Ultraphonix – Original Human Music

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

“O álbum soa como uma fusão de Red Hot Chili Peppers antigo com King Crimson e Judas Priest. É uma banda superdivertida”, disse George Lynch. “Eu adoro essas músicas, que são muito, mas muito interessantes. E ser muito interessante significa assumir um monte de coisas”, emendou Corey Glover, completando seu raciocínio sobre o Ultraphonix. “Você ouve um pouco de mim e do George, ou do Pancho e do Chris, mas a combinação de nós quatro juntos fazendo acontecer soa bastante particular. Não queríamos fazer uma música que não tivesse características bem definidas, mas também não queríamos fazer um disco do Dokken ou do Living Colour. Queríamos fazer algo que prestasse homenagem ao Dokken e ao Living Colour, mas que seguisse em frente.”

Pronto, curiosidade a mil por hora para ouvir a música criada pelo guitarrista e pelo vocalista no Ultraphonix, com os ótimos Pancho Tomaselli (baixo) e Chris Moore (bateria). E que disco sensacional é Original Human Music! É possível encontrar resquícios de Living Colour na dobradinha Free e Wasteland – esta basicamente uma repetição da anterior –, graças a sua estrutura e letra; ou nas matadoras Take a Stand (mais uma letra da dar gosto) e Ain’t Too Late, ambas com levadas sensacionais, cortesia de Moore, e refrãos para levantar e aplaudir de pé.


Mas o quarteto tem um jeito único de fazer groove. Ouça Counter Culture (anote aí: mais uma baita letra); Baptism, com a sintonia fina entre melodias vocais, baixo e riffs; e a genial Soul Control, na qual Tomaselli e Moore metem um suingue em cima de uma melodia vocal totalmente antagônica, além de uma ponte e de um refrão que levantam defunto. A cozinha do Ultraphonix merece mesmo menção especial, pois consegue se destacar e vez ou outra até mesmo ofuscar quem dá as cartas. Ou seja, Lynch e Glover. Mas a dupla mais famosa brilha em todo o álbum.

O guitarrista detona em Walk Run Crawl, com um solo absurdo e um riff perfeito para acompanhar a levada; e Another Day, com um dedilhado de arrepiar da ponte para o refrão, além de mais um solo de babar. Glover, aliás, também se destaca em Another Day, mas arregaça mesmo na bonita Heart Full of Rain, veículo construído para ser guiado especialmente por sua voz; em What You Say e seu refrão nervoso; e no arrasa-quarteirão Power Trip. E eu falei das letras do vocalista, né? Elas esbanjam inteligência político-social e são uma lição de moral para quem assina embaixo do discurso de ódio e de preconceitos.


Faixas
1. Baptism
2. Another Day
3. Walk Run Crawl
4. Counter Culture
5. Heart Full of Rain
6. Free
7. Wasteland
8. Take a Stand
9. Ain’t Too Late
10. Soul Control
11. What You Say
12. Power Trip


Banda
Corey Glover – vocal
George Lynch – guitarra
Poncho Tomaselli – baixo
Chris Moore – bateria

Lançamento: 03/08/2018

Produção e mixagem: Bob Daspit

The Sea Within – The Sea Within

Por Daniel Dutra | Fotos: Will Ireland/Divulgação

Da teoria para a prática, The Sea Within foi de presente de Natal, no anúncio de sua formação em dezembro de 2017, a responsável por um dos melhores discos de 2018. Que coisa linda é o primeiro álbum do supergrupo formado por Daniel Gildenlöw (vocal e guitarra, Pain of Salvation), Roine Stolt (guitarra, The Flower Kings), Jonas Reingold (baixo, The Flower Kings), Tom Brislin (teclados, ex-Yes) e Marco Minnemann (bateria, The Aristocrats). Para agradar em cheio não apenas aos fãs das bandas principais dos integrantes mais famosos, mas também aos amantes do rock progressivo e até mesmo do prog metal, apesar de o disco homônimo não enveredar pelo lado mais pesado da música.

O primeiro acerto foi dar o microfone a Gildenlöw, e não porque Ashes of Dawn e Goodbye têm um quê de PoS. Com um baita solo de sax, cortesia do convidado Rob Townsend, em cima de uma seção rítmica toda quebrada, cortesia de Minnemann, a primeira escancara essa referência; assim como faz a segunda ao adicionar doses de groove na beleza das melodias. Goodbye, aliás, é a versão mais animada da intimista The Void, cujo andamento mais lento, bem levado pelos teclados, traz mais uma grande interpretação do vocalista. Resumindo, a banda saiu na frente ao colocar à frente do microfone uma cara que antes demais.


