Solid Rock: Deep Purple, Cheap Trick & Tesla

Texto: Daniel Dutra | Fotos: Luciana Pires

Meses de ansiedade antecipada e alguns percalços no meio do caminho. O Solid Rock, que reuniu Tesla, Cheap Trick e Deep Purple em três cidades brasileiras – Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro – depois de passar por Santiago (Chile) e Buenos Aires (Argentina), foi além da música. Mas vamos por partes, a começar pela primeira atração da noite: o Tesla, que fez a sua estreia no Brasil depois de mais de 30 anos. E o que dizer de um show marcado para começar às 19h30 na Barra da Tijuca – mais ou menos, mas essa é outra história – numa sexta-feira? A casa estava vazia, obviamente.

Jeff Keith (vocal), Frank Hannon e Dave Rude (guitarras), Brian Wheat (baixo) e Troy Luccketta (bateria) subiram ao palco para um set de 50 minutos diante de algumas centenas de pessoas – em sua maioria, fãs de verdade. Claro, para chegar à Jeunesse Arena, localizada ao lado do Parque Olímpico, a tempo era preciso sair de casa antes de o trânsito na região se transformar no inferno na Terra. O que acontece de segunda a sexta, sem falhas. Custava o evento ter início às 20h30? Afinal, que diferença faria o Deep Purple começar sua apresentação à meia-noite, em vez de 23h? Sem conhecer a logística, no entanto, não adianta cornetar.

O fato é que o quinteto matou a pau! Oriundo da cena americana do hard rock nos anos 80, o Tesla não era daquelas bandas que faziam uso de uma imagem espalhafatosa para chamar a atenção. Não, o visual era sóbrio, e o artifício principal sempre foi a música. E os fãs cariocas que esperaram tanto tempo para ver o grupo – fato ressaltado por Keith, um baita frontman – voltaram extasiados para casa. E a primeira metade do show foi um nocaute até mesmo em quem já havia assistido ao Tesla ao vivo – como este que vos escreve –, porque da abertura com Edison’s Medicine até Heaven’s Trail (No Way Out) a pegada foi absurda. E sem poupar detalhes.

Teve Hannon usando teremim antes do solo em Edison’s Medicine, canção que, diga-se, funcionou como um trator e arrombou o caminho para as três primeiras das quatro músicas extraídas do excelente The Great Radio Controversy (1989): a semibalada The Way it is e as bem-vindas adições de Hang Tough (espetacular!) e Heaven’s Trail (No Way Out) – explica-se: elas não foram tocadas em Santiago, Buenos Aires e Curitiba, que receberam Into the Now. Sim, paulistas e cariocas se deram melhor. E se vale o trocadilho com a letra da última, o Tesla precisou de meio repertório para chutar bundas.

E num set de menos de uma hora, é claro que faltou muita coisa. E já era esperado que a banda privilegiasse alguns hits, como Signs, cover do Five Man Electrical Band e grande sucesso de Five Man Acoustical Jam (1990), o disco que deu início à onda dos acústicos nos Estados Unidos – é isso mesmo, meu amigo. Foi o Tesla que acendeu a luz na cabeça dos executivos da MTV. Um pouco mais de calmaria com Love Song e depois mais um cover para chamar de seu, Little Suzi – canção do PhD. –, até o encerramento com o arrasa-quarteirão Modern Day Cowboy (que riffs!). Um show curto, porém irretocável. Uma banda de ótimos músicos que sempre se preocuparam com uma coisa: música. E que volte muito em breve para um show só seu.

Às 21h em ponto – palmas para a produção pela pontualidade britânica, diga-se – a segunda incógnita fez soar os seus primeiros acordes com Hello There. Também pela primeira vez no Brasil, o Cheap Trick ainda tinha a missão de substituir o Lynyrd Skynyrd, cuja ausência – motivada pelo problema de saúde da filha de Johnny Van Zant – fez com que muitos devolvessem seus ingressos. E voltamos à cornetagem sem saber de detalhes dos bastidores, porque era bem razoável a lista de nomes discutidos como se o assunto fosse ser resolvido numa mesa de bar.

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De Grand Funk Railroad – que não tem mais Mark Farner, mas tem Bruce Kulick (ex-KISS) e um sem-número de hits – a Europe – que faria a ponte perfeita entre o Tesla, por seu apelo hard rock, e o Deep Purple, por causa de sua sonoridade atual – foram vários os exercícios de imaginação. E, bem, o Europe estava abrindo para o Purple na Europa, então… A verdade é que o Cheap Trick fez uma bela apresentação de rock’n’roll para um público que pouco ou realmente nada conhecia do trabalho dos veteranos Robin Zander (vocal e guitarra), Rick Nielsen (guitarra), Tom Petersson (baixo) e Daxx Nielsen (bateria, único integrante que não é da formação original).

Dava contar nos dedos quem conhecia, por exemplo, Big Eyes, umas das primeiras do set, mas o respeito era plausível. E Zander, com a garganta em plena forma, e o figuraça Nielsen nem precisariam ser tão espalhafatosos, visualmente falando, para receberam aplausos. O talento falou mais alto mesmo quando rolou uma esfriada no meio da apresentação, curiosamente marcada pela ótima Long Time Coming, do novíssimo We’re All Alright! (2017) – o grupo ainda arriscou uma boa versão de Run Rudolph Run, canção originalmente gravada por Chuck Berry e que está em Christmas Christmas, também lançado este ano.

Não chegou a levantar o público, o que acontecera antes com Magical Mistery Tour, porque não tem como errar ao tocar algo dos Beatles. E foi mais ou menos a partir do cover dos Fab Four que a engrenagem funcionou melhor numa arena que já recebia um bom número de pessoas. Se a radiofônica The Flame valeu pela voz de Zander, Dream Police ganhou muito ao vivo, soando mais pesada e rock, ao contrário da sua pasteurizada versão de estúdio. O que quase aconteceu com I Want You to Want Me, hit que pode ser tocado de qualquer jeito que sempre será ótimo – felizmente, a faixa etária dos presentes não permitiu nenhum comentário do tipo “Olha só, é aquela música do filme ‘10 Coisas Que Eu Odeio Em Você’”, assim como a ausência de She’s Tight impediu que ela se transformasse num cover do Steel Panther.

E o desfecho, apesar de uma recepção abaixo do esperado, fez valer definitivamente a inclusão do Cheap Trick na lista de shows vistos. Como resistir a Surrender, principalmente quando Nielson joga para a plateia, estrategicamente durante o trecho “got my KISS records out” da letra, duas capas de discos do próprio Cheap Trick, autografadas e cheias de palhetas? Mas nem precisava disso, porque se trata mesmo de uma composição de rara felicidade, o suficiente para fazer de Auf Wiedersehen uma despedida de muito bom gosto.

Faltavam dois minutos para as 23h – viu como seria muito mais legal se o show estivesse marcado para meia-noite? – quando Mars, the Bringer of War, composição de Gustav Holst, anunciou que chegara a vez de Ian Gillan (vocal), Steve Morse (guitarra), Roger Glover (bateria), Don Airey (teclados) e Ian Paice (bateria) deixarem no Rio um pedaço da sua turnê The Long Goodbye. E dizer que estes cinco senhores deram uma aula, escorados por providenciais mudanças no repertório, seria chover no molhado. O fato é que do início ao fim o sentimento era um só: esses caras estão na reta final, e refiro-me às bandas clássicas, não apenas ao Deep Purple. O rock como conhecemos não será mais o mesmo. Simples assim.

Com a casa cheia – dez mil ingressos vendidos antecipadamente, segundo a produção, num cálculo que inclui site de promoções e esquema “leve dois e pague um” –, as primeiras notas de Highway Star soaram como o início de uma grande festa. O clássico, que voltou ao set list na turnê sul-americana, foi responsável pelo primeira união das vozes na arena. Eram milhares cantando com Gillan, fosse a letra ou a melodia inicial do solo que, de tão genial em sua concepção original, não é alterado pelo (igualmente genial) Morse.

