Mötley Crüe

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

A essa altura, a chance de você já ter assistido a “The Dirt” é muito grande, mesmo que na casa de um amigo que tenha Netflix, plataforma de streaming onde a cinebiografia do Mötley Crüe estreou no dia 22 de março. Ou pelo menos foi de alguma maneira envolvido pelo longa, porque o barulho não foi pequeno. A história de Vince Neil (vocal), Mick Mars (guitarra), Nikki Sixx (baixo) e Tommy Lee (bateria) para as telonas – baseada no best-seller “The Dirt: Confessions of the World’s Most Notorious Rock Band”, lançado em 2001 – rendeu até mesmo um especial com destaque de capa na ed. #243 da Roadie Crew. Faltava falarmos com algum integrante para fechar o pacote, e foi o que aconteceu: conversamos com Neil para saber suas impressões sobre o filme e as músicas inéditas que compõem a trilha sonora e, principalmente, colocaram o quarteto junto num estúdio depois de mais de quatro anos – a última canção gravada pela banda havia sido All Bad Things, em 2015. Infelizmente, no entanto, o vocalista pôde responder apenas seis das 26 perguntas que estavam na pauta – e que levariam o papo muito mais a fundo na carreira do Mötley Crüe e, diga-se, do próprio Neil. Mas como alguma coisa é melhor do que nada, confira o que ele teve a dizer.


Qual foi a sua reação ao assistir à versão final de “The Dirt” pela primeira vez?
Vince Neil: Fiquei surpreso com o quão bom é o filme! Quando comecei a assistir, pensei que passaria o tempo todo criticando, tipo ‘Isso não aconteceu dessa maneira’ ou qualquer coisa parecida, mas bastaram os primeiros 15 minutos para eu esquecer até mesmo que era sobre nós. No fim, percebi que se trata de um ótimo filme, simples assim, porque eu havia mesmo assistido a um ótimo filme de rock’n’roll! Fiquei realmente impressionado com os atores (N.R.: Daniel Webber interpretou Neil, enquanto Douglas Booth fez o papel de Nikki Sixx; Iwan Rheon, de Mick Mars; e Colson “Machine Gun Kelly” Baker, de Tommy Lee) e com a maneira como a nossa história foi contada, uma vez que “The Dirt” ficou de fato preso ao livro. Obviamente, é muito difícil colocar dez anos de loucura em apenas duas horas, mas todos fizeram um grande trabalho ao escolher e trabalhar as coisas certas para o roteiro.

Especificamente sobre Daniel Webber, você deu a ele alguma orientação? Alguma cena e interpretação dele o fizeram ficar arrepiado?
Vince: Não tive uma chance sequer de aparecer para assistir às gravações, mas pude conversar algumas vezes por telefone com Daniel, que fez o dever de casa direitinho ao me estudar, incluindo meus movimentos e minha personalidade. Ele deve ter visto muitas, mas muitas filmagens e entrevistas minhas! (risos) Todas as cenas me deixaram arrepiado, porque ficaram perfeitas. Por exemplo, sabe a cena do primeiro show, quando eles começam a tocar? Os movimentos que ele fez no palco são absolutamente iguais aos meus! Até mesmo o meu comportamento na cena do primeiro ensaio, quando entrei para a banda, foi exatamente daquela maneira. Foi impossível não ficar arrepiado vendo aquele cara me interpretar.


Vamos falar das novas músicas, mas começando por uma questão mais abrangente: as pessoas podem achar que foi óbvio ou até mesmo obrigatório registrar material novo para a trilha sonora, mas me parece que o processo foi bem orgânico.
Vince: A verdade é que nós não nos separamos, apenas paramos de fazer turnês. Ainda somos uma banda, ainda somos quatro caras que têm uma empresa muito legal chamada Mötley Crüe. A ideia de compor novas músicas começou a nos rondar assim que nos reunimos para discutir o filme, então vocês sempre estarão ouvindo falar de nós. De uma maneira ou de outra.

A respeito de The Dirt (Est. 1981), a participação de Machine Gun Kelly deu um sabor diferente à música. Apesar de ele interpretar o Tommy Lee, acredito que foi ideia deste convidá-lo… Você sabe, por causa do lance hip hop.
Vince: Nós procuramos o MGK, para que ele acrescentasse suas partes, quando estávamos trabalhando na versão final da música, mas algo me diz que ele e Tommy queriam fazer algo juntos já havia um tempo (risos). De qualquer maneira, funcionou perfeitamente.

Ride With the Devil, com um groove e refrão ótimos, é a minha favorita, até porque me remeteu ao Mötley Crüe dos anos 80. O que você acha disso?
Vince: No geral, acredito que todas as músicas ficaram muito, muito legais. Bom, com Bob Rock no comando não tinha como ficarem ruins, porque se trata de um ótimo produtor. Ele sabe extrair o melhor de cada um de nós (N.R.: Rock havia trabalhado com o Mötley Crüe nos álbuns Dr. Feelgood, de 1989, e Mötley Crüe, de 1994, além das faixas inéditas da coletânea Decade of Decadence, de 1991).

Por último, Crash and Burn soa para mim como uma evolução natural de Saints of Los Angeles (2008).
Vince: Não acho que exista uma correlação direta entre ela e Saints of Los Angeles, mas nós definitivamente queríamos que as novas músicas passassem aquele sentimento de serem canções orgânicas do Mötley Crüe. Além disso, procuramos que elas refletissem tanto o filme quanto o livro.

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Mark Farner’s American Band

Com duas passagens anteriores pelo Brasil, finalmente Mark Farner deu o ar da graça no Rio de Janeiro, e esta resenha poderia acabar neste parágrafo, com um simples desfecho: desde a apresentação do Metal Church no Pool Deck do Monsters of Rock Cruise, em 2016, este repórter não saía de um show tão realizado e feliz. Claro, rolou muita coisa legal nesse intervalo de tempo, mas nada que fosse a realização do sonho de alguém que ficou enlouquecido quando ouviu Caught in the Act (1975) pela primeira vez, aos 13 anos, e desde então é um grande fã de Grand Funk – com ou sem o Railroad (clique aqui para ler um especial sobre a discografia do grupo). Mas a euforia só se justifica por uma noite realmente inesquecível, e foi exatamente isso que o guitarrista e vocalista de 70 anos, no comando da Mark Farner’s American Band, proporcionou a todos que compareceram em ótimo número ao confortável Theatro Net Rio (confira a galeria de fotos no fim da matéria).

O vídeo que serviu de abertura, mostrando cenas e feitos do Grand Funk, serviu para elevar a expectativa natural da primeira vez, expectativa que foi às alturas com um início simplesmente arrasador. Sem tempo para respirar, Mark Farner e sua American Band botaram a casa abaixo – mesmo com um som sem o ‘punch’ necessário a um show de rock’n’roll – com Are You Ready, Rock ‘n Roll Soul e Footstompin’ Music, a música que abre Caught in the Act e foi o suficiente para, 32 anos atrás, me derrubar com todo aquele groove fantástico. Mas não deixemos o ceticismo de lado. Obviamente, as atenções eram voltadas a Farner, mas os músicos tinham que passar no teste, afinal, estavam tocando a música que é cria também de uma das melhores cozinhas da história do rock: Mel Schacher (baixo) e Don Brewer (bateria), que hoje mantêm o GFR vivo com o vocalista Max Carl, o tecladista Tim Cashion e o guitarrista Bruce Kulick (sim, o ex-KISS).


Enquanto Bernie Palo (teclados) era discreto e eficiente no papel que originalmente foi de Craig Frost, Lawrence Buckner (baixo) e Hubert Crawford (bateria e vocal) mataram a pau. Buckner fez bonito ao tocar com propriedade todas aquelas maravilhosas linhas criadas por Schacher, e Crawford não se fez de rogado nem mesmo ao assumir o microfone nas faixas em que Brewer é a voz principal do GFR. E ele começou a fazê-lo logo em We’re an American Band, a quarta da noite – veja bem, Farner pôde lançar mão de um hino com apenas 20 minutos de show, sem medo de ser feliz até o a última canção do set. “Há muito amor nessa casa”, disse o líder da banda na primeira vez que se dirigiu à plateia. Na primeira pessoa do singular, digo que esse amor só aumentou nos primeiros acordes de Aimless Lady, uma das minhas músicas favoritas em todos os tempos. Não era Schacher ao lado de Farner, mas ouvir aquelas linhas de baixo ao vivo pela primeira vez foi de arrepiar.