A performance de Gildenlöw ainda engrandece duas das melhores faixas de The Sea Within, mas não apenas ele: muito bonita, principalmente no seu refrão, They Know My Name destaca o piano de Brislin e um solo cheio de feeling de Solt; e Broken Cord – a canção mais longa do álbum, com pouco mais de 14 minutos, e participação do ex-Yes Jon Anderson – apresenta uma melodia vocal com forte influência de Beatles ao lado de solos e mais solos, mas nada autoindulgente. Todos baseado em temas e, na melhor escola David Gilmour, com elegância e poucas notas. O principal exemplo, no entanto, é a curta instrumental progressiva Sea Without, na qual predominam os teclados.

O álbum é mesmo produto de um esforço coletivo, que você percebe na maravilhosa An Eye for an Eye for an Eye, um prog mais pop no qual Reingold, Brislin e Minnemann exorcizam seus demônios num longo trecho jazz (tradicional, mesmo); e na emocionante The Hiding of Truth, que ainda tem o piano de Jordan Rudess (Dream Theater) e um dueto vocal com Casey McPherson (Flying Circus). E vale a pena cair dentro da edição especial do disco, que traz um CD bônus com mais quatro ótimas músicas: The Roaring Silence, com uma guitarra funkeada que dá um charme extra; Where Are You Going?, mais uma à la PoS, graças ao tom de dramaticidade que Gildenlöw empresta a ela, fora o bem sacado solo de clavinete; e as belas Time, introspectiva e com backings que funcionam como um coral no refrão, e Denise, emotiva e ainda mais intimista. Se você achar pedante o fato de o supergrupo se autodenominar “a new art rock collective”, saiba que The Sea Within é a confirmação de que eles têm razão.


Faixas
1. Ashes of Dawn
2. They Know My Name
3. The Void
4. An Eye for an Eye for an Eye
5. Goodbye
6. Sea Without
7. Broken Cord
8. The Hiding of Truth
9. The Roaring Silence (faixa bônus)
10. Where Are You Going? (faixa bônus)
11. Time (faixa bônus)
12. Denise (faixa bônus)

Banda
Roine Stolt – guitarra e teclados
Daniel Gildenlöw – vocal e guitarra
Jonas Reingold – baixo
Tom Brislin – teclados
Marco Minnemann – bateria

Convidados especiais
Jon Anderson – vocal
Casey McPherson – vocal
Jordan Rudess – piano
Rob Townsend – saxophone

Lançamento: 22/06/2018

Mixagem: Roine Stolt

Angra – ØMNI

Por Daniel Dutra | Fotos: Henrique Grandi/Divulgação

A entrevista que fiz com Rafael Bittencourt e Felipe Andreoli para a edição 229 da Roadie Crew, de fevereiro de 2018, deixou uma coisa bem clara: ØMNI é o melhor trabalho do Angra desde Temple of Shadows (2004). Uma opinião deste que vos escreve, claro, mas compartilhada pelos próprios músicos. Por quê? Porque o nono álbum de estúdio da banda é ambicioso do conceito à execução musical – e vale a pena para o amigo leitor conferir no site outras partes do longo papo com o baixista e o guitarrista (clique aqui para ler). Mente criativa por trás da história, Bittencourt esmiúça seu peculiar método de trabalho e dá dicas de leitura para quem tiver interesse em se aprofundar nas questões que permeiam o enredo: viagem no tempo, inteligência artificial, consciência coletiva…

E da mesma maneira que tamanha riqueza de detalhes não coube nas páginas destinadas à entrevista, assim a leitura tem continuação no universo da internet, é preciso ouvir ØMNI com atenção e uma boa quantidade de vezes para absorver todos os detalhes. Porque Bittencourt, Andreoli, Fabio Lione, Marcelo Barbosa e Bruno Valverde criaram uma obra que musicalmente, na discografia do grupo, talvez possa ser comparada apenas a Holy Land (1996). Não que as músicas mergulhem a fundo em ritmos brasileiro, mas pelo fato de o instrumental ir além do que já está habituado um quinteto acostumado a quebrar paradigmas.