Sem sair de cima, sem sequer um segundo de intervalo, a banda emendou uma sequência de tirar o fôlego. Pictures of Home e Bloodsucker podem não ter causado o frisson de Highway Star e de Strange Kind of Woman, que veio em seguida e colocou muita gente para pular, mas garantiram o placar com pouco tempo de bola rolando. E apesar de Uncommon Man ser de um álbum mais recente – NOW What?! (2013) –, a homenagem a Jon Lord, falecido em 2012, foi suficiente para as atenções continuarem voltadas ao palco.

Não foi coincidência que a canção seguinte tenha sido antecedida de um solo de teclado, como não é coincidência o cartaz que Airey tem na banda, cartaz que só cresceu ao longo dos últimos 17 anos. O veterano músico, que por muito tempo foi apenas um contratado, é um mestre no Hammond, fazendo justiça ao legado de Lord como nenhum outro poderia fazer. Aos descrentes, Lazy foi a resposta.

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Como o Purple não tocava no Rio desde 2008, as mudanças no set acabaram sendo ainda mais significativas. Em vez de muito material novo, como vem acontecendo na Europa, o grupo decidiu olhar mais para o passado e apostou em apenas uma música de inFinite (2017), Birds of Prey. No entanto, algo mais animado, como Johnny’s Band, All I Got is You ou Time for Bedlam, tivesse sido mais apropriado. Nada que tenha baixado o astral, uma vez que Knocking at Your Back Door colocou a casa em ordem logo em seguida, mesmo numa versão pé no freio e com afinação bem mais baixa.

Ninguém espera mais que Gillan atinja aquelas notas estratosféricas, mas o vocalista que um dia foi chamado de Silver Voice continua sendo, aos 72 anos, o cara cuja presença é hipnotizante. Mesmo que as saídas do palco durante as longas sessões instrumentais, uma bênção desde sempre no Purple, sejam cada vez mais frequentes. Vale dizer, aliás, que foi uma surpresa o vigor de todos na banda. Não que se esperasse algo diferente de Glover e do genial Morse, mas arrisco dizer que a performance de Paice foi muito mais do que a maioria esperava. Claro, o soberbo trabalho de caixa continua lá, e ninguém é melhor do que ele nesse quesito, mas as viradas criativas e precisas foram feitas com uma velocidade surpreendente – lembre-se: o batera de 69 anos sofreu um leve derrame há um ano e meio.

E tem Airey. Em seu longo solo, o tecladista arrancou efusivos aplausos ao tocar no piano (bem, um teclado com som de piano) trechos de algumas joias do cancioneiro brasileiro, digamos assim. Mas não foi apenas por causa de Corcovado, Garota de Ipanema, Chega de Saudade, Brasileirinho e Aquarela do Brasil que se deu a ovação. Foi pelo talento, mesmo. Tudo muito bem casado até o tecladista puxar Perfect Strangers e colocar a casa abaixo. Também não foi apenas pelo clima criado com a faixa-título do disco da volta, em 1984, que a agradável surpresa Space Truckin’ fez todo mundo berrar “Come on! Let’s go space truckin’”. E foi lindo.

Para terminar de derrubar as estruturas, Smoke on the Water, aquela música cujo riff deve ser o mais tocado da história. Com a participação de Rick Nielsen, do Cheap Trick, até mesmo na primeira parte do solo, o eterno clássico encerrou o set regular, porque o Deep Purple pode não guardá-la para o bis. Sabe por quê? Porque no curtíssimo intervalo o coro de Black Night começou a ecoar na arena. Mas os cinco voltaram com uma matadora versão de Hush, tendo direito a uma introdução com Peter Gunn, famoso tema composto por Henry Mancini para o seriado de mesmo nome, e um duelo de arrepiar entre Morse e Airey.

Aí sim, depois de um solo de Glover, baixista subestimado por muitos, Black Night. E a catarse estava completa. Não, o Deep Purple não é mais a mesma banda dos anos 70 e 80. E não, nunca mais haverá uma banda como o Deep Purple – assim como muitas que estão entre quatro e cinco décadas de história. Porque é essa música que vai ficar para sempre, e é por isso que cinco senhores na casa dos 60 e 70 anos mostram em uma hora e 40 minutos como se faz. Afortunados os que puderam testemunhar.

Clique aqui para acessar a resenha no site da Roadie Crew.

Set list Deep Purple
1. Highway Star
2. Pictures of Home
3. Bloodsucker
4. Strange Kind of Woman
5. Uncommon Man
6. Lazy
7. Birds of Prey
8. Knocking at Your Back Door
9. Solo Don Airey
10. Perfect Strangers
11. Space Truckin’
12. Smoke on the Water
Bis
13. Hush
14. Black Night

Set list Cheap Trick
1. Hello There
2. ELO Kiddies
3. Big Eyes
4. California Man
5. Lookout
6. On Top of the World
7. The House is Rockin’ (With Domestic Problems)
8. Voices
9. Long Time Coming
10. Speak Now or Forever Hold Your Peace
11. That 70’s Show
12. Magical Mystery Tour
13. I Know What I Want
14. The Flame
15. I Want You to Want Me
16. Dream Police
17. Run Rudolph Run
18. Surrender
19. Auf Wiedersehen

Set list Tesla
1. Edison’s Medicine
2. The Way it is
3. Hang Tough
4. Heaven’s Trail (No Way Out)
5. Signs
6. Love Song
7. Little Suzi
8. Modern Day Cowboy

Steve Rothery

Texto: Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

Depois de bater ponto no Brasil em três oportunidades com o Marillion nesta mesma década – em 2012, 2014 e 2016 –, Steve Rothery resolveu se aventurar por aqui com a sua própria banda, formada por Dave Foster (guitarra), Yatim Halimi (baixo), Riccardo Romano (teclados) e Leon Parr (bateria). E se a presença de público foi decepcionante nos dois shows da turnê Ghost & Garden Parties, tanto em São Paulo como no Rio de Janeiro, vale o clichê: azar de quem perdeu. Mais do que a oportunidade de assistir novamente a um guitarrista de raro talento, e isso nunca é demais, era a chance de os fãs do Marillion ouvirem músicas da era Fish que a banda normalmente não toca. Já bateu o arrependimento por ter perdido? Então…

A noite começou com algumas amostras do mais recente trabalho da Steve Rothery Band, The Ghosts of Pripyat (2014), e coube a belíssima Morpheus abrir os serviços com altas doses de rock progressivo e um desfecho crescente levado por um duelo entre Rothery e Foster. O bom humor do guitarrista, aliás, se mostrou presente em seguida, ao dizer que Grendel não estava entre os antigos clássicos do Marillion – e os pedidos dos fãs que encheram pela metade o Teatro Rival viraram fanfarronice. Um pouco mais rápida, Kendris serviu de cama para novos momentos de introspecção com Old Man of the Sea e Summer’s End.

“Foi a vingança das guitarras, já que na minha banda principal há dois tecladistas”, brincou Rothery depois de Old Man of the Sea, sua preferida, referindo-se a Mark Kelly e Steve Hogarth no Marillion – e vale o adendo: a versão de estúdio de Old Man of the Sea tem a participação do ex-Genesis Steve Hackett. E se a maioria dos presentes não conhecia o material solo do guitarrista, os aplausos ao fim de cada canção foram unânimes. E se todos os presentes estavam ali por causa do Marillion, a recompensa foi com louvor.

Depois de um breve intervalo, o quinteto voltou para o palco na companhia do vocalista Gabriel Agudo (ex-Bad Dreams), e chega a ser difícil descrever o que aconteceu a seguir. Slàinte Mhath deu início a uma festa que deixou os fãs em estado de êxtase durante (quase) todo o restante do show. Dava para sentir a emoção no ar, principalmente na quadra que veio a seguir. Nas vozes que fizeram coro no refrão de Cinderella Search, que cantaram o início de Fugazi e que se calaram em reverência durante o solo de Incubus, apesar do queixo caído.

