Paulo Jr.

Por Daniel Dutra | Fotos: Alessandra Tolc + Arquivo Pessoal

Vinte e cinco anos de gravações e turnês pelo Brasil e ao redor do mundo. Boa parte deste quarto de século morando em Phoenix, nos Estados Unidos, ou em São Paulo, onde reside há bastante tempo. Paulo Jr., baixista do Sepultura, tem a distância como vilã quando o assunto é o seu time de coração: o Atlético-MG. Nascido em Belo Horizonte, capital mineira, ele já se acostumou a torcer e sofrer a distância, exceção feita às oportunidades de assistir a jogos do Galo no Morumbi, Pacaembu, Palestra Itália ou Vila Belmiro, por exemplo. No entanto, nada que diminua a saudade do Mineirão. Afinal, muitas vezes o Alvinegro mineiro entrava em campo enquanto ele está em cima do palco, no camarim ou dentro de um ônibus, avião ou quarto de hotel.

Felizmente para o músico, não foi o que aconteceu no dia 29 de abril de 2007. Atlético-MG e Cruzeiro começavam a decidir o Campeonato Mineiro daquele ano, e nem o mais otimista dos atleticanos poderia imaginar que o título seria sacramentado nos primeiros 90 minutos. A goleada de 4 a 0 na partida de ida foi comemorada ao lado da Galo Sampa, grupo de torcedores alvinegros que moram em São Paulo e que Paulo Jr. desconhecia até então.

– Era o dia da (primeira partida da) final, e eu estava com uma ex-namorada almoçando. Uma amiga dela chegou, começamos a conversar sobre futebol, e ela me falou desse bar em São Paulo com um telão onde passava os jogos, porque sempre ficava cheio de atleticanos. Já morava em São Paulo há alguns anos e não sabia. Perguntei onde era, e ela apontou para a outra esquina. Foi assim, por coincidência, que conheci o pessoal da Galo Sampa. Os caras sabiam quem eu era, por causa da banda, e tudo começou daí. Já houve situações em que umas trezentas pessoas foram assistir a uma partida.

E a primeira vez ainda foi marcada pelo inusitado quarto gol, com o goleiro Fábio desligado da partida, e pela comemoração do título. Uma goleada em clássico, ainda mais decisivo, é algo muito difícil de ser invertido.

– Ainda estávamos comemorando o terceiro quando o Vanderlei marcou mais um, e ninguém entendeu nada. Eu só consegui ver no replay. Eu e todo mundo, aliás – diz o músico, lembrando do camisa 1 voltando lentamente para o gol, de costas, sem perceber que o seu time havia perdido a bola após o reinício da partida. – Depois o Cruzeiro venceu por 2 a 0 (no dia 6 de maio), mas já tinha perdido o título. E foi bom assim, porque eu não pude assistir ao segundo jogo com eles. Estava viajando. Então, no primeiro já comemoramos com uma cervejada. Da maneira como tudo aconteceu, foi um momento para guardar.

Noventa minutos com a camisa do arquirrival

A rivalidade entre os dois clubes é encarada de maneira extremamente saudável pelo baixista, a ponto de ele já ter feito algo impensável para muitos atleticanos: vestir a camisa do Cruzeiro. Paulo, no entanto, se justifica e mostra que procurou se cercar de cuidados.

– Foi na despedida do Sorín, que é fã do Sepultura e nos convidou A causa era boa, o cara é gente fina, só que usei apenas enquanto estava em campo (no Mineirão), e com a do Galo por baixo para dar proteção (risos). O Samuel (Rosa, guitarrista e vocalista do Skank) foi o primeiro a tirar foto, até colocou num blog, mas um dia chega a vez dele.

Paulo Jr.Paulo Jr.
Fotos: Arquivo Pessoal
Fotos: Arquivo Pessoal

Nessa linha de raciocínio, para o músico não há espaço para brigas ou confusão no futebol.

– Para mim, é só dentro do campo, durante os noventa minutos. Tenho muitos amigos cruzeirenses. Em Belo Horizonte tem um bar de um amigo com duas televisões, e passa um jogo em cada uma. Ficam as duas torcidas uma de cada lado, zoando a outra. Claro que rolam umas discussões de boteco, vez ou outra, mas sem agressão.

Apesar da tranquilidade, não se engane. Paulo também prova que torcer contra o adversário está no sangue. Vale até mesmo “enxergar” o São Paulo vestindo uma camisa com listras verticais nas cores preto e branco.