O principal exemplo pode ser ØMNI – Silence Inside, que em seus pouco mais de oito minutos é tão complexa que o arranjo de cordas acaba servindo de cama para o instrumental. Há peso e beleza, há elementos progressivos e virtuosismo em passagens e mudanças de tempo de tirar o fôlego. Não à toa a faixa seguinte, ØMNI – Infinite Nothing, que encerra o álbum, é uma instrumental orquestrada que viaja por melodias e harmonias das outras canções. A trilha sonora ideal para você tentar assimilar tudo o que ouviu.

Aquele Angra que os fãs sempre esperam é encontrado em Light of Transcendence e Travelers of Time, que seguem o molde de Rafael (novamente, leia as entrevistas) com uma sequências de ótimos riffs e temas de guitarra. Ou em Insania, com um refrão forte e pegajoso; na rápida e pesada War Horns, que tem a participação de Kiko Loureiro; e Caveman, cujo groove sensacional carrega ritmos brasileiros e parte da letra em português.

E aquele Angra que pensa fora da caixinha, felizmente, dá as caras nas belíssimas The Bottom of My Soul, cantada por Rafael, e Always More, na qual Lione dá uma aula (é brincadeira o que esse cara canta). E como se não bastasse tudo isso, a banda ainda apresenta duas das melhores músicas de sua história: Magic Mirror, uma joia que transita entre o peso do heavy metal e a sofisticação jazz pop de Sting, e Black Widow’s Web, exatamente a canção que traz Sandy e Alissa-White Gluz. E se você torceu o nariz antes de escutá-la, faça isso tendo em mente o conceito artístico, porque o contraste das duas vocalistas ficou primoroso.


Faixas
1. Light of Transcendence
2. Travelers of Time
3. Black Widow’s Web
4. Insania
5. The Bottom of My Soul
6. War Horns
7. Caveman
8. Magic Mirror
9. Always More
10. ØMNI – Silence Inside
11. ØMNI – Infinite Nothing


Banda
Fabio Lione – vocal
Rafael Bittencourt – guitarra e vocal
Marcelo Barbosa – guitarra
Felipe Andreoli – baixo
Bruno Valverde – bateria


Convidados especiais
Alissa White-Gluz – vocal
Sandy – vocal
Kiko Loureiro – guitarra

Lançamento: 16/02/2018

Produção e mixagem: Jens Bogren

Krisiun – Scourge of the Enthroned

Por Daniel Dutra | Fotos: Dirk Behlau/Divulgação

Lembro-me de ter tirado, em cima da hora, Forged in Fury da minha lista de melhores de 2015 enviada para Roadie Crew. Por quê? O disco é excelente, mas usei como critério me ater aos estilos dos quais sou mais fã – apesar de acompanhar o Krisiun desde sempre, e com muito mais afinco a partir de Works of Carnage (2003), o death metal nunca foi uma das minhas prioridades musicais. Três anos depois, o novo álbum não apenas é um dos meus cinco nacionais favoritos de 2018, como também entrou no Top 10 enviado para a revista. Ironicamente, porque o 11º disco do grupo é absurdamente brutal. E não chega nem mesmo a ser um mea-culpa, porque Scourge of the Enthroned virou a trilha sonora ideal do momento que vivemos (e isso basta para bons entendedores).

A intenção de Alex Camargo (baixo e vocal), Moyses Kolesne (guitarra) e Max Kolesne (bateria) era um retorno às raízes do próprio death metal, e o groove que marcou o álbum anterior deu lugar à velocidade tradicional do gênero. Muito mais velocidade, é bom dizer, porque o Krisiun sempre buscou, sem perder a essência, novos elementos para não fazer o mesmo disco de death metal lançamento sim, lançamento também . E aqui está a beleza de nunca ter se acomodado: a cada trabalho, respeito e admiração de toda a comunidade metal. Scourge of the Enthroned é assim já com a sua faixa-título, cujos primeiros 56 segundos são uma introdução ao massacre que vem a seguir, com o riff servindo de derradeiro convite.


Há partes mais thrash convivendo perfeitamente com a fúria do death, uma que harmonia que ganha ainda mais vida em Demonic III. As partes cadenciadas são tão espetaculares quanto a seção instrumental na segunda metade da música, cortada por solos matadores de Moyses, mesmo os mais curtos, e as viradas insanas de bateria de Max – o Krisiun se encaminha para os 30 anos de vida, e vamos continuar nos surpreendendo por muito mais tempo com esse cara comandando as baquetas. Com blast beats fazendo um contraste sensacional na parte do primeiro solo, e mais uma sequência cadenciada que é heavy metal puro, Devouring Faith fecha os primeiros 15 minutos do CD deixando o ouvinte sem fôlego.