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A classe, a elegância e o bom gosto de Rothery podem ser resumidos naquele pouco mais de um minuto. Um solo de arrepiar a alma, sem uma nota jogada fora, sem exibicionismo, apenas as notas certas nos momentos certos – e que timbre maravilhoso de guitarra! Como se isso não bastasse, Rothery repetiu a dose em Chelsea Monday antes de uma quebra para Afraid of Sunlight. Quebra? Permita-me explicar: Afraid of Sunlight é, de fato, uma das músicas mais bonitas do Marillion, mas ratificou o que já se desconfiava: era uma noite para as viúvas do Fish, independentemente da estúpida ideia de que o grupo inglês acabou em 1988.

Não era mesmo questão de ignorância musical, mas de oportunidade. Não à toa o ótimo Gabriel Agudo se saiu muito melhor no material do Fish, dando a ele uma personificação que não conseguiu na única canção da era Hogarth. A presença de palco não era teatral como a do grandalhão escocês, e nem deveria, mas o vocalista fez bonito ao interpretar Derek William Dick, o que ficou definitivamente comprovado em White Russian, que fechou o set regular.

Pouco importa se foi possível resistir à tentação das redes sociais, porque a mistura de obviedade com surpresa do bis emocionou de qualquer maneira. Sim, todo mundo cantou Kayleigh e Lavender, até porque Agudo facilitou dando a deixa ao apontar o microfone para a plateia, mas o sorriso no rosto de Rothery – que não consegue fugir dessa dupla com o Marillion – era de uma felicidade absolutamente genuína. Com razão, afinal, o pequeno público era barulhento o suficiente para brilhar no ‘wide boy’ da letra de Heart of Lothian.

A apresentação poderia ter acabado ali, mas Rothery e banda proporcionaram uma saideira e tanto. Sugar Mice, o casamento perfeito entre letra e música (e uma das músicas mais bonitas que você pode ter o prazer de escutar), foi de arrancar lágrimas, mais uma vez. E Wish You Were Here, de você-sabe-quem, foi a prova de uma das fontes de inspiração de Steve Rothery, simplesmente um dos melhores guitarristas de todos os tempos. Assim como David Gilmour.

Clique aqui para acessar a resenha no site da Roadie Crew.

Set list
1. Morpheus
2. Kendris
3. Old Man of the Sea
4. Summer’s End
5. Slàinte Mhath
6. Cinderella Search
7. Fugazi
8. Incubus
9. Chelsea Monday
10. Afraid of Sunlight
11. White Russian
Bis
12. Kayleigh
13. Lavender
14. Heart of Lothian
15. Sugar Mice
16. Wish You Were Here

Zakk Sabbath

Texto: Daniel Dutra | Fotos: Luciana Pires

Aquela banda cover que você respeita, mas não apenas porque se trata de uma que toca apenas material da fase inicial do Black Sabbath – dos cinco primeiros discos, mais precisamente. Também porque tem um nome de respeito na liderança, alguém com status de guitar hero. E de ídolo. Exatamente por isso a noite de sexta-feira foi de casa cheia no Circo Voador para receber o Zakk Sabbath, trio que tem Zakk Wylde à frente da cozinha formada por Rob “Blasko” Nicholson (baixo, Ozzy Osbourne e ex-Rob Zombie) e Joey Castillo (bateria, ex-Queens of the Stone Age, California Breed, Eagles of Death Metal e mais um monte de gente).

Desnecessário apresentar as credenciais do guitarrista, afinal, tudo gira em torno dele. Do nome do projeto à música que rola no PA antes de o show começar. Ou você acha coincidência que tenha sido Immigrant Song, do Led Zeppelin, que aqueceu as turbinas? Lembre-se: o quarto filho do braço-direito do Príncipe das Trevas chama-se Sabbath Page Wielandt Wylde. Exatamente. O sobrenome da maior banda de heavy metal da história com o sobrenome do guitarrista da maior banda de rock de todos os tempos. Sim, bom gosto é o mínimo que se espera de Wylde, e o cara entregou um show para lavar alma dos fãs que fizeram bonito na lona. Foi, de fato, um massacre sonoro.

O melhor de tudo? Ao revisitar o catálogo de Ozzy, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward, o guitarrista basicamente se apropriou de algumas canções mais raras nos shows dos pais do estilo. A começar por Supernaut, literalmente. Depois dos barulhinhos de chuva e trovoadas de Black Sabbath, seu riff magistral – a bênção, Iommi! – foi cantado pelos fãs, que pularam com vontade acompanhando o ritmo e o peso infernal que o trio impôs à música. Daria para dizer que Snowblind era uma das mais populares do repertório, mas a verdade é que A National Acrobat veio a seguir e colocou todo mundo para fazer “ô ô ô ô ô” acompanhando o riff, mais uma vez. Ou seja, as letras nem sempre estiveram 100% na língua da plateia, mas as músicas e suas melodias e riffs mágicos estavam. Com louvor.

Snowblind, é bom registrar, mostrou os dois lados de Wylde na hora de solar: Melódico e econômico no meio da canção, ligado em 220 V no fim dela. O melhor fica a gosto do freguês, mas o fato é que, ao largar o dedo numa fritação de tirar o fôlego, teve como retorno urros, aplausos e exclamações vestidas de entusiasmados palavrões. Pré-gravada, Embryo anunciou o óbvio: um pula-pula lindo de ver em Children of the Grave – fora o coro, mais um, obviamente. Na sequência, Lord of This World levou Wylde a (quase) tocar no meio do público. Com várias caixas improvisando degraus no pit reservado para os fotógrafos, que sofreram por causa disso, o guitarrista desceu para solar longa e alucinadamente praticamente colado à grade.

Um dos inúmeros verbetes de doom metal forjados pelo Black Sabbath, Under the Sun/Every Day Comes and Goes foi marcada por uma das cenas emblemáticas da noite: o guitarrista em cima da plataforma estrategicamente posicionada ao lado do microfone, imponente e novamente solando como se não houvesse amanhã. E se cabe alguma crítica num show tão espetacular, aqui vai uma: o excesso resultou num sentimento de déjà vu, afinal, nesses momentos parecia que Wylde fazia o mesmo solo à velocidade da luz. Mas quem se importa? Melhor lamentar que não tenham emendado com Never Say Die, como vez ou outra acontece.

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Wicked World foi de arrepiar, principalmente porque o grupo não fez o que seus mestres faziam na década de 70: a transformavam numa longa jam de 20 minutos, explorando as nuances de jazz que a canção mostra sem suas primeiras notas. A versão mais enxuta deu sequência à dinâmica que Fairies Wear Boots e Into the Void mantiveram de maneira sublima – teve roda nesta última, que, perdoem meu francês, puta que pariu! Como pode um ser humano criar tantos riffs maravilhosos numa mesma música? De novo: a bênção, Iommi!

Infelizmente, a ótima Hand of Doom ficou perdida como pano de fundo para Wylde, falando um inglês em boa parte do tempo quase ininteligível, apresentar a banda no primeiro e único momento em que realmente se comunicou com a plateia – curiosamente, o guitarrista se esforça para cantar como Ozzy, com bons resultados, e usa cola para cantar as músicas: à sua frente, vários papéis com as letras, retirados música a música. Cada um usa o Teleprompter que pode. Enfim, Castillo e Blasko (que presença de palco tem esse sujeito!) foram coadjuvantes de luxo na festa, mas como bem disse o guitarrista ao parafrasear Cyrus, personagem do clássico “Warriors – Os Selvagens da Noite’: ‘Can you dig it?’ Sim, todos os presentes – e se não assistiu ao filme, faça um favor a você mesmo. Termine esta resenha e corra imediatamente atrás.

Situação normalizada, Behind the Wall of Sleep foi a deixa perfeita para um encerramento apoteótico. Depois dela só poderia mesmo vir N.I.B. – deveria ser obrigatório –, e nem mesmo a única derrapada de Castillo (abre esse contratempo e solta o braço direito para dar mais peso!) impediria o carnaval que tomou conta do Circo Voador. E se o amigo leitor chegou até aqui, então poderá imaginar o que foi War Pigs como ‘grand finale’ – e com Wylde novamente tocando no pit e fazendo a alegria de quem estava no gargarejo. E depois de uma hora em 40 minutos de espetáculo, praticamente com 13 músicas sem sair de cima, foi só voltar para casa com sorriso no rosto e aquela certeza definitiva: Black Sabbath é vida.