– Fui assistir ao jogo contra o Cruzeiro no Morumbi, e o primeiro gol foi comemorado com um grito de “Galo”. Foi espontâneo, saiu sem querer. Todo mundo olhou para mim, e eu disse: “Foi mal, mas se é contra o Cruzeiro, então é gol do Galo.” Coisa de atleticano fanático – brinca ele, referindo-se ao jogo de volta pelas quartas de final da Libertadores 2010 (o time paulista venceu as duas partidas por 2 a 0).

Futebol e festa com craques do passado e do presente

A paixão por futebol e heavy metal acabou gerando o Jogo de Estrelas, que teve o seu embrião numa pelada informal de fim de ano, em 2002, para no ano seguinte virar um evento beneficente. Paulo e o Sepultura reúnem amigos – atores, músicos e jogadores em atividade – para enfrentarem uma equipe formada por veteranos do Atlético-MG, Cruzeiro e América-MG.

– A história começou com o meu irmão Fabrício, que conheceu o pessoal da Galo Metal, fã do Sepultura, e com eles organizou a pelada. Reinaldo e Paulo Isidoro participaram já de cara, e depois vieram João Leite, Toninho Cerezo, Elzo, Humberto Ramos, Dadá Maravilha, Luizinho, Éder, Belletti, Mancini, Rafael Moura, Fred e mais um monte de gente. Todos eles estiveram em pelo menos uma edição.

Em 2003, uma amiga da banda pegou a ideia e transformou em algo maior, o Jogo de Estrelas, que passou a ser realizado no estádio Independência e a homenagear grandes nomes do futebol, com ingresso custando dois quilos de alimento não perecível. A arrecadação é entregue a instituições de caridade.

– O primeiro foi o Telê Santana, e foi muito bacana. Apesar de já doente na época, ele estava completamente lúcido – lembra Paulo, explicando o porquê de reforçar o time com jogadores em atividade. – Temos de colocar quem ainda está jogando no nosso time. Só assim aguentamos o pique, porque os caras ainda jogam muita bola. Mesmo assim, nunca vencemos. O máximo que conseguimos foi empatar duas vezes em oito peladas.

Só que 2010 será um hiato no Jogo de Estrelas. A agenda do Sepultura, que se prepara para gravar um novo disco, e as obras no Independências acabaram inviabilizando o evento – o estádio vem sofrendo uma reforma para substituir nos próximos três anos o Mineirão, que está sendo preparado para a Copa 2014.

– Já vieram falar comigo, mas não tem como fazer este ano. O Thiago Lacerda e o Wagner Moura perguntaram se ia rolar, só que falta campo, e eu não quero tirar o evento da capital (mineira). Ano passado tentamos Nova Lima, mas no fim continuou em Belo Horizonte. Recebemos propostas para fazer em São Paulo, mas eu e o Andreas (Kisser, guitarrista do Sepultura) não quisemos. Sempre foi Sepultura versus ex-jogadores de Atlético, Cruzeiro e América. Não tem sentido fazer diferente.

Fazia muito tempo que eu não escrevia uma matéria, ainda mais indo para a rua – a última havia sido um Lembra Dele? com Wágner, maior goleiro da história do Botafogo, em fevereiro de 2009 –, e fazia mais tempo ainda que eu não entrevista alguém ligado à música. Desde 2005. Foi quando pintou a chance, graças ao amigo Márcio Mará, de participar da série Meu Jogo Inesquecível. Como tinha que ser um torcedor do Atlético-MG, pensei em Paulo Jr., baixista do Sepultura, coincidentemente uma das minhas bandas favoritas. Aproveitei que iria a São Paulo assistir ao show do Paul McCartney no Morumbi, em 21 de novembro de 2010, e marquei a entrevista para o mesmo dia, no estúdio onde o Sepultura ensaiava. O resultado foi “Meu Jogo Inesquecível: Fora de casa, Paulo Jr. festeja título mineiro do Galo”, publicado no dia 28 de dezembro do mesmo ano, no GloboEsporte.com.

Clique aqui para acessar a matéria no GloboEsporte.com.

Kamelot – Ghost Opera

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Quando alguém aparece com algo diferente, é normal que um monte de gente aproveite o vácuo para se aproveitar, e é aí o que negócio fica saturado. Para o esvaziamento é um pulo. Na música não chega a ser diferente. O Helloween surgiu em meados dos anos 80 com o power metal melódico, algo que a banda alemã continua, apesar de um deslize ou outro, fazendo muito bem até hoje. Só que vários grupos foram na onda, e a coisa ganhou uma proporção que ultrapassou o limite do suportável, pois em cada esquina dos mais diferentes países da Europa brotava um novo nome do estilo em busca do sucesso. O gênero foi mesmo popular no rock pesado, mas a quantidade de banda ruim era impressionante.