Mais diretas, Slay the Prophet e A Thousand Graves (que riff absurdo o da abertura) fazem, depois do início avassalador, você perceber como a velocidade e a brutalidade do Krisiun soam orgânicas. O ouvido e a técnica de Andy Classen parecem ter sido feitos sob medida para a banda, com a qual ele, como produtor, já havia trabalhado em Works of Carnage, AssassiNation (2006), Southern Storm (2008) e The Great Execution (2011) – quatro discos que dizem muito sobre essa união. Impecável, a produção engrandece as rápidas mudanças de andamento, capitaneadas pela guitarra (tema e solo fantásticos), em Electricide.

A variação se faz presente também em Abysmal Misery (Foretold Destiny), cujo instrumental, que também passeia entre o cadenciado e a velocidade com a precisão de Max, é igualmente cortado por solos de tirar o fôlego de Moyses. E num disco mais curto que Forged in Fury – 38 minutos contra 51 do trabalho anterior, mais uma amostra do retorno ao passado –, a maravilhosa Whirlwind of Immortality ganha contornos de épico com seus quase seis minutos, dando de presente outro riff cavalar e mais uma grande e furiosa performance vocal de Alex. Ainda é possível se orgulhar de algumas coisas originadas no Brasil, e o Krisiun continua sendo uma delas.


Faixas
1. Scourge of the Enthroned
2. Demonic III
3. Devouring Faith
4. Slay the Prophet
5. A Thousand Graves
6. Electricide
7. Abysmal Misery (Foretold Destiny)
8. Whirlwind of Immortality

Banda
Alex Camargo – baixo e vocal
Moyses Kolesne – guitarra
Max Kolesne – bateria

Lançamento: 07/09/2018

Produção e mixagem: Andy Classen

Sixty-Nine Crash – Postcards from the Black Sun

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Do álbum de estreia, Louder! (2014), até Postcards from the Black Sun, o Sixty-Nine Crash mostra que não ficou imune a algumas mudanças que modernizaram o hard rock – mudanças que, para ficar apenas em dois exemplos, atingiram bandas como a finlandesa Santa Cruz, em seu segundo e homônimo disco, de 2015; e a sueca H.E.A.T, que também dividiu opiniões com Into the Great Unknown (2017). O novo trabalho do grupo carioca – formado por Jay B Roxx (vocal e guitarra), Davis Ramay (guitarra) e Andy Carvalho (baixo) – deixa o lado festivo do estilo, incluindo as pitadas de sleaze, para cair num lado mais pesado e sombrio, de afinações mais baixas e experimentalismo.

Nada muito radical, no entanto, pois a banda soube trabalhar muito bem a passagem para uma sonoridade mais atual. Se as baladas não podem faltar, o lado mais tradicional se faz presente em Always Love You, enquanto a emotiva Heaven’s Cry vai para um caminho menos convencional – a letra desta última é o principal exemplo de como o álbum foi uma catarse para B Roxx, que escreveu sozinho todas as canções (à exceção de Burning Bridges, da qual Ramay é coautor). O resultado é exatamente o que se espera de baladas hard rock: ambas são muito bonitas. E ao equilibrar as dez faixas entre o conservador e o moderno, o Sixty Nine-Crash acertou ao pesar logo de cara a balança a favor da novidade, digamos assim. We Don’t Need Heroes abre o CD mostrando o que a capa e conceito visual entregam, porque é pesada e carrega nos loops.


E se a ótima Bleeding Heart também apresenta loops e ruídos, além de flertar com o pop moderno, Warfield é mais direta, mas se destaca por um refrão bem forte. As três primeiras faixas têm a companhia da já citada Heaven’s Cry, e é a partir daí que o passado começa a dar as caras. Give Me a Sign ainda carrega doses mais generosas de peso, mas reata com o hard rock tradicional a ponto de Ramay transitar entre o rock’n’roll e o virtuosismo mais melódico em ótimos solos de guitarra. Not Afraid to Die, por sua vez, mostra ao ouvinte uma das melhores características do estilo, seja qual for o rumo que ele segue: um baita refrão com direito a um corinho para ficar grudado na cabeça.