Clique aqui para acessar a resenha no site da Roadie Crew.

Set list
1. Supernaut
2. Snowblind
3. A National Acrobat
4. Children of the Grave
5. Lord of This World
6. Under the Sun/Every Day Comes and Goes
7. Wicked World
8. Fairies Wear Boots
9. Into the Void
10. Hand of Doom
11. Behind the Wall of Sleep
12. N.I.B.
13. War Pigs

Accept

Texto: Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

Quem é heavy curte Accept, disse uma vez o sábio. E quem é heavy não vai encontrar em lugar algum do planeta um show de metal melhor que o da banda alemã. Entra ano e sai ano – foi a terceira apresentação do quinteto no Rio de Janeiro desde 2015 –, Mark Tornillo (vocal), Wolf Hoffmann e Uwe Lulis (guitarras), Peter Baltes (baixo) e Christopher Williams (bateria) não deixam espaço para qualquer dúvida. Felizes daqueles que foram ao Teatro Rival numa chuvosa noite de sábado para assistir a mais uma aula de heavy metal – e vergonha de quem preferiu ficar em casa porque já viu ou porque poderá ver de novo. Ajoelhe no milho, clame por uma surra de cipó de goiaba e arrependa-se de seu pecado.

Exatamente às 21h30, a poderosa Die By the Sword deu início aos trabalhos e mostrou que nem mesmo o pequeno palco da casa, cujo espaço ficou ainda mais reduzido graças ao belo cenário (ponto para a banda), atrapalharia a energética movimentação dos músicos e suas coreografias em momentos estratégicos (mais um ponto para a banda) – e vamos deixar registrado: é simplesmente sensacional a interação entre Hoffman e Baltes. Faixa de abertura do novo álbum, The Rise of Chaos (2017), a canção tinha o refrão na ponta da língua dos fãs, que em seguida encheram o teatro com o empolgante coro para acompanhar a melodia da excelente Stalingrad.

Duas músicas dos quatro álbuns com Tornillo – foram dez num set de 21 – para mostrar que basta continuar lançando ótimos discos para que eventualmente algumas se tornem clássicas. Então, novo ponto para a banda, porque desde o retorno com a obra-prima Blood of the Nations (2010) o Accept vem soltando uma pérola atrás da outra. Uma lição para muito grupo que fez fama e deitou na cama, e Restless and Wild (de tirar o fôlego), London Leatherboys (que som sensacional Baltes tira do seu baixo) e Living for Tonite (até agora com o refrão na cabeça) mostraram na prática a beleza da convivência do novo com o antigo.

E o novo voltou a fazer bonito numa sequência de seis canções, sendo as quatro primeiras do trabalho mais recente. Beneficiadas pela divulgação prévia ao lançamento do álbum, The Rise of Chaos e Koolaid foram recebidas com entusiasmo; No Regrets ajudou a machucar pescoços; e a maravilhosa Analog Man aos poucos colocou os fãs para cantar, por ser pura e simplesmente irresistível. Por outro lado, Final Journey, de Blind Rage (2014), e Shadow Soldiers, de Stalingrad (2012), comprovaram o status de velhas-novas conhecidas.

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O curto solo de Hoffman serviu para o guitarrista mostrar sua paixão por música erudita ao tocar trechos de algumas peças, com destaque para a centenária In the Hall of the Mountain King, de Edvard Grieg, acompanhada em uníssono por centenas de vozes. Uma abertura de luxo para Neon Nights, cujo encerramento com pinta de jam muito bem ensaiada foi de tirar o fôlego. Princess of the Dawn (até os garçons da casa cantaram), Midnight Mover (o Accept mostrando também como se faz hard rock) e Up to the Limit deixaram o local em ebulição para o rolo-compressor Objection Overruled, uma agradável e muito bem-vinda adição ao repertório, enriquecida pelo duelo entre Baltes e Hoffman. Lembra-se da interação entre os dois? É isso, meu amigo.

Clássico instantâneo da nova fase da banda – com espírito captado perfeitamente por Lulis, que interage a todo instante com os fãs, e Williams, que toca com estilo e elegância de dar gosto –, Pandemic só não foi um arregaço maior porque o que estava por vir foi covardia. A começar pela destruidora Fast as a Shark… Preciso falar da reação dos fãs? De como cantaram a musiquinha da introdução? Creio que não. Mas o bis, aquele bis que vai do protocolar à catarse… Sim, foi isso mesmo o que aconteceu.

Faltou apenas Tornillo soltar um “tirem os pés do chão”, mas, a bem da verdade, não precisaria. O pula-pula foi garantido em Metal Heart, Teutonic Terror e Balls to the Wall, uma trinca matadora para fechar em altíssimo nível uma apresentação de duas horas com, vale ressaltar, um som impecável. E, mais uma vez, com o novo e o antigo de mãos dadas no caminho que descamba no clássico, porque Teutonic Terror causou a comoção de músicas decanas e foi o recheio perfeito para dois hinos do heavy metal (e seus coros para deixar o fã rouco). Porque, meu amigo, quem é heavy curte Accept. Simples assim, de verdade.

Clique aqui para acessar a resenha no site da Roadie Crew.

Set list
1. Die By the Sword
2. Stalingrad
3. Restless and Wild
4. London Leatherboys
5. Living for Tonite
6. The Rise of Chaos
7. Koolaid
8. No Regrets
9. Analog Man
10. Final Journey
11. Shadow Soldiers
12. Neon Nights
13. Princess of the Dawn
14. Midnight Mover
15. Up to the Limit
16. Objection Overruled
17. Pandemic
18. Fast as a Shark
Bis
19. Metal Heart
20. Teutonic Terror
21. Balls to the Wall

Edguy

Por Daniel Dutra | Fotos: Alex Kühr/Divulgação

Vinte e cinco anos. As bodas de prata chegaram para o Edguy, e a banda alemã resolveu comemorar em grande estilo. Teve coletânea, claro, mas uma à altura da data: Monuments conta com 22 clássicos, cinco músicas novas e uma inédita espalhadas em dois CDs, além de um DVD com um show gravado no Brasil em 2004, durante a turnê de Hellfire Club. E teve uma miniturnê, também: treze shows de 15 de setembro a 3 de outubro, quando Tobias Sammet (vocal), Jens Ludwig e Dirk Sauer (guitarras), Tobias “Eggi” Exxel (baixo) e Felix Bohnke (bateria) encerraram o bem-sucedido giro com uma apresentação em sua cidade natal, Fulda. E a festa obviamente tinha de estar nas páginas da ROADIE CREW, por isso fomos atrás do grupo para uma conversa. Mas é bom ressaltar: o bom humor típico do Edguy se refletiu numa entrevista totalmente descontraída com o empolgadíssimo e, por isso mesmo, falante Exxel. A ponto de o papo ter começado de uma maneira, digamos, pouco comum. Assim, boa leitura!

Tobias Exxel: Oi, Daniel! Aqui é Tobias Exxel, do Edguy. Tudo bem?

Olá, Tobias. Tudo bem, e aí? Aliás, permita-me dizer que você acabou de matar uma curiosidade minha. Conheço muita gente que fala ‘Tobaias’ Exxel ou ‘Tobaias’ Sammet, ou seja, não como se escreve, que é o jeito certo confirmado agora pela própria fonte.
Tobias: (rindo bastante) Sim! E provavelmente essa é a pergunta mais interessante de todas que respondi até agora (risos). É verdade que muitos fãs falam ‘Tobaias’, mas para facilitar seria melhor dizer apenas Tobi. Mas como esse é o apelido do nosso vocalista, atendo por Eggi. Fiz essa gentileza a ele porque sou mais velho (risos).