“É um prazer olhar para os seus rostos lindos”, enalteceu o vocalista e guitarrista, pegando uma bebida ao propor um brinde. “Não é o que vocês estão pensando. É ginseng.” Você pode dizer que foi brincadeira, mas foi sério, porque o agudo que Farner deu depois do solo em Paranoid, a joia tocada a seguir, foi de voltar no tempo. Àquela altura eu nem precisava mais do suingue de People, Let’s Stop the War para ficar em pé, pois já havia levantado da cadeira ao cantar o primeiro ‘Are you ready?’. Como ficar sentado em Shinin’ on, na qual Crawford mandou novamente muito bem nos vocais? Claro, quem queria ficar em pé, por questão de educação, foi para as laterais ou para os fundos, uma vez que o teatro tem configuração de cadeiras em filas, mas Heartbreaker foi tão linda, mas tão linda que fez todo mundo levantar para aplaudir.


Uma pequena pausa para ajuste no teclado reservado a Farner, que deu uma zoada tocando O Bife, e Mean Mistreater manteve a beleza no ar, ganhando aplausos efusivos ao fim. “Parece que estou jogando futebol”, brincou Farner. E como segurar a voz – e conter o sorriso na hora do solo – em Bad Time, uma daquelas deliciosas canções mais pop da discografia do GFR? Impossível. Um contraste com a espetacular Sin’s a Good Man’s Brother, cuja parte final da letra soa, quase 50 anos depois, como presságio num Brasil tomado por uma angustiante ignorância – ‘Some folks need an education / Don’t give up, or we’ll loose the nation / You say we need a revolution? / It seems to be the only solution’. E mesmo que a voz de Farner obviamente não seja mais aquela de 1970, o que ele fez em Sin’s a Good Man’s Brother foi para guardar na memória.

“Vocês querem dançar? Então, vamos dançar.” Foi a deixa para The Loco-Motion, e ver Farner dar aqueles passinhos de dança durante o solo – passinhos que, com variações, repetiu aqui e ali durante o show – foi alegria pura. Durante o solo de Crawford, ele ainda ficou no fundo dançando até pegar um par de baquetas e se juntar ao batera, fazendo barulho na caixa e depois na percussão. “Com vocês, Hubert Crawford, diretamente de Memphis, Tennessee; Lawrence Buckner, de Jacksonville, Flórida; e Bernie Palo, de Detroit, Michigan. E eu sou seu irmão Mark”, anunciou Farner – nascido em Flint, Michigan, diga-se –, colocando Buckner para cantar o início de Some Kind of Wonderful e o público para dançar fosse com os pés, no caso dos que permaneciam sentados, ou com os quadris mesmo.

Foi o suficiente, enfim, para fazer uma plateia predominantemente formada de tios para lembrar que estava num show de rock, e Inside Looking Out ajudou bastante. Os fãs começaram a cantar antes mesmo de a banda executar o clássico presente em Grand Funk (1969). E teve Farner batendo palmas para que o acompanhassem, tocando gaita… E com todos em pé, em merecida ovação, o dono da noite anunciou a despedida: “Obrigado por todo esse amor, porque é por isso que vivemos, para quem ama o amor. Eu sou seu capitão e nunca mais vou me esquecer de vocês”, declarou da maneira Poliana mais sincera do mundo. E não tive como cantar I’m Your Captain (Closer to Home) direito, porque é difícil mesmo quando se está lágrimas de emoção nos olhos. Efeito do melhor show de 2019. De fato, inesquecível.

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce


Setlist
1. Are You Ready
2. Rock ‘n Roll Soul
3. Footstompin’ Music
4. We’re an American Band
5. Aimless Lady
6. Paranoid
7. People, Let’s Stop the War
8. Shinin’ on
9. Heartbreaker
10. Mean Mistreater
11. Bad Time
12. Sin’s a Good Man’s Brother
13. The Loco-Motion
14. Hubert Crawford Solo
15. Some Kind of Wonderful
16. Inside Looking Out
17. I’m Your Captain (Closer to Home)

Clique aqui para conferir a resenha no site da Roadie Crew.

Dr. Sin, Azul Limão e ManUNkinD

Fevereiro de 2016. Em sua turnê de despedida, o Dr. Sin lotou o acanhando Teatro Odisseia naquela que seria a última passagem da banda pelo Rio de Janeiro. Maio de 2019. De volta à ativa, mas com Thiago Melo no lugar de Eduardo Ardanuy, o grupo liderado pelos irmãos Andria e Ivan Busic se viu diante de uma casa com menos da metade da sua capacidade – lembra-se do acanhado mencionado acima? Oficialmente, o local comporta 398 pessoas, então o que mudou em pouco mais de três anos? É uma discussão que vem tomando as recentes coberturas de shows no Rio de Janeiro feitas por este repórter, mas vamos conjecturar em cima deste evento.

Andria e Ivan são duas entidades do heavy metal nacional, uma vez que suas trajetórias se confundem com a história do estilo no país. Além disso, o Dr. Sin é e sempre foi o grande nome do hard rock brasileiro. Ou seja, temos aqui razões suficientes para dizer que uma casa como o Odisseia deveria estar cheia, no mínimo cheia, toda vez que o trio passasse por lá. Ou será que os fãs só prestigiam aquilo que vão perder? Ou será que a imagem da banda sem a consagrada formação original ainda não foi bem assimilada por esses mesmos fãs, que deveriam estar eufóricos com o retorno do Dr. Sin?

Um pouco de cada coisa, uma vez que era nítido que as atenções estavam voltadas para Melo, e não havia como ser diferente. Ardanuy é um dos melhores guitarristas que já pisaram no Planeta Terra, assim todos os olhos miravam o novo guitarrista durante Fire, por exemplo, porque a canção de Brutal (1995) tem um solo não menos que antológico. O que aconteceu? Melo mandou algumas notas na trave – em três momentos, para ser mais exato. E o que isso significa? Nada. “Direto do Acre, que existe mesmo…”, brincou Ivan ao anunciar o caçula do Dr. Sin antes de Lost in Space, na qual o acreano fez um solo matador – e a nova música do Dr. Sin ainda contou com a participação de Bruno Sá (Geoff Tate, ex-Allegro) nos teclados. Ah, mas não foi um solo escrito pelo Edu, você pode estar cornetando…


Meu amigo, Melo tirou a espetacular Scream and Shout de letra, e se você já era nascido na época do Hollywood Rock de 1993 – pergunta feita por Ivan aos presentes –, deve lembrar que o solo é nível longínquo passado glorioso de Yngwie Malmsteen. Melo também debulhou no fim de Miracles (que refrão espetacular, diga-se) e Isolated, em momentos feitos especialmente para ele brilhar, e arrancou sorrisos de satisfação e aprovação no segundo solo de Time After Time. Pronto. Se você não saiu de casa porque ficou em dúvida, lembre-se de não marcar outro compromisso para o mesmo dia em que o Dr. Sin voltar ao maltratado Rio de Janeiro. E até lá eu apostaria que Melo estará mais solto no palco, uma vez que a timidez apresentada é absolutamente natural para quem entrou num grupo como o Dr. Sin substituindo alguém como Edu Ardanuy. Mas calma lá que não foi apenas isso. Do começo com Fly Away ao encerramento com Down in the Trenches, esta com direito a discurso de Ivan enaltecendo Melo, houve vários momentos de destaque.

Fosse um individual, como Andria, soberbo baixista, mostrando em Sometimes que canta demais; fosse um coletivo, como a fantástica seção instrumental despejada pelo trio no desfecho de Karma. Emotional Catastrophe, óbvia por se tratar do primeiro hit da banda, divertiu por causa de Ivan imitando David Coverdale, mas o repertório trouxe ótimas surpresas. Em Foxy Lady, um dos muitos clássicos de Deus… Digo, de Jimi Hendrix, Ivan cedou as baquetas para Pedro Mello e foi fazer o papel de frontman, enquanto Melo ficou de espectador enquanto Anderson Gandra assumiu as seis cordas. E se Zero e a pesada Nomad foram bons momentos, Dirty Woman os multiplicou por dez ao mostrar aquilo que o Dr. Sin faz muito bem – hard rock com forte tendência comercial – e explicitar por que rolou apenas um hiato: “Essa é uma banda que nós amamos, que é a nossa vida, por isso nós estamos de volta, e vem disco novo em breve”, resumiu o baterista.

E rolou mais música antes do Dr. Sin. “Temos outro grande retorno. Quanto mais rock no Brasil, melhor”, como Ivan bem lembrou, referindo-se ao Azul Limão, que fazia naquela noite de sábado o primeiro show da volta, marcada pelo lançamento do álbum Imortal no fim do ano passado. Com dois integrantes originais, Marcos Dantas (guitarra) e Vinicius Mathias, a le(ge)ndária banda carioca, um dos embriões do metal na cidade, trouxe o vocalista Renato Trevas e o baterista André Delacroix do Metalmorphose, grupo no qual Dantas esteve até o encerramento das atividades, em 2018 – e a natural decisão de continuar a parceria no Azul Limão se explica no fato de ser este um nome mais relevante.