Burning Bridges e Crack Me Open receberam o mesmo benefício, ou seja, a facilidade de fazer o fã cantar, mas ao mesmo fundem o hoje com o amanhã – a primeira tem aquela pegada mais moderna, e a segunda mete mais um baita solo para satisfazer a velha guarda. Propositadamente, o desfecho de Postcards from the Black Sun é com uma música que soa como se fosse oriunda daquela efervescente Los Angeles dos anos 80. Sem concessões, All Lies Are True é viciante até o talo. Tudo isso com uma produção impecável, que faz você jurar que a bateria não é programada – mas nada de MIDI ou de recursos eletrônicos, vale ressaltar. Mergulhe sem medo, porque a viagem é garantida.


Faixas
1. We Don’t Need Heroes
2. Warfield
3. Bleeding Heart
4. Heaven’s Cry
5. Give Me a Sign
6. Not Afraid to Die
7. Burning Bridges
8. Crack Me Open
9. Always Love You
10. All Lies Are True

Banda
Jay B Roxx – vocal e guitarra
Davis Ramay – guitarra
Andy Carvalho – baixo

Lançamento: 01/11/2018

Produção: Celo Oliveira

Khadhu Capanema – Inverno Mineiro

Por Daniel Dutra | Fotos: Vitor Marcel/Divulgação

Inverno Mineiro mostra outro lado de Khadhu Capanema, que mergulhou na própria história e em suas raízes musicais para criar uma sonoridade mais distante daquela feita pelo Cartoon. O fato de as músicas terem sido compostas entre 2016 e 2017 até mostra uma proximidade estrutural com V (2017), álbum mais recente da banda, mas o primeiro disco solo do músico multi-instrumentista vai além ao ser um trabalho realmente acústico. Em uma rica mistura de estilos – que faz do próprio Cartoon uma banda rotulada de rock progressivo por falta de um novo termo –, as 12 músicas passeiam muito mais pelo folk e pela Música Popular Brasileira. E é uma pena que provavelmente não vá chegar ao grande público de MPB, diga-se (ao menos, não no próprio país).

Com letras em português, algo que Khapanema não fazia desde o álbum de estreia do Cartoon, Martelo (1999), Inverno Mineiro tem um alto astral que pode ser traduzido na faixa que abre o CD, Cinco Sorvetes, que chama a atenção pelo casamento do violão como piano, além de ser boa de cantar; em Deixa Brilhar, cuja letra é suficientemente inteligente para evitar o clima de pregação; e Valerá, enriquecida pelo Hammond do convidado Raphael Rocha. Esse mesmo clima positivo não desaparece em canções mais introspectivas, como Já Não Me Importo e Mais Claro Que o Sol, que cresce em emoção em determinados momentos e tem novo destaque para a dobradinha violão/piano.


Todas cinco apresentam outro aspecto do disco: beleza, e uma beleza que se destaca ainda mais no violão e voz (que baita melodia vocal) na infelizmente curta 20 Anos; na relaxante faixa-título; e em Por Uma Noite, que acerta em cheia numa combinação perfeita de instrumental – com solo de saxofone e uso de Wurlitzer – com vocal. No caso, o coral formado pelas vozes de Guilherme Castro, André Godoy, Raphael Rocha, André Marquez, Lorena Amaral e Marcelo Cioglia. Os seis também brilham em Num Canto do Quarto, que fica sensacional de vez com os arranjos de corda, uma levada quase tribal da bateria com a percussão e outro solo de sax.

Com uma bonita orquestração de fundo, Lâmina apresenta um toque de blues, que pediu por um solo bem legal de violão e foi atendido. Ouro Branco, por sua vez, tem um quê de Beatles – e isso sempre faz bem, principalmente quando executado à altura – que deixa a letra autobiográfica ainda mais agradável, porque pode trazer à tona boas lembranças da infância de qualquer um. E tem Chaves do Universo, que se torna a favorita em Inverno Mineiro com arranjo de metais, melodia vocal perfeita e linha de baixo se juntando a todos os outros predicados sonoros. É o resumo de um trabalho muito bonito e agradável.