E é bom saber que essa dúvida não é novidade para você, porque tomo como base a maneira como os fãs brasileiros pronunciam.
Tobias: Acredito que isso acontece porque não é um nome internacional, como os que são comuns nos Estados Unidos e na Inglaterra, por exemplo. Não é como os nomes que têm pronúncia diferente dependendo do inglês americano e do britânico. E você não encontra muitos Tobias ou ‘Tobaias’ por aí (risos). Não existe nem mesmo uma tradução específica, então as pessoas podem falar da maneira que acharem melhor. A partir do momento em que todos nos entendemos, não tem problema. Mas se ficar complicado, é só me chamar de Eggi… Ah! Algumas pessoas no Brasil me chamam de ‘Édi’, e eu sempre achei que era uma referência a Edguy (risos). Mas Eggi se pronuncia ‘Égui’, disso eu tenho certeza (risos), e não tem nada a ver com a pergunta que muitos me fazem, porque meu apelido não é Eggi porque pareço com um ovo (risos). Quando tinha 10 ou 11 anos, um colega no colégio surgiu com esse nome para mim, e a coisa se espalhou de tal maneira que até os professores me chamavam assim. Sempre achei engraçado, então não me incomodava. E também nunca perguntei por que ganhei esse apelido, apenas fiquei feliz por ter um. Acho que meu antigo colega queria era me irritar ao me chamar a todo instante de Eggi (N.R.: Exxel imita a voz do colega, incluindo uma risada à la Beavis & Butt-Head), mas se deu mal, porque eu gostei (risos). Pensando bem, eu deveria ter ficado irritado, assim ele poderia ter me chamado de Angry Eggi. Seria ainda mais legal, tipo Angry Birds (risos) (N.R.: referência ao famoso jogo para smartphones criado em 2009). Eu sei que a entrevista mesmo nem começou, mas todo esse lance de Tobias ou ‘Tobaias’ e Eggi ou ‘Édi’ é muito importante na história do Edguy (risos). Sério, nunca havia falado sobre isso tão profundamente, então foi bem interessante. Gostei bastante.

Acredito que os fãs também vão curtir. Talvez não como Monuments, porque o conteúdo é mesmo bem caprichado. O quanto vocês se envolveram na elaboração da coletânea?
Tobias: Envolvemo-nos completamente, desde o início. Todas as músicas foram escolhidas por nós, por exemplo, e a solução mais interessante que encontramos para chegar ao track list final foi que os cinco estivessem totalmente de acordo. Temos um catálogo muito grande de canções e, no geral, estamos muito satisfeitos com ele, porque é nosso cartão de visitas. Todas as nossas músicas representam muito bem o Edguy, não importa o quão diferente sejam. Pode ser uma mais rápida, uma balada ou algo mais rock, porque acredito que fazemos uma boa mistura de estilos. Qualquer período de nossa carreira tem isso. No fim das contas, foi bem tranquilo definir quais seriam as 22 faixas de Monuments. Acredite, não houve um problema sequer em relação a isso, porque vou lhe contar um segredo: muitas vezes acabamos discutindo por causa de set list, tipo que músicas devemos tocar numa próxima turnê, sabe? Eu gostaria disso, mas Felix quer algo diferente, então Dirk aparece com outras ideias… Mas para o CD foi fácil. É o melhor do Edguy, e os fãs já têm essas canções, por isso nosso objetivo com uma compilação é maior na questão de conquistar novos fãs, apresentar a banda a quem nunca ouviu nosso trabalho. Era preciso impressioná-los com o que fizemos nos últimos 25 anos, mas também agradar àqueles que nos acompanham há tanto tempo, por isso incluímos um DVD ao vivo e material novo. Nenhuma das cinco faixas inéditas é sobra de estúdio, todas foram compostas e gravadas em fevereiro e março deste ano (N.R.: Monuments foi lançado em 14 de julho), e a edição limitada ainda vem acompanhada de um enorme livro (N.R.: 160 páginas) com várias fotos inéditas e informações realmente legais. É um pacote completo para o fã do Edguy, talvez algo que não faríamos não fosse uma ocasião tão especial, os 25 anos da banda, porque o investimento é grande. E também estamos completando 20 anos sem nenhuma alteração na formação, o que é impressionante até para nós mesmos (risos). Vemos tantos grupos mudando a todo instante que é até difícil acreditar que estamos juntos todo esse tempo. Sempre nos inspiramos no Aerosmith, que está aí com a sua formação clássica e sem nenhuma mudança há quase 40 anos (N.R.: desde 1984), então mal posso esperar pelas entrevistas que darei daqui a 25 anos, uma delas talvez para você mesmo, para falarmos do cinquentenário do Edguy (risos).

Espero chegar lá, e tomara que a entrevista seja com você, que está tornando o meu trabalho bem mais fácil. Já matou três das minhas perguntas numa só resposta.
Tobias: (rindo bastante) Desculpe-me! Eu falo demais, né? (risos)

Não se desculpe, não, porque estou achando ótimo. Isso é um sonho de todo jornalista, então continue assim (risos).
Tobias: OK, manda a próxima que vou responder e antecipar mais algumas (risos).

Você explicou o processo de escolha das músicas de Monuments e que as cinco inéditas foram compostas especialmente para a coletânea, mas houve alguma razão para nenhuma faixa do primeiro álbum, Kingdom of Madness (1997), estar presente?
Tobias: Sim, apesar de ter sido algo inconsciente. Kingdom of Madness é um bom disco, sem dúvida, mas para nós não é uma representação de fato do nosso trabalho. É difícil explicar isso, porque não quero ofender os fãs que gostam do disco. Sabemos que é parte importante da banda e do seu desenvolvimento, porque foi um aprendizado em termos de composição, especialmente para Tobi, que começou a se encontrar como vocalista. Por outro lado, o Edguy começou mesmo a ficar mais popular a partir de Vain Glory Opera (N.R.: o disco seguinte, de 1998). Assim, como tínhamos que escolher 22 ou 23 faixas, dependendo da duração de cada uma, preferimos pinçar mais uma, duas ou três canções de Theater of Salvation (N.R.: de 1999) ou do próprio Vain Glory Opera para representar nossa fase mais antiga. Além disso, há dez ou 15 anos não tocamos nenhuma música de Kingdom of Madness ao vivo, porque há tantas outras que queremos tocar, e talvez Vain Glory Opera pudesse ter mais algumas de suas faixas em Monuments, mas ainda assim não o ignoramos (N.R.: há duas músicas dele, a faixa-título e Out of Control). De qualquer maneira, nosso primeiro disco não está fora de catálogo, então o fã pode comprar a coletânea e ele também, caso não o tenha. Ou escutá-lo no YouTube, porque hoje em dia você encontra qualquer coisa no YouTube (risos).

E para o fã brasileiro, o DVD é um bônus mais do que especial, até porque esse show é um desejo antigo (N.R.: foi gravado no festival Rock the Planet, que contou com Timo Kotipelto, Shaman e Viper no dia 2 de outubro de 2004, no Espaço das Américas).
Tobias: Isso mesmo! Você sabe que o show completo deveria ter sido lançado oficialmente anos atrás, mas não rolou porque houve grandes problemas técnicos com algumas câmeras. Colocamos algumas músicas no DVD que acompanhou o EP Superheroes (2005), mas só agora encontramos uma equipe técnica boa o suficiente para restaurar os vídeos e deixar toda a apresentação pronta para ser lançada com a qualidade necessária. E aquele show foi maravilhoso! Quando assisti ao DVD agora, depois de tanto tempo, fiquei arrepiado com o público em canções como The Piper Never Dies, por exemplo. E o melhor de ter revisitado o show 13 anos depois foi perceber como ainda temos aquela energia e aquele frescor. Ainda fazemos shows como aquele e nos divertimos no palco, tocando para pessoas que nos admiram. Sou grato por não sermos uma banda que apenas fica olhando para os instrumentos para ver se o tempo passa mais rápido no palco. Amamos tocar, tocar e tocar sem parar, e sei que para vocês, brasileiros, ter aquela apresentação finalmente em DVD é algo especial. Lembro-me que a atmosfera em São Paulo naquela noite era muito boa e guardo com carinho todas as lembranças, desde os momentos que antecederam o show até o backstage ao fim dele. Foi uma experiência maravilhosa para nós.