Formado pelo guitarrista Thomas Youngblood, o Kamelot precisou apenas da mudança de vocalista – saiu Mark Vanderbilt, entrou Roy Khan – para trilhar o caminho que o levaria ao posto de melhor banda desse power metal melódico, agora com toques sinfônicos. E chega a ser irônico que o diferencial tenha vindo de uma banda americana, com a adição de um norueguês para assumir o microfone. É bom ressaltar: assim como os Estados Unidos, a Noruega não tem tradição no estilo. Pelo contrário, é o berço de muitas bandas de black metal e foi um país fortemente marcado pelos problemas causados pelos seguidores do estilo (o movimento Inner Circle, queima de igrejas e coisas do tipo).


Ser o melhor no mar de mediocridade (sendo condescendente com os grupos que restaram e ainda têm algum cartaz) não significa tanto assim, por isso o Kamelot está onde está porque fez mesmo por merecer. E as coisas aconteceram passo a passo, com a recompensa vindo cinco discos depois. Lançado em 2005, a obra-prima The Black Halo abriu definitivamente as portas para o Kamelot. Reverenciado pela imprensa especializada, o grupo fez mesmo uma turnê mundial (sim, passou até pelo Brasil) e finalizou o ciclo com um espetacular DVD duplo, One Cold Winter’s Night, acompanhado do CD homônimo (também duplo).


Não à toa, o novo álbum, Ghost Opera, foi lançado cercado de expectativas. Todas foram superadas. Com a efetivação do tecladista Oliver Palotai, o Kamelot voltou a ser um quinteto – Casey Grillo (bateria) e Glenn Barry (baixo) completam a formação – e mostrou que entrosamento não é problema num time tão bem azeitado. Depois da introdução Solitaire, a maravilhosa Rule the World causa o mesmo impacto de March of Mephisto, um dos clássicos do disco anterior. Nada de bumbos à velocidade da luz, mas sim um riff esperto, teclados bem sacados e um andamento empolgante andando lado a lado com um trabalho vocal em que não há cabe nenhuma crítica negativa – Khan, diga-se, é o melhor dos “pupilos” de Geoff Tate (Queensrÿche), tanto nos trejeitos vocais como em cima do palco.


Os elementos básicos do metal melódico aparecem em Up from the Ashes, Silence of the Darkness e na faixa-título, mas usados com elegância e sem exageros. Ou seja, estão lá as quebras de ritmo e um trabalho mais inteligente de guitarra. Khan aproveita para dar um show em Anthem, enquanto Amanda Sommerville ajuda a dar brilho a Mourning Star, Ghost Opera e Love You to Death (muito, muito bonita), e Simone Simons (Epica) empresta sua bela voz à ótima Blücher. A qualidade do material é tanta que até mesmo a faixa bônus da belíssima edição digipack, The Pendulous Fall, é de tirar o fôlego – e esta mesma edição vem com um DVD com o making of e o videoclipe de Ghost Opera (a música).


Resenha escrita para a edição 135 do International Magazine, de agosto de 2007, mas que acabou não sendo publicada.

After Forever – After Forever

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Quando lançou seu primeiro trabalho, Prison of Desire (2000), o After Forever nada mais era do que uma entre as várias bandas com vocais femininos. A febre de grupos com vocal soprano, no que se convencionou chamar de gothic metal, foi uma das mais fortes dentro do rock pesado dos anos 90 para cá. Muita gente tentando um lugar ao sol, mas poucos com talento suficiente para tanto. E apesar de os dois primeiros álbuns (o segundo, Decipher, chegou às lojas no ano seguinte) terem feito a banda conquistar uma base razoável de fãs, é difícil acreditar que os holandeses não estariam fadados ao esquecimento não fosse a saída do guitarrista Mark Jansen, ironicamente um dos principais compositores.

O miniálbum Exordium (2003), já com o ex-roadie Bas Maas no lugar de Jansen, começou a apontar o caminho para o futuro do After Forever. Com menos pompa e soando mais pesado e direto, o grupo foi crescendo a cada CD – os ótimos Invisible Circles (2004) e Remagine (2005) vieram na sequência – até atingir seu ponto mais maduro. O novo álbum, autointitulado, é um primor dentro do metal contemporâneo, e o sexteto – completado por Sander Gommans (guitarra e vocais guturais), Joost van den Broek (teclados), Luuk van Gerven (baixo), Andre Borgman (bateria) e a excepcional Floor Jansen (vocais) – prova que soube renovar seu som sem atingir sua integridade. Um feito, sem dúvida, pois bandas infinitamente maiores, como o Metallica, estão num mar de lama há bastante tempo por conta da tal evolução musical.