Faixas
1. Cinco Sorvetes
2. Já Não Me Importo
3. Deixa Brilhar
4. Inverno Mineiro
5. Lâmina
6. Por Uma Noite
7. Ouro Branco
8. Chaves do Universo
9. 20 Anos
10. Mais Claro Que o Sol
11. Valerá
12. Num Canto do Quarto

Músicos
Khadhu Capanema – vocal, violões, baixo, gaita e esraj
Marcelo Ricardo – bateria e vocais
Christiano Caldas – piano e teclados
Paulo Santos – percussão
Fractal Orquestra:
Thiago Rocha Mello – violino
Samuel Gomide – violino
Rômulo Salobreña – viola
Rodrigo Garcia – violoncelo
Renato Savassi – saxofone e flauta
Renison Oliveira – trompete
Pedro Aristides – trombone

Lançamento: 23/08/2018

Produção: Khadhu Capanema
Mixagem: Guilherme Rancanti e Khadhu Capanema

Living Louder – Corsair

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

O Living Louder está entrando no seu terceiro ano de vida, mas se tem algo que o power trio paulista quer mostrar é que não há tempo a perder. Um ano depois do lançamento do autointitulado trabalho de estreia, Ricardo Cagliari (guitarra e vocal), Eduardo Assef (baixo) e Gustavo Gomes (bateria) soltaram Corsair, que apresenta uma evolução impressionante. Não que Living Louder não fosse um bom disco, pelo contrário, mas o segundo capítulo dessa história é, de fato, muito melhor. A começar pela ótima produção, mais orgânica, grave e até mesmo agradavelmente suja. A sensação é de escutar um daqueles vinis muito bem gravados quatro ou cinco décadas atrás – diga-se: a arte da capa, com uma imagem envelhecida, apresentando sinais de desgaste, passa essa mensagem.

Musicalmente, o trio acrescentou groove, muito groove ao seu som. Elemento fundamental às grandes bandas dos anos 60 e 70, ele é escancarado logo na faixa-título, que abre o CD. Entra a bateria, depois o baixo, vêm os riffs e até um toque de slide numa música que tem bastante de Led Zeppelin. Ponto para o Living Louder. O suingue tem forte presença também na ótima An Ace Up My Sleeve, cujo destaque fica para um belo duelo old school entre guitarra e baixo; ou no hard rock de Raw Meat, na qual Caglieri capricha nos solos (com slide, inclusive) por cima de uma cozinha caprichada com a linha melódica de Assef e a levada de Gomes. E cabe mais um adendo em relação à produção: o baixo e do bumbo ganharam um som bonitão, daqueles deliciosamente gordurosos.


São baixo e bateria, aliás, que se destacam no rockão Shoot to Kill Me, mas novamente com a companhia luxuosa de solos matadores (Caglieri larga os dedos sem dó). O disco apresenta heavy rock saído da década de 70 em Life Row; e uma interessante mistura de andamentos em Sweet Spot, que tem estrutura mais reta como base para duas passagens instrumentais bem legais: a primeira entre a ponte e o refrão, e a segunda no solo. E está aí, também, a evolução entre os dois trabalhos, porque essa maior dinâmica aparece em Deliver Us from Evil, que vai do começo hipnótico até o heavy metal, algo meio doom à la Black Sabbath; e em Half a Mind, cujo violão com slide no início entrega algo mais blues antes de a música se transformar num hard rock com melodia vocal caprichada.

E numa banda cujas referências são claras, é interessante notar que a identidade própria vai se moldando ao redor delas. Dá para sacar um pouco de Na Na Hey Hey Kiss Him Goodbye (Steam) e Layla (Derek and the Dominos) nas melodias iniciais de My Private Wallontown – muito de leve, como as sete notas que trazem à mente o antológico tema escrito por Eric Clapton, mas não é coincidência que os dois clássicos sejam de 1969 e 1970, respectivamente. Mas as coincidências pegam um DeLorean e vão para os anos 80 em Running Errands With Mr. D, que tem uns vocais com trejeitos de James Hetfield – e para aqui qualquer semelhança com o Metallica – e, guardadas as devidas proporções, algo de Primus. Não apenas no título, porque há umas convenções aqui e ali no instrumental, mas principalmente na ótima e funkeada melodia vocal que encerra a música. Uma das melhores de Corsair, um álbum sob medida para quem curte rock’n’roll.