E uma última pergunta sobre Monuments. Vocês chegaram a pensar em regravar o baixo e bateria de Reborn in the Waste, que acabou não saindo na demo Savage Poetry (1995)? Porque assim ela teria a formação clássica do Edguy, com você e Felix Bohnke.
Tobias: Não, realmente. Preferimos manter a versão original, com o primeiro baterista, Dominik Storch, e o baixo do Tobi. Hoje em dia você pode consertar qualquer coisa em estúdio, mas Reborn in the Waste está como foi gravada naquela época. É um documento de quase 25 anos atrás, quando Tobi, Dirk e Jens tinham 14 ou 15 anos de idade, ou seja, você pode ouvir que mal sabiam tocar direito (risos). Era o comecinho da banda, e o interessante é que essa música foi finalizada, mas não registrada num estúdio profissional, e acabou sendo deixada de lado porque eles tinham canções melhores e com as quais se sentiam mais confortáveis. Até por isso ela nem mesmo foi regravada para Kingdom of Madness, o que, em minha opinião, a torna mais especial. A primeira vez que a escutei foi há um ano, quando Jens encontrou a fita original, e não pude deixar de rir. Aliás, foi divertido para todos nós porque era um cassete, e hoje você tem de explicar aos fãs mais novos o que eram as fitas cassete e como as usávamos. Hoje eles só conhecem CDs e, principalmente, MP3s (risos).

Para terminar, você está na banda desde 1998, mas sempre o considerei como parte da formação original, afinal, Tobi era responsável pelo baixo. Ou seja, não é que você tenha substituído alguém. É um ponto de vista de diferente, mas o que acha dele?
Tobias: Sabe o que é mais interessante? Não seria apenas a minha opinião a respeito, mas também as de Tobi, Jens e Dirk, e garanto a você que eles consideram a atual formação como a original. Claro, isso pode soar injusto com Dominik, mas lembra-se quando disse que nossa popularidade começou a crescer depois de Vain Glory Opera? Foi na turnê deste disco que Tobi, Jens, Dirk, Felix e eu subimos num palco pela primeira vez juntos (N.R.: Storch gravou apenas Kingdom of Madness, enquanto a bateria de Vain Glory Opera ficou a cargo de um músico de estúdio, Frank Lindenthal). Foi o line-up atual que caiu na estrada pela primeira vez, e o Edguy nunca havia tocado fora da Alemanha até estarmos os cinco na banda. Dormíamos num micro-ônibus e fazíamos tudo juntos. Incluo o Felix nesse ponto de vista, porque é um grande elogio para nós quando pensam assim. Você está certo, então, e somos gratos aos outros três por também compartilharem essa ideia.

Entrevista realizada no dia 6 de julho de 2017 e originalmente publicada na edição 226 da Roadie Crew, em novembro. Com a estreia do novo site da revista, o papo de 35 minutos com o gente boa Tobias “Eggi” Exxel ganhou vida na internet lá – clique aqui para conferir – e aqui também.

Megadeth

Por Daniel Dutra | Fotos: Alessandra Tolc

Lembra-se da última vez que o Megadeth fez um show completo no Rio de Janeiro? Não, não foi em 2013, quando Dave Mustaine e companhia tiveram a honra de abrir para o Black Sabbath na Praça da Apoteose. Era para ter sido em 2008, mas a apresentação no Citibank Hall não chegou ao fim – puto com os problemas de som, Mustaine encurtou o set e saiu do palco sem nem mesmo dar um até logo. As duas apresentações anteriores, na mesma casa de shows, então chamada Metropolitan, foram em 1997 e 1995. Na primeira, a banda tocou entre Queensrÿche e Whitesnake; na segunda, se apresentou antes de Alice Cooper.

Não se assuste, porque é isso mesmo: havia mais de 20 anos que o Megadeth não fazia, de fato, um show para chamar de seu na cidade. A última vez foi em 1994, quando Mustaine, Marty Friedman, Dave Ellefson e Nick Menza arregaçaram o Imperator numa noite memorável, durante a turnê de “Youthnasia” (1994). Compreensível, então, a euforia dos fãs que lotaram o Vivo Rio numa quarta-feira véspera de feriado. Mas não foi apenas isso, e vamos chegar lá.

Antes teve o VIMIC, banda liderada pelo ex-Slipknot Joey Jordison e escolhida a dedo pelo chefão do Megadeth. E apesar de todo o esforço da banda – completada por Kalen Chase Musmecci (vocal), Jed Simon e Steve Marshall (guitarras), Kyle Konkiel (baixo) e Matt Tarach (teclados) –, a sensação foi que teremos mais do mesmo no álbum de estreia, “Open Your Omen”, a ser lançado em 2018. Se a primeira impressão é a que fica, o grupo atira para vários lados, mas não consegue realmente acertar os alvos.

O pesadíssimo começo com Marionetta logo deu lugar a acentos mais pop dentro da maçaroca sonora do sexteto, como em Simple Skeletons (juro que tem até uma parte mais dançante) e In Your Shadow, na qual a voz limpa de Musmecci enfim funcinou – bom frontman, com direito até mesmo a crowd surfing no fim do show, ele se sai melhor quando vai do vocal gritado ao gutural. E Jordison, exímio baterista, infelizmente acabou prejudicado pelo som embolado que praticamente soterrou suas viradas precisas e a impressionante velocidade que impõe nos dois bumbos.

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E como as pessoas foram para ver o Megadeth, a espera foi recompensada. Não como os fãs argentinos foram alguns dias depois, com quatro músicas a mais no set list – Dawn Patrol, Poison Was the Cure, She-Wolf e Poisonous Shadows –, mas ainda assim com uma apresentação arrebatadora que, felizmente, teve uma participação atualmente acima da média em se tratando dos fãs cariocas. Depois da tradicional introdução com o início de Prince of Darkness, Hangar 18 abriu os serviços com direito a riff cantado pelo público e coro de “Megadeth” na quebra instrumental que divide os solos no fim da música. E por falar em solos…

The Threat is Real, faixa de abertura de Dystopia (2016), mostrou aquilo que o público local basicamente só tinha visto em vídeos: o entrosamento e a interação de Mustaine com Kiko Loureiro. E sejamos sinceros duas vezes: primeiro porque a empolgação do brasileiro no palco nem de longe se compara à de seus anos no Angra. Depois porque estamos mesmo diante da melhor formação da banda desde aquela (insuperável, claro) com Friedman e Menza. Desnecessário descrever os predicados de Kiko, por razões óbvias, então só tinha dúvida a respeito de Dirk Verbeuren quem nunca havia escutado Soilwork. Ou quem não acreditou quando Chris Adler disse que Verbeuren é provavelmente um dos três melhores bateras do estilo atualmente.

O cartão de visitas havia sido distribuído em dez minutos, então Wake Up Dead e In My Darkest Hour nem precisaram fazer muita força. Na verdade, a o fim da primeira com o início da segunda nasceram um para o outro. Quase um mashup que, nas palavras de Mustaine, antecedeu “uma canção que não tocamos na última vez em que estivemos aqui”. E Take No Prisoners foi efusivamente recebida como seria qualquer outra faixa de Rust in Peace (1990). Os ânimos acalmaram, e a euforia de lugar à contemplação com a inclusão das novas Conquer or Die! e Lying in State no repertório, nos lugares de She-Wolf e Skin O’ My Teeth, tocadas em São Paulo na noite anterior.

Instrumental, Conquer or Die! é nada menos do que uma plataforma para Kiko mostrar (ao mundo, não aos brasileiros) por que está no posto, mas recebe no palco uma versão futurista de Vic Rattlehead, mascote da banda. O suficiente para fazer o público não dispersar e repor as energias para a sequência de clássicos que viria a seguir. Sweating Bullets, Trust e A Tout Le Monde surgiram em versões impecáveis, e a casa terminou de vir abaixo na mais que aguardada Tornado of Souls, que fez aparecer a primeira roda (estava difícil com a casa tão cheia) e obviamente teve uma tremenda ovação a Kiko depois de ele fazer bonito no antológico solo escrito por Friedman.