Algo, aliás, que ficou latente na abertura com Portas da Imaginação, exatamente a primeira canção do primeiro disco, Vingança (1986), que dominou basicamente metade do repertório. O heavy blues Sangue Frio, com o solo cheio de feeling de Dantas, foi a seguinte, logo depois de Trevas apresentar o grupo e marcar território: “O Azul Limão está de volta!”. Viajando mais de 30 anos para frente no tempo, Paranormal foi a primeira amostra de Imortal, e o coro espontâneo do público acompanhou a força do novo material ao vivo – a faixa-título e a emblemática Guerreiros do Metal foram as outras faixas escolhidas –, uma vez que a produção magrinha do CD não faz jus a composições que mereciam um trabalho profissional.

“Essa é do Regras do Jogo. Alguém conhece? Ninguém, né? A letra é atual, apesar de escrita há alguns anos”, disse Trevas antes de Nada a Perder. Única de Ordem & Progresso (1987) no set, Rotina não fez tanto barulho, mas as outras quatro músicas do show valeram a espera. O Grito teve mais um corinho para o público, mas especiais mesmo foram Não Vou Mais Falar; o hino Coração de Metal, com direito a stage diving do vocalista e paradinha para o publico cantar; e Satã Clama Metal (“Vocês estão ao vivo e vão cantar comigo”, bradou o carismático Trevas, com o celular na mão registrando o momento numa ‘live’ para o Facebook). Momentos de abrir o sorriso não apenas de quem já passou dos 40 anos e, adolescente, viveu aquela época, mas também daqueles que só conheciam o Azul Limão pela história do metal nacional.

Dois retornos, uma estreia. A responsabilidade de abrir a noite foi do ManUNkinD, e voltamos ao tópico do início da resenha, porque o quarteto carioca formado Victor Cordeiro (vocal), Fábio Trovão (guitarra e vocal), Renato Croce (baixo) e Bruno Ferreira (bateria) se apresentou praticamente para amigos e familiares. Infelizmente. É o preço que se paga pela batida falta de apoio à prata da casa, exceção feita a nomes consagrados, e um risco que atinge produtora que trabalha com grupos nacionais e não tem cacife para trazer atrações internacionais nem mesmo de médio porte – ou seja, independentemente da inegável qualidade de alguns nomes, consegue trabalhar apenas com bandas gringas de terceiro, quarto ou quinto escalão. Mas o ManUNkinD, que ainda está amadurecendo, não tem nada a ver com isso e deu muito bem o seu recado.


O começo com o heavy rock de Welcome e o groove de Show Me the Way mostraram que a banda tem repertório para chamar atenção. E vale destacar também Home, pelo instrumental caprichado, incluindo o longo solo de Trovão, e o refrão agradavelmente palatável, duas características presentes também em Spread Your Wings, que ganhou a bela sacada de fechar com Ode to Joy, de Ludwig van Beethoven, e foi dedicada a André Rodrigues, o “Desmond Child brasileiro”, segundo o guitarrista. E ainda teve Love and Lies, cheia de mudanças de clima, e uma versão bem legal para The Tower, de Bruce Dickinson, muito bem emulado por Cordeiro. Mas sabe o lance de amadurecer? É exatamente por ainda ter momentos verdes que as melodias vocais de All Gone causaram estranheza, assim como Taunting Cobras, tirando o trabalho de Ferreira, soou estranha a quem é fã de carteira do Savatage, muito em parte porque o vocal não encaixou. Mas são apenas deslizes de quem está no caminho certo.

Por Daniel Dutra | Fotos: Alexandre Cavalcanti

Setlist Dr. Sin
1. Fly Away
2. Karma
3. Lost in Space
4. Time After Time
5. Fire
6. Sometimes
7. Nomad
8. Dirty Woman
9. Isolated
10. Scream and Shout
11. Zero
12. Miracles
13. Emotional Catastrophe
14. Foxy Lady
15. Down in the Trenches

Setlist Azul Limão
1. Portas da Imaginação
2. Sangue Frio
3. Paranormal
4. Nada a Perder
5. Não Vou Mais Falar
6. Imortal
7. Coração de Metal
8. O Grito
9. Rotina
10. Guerreiros do Metal
11. Satã Clama Metal

Setlist ManUNkinD
1. Welcome
2. Show Me the Way
3. Home
4. The Tower
5. All Gone
6. Love and Lies
7. Spread Your Wings
8. Taunting Cobras

Clique aqui para conferir a resenha no site da Roadie Crew.

SOTO

Aquela noite de sábado mostrou bem o abismo que existe entre os públicos de rock pesado e de música pop no Rio de Janeiro. Enquanto o Los Hermanos – é pop, sim, e muito ruim – lotava o Maracanã, um dos maiores vocalistas da história do heavy metal/hard rock tocava num Teatro Odisseia que não chegou a 1/3 de sua (já pequena) capacidade. Mas há uma certeza: Jeff Scott Soto fez um show muito melhor do que o do chatíssimo grupo de barbudos. Para os fãs da trajetória de JSS, então, foi ainda mais especial, uma vez que o repertório não incluiu apenas material do SOTO – completado por Jorge Salan (guitarra), BJ (teclados e guitarra), Tony Dickinson (baixo) e Edu Cominato (bateria) –, mas canções da carreira solo e de algumas das bandas às quais emprestou a voz privilegiada (confira a galeria com 30 fotos do show no fim da resenha!).

Curiosamente, a noite começou com uma canção do novo álbum da sua banda, o ótimo Origami, algo que JSS havia dito a este que vos escreve que não faria – “Provavelmente, você seria a única pessoa na plateia que conheceria as músicas”, brincou o vocalista dez dias antes, durante entrevista para a Roadie Crew. Ainda bem que ele voltou atrás, porque HyperMania ficou ainda melhor ao vivo, e ninguém na plateia pareceu ter ficado assustado com a introdução eletrônica. A modernidade tem forte presença na sonoridade do SOTO, mas é em cima do palco que o material prova de vez se tratar de um grupo de heavy metal de primeira, fato comprovado por Freakshow, extraída do segundo disco, DIVAK (2016).

SOTO


“Vamos voltar a uma época na qual era cool ter um pouco de groove, de funky”, disse ele antes de 21st Century, e a faixa de Beautiful Mess (2009), seu quarto trabalho solo, não apenas manteve o pique em cima do palco como mexeu mais com quem estava na pista. Até os scratches rolaram, diga-se. Mais uma solo, agora de Lost in the Translation (2004), Drowning abriu o ‘open bar’ de JSS. “Tudo bem?”, perguntou em bom português, para depois brincar. “É tudo que eu sei. Não, tem outra coisa: caipirosca!”. Ao coro de “vira, vira, virou”, o vocalista bebeu a iguaria brasileira num só gole e ainda arriscou passos de samba. Era hora de voltar ao SOTO, e Wrath, de Inside the Vertigo (2015), colocou os fãs para soltar um pouco a voz.

Outra de DIVAK, a pesada e melódica Weight of the World destacou o ótimo refrão, reforçado por backing vocals caprichados da banda. Mais uma de Lost in the Translation, a radiofônica Soul Divine foi o pano musical de mais uma caipirosca e de uma constatação: a banda estava se divertindo. O vai e vem entre o SOTO e a carreira solo trouxe a excelente The Fall, com peso e groove convivendo num casamento perfeito, e JSS lembrou que a música, presente em Inside the Vertigo, foi composta por Dickinson, amigo de longa data da banda que substituiu David Z, morto em 14 de julho de 2017 num acidente envolvendo o trailer do Adrenaline Mob, grupo ao qual havia se juntado recentemente.

SOTO


Os fãs do lado melodic rock se esbaldaram com o medley que juntou Watch the Fire, Learn to Live Again e One Love, e foi com razão, porque a amostra do W.E.T. ficou sensacional, incluindo um desfecho com BJ mandando ver na frase ‘One love, one dream, to stand’, que, diga-se, foi contada com vontade também pelos presentes. “Sim, você é um viking”, JSS respondeu (mais uma vez) ao sujeito que insistentemente pedia por I Am Viking, clássico de Yngwie Malmsteen. Depois de virar mais um copo de caipirosca, o vocalista deu o tom da noite ao apresentar os integrantes na base da zoação: lembrou que Dickinson é “o outro americano. Nós entendemos o que vocês falam, mas ele nem tanto”, uma vez que os brasileiros BJ e Cominato estavam em casa; contou a história do acidente no hotel com Salan, que tocou (e tocou muito) com um rombo na cabeça e só foi para o hospital depois do show; e terminou com um “e eu sou o Adam Lambert”.