Faixas
1. Corsair
2. Deliver Us from Evil
3. An Ace Up My Sleeve
4. Sweet Spot
5. My Private Wallowtown
6. Half a Mind
7. Life Row
8. Raw Meat
9. Shoot to Kill Me
10. Running Errands With Mr. D

Banda
Ricardo Cagliari – guitarra e vocal
Eduardo Assef – baixo
Gustavo Gomes – bateria

Lançamento: 19/10/2018

Produção: Gustavo Gomes

Black Stone Cherry – Family Tree

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Chris Robertson (vocal e guitarra), Ben Wells (guitarra), Jon Lawhon (baixo) e John Fred Young (bateria) ainda carregavam as espinhas da adolescência quando formaram o Black Stone Cherry em 2001, sem esconder as raízes do que, nas palavras de Young, forma a sua “singular sonoridade americana de rock’n’roll” – sim, tem um detalhe importante aí: a banda nunca mudou de formação. A referência é ao acento sulista que sempre rondou o quarteto, mas Familly Tree não esconde a influência resgatada por Black to Blues (2017), um EP que completou o caminho que o quarteto havia voltado a trilhar em Kentucky (2016).

Não à toa esse mesmo caminho começou com a volta ao Barrick Recording Studio, em Glasgow, no estado de Kentucky, onde o grupo deu vida ao primeiro álbum, autointitulado, em 2006. Obviamente, nada disso quer dizer que Between the Devil & the Deep Blue Sea (2011) e Magic Mountain (2014) são trabalhos ruins – pelo contrário, até porque estão neles algumas das melhores canções do Black Stone Cherry, como Blame it on the Boom Boom e Me and Mary Jane, para citar apenas duas –, mas as nuances mais modernas foram definitivamente deixadas de lado no sexto álbum, que forjou 13 músicas muito agradáveis para quem curte rock movido a grandes riffs, solos (com slide, muito slide, mas também de gaita…) e refrãos (e como tem refrão bom no disco…).


Daria para resumir o CD em Dancin’ in the Rain, que tem como convidado o guitarrista e vocalista Warren Haynes (Gov’t Mule e ex-The Allman Brothers Band). Uma das melhores faixas, com um casamento entre as vozes de Robertson e Haynes que alcança a perfeição no refrão – fora os solos de guitarra, obviamente. Mas Family Tree é muito mais que isso. Há canções que escancaram a identidade construída pelo quarteto ao longo dos anos. Se Bad Habit é o típico arrasa-quarteirão que funciona como cartão de visitas, outras na mesma linha apresentam singularidades que as tornam únicas.

Enquanto Burnin’ acrescenta um toque mais pop, principalmente no refrão, e tem um solo dobrado simples e bonito, Carry Me on Down the Road traz um sotaque sulista mais forte. You Got the Blues, por sua vez, engana ao ser mais rock’n’roll do que o blues que o título faz imaginar, e I Need a Woman é cheia de groove e abusa da guitarra slide, mas destaca também um solo cheio de feeling e wah-wah e os backings do filho do Robertson, de 5 anos. Family Tree mesmo é um disco de rock cheio de detalhes, alguns escancarados como o ótimo piano em New Kinda Feelin’, que esconde uma leve menção a Third Stone from the Sun, de Jimi Hendrix; ou a percussão em Get Me Over You que pode remeter ao Mardi Grass, a tradicional festa carnavalesca de Nova Orleans.


Ou o trabalho de guitarra na contagiante Southern Fried Friday Night, com talk box e um solo curto e virtuoso – raridade, uma vez que os solos seguem um caminho de poucas notas e muito feeling. Como o com slide na faixa-título, uma música belíssima sem precisar ser balada, e o Hammond ajuda muito no resultado final. E são esses detalhes que deixam o álbum musicalmente mais rico. My Last Breath, por exemplo, tem um Wurlitzer caprichado, cortesia de Kevin McKendree – responsável por toda sorte de teclados, diga-se – e os lindos backings de Bianca Byrd e Sandra Dye.

As meninas, aliás, são um toque mais que especial. Elas brilham também em James Brown – com esse título, imagine se não é uma baita canção –, mas é em Ain’t Nobody que o bicho pega. Canção formidável e apontando para o gospel, com o qual o Black Stone Cherry já havia flertado antes, seu refrão é tão sensacional que ganhou uma versão 2.0 no fim, com Bianca e Sandra brilhando de mãos dadas com os solos matadores de Robertson e Wells.