Os espaços para os vocais sopranos estão cada vez menores, e assim Floor pode mostrar uma faceta diferente de sua voz. De uma maneira ou de outra, está cantando que é uma barbaridade. Mas a linha mais direta, na verdade, nada tem a ver com a simplicidade. O instrumental está mais intrincado, muitas vezes próximo do prog metal (cortesia de Broek, que se tornou o parceiro definitivo de Gommans nas composições), vide os pouco mais de 11 minutos da ótima Dreamflight. Não à toa a banda contou com a participação da Orquestra Filarmônica de Praga, que contribuiu para enriquecer ainda mais a sua música. Uma decorrência natural da maturidade apresentada em faixas como Discord, a pesada e rápida Transitory, Envision e a excelente Equaly Destructive, todas com quebras certeiras de andamento, melodias vocais impecáveis e bons riffs de guitarra.

Apesar da ausência de solos, Gommans e Maas fizeram um ótimo trabalho, mas em De-Energized abrem a guarda para Jeff Waters, o líder do Annihilator, brilhar em solos que se encaixaram muito bem – e os vocais de Gommans dão o contraponto perfeito para a beleza da voz de Floor. A vocalista, aliás, também divide os holofotes com outra participação especial. Na ótima Who I Am, alterna as frases da letra com Doro Pesch. E não dá mesmo para deixar de voltar ao assunto. Só mesmo uma atuação de gala para se destacar num trabalho tão coeso e homogêneo, mas Floor consegue com tranquilidade, principalmente nas baladas Cry With a Smile e Empty Memories, em que sua atuação chega a ser covardia. E ela ainda carrega nas costas a excelente Energize Me, primeiro single do disco e, potencial radiofônico lá no alto da escala, hit certo.


Resenha publicada na edição 135 do International Magazine, em agosto de 2007

Rush – Snakes & Arrows

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Há muito tempo havia perdido qualquer resquício de entusiasmo ao ouvir um novo disco do Rush. Na verdade, não me animava nem mesmo para tomar a iniciativa de correr atrás. Sim, sou um daqueles chatos que acham que Geddy Lee, Alex Lifeson e Neil Peart pararam no início dos anos 80 – bom, sou um pouco menos turrão, pois acredito que houve vida depois de Moving Pictures (1981), já que Signals (1982) é um disco bem legal, e Grace Under Pressure (1984) e Power Windows (1985) têm ótimos momentos. Claro, não deixei de ir ao Maracanã assistir ao show carioca da primeira (e até hoje única) turnê brasileira do trio canadense (confira como foi), e até hoje me emociono com 2112, YYZ, Closer to the Heart, Limelight, La Villa Strangiato e The Spirit of Radio ao colocar o DVD Rush in Rio para rolar (clique aqui para ler a resenha).

Pois bem, ouvi que Snakes & Arrows merecia uma chance. Vá lá que o mesmo foi dito de Counterparts (1993), Test for Echo (1996) e Vapor Trails (2002), todos uma tentativa de voltar a soar mais rock, mais Rush sem tantos sintetizadores, programações e baterias eletrônicas. Havia escutado os álbuns em questão, sim, mas nenhum deles empolgou por inteiro. O Rush continuava lançando discos com duas ou três grandes músicas em cada um deles. Apenas isso. E não é que agora foi diferente? Demorou 25 anos, mas enfim a espera acabou.

Snakes & Arrows não é, que fique bem claro, um álbum para se colocar ao lado de pérolas como Fly By Night (1975), 2112 (1976), A Farewell to Kings (1977), Hemispheres (1978) ou do já citado Moving Pictures. Mas é o Rush finalmente soando relevante, soando como o Rush poderia soar no século XXI. Enfim, um disco orgânico sem parecer forçado. Um disco agradável de ouvir. Finalmente. O começo com Far Cry não poderia ser melhor, já que traz os ingredientes que fizeram dela a primeira música de trabalho (é fácil de cantar, por exemplo), mas apresenta peso na medida certa, com uma linha de baixo espetacular – o que, aliás, é também a tônica nas instrumentais The Main Monkey Business e Malignant Narcissism. Imagine Dave Mustaine tocando aqueles riffs intrincados do Megadeth sem precisar ter de cantar… Mal comparando, é por aí mesmo.