JSS até deveria estar no Queen + algum vocalista, mas essa é outra história. Mais uma zoação com um fã na plateia, o cara que ficava o tempo inteiro gritando “motherfucker”, e veio Detonate, uma das melhores canções do novo álbum, com direito aos efeitos da versão em estúdio. “Vocês conhecem essa”, disse JSS antes de uma ótima versão de Eyes of Love, de Prism (2002), seu segundo disco solo. O clima continuava o mesmo: o vocalista perdeu a entrada do refrão ao tentar tocar o baixo com o instrumento no corpo de Dickinson, e Cominato mandou a introdução de Where Eagles Dare, do Iron Maiden, no encerramento, arrancando risos do chefe. O público era pequeno, mas fazia tanto barulho quanto se divertia, então JSS pediu silêncio para uma homenagem a David Z. Foi a deixa para Give in to Me, o cover do Michael Jackson que o falecido baixista gravou no fim de 2016 com o SOTO.

SOTO


Cyber Masquerade, de DIVAK, manteve o alto nível musical, mas dai para frente foi basicamente uma sequência de hits. Dickinson ganhou o apelido de Baby Tony porque não conhecia Livin’ the Life, música do fictício Steel Dragon e que faz parte da trilha sonora de “Rock Star” (2001). A banda poderia tocar todas as canções compostas para o filme, mas esta foi uma ótima surpresa – e com JSS, sem o microfone em não, cantando trechos para a plateia repetir em seguida; e zoando Cominato quando este mandou uma na trave… “Vou pegar outra caipirosca” foi o anúncio do vocalista para Risk, instrumental de Salan que antecedeu mais um medley que mexeu com o público: do Talisman.

Pudera, porque foi só coisa fina: Break Your Chains, Day By Day, Give Me a Sign, Colour My XTC, Dangerous, Just Between Us, Mysterious (This Time it’s Serious, Frozen (hit da Madonna regravado em Truth, de 1998), Crazy (clássico do Seal revisitado em Life, de 1995, e que ganhou um ligeiro improviso para ajustes na guitarra) e I’ll Be Waiting, que causou a apoteose de sempre. Teve coro de “hey, motherfucker” do palco para pista, e vice-versa, além de uma defesa involuntária da caipirosca quando JSS pediu a bebida de um fã na plateia: “Jägermeister! Jesus Cristo, isso é uma merda!”, disse ele, fazendo cara feia. Hora do bis, e palhinhas de Run to the Hills (Iron Maiden), We’re Not Gonna Take it (Twisted Sister) e I Love it Loud (KISS) serviram de aquecimento para a íntegra de We Will Rock You, do Queen.

SOTO


É impressionante como a voz de JSS se encaixa bem no material da banda inglesa, mas, novamente, essa é outra história. “Sem guitarra isso não vai funcionar”, brincou o vocalista depois que Stand Up teve de ser interrompida para que o instrumento de Salan fosse finalmente escutado. Todo fingiu que não aconteceu nada, e a faixa mais famosa de “Rock Star” – composta por ninguém menos que Sammy Hagar, vale sempre destacar – foi aquele clímax que todos esperavam e sempre funciona. “Vamos para um boa noite ao estilo Steel Panther”, disse JSS na despedida do SOTO com uma versão a capella de Community Property que fechou uma noite extremamente agradável, com música de alto nível passeando por vários estilos do rock. E felizardos foram os que compareceram para prestigiar.

Por Daniel Dutra | Fotos: Alexandre Cavalcanti e Daniel Croce


Setlist
1. Hypermania
2. Freakshow
3. 21st Century
4. Drowning
5. Wrath
6. Weight of the World
7. Soul Divine
8. The Fall
9. W.E.T. Medley: Watch the Fire / Learn to Live Again / One Love
10. Detonate
11. Eyes of Love
12. Give in to Me
13. Cyber Masquerade
14. Livin’ the Life
15. Risk
16. Talisman Medley: Break Your Chains / Day By Day / Give Me a Sign / Colour My XTC / Dangerous / Just Between Us / Mysterious (This Time it’s Serious) / Frozen / Crazy / I’ll Be Waiting
Bis
17. We Will Rock You
18. Stand Up
19. Community Property

Clique aqui para conferir a resenha no site da Roadie Crew.

Grave Digger

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

Não fazia tanto tempo assim, pois o Grave Digger havia pisado em solo carioca pela última vez no dia 6 de maio de 2015, no mesmo Teatro Odisseia, mas tempo suficiente para jogar por terra a desculpa “Ah, eu vi da última vez que a banda esteva aqui, há um ou dois anos” – como se isso fosse razão para deixar passar show de banda que você curte, diga-se. No entanto, o que explica a casa abarrotada há quase quatro anos e cheia de lugar vazio agora? E olha que estamos falando de um local pequeno, cuja capacidade oficial é de 398 pessoas… Enfim, cabem aqui várias teorias, e uma delas é completamente plausível: a crise econômica com altíssima taxa de desemprego no Brasil (e no Estado do Rio de Janeiro, onde tudo parece estar pior). No entanto, não dá para escapar de um fato: a cidade vem se transformando, nos últimos dois ou três, num cemitério para o rock pesado.

Mas enquanto algumas produtoras ainda fazem um trabalho heroico, vamos ao que interessa: a apresentação de Chris Boltendahl (vocal), Axel Ritt (guitarra), Jens Becker (baixo) e Marcus Kniep (bateria), que tocaram como se estivessem à frente de uma multidão – o que se espera de profissionais e, claro, de um grupo com quase quatro décadas de história. Com a figura do Ceifador no palco – óbvio, não? –, o quarteto abriu os serviços com Fear of the Living Dead, uma das três faixas extraídas do álbum mais recente, The Living Dead (2018), e por isso mesmo não deixou de ser uma agradável surpresa ver os fãs presentes com o refrão e o coro na ponta da língua. O que aconteceu também em Blade of the Immortal, a quinta música do set, mesmo que num grau menor de empolgação.

E se um show tem pouco público, fica a certeza de que os que saíram de casa são realmente fãs da banda. Assim, as vozes presentes continuaram soltas em Tattooed Rider e… Bom, os refrãos cantados com vontade tiveram a companhia de um “Olê, olê, olê! Digger! Digger” entre boa parte das músicas. O tradicional e já manjado coro começou antes de The Clans Will Rise Again; entrou por Lionheart; arrancou um sorrisão de Boltendahl momentos antes de The Dark of the Sun, e por isso mesmo o público aumentou o volume; começou a ficar chato ao anteceder Call for War; felizmente perdeu força nos anúncios de Circle of Witches e Rebellion (The Clans Are Marching)”; e voltou com força total depois de Healed By Metal, primeira canção do bis.

Não dá para dizer, então, que o pouco público não fez barulho. Fez, e fez muito, facilitando a retribuição que vinha do palco. “É um prazer voltar a essa bela cidade, e vamos dar muito metal germânico para vocês”, disse o vocalista antes de anunciar The Clans Will Rise Again, na qual pediu o coro de “rise”no refrão e foi prontamente atendido. O clima era tão bom que Boltendahl se divertiu até mesmo ao precisar anunciar Lawbreaker duas vezes, uma vez que Becker ainda tentava resolver um problema no baixo – apesar disso, faça-se o registro: o som estava muito, muito bom –, sem esfriar os ânimos do público, que vibrou com The Bruce (The Lion King) logo a seguir.


Vestindo um casaco jeans repleto de patches de bandas (mais old school, impossível), Boltendahl fazia muito bem o papel de regente enquanto a banda dava o suporte musical necessário, apesar da discrição de Becker, que tira um som bonitão do seu baixo Fender, e do apenas correto Kniep – e vamos dar um desconto, afinal, de 2014 até 2018, quando substituiu Stefan Arnold, o cara era o tecladista do Grave Digger. Além do The Reaper, é claro. Assim, sobra para Ritt a responsabilidade de preencher os espaços que o vocalista não consegue, e o guitarrista não decepciona. Tem uma presença de palco empolgante e, apesar de deixar a desejar nos solos, brinda os fãs com uma mão direita de respeito. Suficiente para fazer jus ao trabalho rítmico de gente melhor do que ele, como Manni Schmidt e Uwe Lulis – e com o perdão da sinceridade, o riff funkeado de Lionheart ficou ainda melhor com Ritt.

De volta a Boltendahl, o mestre de cerimônias mostrava no contato com a plateia por que é o coração e a alma do Grave Digger. “Essa é uma das minhas favoritas”, disse ele antes de The Curse of Jacques, que colocou os fãs para “cantar” o dedilhado inicial. “Vocês gostam de metal germânico? Então essa é uma música bem rápida”, mandou na lata ao anunciar War God, que até abriu uma rodinha na pista. “Vocês querem mais força e poder? Mais metal germânico? A próxima é um clássico, uma canção muito mística”, avisou o vocalista, cujo orgulho de suas origens metálicas foi traduzida na reação dos fãs, que sabiam se tratar de Excalibur e enfiaram novo sorriso no rosto de Boltendahl com uma participação marcante.