Faixas
1. Bad Habit
2. Burnin’
3. New Kinda Feelin’
4. Carry Me on Down the Road
5. My Last Breath
6. Southern Fried Friday Night
7. Dancin’ in the Rain
8. Ain’t Nobody
9. James Brown
10. You Got the Blues
11. I Need a Woman
12. Get Me Over You
13. Family Tree

Banda
Chris Robertson – guitarra e vocal
Ben Wells – guitarra
Jonathan Lawhon – baixo
John Fred Young – bateria

Lançamento: 20/04/2018

Produção: Black Stone Cherry
Mixagem: Chris Robertson

Ghost – Prequelle

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Prequelle figurou como o melhor disco de heavy metal de 2018 em vários lugares mundo afora, e isso não é nenhum exagero, acredite. Principalmente se a eleição for um compilado das escolhas individuais, porque é muito difícil deixar o quarto álbum de estúdio do Ghost fora de qualquer lista – a posição, claro, varia de acordo com o gosto pessoal, afinal, lista é como resenha: opinião. Mas o interessante de tudo é que a banda liderada por Tobias Forge conseguiu romper uma barreira num mundo conservador como o do rock pesado, porque as referências de música pop – mas pop mesmo, como Pet Shop Boys, que teve It’s a Sin regravada para uma edição exclusiva do CD – foram bem aceitas. Felizmente, porque o grupo está conseguindo, guardadas as devidas proporções, manter um pouco de metal no mainstream.

Mas, enfim, o fato é que Prequelle é bom demais, e chega a ser curioso que Forge tenha conseguido elevar ainda mais o nível do Ghost depois das polêmicas com ex-integrantes e do fim do mistério da sua identidade. Apesar de o Papa Nihil ainda estar presente, conceitualmente, Forge deu fim a uma linhagem de Papas – depois dos Papa Emeritus I, II e III – e surgiu com a figura do Cardinal Copia. Acabou o segredo, mas o teatro ainda funciona muito bem. Assim como a música da banda sueca. Depois da introdução Ashes, por exemplo, vem uma trinca arrasadora.


Rats tem uma levada sensacional, enriquecida por um baita riff heavy rock e uma ponte bem pop, que abre caminho para um refrão simples e um corinho funcional. Mais uma com um riff maneiríssimo – e desta vez o trabalho de guitarra acompanha solos bem sacados –, Faith tem umas paradinhas à la King Diamond no refrão, além de ir do pop ao metal com facilidade depois do primeiro refrão. Para fechar, See the Light soa como um pop prog dos anos 80, com uma melodia vocal viciante. As três canções são ótimas e mostram que é tudo muito bem construído, muito bem pensado.

Mas nem tudo são flores. Pro Memoria, por exemplo, é um tanto quanto cansativa em seus quase seis minutos de duração. Ironicamente, sua melodia serve de base para a excelente instrumental Helvetesfönster, uma peça progressiva com a participação de Mikael Åkerfeldt (Opeth) no violão – um dos vários convidados no disco, é bom ressaltar, mas definitivamente o mais conhecido. E por falar em instrumental, o Ghost acerta de novo com Miasma, que tem cara de trilha sonora de filme e detalhes que realmente fazem a diferença: os teclados de Salem Al Fakir, o solo de sax de Gavin Fitzjohn e um riff que lembra, intencionalmente ou não, Beat it, de Michael Jackson.


A rigor, apenas Pro Memoria e Witch Image não se destacam tanto. Esta última, na verdade, por ser quase uma Dance Macabre, mas ser um déjà vu de uma das melhores obras do Ghost merece perdão: esta trata-se de um hard pop dos anos 80, com um refrão irresistível e enorme jeito de hit. Maravilhosa. Sabe aquela pessoa que odeia heavy metal ou faz carinha de nojo porque o Ghost é, vá lá, satânico? Coloque Dance Macabre para ela ouvir e diga que é uma nova banda americana que estourou nas rádios dos EUA e da Europa. Depois, emende com Life Eternal – bonita, muito bonita! – e, em seguida, mostre a capa de Prequelle. Pronto. Você vai poder lembrá-la pelo resto da vida do erro que é o preconceito.

Faixas
1. Ashes
2. Rats
3. Faith
4. See the Light
5. Miasma
6. Dance Macabre
7. Pro Memoria
8. Witch Image
9. Helvetesfönster
10. Life Eternal

Banda
Cardinal Copia
Group of Nameless Ghouls
Papa Nihil

Lançamento: 01/06/2018

Produção: Tom Dalgety
Mixagem: Andy Wallace