainda é atual (N.R.: gravada em 1995 pelo rapper Notorious B.I.G., assassinado dois anos depois, ela foi usada pelo Living Colour como uma canção contra as armas e a violência policial). Inclusive no Brasil, onde um caso recente ilustra um dos problemas que vivemos: o do músico negro Evaldo Rosa dos Santos, fuzilado com mais de 80 tiros pelo Exército enquanto ia com a família a um chá de bebê. Isso porque seu carro foi confundido com um usado por assaltantes…
Will:
Eu li sobre esse terrível incidente e sinto muito, mesmo. É algo que está acontecendo no mundo todo, não é uma situação nova. O mundo está mudando rapidamente… É como o meu grupo favorito de rap, o Public Enemy, declarou de maneira clara e inteligente no disco Fear of a Black Planet, de 1990: essas mudanças são uma grande ameaça a muitas políticas estabelecidas. A estrutura de poder conservadora está e sempre continuará tentando barrar qualquer mudança positiva que ameace o seu controle colonial.


Para terminar, depois de mais de 30 anos de Living Colour, o que você pode dizer sobre cada disco da banda? Quero dizer, o que eles representaram à época e o que significam hoje para você. Suas lembranças, e começamos com Vivid.
Will: Nosso primeiro álbum. Ensaiávamos cinco ou seis dias por semana e tocávamos constantemente em casas locais, então a banda estava muito entrosada quando fez Vivid, que representa o mundo para mim! Foi ele que trouxe atenção internacional para o Living Colour. De Mick Jagger e Rolling Stones a ser empossado no Museu Nacional de História e Cultura Afro-Americana, em Washington D.C., incluindo a oportunidade de fazer música honesta e de verdade num nível supremo, com um produtor fantástico, Ed Stasium. E a turnê do Vivid foi um desafio, pois estávamos desbravando novos territórios para nós mesmos e definido um movimento… Com ajuda do Bad Brains e do Fishbone. Foram precisos alguns shows para as pessoas entenderem nossas reais intenções, mas éramos e ainda somos uma banda muito poderosa em cima do palco. Nossa música ao vivo é mais progressiva do que nos discos.

E o segundo álbum, Time’s Up (1990)?
Will: A banda havia acabado uma turnê com o Rolling Stones e terminado uma turnê própria sem tempo para respirar. Começamos a gravar o disco em Los Angeles, que não é a minha cidade favorita para ficar num estúdio depois de meses na estrada. Prefiro Nova York, então levou um tempo para eu me ajustar a um novo ambiente e sistema. Mas assim que começamos a finalizar as músicas, as gravações ganharam forma e caráter próprios. Estávamos um pouco exaustos das turnês, por isso nossos humores estavam ainda mais afiados para criar arte, e foi um período interessante na indústria musical. Eu adorava o Time’s Up quando o fizemos e gosto ainda mais dele agora, e a sua turnê foi ótima. Fomos convidados para o primeiro Lolapalooza.

E chegamos ao Biscuits (1991).
Will: Foi um EP para colocarmos algum material novo sem que fosse preciso lançar um disco completo. Tínhamos muitas músicas ao vivo e faixas de estúdio inacabadas para escolher, e as canções de estúdio foram finalizadas em apenas um dia.

Stain (1993).
Will: Doug Wimbish, nosso baixista, se juntou oficialmente à banda. Nosso som havia mudado, então mudamos de produtor, usando o Ron St. Germain. Estávamos entrando numa cena cujo som era mais pesado. Tínhamos uma sala de ensaios só nossa para trabalhar no Stain, então passamos muito tempo compondo e ouvindo nossos próprios conceitos. Eu amo esse disco, e as turnês foram fenomenais. A produção, a iluminação e a equipe técnica eram apenas nossas, o que nos permitiu dar aos fãs uma experiência mais pessoal do que era o Living Colour ao vivo. Pessoalmente, estava lidando com o fato de o meu irmão mais velho lutar contra o vício em drogas, e foi isso que me inspirou a compor Nothingness.


Collideøscope (2003).
Will: Foi um álbum muito difícil de fazer. Havíamos voltado depois de quase seis anos separados, então ainda lutávamos para nos libertar de vários problemas. Não é o meu disco favorito da banda, mas é um que tivemos de fazer… Foi quase como uma terapia. Gosto das músicas, mas a produção não é tão forte como a dos três primeiros trabalhos. Excursionar para promover Collideøscope foi muito desafiador, porque não estávamos todos de acordo com o direcionamento musical do Living Colour àquela época.

The Chair in the Doorway (2009).
Will: Grande parte do disco foi feita em Praga (N.R.: capital da República Tcheca), e foi mais uma vez estranho gravar fora de Nova York. Desafiador, mas não tão ruim quanto em Collideøscope. Ainda não estávamos todos na mesma página, mas as coisas estavam melhorando. A produção é boa, mas não ótima, e gosto das músicas. No entanto, eu preferia mesmo que tivéssemos gravado em Nova York. Mas tivemos grande ajuda do Pierre de Beauport, um querido amigo e técnico de guitarra do Keith Richards. Usamos seu estúdio (N.R.: The Library, em Greenfield, Massachusetts) para finalizar algumas músicas. Uma delas é Not Tomorrow.

Por último, Shade (2017).
Will: Comecei a sentir que estávamos voltando a um grande som e a uma grande produção. Querido amigo da banda, Andre Betts, que é do Bronx como eu, fez um trabalho formidável em Shade. Foram três duros anos para completar esse disco, por causa das muitas mudanças no nosso time… Empresário, gravadora, advogados, produtores, estúdios e engenheiros de mixagem. Nós também interrompemos os trabalhos algumas vezes para sair em turnê, na maioria das vezes na Europa, e gravamos tantas músicas que tivemos um demorado processo de eliminação até decidirmos quais eram as que precisavam estar no CD. Mas assim que começamos a turnê, vimos que tínhamos a seleção perfeita de canções para antigos e novos fãs. Além disso, muitas das letras fazem referência ao nosso atual clima político.

E espero que o sucessor de Shade não leve oito anos para ser lançado. Vocês já pensam no próximo disco?
Will: Sim! Já estamos planejando o novo álbum. Na verdade, já começamos o processo.

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