E o veterano frontman mal sabia que aquele não seria o grande momento da noite. Isso ficou reservado para Rebellion (The Clans Are Marching). “É a última da noite, mas é uma música especial, sobre liberdade. Sobre lutar pela liberdade”, lembrou Boltendahl, que não escondeu a expressão de felicidade ao testemunhar os fãs cantando sozinhos o início do clássico, no momento mais legal da noite, tanto que o vocalista pediu bis. Ah, sim: ainda teve o Ceifador – ou The Reaper, como queiram – no palco empunhando uma gaita de fole. E não foi a última da noite, obviamente, uma vez que os fãs ainda tinham pela frente o protocolar bis. Ainda assim, o Grave Digger não poupou munição: voltou ao palco para mais quatro canções. Enquanto Healed By Metal, com seu refrão verdadeiramente bacana, se mostrou uma das favoritas do público, The Last Supper deu uma leve baixada no clima.

Curiosamente, diga-se, porque ela veio na sequência da ótima Zombie Dance, que Boltendahl, numa entrevista ao autor desta resenha, na manhã do show, disse ter sido motivo de criticas à banda. Bom, ao anunciá-la, presente em The Living Dead, o vocalista deu a deixa para entender por que alguns fãs reagiram negativamente: “Vamos tocar uma música na qual misturamos dois estilos. Vocês querem dançar?”. Pronto. Dançar. Sacou? Felizmente, parte da plateia mostrou não ser conservadora e entrou na brincadeira, fazendo até coreografia no “Step to the right / Step to the left” e “Jump to the right / Jump to the left” do refrão. Uma descontração mais do que necessária para o óbvio encerramento com o hino Heavy Metal Breakdown, que, aí sim, levou todos os fãs ao delírio – ao ponto de um subir no palco e arrancar o único semblante de irritação de Boltendahl em toda a noite –, num encerramento de festa que, vamos relembrar, merecia mais pessoas presentes. Quantos fãs cariocas do Grave Digger ficaram em casa?

Setlist
1. Fear of the Living Dead
2. Tattooed Rider
3. The Clans Will Rise Again
4. Lionheart
5. Blade of the Immortal
6. Lawbreaker
7. The Bruce (The Lion King)
8. The Dark of the Sun
9. Call for War
10. The Curse of Jacques
11. War God
12. Season of the Witch
13. Highland Farewell
14. Circle of Witches
15. Excalibur
16. Rebellion (The Clans Are Marching)
Bis
17. Healed By Metal
18. Zombie Dance
19. The Last Supper
20. Heavy Metal Breakdown

Nuclear Assault

Por Daniel Dutra | Fotos: Alexandre Cavalcanti

Duas décadas depois da antológica estreia no Brasil, com dois shows no Dama Xoc, em São Paulo, tendo o Sepultura como banda de abertura, o Nuclear Assault voltou ao país para uma série de seis apresentações, incluindo o Rio de Janeiro, onde a banda esteve pela primeira vez quatro anos antes, no mesmo Teatro Odisseia – as outras datas foram no Recife, em Vila Velha e em São Paulo, sendo duas na capital e uma em Limeira. Pronto. Introdução histórica feita, vamos ao que mais interessa: John Connelly (vocal e guitarra), Dan Lilker (baixo), Eric Burke (guitarra) e Nick Barker (bateria) foram responsáveis por um massacre na tradicional e acanhada casa de shows na Lapa – e sim: Glenn Evans não veio, mas, como bem disse Lilker em algum momento da noite, quem estava comandando as baquetas era “Nick fucking Barker!”. O ex-Cradle of Filth, Dimmu Borgir, Lock Up e Testamente vem ajudando o grupo desde 2016, quando Evans sofreu uma lesão num dos braços.

Escorados por um ótimo som, o quarteto entrou arregaçando com a trinca que abre Survive (1988), segundo álbum (e quarto trabalho na discografia) do Nuclear Assault. Rise from the Ashes acabou servindo de cartão de visitas para Barker e seu show particular; e para Connelly, cuja voz peculiar e sensacional resistiu muito bem à idade do professor – literalmente, uma vez que o guitarrista e vocalista é hoje um tiozinho que leciona História no ensino médio americano. Na sequência, a maravilhosa Brainwashed e seu refrão matador ajudaram a formar uma bela roda na pista, mantida pela porradaria de F#. “Um minuto, porque temos um pequeno problema técnico”, pediu Lilker, referindo-se à guitarra de Burke, para depois perguntar, em bom português, “Onde está maconha?”, arrancando gargalhadas dos presentes. Problema sanado, Vengeance foi mais uma pancadaria das boas.

Com uma garrada de 600 ml de cerveja artesanal, um contraste com a tulipa de chope que Lilker empunhava, Connelly deu a deixa para After the Holocaust: “Nós somos o Nuclear Assault, de algum lugar dos Estados Unidos, e vamos tocar muito thrash metal fodido para vocês”. Foi a mais pura verdade, porque em seguida vieram as lindezas New Song e Critical Mass, sem sair de cima. Duas provas de que a obra-prima Handle With Care, que completa três décadas de vida no dia 23 de novembro deste ano, é a obra favorita dos fãs. Foi um momento simplesmente espetacular. A instrumental Game Over foi enriquecida com o coro da plateia, atingida na sequência por Butt Fuck, com os vocais Connelly e Lilker se encontrando e dando gosto de ouvir.


Os clássicos fizeram um apressadinho pedir por Hang the Pope, e Lilker deu o recado: “Ela vem depois. Paciência”. Stranded in Hell e Sin, duas das oito faixas do álbum de estreia, Game Over (1986), tocadas naquela noite, continuaram acelerando o rolo compressor, enquanto Betrayal e os gritos de Connelly soaram lindamente. “Nick quer marijuana, e eu também”, avisou Lilker em sua busca pela erva, antes de puxar o celular para tirar foto do público, e rapidamente a banda mandou a punk rock Analogue Man in a Digital World, única do mais recente trabalho da banda, o EP Pounder (2015). “Agora vamos para um set de soft jazz”, bradou o inspirado baixista. “Ok, agora vamos lá”, e aí sim F# (Wake Up) iniciou mais uma dobradinha de Handle With Care, abrindo caminho para a espetacular When Freedom Dies.

Honestamente, poderia ter acabado aí que todos voltariam felizes da vida para casa, mas os caras emendaram de uma vez só My America, Hang the Pope e Lesbians, numa estupidez musical completada com Trail of Tears, outra pérola de Handle With Care – e mais uma vez veio a memória, assim como no momento de Critical Mass, do videoclipe passando na MTV quando a MTV valia a pena. Fim do show, Connelly, Lilker, Burke e Barker desceram para tirar fotos, autografar encartes, distribuir palhetas e bater papo com os fãs que compareceram ao Odisseia naquela noite de terça-feira. E foram poucos, infelizmente, numa demonstração de como fazer eventos de metal no Rio de Janeiro tem se tornado uma tarefa heroica para os produtores menores e independentes, que não contam com patrocínio algum que não seja o ingresso comprado pelo fã. A continuar nesse ritmo, aquele headbanger carioca que fica em casa assistindo a DVDs vai ter que comprar mais DVDs, porque não demora muito e os shows serão mesmo apenas na TV.

E se havia um número abaixo da média para ver o grupo principal, os de abertura tocaram quase como se fosse um ensaio – claro, quem é quer chegar mais cedo para ver e privilegiar as atrações nacionais? Nem todo mundo, obviamente, e o Savant, que inaugurou os serviços, foi quem mais sofreu. “Isso aqui não é um pocket show. Está todo mundo parado, mas estamos filmando”, reclamou o guitarrista e vocalista Antonio Vargas, lembrando que imagens do show estavam sendo registradas para um videoclipe – o quarteto é completado por Daniel Escobar (guitarra), Frederico Moshilão (baixo) e Felipe Saboia (bateria).

E olha que o som da banda é propício para bater cabeça, ainda assim o apelo não surtiu muito efeito. Suicidal Premonition, por exemplo, teve provavelmente o ‘wall of death’ mais inofensivo da história do thrash metal. Uma pena, pois a banda merecia mais empolgação vinda da pista, mesmo que com pouca gente. Ainda assim, músicas como Religion Misunderstood, Third Antichrist, Colonizer – “Sobre os maiores serial killers da história”, explicou Vargas – e No Hope, que fez a lição de casa com muito Slayer e Kreator, passaram muito bem o recado do Savant, que está na estrada desde 1999 e já soltou quatro trabalhos: os EPs Portrait of Reality (1999) e Evidence Elimination (2004); e os CDs No Hope (2007) e Serial Killers’ Tales (2017).