Na outra instrumental do CD, o dono da bola é Lifeson. Hope mostra o guitarrista num inspirado momento acústico, mas ele dá as cartas em Spindrift, Bravest Face e We Hold on, provando mais uma vez a injustiça que é ser subestimado por muita gente. O cara desfila classe e elegância nas seis cordas sem precisar de várias notas por segundo. E ninguém está esquecendo de Peart, o gênio das baquetas que faz da bateria um verdadeiro instrumento de percussão, por mais paradoxal que isso possa soar.

Sim, ele dá uma aula em todo o disco, mas Snakes & Arrows é um trabalho de três músicos brilhantes que colocam as composições em primeiro lugar – Workin’ Them Angels e The Way the Wind Blows, por exemplo – e, desta vez, trouxeram aquela dose extra de qualidade que sempre marcou o Rush. Duvida? Faithless e Good News First não escondem uma queda por aquilo que o grupo passou a fazer a partir de meados da década de 80, mas sem precisar de recursos eletrônicos em demasia. Não deveria ser tão difícil agradar a um grupo de fãs tão ranzinzas, no qual eu me incluo, mas valeu a penas esperar.


Resenha publicada na edição 135 do International Magazine, em agosto de 2007

Ozzy Osbourne – Black Rain

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Seis anos separam Black Rain do disco anterior de inéditas de Ozzy Osbourne, Down to Earth (2001). Mas o Madman se manteve na ativa durante este hiato não apenas com o reality show “The Osbournes”, que começou com episódios de chorar de rir e terminou de maneira patética, muito graças ao modo como a filha Kelly, desprovida de talento, se relacionava com o pai. Musicalmente, o ao vivo Live at Budokan (2002), a caixa com quatro CDs Prince of Darkness (2005) e o álbum de regravações Under Cover (2005) mantiveram o nome de Ozzy nas manchetes. No entanto, nada muito significante.

O novo disco, então, deveria ser o que os fãs estavam esperando há tanto tempo, principalmente porque Zakk Wylde, que ficou fora do processo criativo no trabalho anterior, acumulou as seis cordas com o posto de compositor. Mas é o produtor Kevin Churko quem assina todas as faixas ao lado do veterano vocalista, uma vez que Wylde não tem participação em duas canções, The Almighty Dollar e Trap Door Nada que fizesse o guitarrista soltar o verbo, como fez publicamente ao dizer que não entendia por que o chefão havia trabalhado com o líder do Foo Fighters, Dave Grohl, no processo de composição do disco anterior – e ele não foi necessariamente diplomático em suas declarações. Enfim, Black Rain não apresenta nada diferente do que vem sendo feito por Ozzy nos últimos anos. Pior: a única mudança assustou os fãs.


Black Rain é um disco moderno. Não que chegue a ser uma tentativa de soar igual a bandas como Korn e Linkin Park, ainda mais agora que, felizmente, o tnew metal não tem metade da força de alguns anos atrás. Só que a sensação de estranheza toma conta do ouvinte em músicas como Not Going Away, I Don’t Wanna Stop, The Almighty Dollar e Civilize the Universe. As duas primeiras, sejamos sinceros, empolgam em seus refrãos e numa atuação soberba de Wylde – sim, o cara ainda reina como o melhor guitarrista de heavy metal da atualidade. Riffs poderosos e solos espetaculares (no caso de I Don’t Wanna Stop, com uma pitada de Eddie Van Halen) estão espelhados em (quase) todo o CD. Só que, guitarras à parte, as canções trazem nas letras aquele papo chato de vocês-não-podem-me-julgar e ainda-vou-ficar-por-aqui-durante-muito-tempo. Já deu.

E também não é toda hora que Ozzy acerta nas baladas. Revelation (Mother Earth), Goodbye to Romance e Mama, I’m Coming Home se tornaram clássicos, mas lá se vai pelo menos uma década e meia desde que foram compostas. Lay Your World on Me e Here for You – no fim das contas, as duas são uma ode à esposa, Sharon – não convencem. Na verdade, são bregas até dizer chega. Mas é claro que nem tudo é de se jogar fora, como a faixa-título (com um fim meio Children of the Grave) e, principalmente, as duas canções que encerram o CD. Countdown’s Begun e Trap Door lembram o velho Ozzy, com a segunda chegando a remeter ao excelente The Ultimate Sin (1986).