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Mechanix veio a seguir e sem muitas delongas (alguém não conhece a história?), e Dystopia foi agradavelmente muito bem recebida, muito pelo espetacular instrumental e, de novo, pela interação de Mustaine com Kiko. O efeito Tornado of Souls se repetiu em Symphony of Destruction – sim, todo mundo “cantando” o nome da banda ao acompanhar a música – e foi estendido em Peace Sells, a prova de que Ellefson é o cara e também a cara do Megadeth. Que graça tem o clássico ser puxado por outro baixista que não seja ele? Ah, sim: de paletó, terna e gravata (pretos), como na capa de Peace Sells… But Who’s Buying? (1986), Vic reapareceu.

E quando disse, parágrafos acima, que a participação do público estava acima da média, não me lembro de um coro tão bacana em ‘If there’s a new way, I’ll be the first in line’ como aquele. Providencial, porque os sinais de cansaço na voz de Mustaine já eram claros, mas nada que atrapalhasse também o bis, porque a catarse em Holy Wars… The Punishment Due era tão previsível quanto o encerramento com uma das maiores obras-primas do thrash metal. E foi, de fato, um espetáculo para comprovar que não basta continuar lançando ótimos discos. É preciso colocar tesão também nos shows. E neste ponto, Mustaine deixa aquele sorrisinho de canto boca para uns antigos companheiros…

Clique aqui para acessar a resenha no site da Roadie Crew.

Set list Megadeth
1. Hangar 18
2. The Threat is Real
3. Wake Up Dead
4. In My Darkest Hour
5. Take No Prisoners
6. Conquer or Die!
7. Lying in State
8. Sweating Bullets
9. Trust
10. A Tout Le Monde
11. Tornado of Souls
12. Mechanix
13. Dystopia
14. Symphony of Destruction
15. Peace Sells
Bis
16. Holy Wars… The Punishment Due

In Flames

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

“Honestamente, acho que eles deveriam mesmo mudar de nome, porque há uma enorme, realmente enorme diferença para o início (da banda). Mas se é o caminho que querem seguir, tudo bem. E eles estão felizes com os novos integrantes, então boa sorte. Todos nós estamos no lugar certo.” Foi com as palavras de Jesper Strömblad, o cara que fundou o In Flames, na cabeça que fui ao Circo Voador assistir à estreia do grupo sueco no Rio de Janeiro, oito anos depois de sua primeira e até então última passagem pelo Brasil. Nunca adotei o estilo viúva, muito menos acho que alguém fora do círculo interno tem o direito de dizer quando e se uma banda tem de encerrar as atividades ou mudar de nome, mas…

Com um público que compareceu de maneira decepcionante, apesar de a casa ter naturalmente recebido aquela parcela de fãs de carteirinha que sabiam cantar qualquer coisa, Anders Fridén (vocal), Björn Gelotte e Niclas Engelin (guitarra), Bryce Paul (baixo) e Joe Rickard (bateria) subiram ao palco para ratificar uma coisa: é pegar ou largar este In Flames sem nenhum integrante original e com apenas dois da mais clássica das formações, Fridén e Gelotte. Isso ficou claro no momento em que duas canções de Battles (2016) abriram a noite, e foram nada menos que seis faixas do mais recente trabalho.

“Eu nunca disse que Battles é uma merda. Não foi isso mesmo que falei, apenas que é um disco… Eles avançaram por uma direção muito diferente”, disse Strömblad, que atualmente está no Cyhra ao lado do baixista Peter Iwers, também ex-In Flames – numa estranha ironia, a banda lançou seu primeiro álbum, Letters to Myself, no mesmo dia em que seus ex-colegas tocavam para os cariocas. E Strömblad está certo, porque Drained e Before I Fall, apesar de bons riffs aqui e ali e das palmas da plateia puxadas por Fridén, são uma pálida lembrança daquela banda que foi um dos pilares do death metal melódico oriundo de Gotemburgo.

A prova de que Battles é provavelmente o disco mais difícil de engolir foi que os ânimos começaram a melhorar com Everything’s Gone, graças às passagens mais velozes, e Take This Life, muito bem recebido e com o refrão cantado com vontade pelos fãs. E reparou que não estamos falando de material dos anos 90? Exatamente. Na primeira pausa para falar com o público, Fridén teve como resposta o “Olê! Olê! Olê! Insira aqui o nome da banda!” tradicional em terras sul-americanas, e o sorriso no rosto dos músicos continuou na empolgação dos fãs, que vibraram com Trigger (haja pula-pula) e, principalmente, Only for the Weak, infelizmente a única de Clayman (2000) – e não rolou nada, absolutamente nada de Whoracle (1997) e Colony (1999), lamentavelmente.

A boa Dead Alone baixou a empolgação, e Darker Times simplesmente não funcionou, mas a surpresa mesmo foi a recepção abaixo do esperado a Drifter (reforçando os backings pré-gravados), apesar da roda aberta a pedido do vocalista. Foi neste momento que vieram à tona as lembranças daquele grupo empolgado e empolgante do ao vivo Used & Abused: In Live We Trust (2005), mas que em sua atual encarnação faz a postura mais blasé ser facilmente confundida com abatimento se não rolar alguma conexão com os fãs. Mas justiça seja feita, Engelin, o sósia de Lee Altus (Exodus, Heathen) agitava constantemente e sempre tentava alguma resposta da plateia.

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Moonshield e a instrumental The Jester’s Dance, de The Jester Race (1996), também não animaram, e a segunda ainda ficou marcada por um fato curioso: com Fridén e Gelotte fora do palco, ela foi terminada por Engelin, Paul e Rickard, as três caras “novas” do In Flames – bom, Engelin nem tanto, pelo seu histórico com a banda – no lugar de quem gravou a canção há mais de 20 anos: os guitarristas Strömblad e Glenn Ljungström, o baixista Johan Larsson e, lembre-se, Gelotte, que à época era baterista.

“Hoje nós estivemos em Copacabana, e tenho de dizer que o lugar é superestimado. Não tinha sol”, disse Fridén em novo intervalo, na primeira das suas duas sessões de stand up comedy, arrancando gargalhadas da maioria antes de fingir que estava falando sério. “E nunca mais voltaremos lá. As bebidas até que são boas, mas muito caras.” Claro, e alguém deveria ter explicado a ele a diferença entre a Suécia e a selva em que vivemos. De volta à musica, Save Me me fez lembrar que refrão grudento com a expressão ‘somebody save me’ só mesmo o tema de “Smallville”.

Entre a insossa Alias e a inexpressiva Here Until Forever, Fridén deu a receita para quem quiser fazer como o In Flames e ter uma carreira longeva: cerveja e heavy metal. A fraca The Truth veio a seguir, e só pude pensar que eles devem estar consumindo aquelas cervejas brasileiras produzidas em larga escala com arroz e milho. Deliver Us melhorou o clima e abriu espaço para um dos melhores momentos da noite, com The Mirror’s Truth e a maior roda aberta na pista até então.

Mesmo um pouco abaixo, The Quiet Place se destacou a ponto de colocar todo o Circo a entoar um sonoro “Olê! Olê! Olê! In Flames! In Flames”, arrancando palmas e sorrisos de toda a banda. “Sabe, acho que a introdução do nosso próximo álbum tem de ser esse canto”, exclamou Fridén, para êxtase dos fãs, que aumentaram o volume do coro até o vocalista ter de pedir silêncio para anunciar o fim com, sem trocadilho, The End. Talvez por causa de seu videoclipe, talvez pelo alto astral que tomou mesmo conta do lugar, foi um encerramento que figurou nos bons momentos de um show que teve outros abaixo da média. Bem no padrão atual do In Flames.

Quem teve a missão de aquecer o público foram os cariocas do Reckoning Hour, e JP (vocal), Philip Leander e Lucas Brum (guitarras), Cavi Montenegro (baixo) e Johnny Kings (bateria) só não se saíram melhor porque o som, exageradamente alto e consequentemente distorcido, atrapalhou a ponto de dar vontade de voltar em casa para pegar o protetor auricular esquecido no escritório.