“É melhor aqui do que lá fora, bebendo suco de milho gelado no litrão”, mandou na lata o guitarrista e vocalista do Vorgok, Edu Lopez, antes de Hell’s Portrait, referindo-se exatamente ao apoio do público aos brasileiros. Ou à falta de apoio, no caso, porque estamos falando de bandas locais de uma cidade que foi precursora no metal nacional, mas que hoje conta com um cenário desolador. E o mais curioso é que foi exatamente naquela canção que Erik Burke, o guitarrista do Nuclear Assault, foi visto pelos fãs na pista, curtindo o show. Ainda assim, o quarteto – que ainda conta com Bruno Tavares (guitarra), João Wilson (baixo) e Mike Nill (bateria) – não se fez de rogado e despejou seu thrash metal em quem quisesse ouvir.


O set contou com duas músicas novas, At Home in Hell e Kleptocracy, que estarão no segundo CD – segundo Lopez, o sucessor de Assorted Evils (2016) deve ser lançado “se tudo der certo, se não acontecer nenhuma merda, até o fim de ano” –, e outras que não escondem forte influência de Sepultura antigo: Kill Them Dead tem um quê de Dead Embryonic Cells, e Man Wolf to Man, de Beneath the Remains. A referência musical, no entanto, até empalidece quando Lopez anuncia Headless Children como uma canção que fala da “educação das crianças no terceiro mundo”, mostrando uma consciência social tão importante e necessária nos dias sombrios que estamos vivendo num Brasil de menosprezo à educação e ao pensamento e de culto à ignorância. E foi por isso mesmo que rolou um bate-papo online com o guitarrista e vocalista, que explicou o conteúdo.

“Muitas das letras do álbum foram escritas com bases em pesquisas que fiz em relatórios de organismos da Organização das Nações Unidas (ONU). Pesquisei relatórios da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), e Headless Children trata das causas da evasão escolar, das barreiras ao acesso à educação e das consequências nefastas disso tudo nas regiões mais pobres e conflagradas do planeta”, contou Lopez, que ainda comentou uma coincidência de título. “Tem uma história engraçada. Pensei em ‘Headless Children’ porque as pessoas imaginam logo crianças decapitadas, mas, como você viu, refiro-me, na verdade, a crianças com a capacidade intelectual reduzida pela falta de estudo. Quando pensei no nome, salvei a demo que tinha gravado no meu estúdio caseiro. Dias depois, fui trabalhar nela e não a encontrava de jeito nenhum no PC. Estava tenso, até que notei um ícone do W.A.S.P. na minha tela inicial. Eu, que nunca fui fã da banda, me perguntei ‘Que porra é essa?!’. Cliquei e estava lá. O computador gerou o ícone automaticamente, e foi assim que descobri que o W.A.S.P. tem não apenas uma música com o mesmo nome, mas um álbum! Só que eu tinha gostado tanto da ideia que mantive o nome.”

Setlist Nuclear Assault
1. Rise from the Ashes
2. Brainwashed
3. F#
4. Vengeance
5. After the Holocaust
6. New Song
7. Critical Mass
8. Game Over
9. Butt Fuck
10. Stranded in Hell
11. Sin
12. Betrayal
13. Analogue Man in a Digital World
14. F# (Wake Up)
15. When Freedom Dies
16. My America/Hang the Pope/Lesbians
17. Trail of Tears

Setlist Vorgok
1. Mass Funeral at Sea (Intro)
2. Deception in Disguise
3. Hunger
4. At Home in Hell
5. Kill Them Dead
6. Hell’s Portrait
7. Headless Children
8. Man Wolf to Man
9. Kleptocracy

Setlist Savant
1. Eyes of Butcher
2. Religion Misunderstood
3. Third Antichrist
4. Evidence Elimination
5. The Gray Man
6. Colonizer
7. No Hope
8. Suicidal Premonition
9. Pleasure of Pain

Greta Van Fleet

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

Led Zeppelin. Para o bem ou para o mal, a banda de Robert Plant, Jimmy Page, John Paul Jones e John Bonham é sempre a primeira coisa que vem à cabeça – e sai da boca – quando o assunto é o Greta Van Fleet. E as reações costumam ser maniqueístas, apesar de ser possível encontrar um meio-termo, mesmo nesse hype que envolve os irmãos Josh (vocal), Jake (guitarra) e Sam Kiszka (baixo) e o baterista Danny Wagner. Por exemplo, dá para achar que Anthem of the Peaceful Army (2018) é um baita disco de rock’n’roll, mas ainda assim não listá-lo entre os melhores lançamentos do ano porque, bem, tudo que está ali foi feito cinco ou quatro décadas atrás por Plant, Page, Jones e Bonham. Mas aí os garotos, que este ano levaram o Grammy de melhor álbum por From the Fires (2017), vêm ao Brasil e mostram que são mesmo para valer.

Não que isso vá mudar a opinião daqueles que escolheram 8 em vez de 80, mas numa Fundição Progresso lotada – cuja capacidade oficial é de 5.000 pessoas, então olha a que ponto chegou o hype do Greta Van Fleet no Rio de Janeiro… –, o quarteto fez um show para deixar muita gente grande com vergonha. Com um palco que privilegiava apenas uma ótima iluminação, ou seja, nada de pirotecnia, efeitos ou mesmo algum pano de fundo, a banda entrou mandando ver com The Cold Wind e logo mostrou uma elogiável faceta: uma performance inquieta, principalmente a de Jake, que parece ter se preparado com várias latinhas de algum energético. Resumindo, eles se divertem tocando, e isso naturalmente passa para a plateia. E se os fãs e, principalmente, curiosos curtiram a canção que abriu a noite sem precisar abrir a boca para cantar, o mesmo não aconteceu em seguida.

A ótima Safari Song fez o público colocar a garganta para trabalhar, e Black Smoke Rising completou o serviço com seu refrão grudento. Antes da terceira música do set, aliás, Wagner fez a alegria de quem vibra com qualquer virada de bateria – basicamente, os mesmos que iam ao delírio a cada nota alta alcançada por Josh – ou daqueles que ainda acham legal solo individual nos dias de hoje. Ainda assim, não deixou de ser uma satisfação ver tanta gente cantando as músicas de uma banda jovem que resolveu tocar rock’n’roll de verdade (a declaração é um spoiler das considerações finais). “Essa é a primeira vez que tocamos no Rio. Na verdade, não apenas na cidade, porque é o nosso primeiro show no Brasil”, disse Josh antes de Flower Power, na qual Sam, tal qual John Paul Jones, largou o baixo e foi para o teclado.


Watch Me, de Labi Siffre, e a curta The Music is You, de John Denver (ele mesmo, o artista country que se juntou a Frank Zappa e Dee Snider contra o PMRC nos anos 80), serviram para esquentar o clima para a bela You’re the One, outra cujo refrão foi bem recebido pelo público. Ao fim, as vozes vindas da pista e das frisas aportuguesaram a pronúncia da primeira das três palavras que formam o nome da banda no tradicional corinho de “Olê, olê, olê!”, cujo ritmo foi acompanhado por Wagner, e receberam de volta um agradecimento de Josh: “Obrigado por nos manter no tempo certo.” Mesmo brincando, o vocalista acertou, porque o que os quatro fizeram a seguir foi de arrepiar e, fácil, o melhor momento do show: a dobradinha Black Flag Exposition e Watching Over, ambas com uma iluminação bem particular, com tons de azul e vermelho saindo do fundo do palco e deixando a frente na penumbra.

Um ótimo efeito para a parte musical: Black Flag Exposition foi um longo desbunde instrumental, com destaque para o longo e sensacional solo de Jake, que esbanjou feeling num improviso muito bem ensaiado, digamos assim, e Watching Over veio na cola, sem deixar a plateia respirar, para mais um show particular do guitarrista (e se você ouviu algumas notas do solo de Stairway to Heaven, eu diria que não foi mera coincidência). Curiosamente, o set regular foi encerrado com mais holofotes para Jake em Edge of Darkness, e foi aqui que o garoto mostrou de vez que só não é mais Jimmy Page porque usa uma Gibson SG (de apenas um braço) em vez de uma Les Paul. Afinal, além de tocar com a guitarra nas costas, ainda meteu aquelas notas na trave que só Page faz com tanta maestria. Mas o pupilo aprendeu direitinho a lição. Hora do bis, e o Greta Van Fleet, que costuma alterar a ordem do setlist de um show para o outro, apelou com dois de seus hits – sim, porque o grupo já tem hits, no plural. When the Curtain Falls estava na boca do público, mas foi Highway Tune que terminou de deixar a casa em ebulição depois de 80 minutos de um ótimo show de rock’n’roll, principalmente para quem vê o copo metade cheio.