As duas músicas, na verdade, encerram Black Rain no Brasil, Estados Unidos e Europa. O Japão, obviamente, ganhou duas faixas bônus, e elas são espetaculares. I Can’t Save You é rock pesado de primeira, empolgante e levada pela guitarra, enquanto Nightmare caberia muito bem em Diary of a Madman (1981). Sem exageros, uma das melhores composições de Ozzy nos últimos 25 anos. Para quem tem um graninha sobrando, vale o investimento.


Resenha publicada na edição 135 do International Magazine, em agosto de 2007

Dream Theater – Systematic Chaos

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Houve quem ficasse preocupado. Depois de 14 anos com a Atlantic, o Dream Theater migrou para a Roadrunner, que tinha se tornado a casa do new metal, provavelmente o estilo mais polêmico do rock depois do grunge – e igualmente detestado pelos fãs de heavy metal. No entanto, a inclusão do quinteto – James LaBrie (vocal), John Petrucci (guitarra), John Myung (baixo), Jordan Rudess (teclados) e Mike Portnoy (bateria) – no cast apontava nada mais que uma mudança de mentalidade e/ou postura da gravadora.

Há três anos, a Roadrunner já apostara suas fichas no Nightwish, lançado o multiplatinado Once nos Estados Unidos, mas depois vieram contratações de nomes de peso como Opeth, Black Label Society e Megadeth, que lançaram seus novos discos sem qualquer resquício de Limp Bizkit, Linkin Park ou Korn em seus trabalhos – e basta ouvir Ghost Reveries, Shot to Hell e United Abominations para se ter certeza. Com o Dream Theater não poderia ser diferente, e os fãs ganharam de presente aquilo que o grupo não conseguiu fazer com Train of Thought, ou seja, um álbum pesado, realmente bem pesado, mas de audição agradável.

Systematic Chaos, que também chega ao mercado na forma de uma edição especial com um DVD de 90 minutos sobre a gravação do disco, é um híbrido do CD lançado em 2003 com o trabalho anterior de estúdio, o excelente Octavarium (2005). Portnoy e companhia acertaram na mão ao misturar o peso com o lado progressivo, facetas sempre presentes na música do grupo. Isso, claro, sem abrir mão do virtuosismo que fez o Dream Theater se tornar um dos nomes mais respeitados do rock pesado e um fenômeno do estilo no Brasil.


In the Presence of Enemies Pt. 1 abre o CD dando exatamente as cartas mostradas no parágrafo acima. Com ares de Rush em vários detalhes, ela ainda vai além ao fazer a alegria de quem sentia falta de uma maior ênfase nos solos dobrados de guitarra e teclados. Petrucci e Rudess são bem escorados por Portnoy, que em Systematic Chaos tem uma performance mais destacada do que em Octavarium. Apesar da mudança de direcionamento de um álbum para outro, Forsaken prova que o processo de composição não é aleatório, pois veste o uniforme de faixa mais acessível (em grande parte por causa do seu refrão). Poderia ser acompanhada por Prophets of War, mas esta tem um refrão mais forte – e sensacional, a bem da verdade.

Sim, o Dream Theater tem uma fórmula, mas isso não necessariamente é ruim. Constant Motion e The Dark Eternal Night são a cara do quinteto, apesar de diferentes entre si – a primeira é totalmente quebrada, enquanto a segunda transborda peso e velocidade. E em ambas LaBrie se sai muito bem, é bom ressaltar, em contraste com os vocais de apoio de Portnoy, que ganham cada vez mais destaque. A bela Repentance representa 100% a veia progressiva, mas o melhor fica mesmo para o fim, já que os quase 80 minutos do CD se encerram com duas pérolas. The Ministry of Lost Souls e In the Presence of Enemies Pt. 2 têm um instrumental para fã nenhum botar defeito (e a última, vale ressaltar, com alguns toques de Metallica) – e experimente ouvir as duas partes de In the Presence of Enemies em sequência. Systematic Chaos traz o Dream Theater em excelente forma, com destaques para os inspiradíssimos Rudess e Petrucci, e sem nada para assustar o fã.