Mas improvisando a proteção com um guardanapo, deu para curtir o material mais recente, do segundo álbum, Between Death and Courage (2016). Misguided, Condemned to Failure, Eye for an Eye e a faixa-título não apenas reforçam o trabalho de guitarras, bem além de riffs realmente bons, mas o vocal de JP, que transita com facilidade pelo gutural e limpo, este último efetivamente o destaque do death metal melódico do grupo.

Clique aqui para acessar a resenha no site da Roadie Crew.

Set list In Flames
1. Drained (Battles, 2016)
2. Before I Fall (Battles, 2016)
3. Everything’s Gone (Siren Charms, 2014)
4. Take This Life (Come Clarity, 2006)
5. Trigger (Reroute to Remain, 2002)
6. Only for the Weak (Clayman, 2000)
7. Dead Alone (Soundtrack to Your Escape, 2004)
8. Darker Times (Sound of a Playground Fading, 2011)
9. Drifter (Reroute to Remain, 2002)
10. Moonshield (The Jester Race, 1996)
11. The Jester’s Dance (The Jester Race, 1996)
12. Save Me (Battles, 2016)
13. Alias (A Sense of Purpose, 2008)
14. Here Until Forever (Battles, 2016)
15. The Truth (Battles, 2016)
16. Deliver Us (Sound of a Playground Fading, 2011)
17. The Mirror’s Truth (A Sense of Purpose, 2008)
18. The Quiet Place (Soundtrack to Your Escape, 2004)
19. The End (Battles, 2016)

Set list Reckoning Hour
1. The Wakening
2. Misguided
3. Condemned to Failure
4. Eye for an Eye
5. Newborn Generation
6. Into the Uprising
7. Between Death and Courage

Anthrax – Among the Living

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Among the Living, Caught in a Mosh, I Am the Law e Indians. São nada menos que quatro clássicos absolutos do heavy metal num álbum de nove músicas. Veja bem: não apenas do thrash metal ou do próprio Anthrax. E são nove músicas de altíssimo nível no terceiro trabalho da banda, afinal, as cinco restantes seriam as joias da discografia de muita gente por aí. Lembre-se dos refrãos irresistíveis de Efilnikufesin (N.F.L.) e A Skeleton in the Closet, com melodias que encorpam na combinação das vozes de Joey Belladonna e Scott Ian – digamos que o guitarrista faz um backing vocal principal.

E pode um disco que tem suas principais canções no início terminar tão bem quanto começou? Among the Living pode, porque One World manda muito bem na transição do andamento cadenciado para partes mais rápidas, enquanto a longa A.D.I./Horror of it All cresce de tal maneira que é capaz de fazê-lo arrastar os móveis da sala para agitar sozinho. E imagine se o Black Sabbath resolvesse se aventurar pelo thrash. Complicado? Ouça Imitation of Life. Resumindo, o que você tem em mãos é exatamente a obra-prima do Anthrax, o trabalho que realmente lançou o quinteto – à época completado por Dan Spitz (guitarra), Frank Bello (baixo) e Charlie Benante (bateria).


“Muitas pessoas ainda o consideram o nosso álbum essencial, e foi definitivamente o disco certo na hora certa. Rápido e thrashy, nervoso e energético para cacete”, escreveu Ian em sua autobiografia, “I’m the Man – The Story of the Guy from Anthrax” (2014). “Tudo o que aprendemos como banda de Fistful of Metal (1984) a Spreading the Disease (1985) foi parar nas músicas. Se o Anthrax fosse uma disciplina no metal, eu diria que Among the Living seria a nossa tese de mestrado.” E uma formatura com méritos: o 62º lugar do Top 200 da Billboard e o Disco de Ouro não foram pouca coisa para uma banda de thrash metal.

Produzido por Eddie Kramer e dedicado a Cliff Burton, o disco ainda apresenta peculiaridades em algumas de suas canções. Enquanto I Am the Law é baseada no personagem de quadrinhos Judge Dredd, Efilnikufesin (N.F.L.) homenageia o comediante John Belushi (1949 – 1982). “Ele é um dos meus heróis, e a música fala do desperdício que foi sua overdose, porque ele era tão talentoso e tinha tanto a oferecer ao mundo. É minha mensagem para os garotos ficarem longe das drogas”, contou Ian. E Among the Living e A Skeleton in the Closet têm inspiração em obras do escritor Stephen King: “A Dança da Morte” (1978) e “O Aprendiz” (1982), respectivamente.


O texto foi escrito para a edição 224 da Roadie Crew, como parte do especial “1987: o ano que não acabou”, mas não foi publicado porque, na verdade, eu me enganei ao ver aos donos de cada um dos 87 discos da lista. Revisitei os álbuns que Armored Saint, Black Sabbath, DIO, Exodus, Frehley’s Comet, Guns n’ Roses, Helloween, John Norum, KISS, Marillion, Michael Monroe, Ozzy Osbourne, Savatage, Tankard, Y&T e Yes lançaram há 30 anos, e o Anthrax entrou no meu inconsciente.

TANKARD – ONE FOOT IN THE GRAVE

A cerveja pode ser o combustível ideal para fazer com que o Tankard lance discos com regularidade, afinal, Andreas “Gerre” Geremia (vocal), Andreas Gutjahr (guitarra), Frank Thorwarth (baixo) e Olaf Zissel (bateria) não vivem apenas da banda. Com o line-up estabilizado desde 1999, a banda vem desde então numa sequência de lançamentos que mantém intacta a integridade de um dos nomes do Big 4 do thrash metal germânico. De “Kings of Beer” (2000) a “R.I.B.” (2014), o legado foi mantido vivo com trabalhos sempre acima da média, mas comemorar 35 anos de fundação parece ter mexido com Geremia e Thorwarth, únicos integrantes da formação original.

Não que tenha acontecido uma guinada radical, pois “One Foot in the Grave” em momento algum é capaz de assustar o fã. Pelo contrário, são grandes as chances de impressionar. A começar pela produção, agora a cargo do baterista do Perzonal War, Martin Buchwalter, que tem no currículo trabalhos de mixagem, masterização e engenharia de som com Destruction, Architects of Chaoz e Suidakra, entre outros. O resultado prático da mudança foi um som mais orgânico, e Gutjahr e Zissel acabaram sendo beneficiados.


“Pay to Pray” e “Arena of the True Lies” abrem os serviços destacando os riffs palhetados e um bumbo bem na cara, mas vão além. Ambas mostram uma abordagem lírica mais séria e crítica – enquanto a primeira fala da exploração religiosa, a segunda mete o dedo na ferida dos boatos que causam um verdadeiro estrago depois que ganham a internet, mundo que antes das redes sociais era basicamente alimentado com futebol e putaria. E as duas faixas deixam claro, também, que “One Foot in the Grave” é um disco nervoso de thrash metal.

Com seu refrão simples e eficiente, “Don’t Bullshit Us!” não tira o pé do freio e prepara o terreno para a excelente faixa-título, que tem um baita riff e o instrumental mais bem trabalhado do CD. O trabalho de dois bumbos fica em evidência em “Syrian Nightmare” e “Lock ‘Em Up!”, acompanhadas na porradaria por “Sole Grinder”, que bem podem ser um aquecimento para “The Evil that Men Display” e “Northern Crown (Lament of the Undead King)”, duas pérolas do heavy thrash, com esta última tendo como bônus um início mais doom metal e refrão com coros.


Com arranjo de cordas no início e no fim, “Secret Order 1516” entrega o que a sua duração (mais de sete minutos) adiantava: temos um épico à la Tankard pedindo passagem para se tornar um clássico – e por falar em clássico, repare na capa que Alien, mascote da banda, está de volta.

Para terminar, três dicas: espere alguns segundos após os últimos acordes de “Sole Grinder” para ouvir a simulação de um canto de torcida (lembre-se: os caras são torcedores do Eintracht Frankfurt); confira a versão ‘deluxe’, que conta com um CD bônus ao vivo gravado no Rock Hard Festival, em 2016; e curta “One Foot in the Grave” com uma boa cerveja na mão, não aquelas com arroz e milho. Afinal, isso aqui é thrash metal ‘hergestellt in Deutschland’.