Para quem vê o copo meio vazio, vale lembrar que não será num show do The Strokes que veremos tanta gente usando camisas do AC/DC, KISS, Black Sabbath, Iron Maiden e, claro, Led Zeppelin. Da mesma maneira, não será o The Vaccines que fará a garotada olhar para trás para descobrir as raízes dessa música que tanto gostamos, e que esses quatro garotos do Greta Van Fleet fazem de maneira orgânica, com instrumentos de verdade, o que já é um passo para começar a construir uma identidade própria. Lembre-se: verão sim, verão também, a grande mídia – aquela moderna, que venera artistas indie, saca? – tem a necessidade de criar um salvador do rock, como se o gênero precisasse de salvação. Então, se a nova geração tem que ser bombardeada com música, que seja uma de qualidade acima da média e de boas referências, mesmo que a fonte seja o maior grupo de rock da história (o desempate com os Beatles é no photochart). Afinal, se o próprio Robert Plant deu a bênção a Josh, Jake, Sam e Wagner, quem somos nós para discordar?

Setlist
The Cold Wind
Safari Song
Black Smoke Rising
Flower Power
Watch Me
The Music is You
You’re the One
Black Flag Exposition
Watching Over
Edge of Darkness
Bis
When the Curtain Falls
Highway Tune

Black Label Society

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

Oito vezes em 11 anos. Não está ruim para o headbanger carioca acompanhar as aventuras de Zakk Wylde em cima do palco – além do Black Label Society, a matemática inclui o Zakk Sabbath e as duas apresentações ao lado de Ozzy Osbourne. Mais do que isso, o guitarrista comprovou o status de queridinho do público ao encher o Circo Voador pela terceira vez seguida, então não será surpresa se em breve voltar à cidade com seu projeto que revisita a primeira fase do Black Sabbath, afinal, o Madman reagendou todas as datas deste ano de sua No More Tours 2 para 2020. Só que o sonho e/ou o desejo ficam para depois, porque a realidade foi a quinta parada do BLS em sua turnê de sete datas pelo Brasil – a banda tocou em Porto Alegre, Curitiba, Brasília e Manaus antes do Rio de Janeiro, de onde seguiu para São Paulo e Belo Horizonte.

Mas a noite de sexta-feira começou com o anfitrião Syren, que agarrou a oportunidade com unhas e dentes. Em 30 minutos, Luiz Syren (vocal), Pedro Soriano (guitarra), Thiago Velasquez (baixo) e Julio Martins (bateria) mostraram o que a banda, em suas diferentes formações, sempre fez de melhor: heavy metal em estado bruto e sem firulas, daqueles contagiantes e recheados de riffs, melodias e refrãos bacanas. Com dois discos nas costas, Heavy Metal (2011) – viu só? – e Motordevil (2015), o quarteto equilibrou o curto set entre o antigo e o novo. Do álbum mais recente, My Shadown, My Dear Friend foi o cartão de visita, e a ótima Eyes of Anger veio a seguir para mostrar o carisma de Syren, que não se fez de rogado ao pedir gritos mais altos de “boa noite” e colocou a plateia para entoar o coro da música. E quem já estava na pista e nas arquibancadas comprou o barulho, cantando o refrão da faixa-título do trabalho de estreia – feito sob medida exatamente para isso, diga-se.


O novo single, Salvation, cujo ‘lyric video’ já está no YouTube, premiou dois fãs que, da pista, acertaram o nome da música – cada um levou para casa um CD do grupo – e mostrou que o direcionamento continua firme e forte, mas com um detalhe agradável: de forma consciente ou não, o refrão tem um bem-vindo toque de Nevermore. Hora de apresentar os integrantes, de agradecer à produtora do evento pela justa oportunidade e, principalmente, soltar uma verdade: “Fazer heavy metal no Rio é coisa de herói”, disse Syren, batalhador de longa data no cenário no carioca e um dos principais vocalistas do estilo no Brasil, ainda que, talvez por ser radicado numa cidade outrora maravilhosa, não tem o reconhecimento que merece. Mais uma do primeiro disco, Die in Paradise – que dá nome à cerveja da banda – encerrou um show enxuto e que manteve o nível lá em cima o tempo todo. Mais uma vez, heavy metal puro e feito por quem e para quem cresceu ouvindo as melhores referências do estilo.

Aquecimento feito, então era hora de a cortina com a caveira e o logo do Black Label Society – aqueles da capa internacional de Sonic Brew (1999), o álbum de estreia – cobrir o palco para anunciar que a partir dali Zakk Wylde, Dario Lorina (guitarra), John DeServio (baixo) e Jeff Fabb (bateria) tomariam conta da festa. Depois de Whole Lotta Sabbath, o mashup de War Pigs com Whole Lotta Love criado pelo australiano Tom Compagnoni, rolar no PA, a cortina caiu para o quarteto começar o massacre com Genocides Junkies, e nem mesmo a breve falha na guitarra de Wylde poderia diminuir a previsível empolgação – mas é bom ressaltar que o som estava muito, muito bom. Em seguida, Funeral Bell inaugurou o primeiro pula-pula da noite, colocando os fãs também para cantar o refrão, e Suffering Overdue injetou a primeira dose mais forte de fritação do chefão do BLS. E foi assim, com uma sequência de três cruzados no queixo, que os fãs foram vencidos.

Exatamente, foram três sem sair de cima até a primeira das trocas de guitarra ao longo da apresentação – não para mostrar a vasta coleção de Wylde, porque isso ele faz nas redes sociais, mas por causa das diferentes afinações –, e Bleed for Me manteve o clima quente. Até porque Fabb resolveu brincar no andamento mais reto da canção e enfiou uns licks para tornar as coisas mais interessantes. Com um groove incomum para o BLS, Heart of Darkness antecedeu o que foi, de fato, o primeiro grande momento da noite, porque Suicide Messiah foi matadora! Teve um efeito bem legal com canhões de fumaça (ou gelo seco, vá saber…), roadie com o megafone para cantar o nome da música no refrão e, melhor de tudo, um Circo Voador em uníssono fazendo o mesmo no encerramento. Um momento tão legal que arrancou palmas e um baita sorriso de Wylde. Sim, deu até para ver os dentes no meio da barba e da cabeleira que o deixam parecido com o primo Coisa, de A Família Addams. E tem foto para provar.


Como o álbum mais recente do BLS, Grimmest Hits (2018), ainda tem cheiro de novo, a banda – cuja formação é a mesma desde 2014 – felizmente mostrou algumas de suas faixas (clique aqui para ler a resenha do CD). E três vieram em sequência: Trampled Down Below teve direito a Lorina com arco à la Jimmy Page; All That Once Shined levou Wylde a abandonar a tradicional (e encenada) pose de marrento para brincar com o público, que começou um coro com a melodia da canção; e Room of Nightmares soou sensacional com seu refrão simples e eficiente. Até então, o peso estava dominando a famosa casa na Lapa, mas sempre tem aquele momento de calmaria, sabe? Uma trilogia de sensibilidade, aliás. Começou com Bridge to Cross, tendo Lorina no teclado (com som de teclado mesmo), e terminou com Spoke in the Wheel e a indefectível In This River, ambas com Wylde no teclado (agora com som de piano). E a última foi, claro, o destaque. Não pelas brincadeiras de Wylde, que ainda mostrou seu lado de pianista virtuoso, mas por causa das bandeiras de Dimebag Darrell, à esquerda do palco, e Vinnie Paul, à direita. Desnecessário dizer qual foi a reação dos fãs ao ver as imagens dos saudosos irmãos.

Com o pé novamente no acelerador, o BLS matou a pau com The Blessed Hellride e resgatou mais uma do novo disco, a ótima A Love Unreal, mas foi Fire it Up que levou a lona ao delírio. Tivemos mais efeitos com os canhões de fumaça, as várias bolas jogadas para a plateia – simulando a bola 8 da sinuca, como na capa de Shot to Hell (2006), apesar de a canção ser de Mafia (2005) – e um desfecho com muita debulhação, incluindo Wylde tocando com os dentes, com a guitarra nas costas e duelando com Lorina, e uma menção a Smoke on the Water, do Deep Purple. Era tanta felicidade que os fãs mandaram um trenzinho na canção seguinte, Concrete Jungle, e tome mais uma leva de solos, agora com um duelo estendido entre Wylde e Lorina, que se revezavam na plataforma usada pelo vocalista e guitarrista, além de nova menção a um clássico no fim: Black Sabbath, a música.

Os fãs adoraram, ou talvez seja isso mesmo que a grande maioria espera, mas é um tempo perdido se considerarmos que nada de Order of the Black (2010) foi tocado – honestamente, Overlord, Parade of the Dead e Godspeed Hellbound são melhores do que ficar vendo o que todos já sabemos, ou seja, que Wylde é um dos grandes guitarristas do heavy metal. Mas teve Stillborn, um hino, para reconduzir o show ao seu devido lugar, com Fabb enlouquecido atrás da bateria, como se estivesse tomado pela energia que era emanada para o palco – sejamos justos: DeServio, braço-direito de Wylde, tem uma baita presença de palco, e o conjunto da obra acaba compensando a relativa timidez de Lorina. Mas o que dizer de um show que acaba sob efusivos aplausos de uma casa cheia? Ora, foi bom para caramba, e os fãs ainda ganharam camisas oficiais do Black Label Society. Digo, aqueles que se dispuseram a se estapear para disputar os mimos que foram jogados pela banda.