Resenha publicada na edição 133 do International Magazine, em junho de 2007

Paul Stanley – Live to Win

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Devidamente vacinado por Asshole, aquele disco bem ruim lançado por Gene Simmons em 2004 (clique aqui para ler a resenha), a esperança de que houvesse uma redenção nas mãos de Paul Stanley começou a desmoronar quando surgiram as primeiras informações daquele que seria seu primeiro disco solo em 28 anos – lembrem-se: o primeiro, sob a marca KISS, chegou às lojas em 1978. Enfim, lá estava ele compondo ao lado de Desmond Child e Andreas Carlsson, que já haviam assinado sucessos com Bon Jovi, Def Leppard e Aerosmith. Tudo bem, ninguém esperava mesmo um CD sem músicas acessíveis e de refrãos pegajosos, mas aí soube quem estava gravando o trabalho…

O baterista era Victor Indruzzo, que gravou e excursionou com Macy Gray e Beck. Na guitarra estava Corky James, que registrou as seis cordas em CDs da Avril Lavigne. Tudo bem, vá lá que Bruce Kulick (ex-guitarrista do KISS) estava escalado para gravar o baixo em algumas músicas, que o guitarrista John 5 (ex-David Lee Roth e Marilyn Manson) havia confirmado presença, ou que os teclados estivessem a cargo de Russ Irwin, que merecia o benefício da dúvida por já ter feito turnês com Sting. De qualquer maneira, tinha tudo para dar errado, tudo para ser uma baba sem tamanho.


Mas apesar de todo o negativismo que rondava Live to Win, esqueci que o sujeito que assinaria o negócio se chama Paul Stanley, um compositor de mão cheia, responsável pelo melhor dos quatro álbuns solos do KISS (o de Ace Frehley, com o perdão da sinceridade, não é homogêneo), e um vocalista extremamente talentoso e de timbre único, característica apenas dos que têm lugar cativo entre os grandes. E o disco acabou se tornando uma agradabilíssima surpresa, uma aula de rock’n’roll sem maiores compromissos.

Apenas dez músicas em pouco mais de 30 minutos, e nem mesmo as três baladas estragam a festa. Isso porque Everytime I See You Around, Second to None e Loving You Without You Know são ao mesmo tempo bonitas e elegantes, coisa de quem tem a manha para o negócio (vide I Still Love You e Forever). Na verdade, Stanley foi econômico apenas na duração do CD, afinal, os fãs esperaram oito anos por material novo dele – último trabalho de estúdio do KISS, Psycho Circus foi lançado em 1998.


Mas as sete faixas restantes são simplesmente espetaculares, a começar pela trinca que abre o disco: Live to Win, Lift e Wake Up Screaming. A canção que dá nome ao álbum é para deixar o fã sorrindo de orelha e orelha, graças ao vocal brilhante e ao refrão que gruda mais do que chiclete em cabelo, além da letra positiva que é mesmo a cara do autor. Jogo ganho, as duas seguintes mostram que Stanley adicionou modernidade ao seu som, mas sem perder a personalidade.

Prova maior disso é Bulletproof, que poderia muito bem fazer parte do disco lançado no fim da década de 70 – os vocais de apoio femininos ajudam na remissão a Move on, por exemplo. E músicas como All About You, It’s Not Me (outro refrão sensacional) e Where Angels Dare, que fecha o CD com maestria, deixam a impressão de que Live to Win não apenas tem dez hits em potencial, mas que possui canções que vão sobreviver ao teste do tempo. E não dá mesmo para duvidar de Paul Stanley.


Resenha publicada na edição 133 do International Magazine, em junho de 2007

Pain of Salvation – Scarsick

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Sejamos sinceros: a não ser você tenha 15 anos e esteja descobrindo o heavy metal agora, não há o que esperar de um estilo que há anos vem se mostrando estagnado, cuja qualidade das bandas é inversamente proporcional à quantidade delas, principalmente porque a cada dia brotam dezenas, principalmente na Europa. Não é raro que os grupos relevantes já estejam no quarto ou quinto disco, ou seja, que tenham pelo menos uns seis anos de estrada a contar do lançamento do álbum de estreia.

Assim sendo, estas linhas não estão reservadas para falar de uma exceção à regra. Temos, sim, o exemplo da banda que não é um medalhão ou dinossauro, mas que subiu um degrau de cada vez até conquistar o respeito do público: liderado pelo genial Daniel Gildenlöw, o Pain of Salvation construiu a sua personalidade musical sem fazer concessões, ou seja, com discos cuja sonoridade e conceito não são de fácil digestão. Enfiado no pacote do prog metal, o grupo sueco ainda assim pouco ou nada tem a ver com nomes como Dream Theater, Fates Warning ou Queensrÿche.