Setlist Black Label Society
Genocide Junkies
Funeral Bell
Suffering Overdue
Bleed for Me
Heart of Darkness
Suicide Messiah
Trampled Down Below
All That Once Shined
Room of Nightmares
Bridge to Cross
Spoke in the Wheel
In This River
The Blessed Hellride
A Love Unreal
Fire it Up
Concrete Jungle
Stillborn

Setlist Syren
My Shadown, My Dear Friend
Eyes of Anger
Heavy Metal
Salvation
Die in Paradise

Kip Winger

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

“Preciso que meu violão funcione, mas posso apenas cantar”, disse Kip Winger ao responsável pelo som da casa. E enquanto o problema não era resolvido, o jeito era jogar conversa fora. No bom sentido. “É muito bom estar de volta ao Rio de Janeiro, e em algum momento isso vai funcionar”, garantiu o músico, observando o técnico mexendo no equipamento. “É tudo que tenho a dizer, porque o que quero mesmo é cantar algumas músicas. Bom, posso fazer o moonwalk.” A segunda vez de Kip com seu show acústico na cidade já estava virando comédia stand-up – ele ameaçou o passo de dança, arrancando risadas do público – quando tudo parecia finalmente solucionado. “Estou até com medo de me mexer. Alguém tem uma fita? Ok, dane-se!”, brincou Kip antes de o som sumir mais uma vez. “Bom, garanto a vocês que vai ser incrível assim que acertamos isso.” E foi.

Acompanhado apenas do ótimo percussionista Robby Rothschild, que participou de três de seus discos solo de estúdio – This Conversation Seems Like a Dream (1997), Songs from the Ocean Floor (2000) e From the Moon to the Sun (2008) –, Kip fez um show realmente incrível. O início com Cross, de Songs from the Ocean Floor, foi o aquecimento para a primeira enxurrada de joias do Winger. Easy Come Easy Go ganhou os vocais de apoio voluntários dos fãs que compareceram em número razoável ao Teatro Odisseia, mas em quantidade suficiente para arrancar um “Fucking awesome! Obrigado”, dito com um enorme sorriso pela estrela da noite. Em Who’s the One foi a vez de o microfone falhar, então a parada para o conserto foi aproveitada com apertos de mão e autógrafos para a turma que estava colada no palco – a casa, aliás, estava com uma inédita configuração de mesa e cadeiras, mas ninguém ficou sentado.

Can’t Get Enough foi outra muito bem recebida, mas o negócio esquentou em Hungry. Não porque o público cantou junto, mas porque Kip deixou todo mundo de queixo caído. É simplesmente absurdo o que esse cara canta, e a resposta da plateia foi com um coro com seu nome, prontamente devolvido pelo músico com um “Rio! Rio! Rio” – em tempo: sim, músico. Melhor ainda, multi-instrumentista, porque estamos falando de um artista que é muito mais do que o baixista e vocalista do Winger. “Nosso último disco, Better Days Comin’, é de 2014, então eu e Reb vamos nos juntar em agosto para começarmos a compor o novo álbum”, anunciou Kip, arrancando óbvios aplausos entusiasmados dos fãs. Estava mesmo na hora.


E foi de Better Days Comin’ a música seguinte, a belíssima Ever Wonder, com destaque, nas palavras de Kip, para “esse badass motherfucker, o percussionista Robbie”. Rainbow in the Rose, por sua vez, ficou fabulosa no formato acústico – na verdade, foi a comprovação in loco do que está no obrigatório Down Incognito (1998). Mesmo sem o instrumental que a deixa especialmente intrincada (salve Rod Morgenstein), a complexidade ainda se fez presente na canção que é uma das grandes obras-primas da história do hard rock. Em seguida, Kip perguntou se alguém da pista gostaria de subir ao palco para cantar nada menos que o maior hit do Winger, e entre quem levantou a mão a escolhida foi Laurency Paes, desafiada pelo músico: “Você consegue cantar? Então vem, girl from Rio”. Sim, ela conseguiu e, sem errar uma palavra sequer, vencendo rapidamente a timidez, foi protagonista de um dos momentos mais legais do show. “Isso foi incrível! E foi ao vivo”, disse Kip, empolgado. “Obrigado por apoiarem a música tocada ao vivo.”

A apresentação não havia chegado a sua metade, mas mesmo assim já tinha valido o ingresso de todos os presentes. Só que tinha mais. Spell I’m Under foi mais um show de Kip como vocalista, enquanto Without the Night se mostrou uma agradável surpresa tirada do homônimo disco de estreia do Winger, de 1988. Ideal para preparar o terreno para quatro músicas dos álbuns solo, começando por How Far Will We Go, do genial This Conversation Seems Like a Dream; passando pela espetacular instrumental Free, de Songs from the Ocean Floor; e fechando com duas de From the Moon to the Sun, ambas com Kip trocando o violão pelo teclado: as bonitas Pages and Pages e Where Will You Go, incluindo uma merecida ovação depois da primeira. “Isso é o que importa. Vocês são incríveis. Muito obrigado!”, agradeceu.

É o que importa, mesmo. As canções de sua carreira solo não estavam na ponta de língua de todos os presentes como estavam as joias do Winger, mas a reação foi extremamente positiva, e em muitos se percebia um ar de admiração pelo que talvez estivessem ouvindo pela primeira vez. Mas se era para cantar, o fim do show foi arrasador. Headed for a Heartbreak é tão bonita que nem mesmo o antológico solo de Reb Beach fez tanta falta assim; Down Incognito foi mais uma amostra da garganta privilegiada do cara que ainda é subestimado por muita gente, em boa parte por causa do início dos anos 90; Madeleine fez todo mundo cantar o coro no refrão; e o hino Seventeen, com direito à brincadeira de que agora “she’s only forty eight”, encerrou um show simples que, na verdade, é um espetáculo de bom gosto, boa música e simpatia (Kip não arredou o pé até tirar foto com o último fã que estava numa improvisada fila, ao fim da apresentação) – e sabe aquele baterista que aparece, num vídeo do início dos anos 90, jogando dardos num pôster do Kip Winger? Se tivesse metade do talento que o multi-instrumentista tem no dedo mindinho da mãe esquerda, esse baterista seria um grande músico. Acontece que não tem.

Mas não acabou aí. Não o texto, pelo menos, porque antes teve a apresentação do Anie, projeto acústico dos ex-Shaman e Noturnall Fernando Quesada (violão e vocal) e Junior Carelli (teclados e vocal), que no Rio contaram com a participação especial do vocalista do Rec/All, Rod Rossi. E mais do que cair com uma luva na proposta do evento, a curta apresentação do trio foi uma agradável surpresa. Talvez We Will Rock You, do Queen, e Nova Era, do Angra, pudessem ter dado lugar a canções menos populistas ou até mesmo a obras autorais, uma vez que foi aí que o show realmente ganhou charme, até porque quem estava interessado em assistir iria curtir de qualquer jeito – e não deixa de ser curioso que em alguns momentos cheguei a imaginar que iria começar alguma coisa do Savatage. Mas, por exemplo, pegue We All Die Young, que Chris “Izzy” Cole, interpretado por Mark Wahlberg, canta na audição para vocalista da fictícia banda Steel Dragon no filme “Rock Star”. Não atingiu o status de Stand Up, mas é uma baita música e foi uma ótima escolha para abrir o set.


E Dream on, do Aerosmith, que veio em seguida? É um clássico, mas não é Walk This Way, e ainda ganhou uma bela verão acústica. Foram opções mais acertadas, assim como a inclusão, mesmo que óbvia, da ótima iHate, do Rec/All, e principalmente de material do próprio Anie. And I Go tem uma história que cabe no formato, para convidar a plateia a participar – “Fala dos anos no Shaman e no Noturnall, então foi nossa carta de despedida. Por isso esse tom”, explicou Quesada –, e Choices é boa, muito boa, com um potencial comercial que precisa ser descoberto. Ainda assim, com três músicos talentosos no palco, arranjos bem sacados e, resumindo, um repertório com mais acertos do que erros, o show foi um bom aperitivo para quem não conhecia o Acoustic Natural Intense Experience.

Setlist Kip Winger
Cross
Easy Come Easy Go
Who’s the One
Can’t Get Enuff
Hungry
Ever Wonder
Rainbow in the Rose
Miles Away
Spell I’m Under
Without the Night
How Far Will We Go
Free
Pages and Pages
Where Will You Go
Headed for a Heartbreak
Down Incognito
Madalaine
Seventeen

Setlist Anie
We All Die Young
Dream on
iHate
Choices
We Will Rock You
And I Go
Nova Era