Scarsick, seu sétimo disco, chega às lojas três anos depois de Be, que ainda não foi totalmente assimilado por boa parte dos fãs – nele, o guitarrista e vocalista colocou no papel anos de estudo sobre a criação do Universo e o desenvolvimento do homem, e obviamente estou sendo vago ao definir o trabalho, complicado também na parte musical. Mas o público adorou, assim como vai rasgar seda para o novo trabalho, ainda mais por se tratar da continuação do aclamado The Perfect Element (2000). Ou seja, definitivamente um retorno às raízes do quinteto sueco – completado por Johan Hallgren (guitarra), Simon Andersson (baixista que entrou na banda depois do lançamento do CD, em substituição a Kristoffer Gildenlöw – Daniel gravou todos os baixos), Fredrik Hermansson (teclados) e Johan Langell (baterista que estará fazendo os últimos shows com o grupo no momento em que você estiver lendo esta resenha).


Mas o novo álbum é mesmo brilhante. Mais pesado, porém não menos complexo, o que fica evidente logo nas duas primeiras faixas, Scarsick e Spitfall, que reúnem todos os elementos característicos do Pain of Salvation: mudanças abruptas de andamento, letras políticas bem fortes e um trabalho vocal de primeira linha, das melodias às interpretações (Daniel canta que é uma barbaridade!). A leveza fica por canta da espetacular Cribcaged e de Kingdom of Loss, enquanto os (perfeitos) dez minutos e três segundos de Enter Rain juntam tudo isso e mais um pouco.

Ainda assim, não há como escapar dos dois grandes destaques de Scarsick: America e Disco Queen. Eterno crítico da administração George W. Bush, Daniel não poupa críticas à política dos EUA, mas o seu sarcasmo atinge também o “american way of life” – as ironias passam por Diet Coke e programas de apresentadores como Jay Leno e David Letterman, metendo dedo na ferida de que o americano não enxerga além do próprio umbigo… E quanto a Disco Queen, imagine I Was Made for Lovin’ You, do KISS com uma dose bem maior de peso, instrumental mais rebuscado e uma letra séria. Não deu? Ouça Scarsick.


Resenha publicada na edição 133 do International Magazine, em junho de 2007

Megadeth e o show dos argentinos

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Desde que resolveu voltar à ativa com o Megadeth, em 2004, Dave Mustaine saciou a sede dos fãs com todo tipo de lançamento. Do disco de inéditas, The System Has Failed, lançado no mesmo ano, à coletânea Greatest Hits: Back to the Start (2005), ainda deu para desembolsar mais uma grana para adquirir o DVD duplo Arsenal of Megadeth (2006). Ou seja, depois de um hiato de dois anos para se recuperar de uma grave lesão no braço esquerdo, Mustaine não ficou parado. E 2007 começou com o DVD That One Night: Live in Buenos Aires, registro de um show na Argentina que a banda ficou devendo em 2001, já que os atentados terroristas de 11 de setembro impediram a turnê pela América do Sul – o lançamento, então, se deu com Rude Awakening, gravado no Arizona.

Apesar da pobreza em relação aos extras (apenas Symphony of Destruction numa versão alternativa que não acrescenta absolutamente nada), o DVD impressiona pelo alucinado público argentino. Mais de 25 mil pessoas tomaram o estádio Obras Sanitarias apenas e tão somente para assistir a uma apresentação do Megadeth. Pouco importava se no palco as coisas não eram como antes, já que James MacDonough (baixo) não é David Ellefson, assim como Shawn Drover (bateria) fica devendo a Nick Menza e Jimmy DeGrasso – Glen Drover (guitarra), por sua vez, se sai um pouco melhor ao substituir Marty Friedman e Al Pitrelli.


Mas não, isso não importava. No desfile de clássicos, com uma surpresa (Set the World Afire) e um equívoco (I’ll Be There), os hermanos são um show à parte em Symphony of Destruction e Trust, duas das músicas em que a pista se transforma numa única massa cantando e pulando. É mesmo impressionante, e não à toa Mustaine dedicou Coming Home especialmente aos argentinos. O CD ainda está para sair, mas vai servir mesmo apenas para completar coleção. Impossível separar uma coisa da outra quando o público se transforma no espetáculo.

O melhor do Megadeth no novo álbum

Com o ótimo James LoMenzo (ex-White Lion, Pride & Glory e Black Label Society) no lugar de MacDonough, o Megadeth soltou seu mais novo disco, o político United Abominations, e cumpriu a promessa de fazer um trabalho para o fã não esquecer. Tendo um grupo em estúdio, e novamente compartilhando o brilho de um colega de seis cordas, já que Glen faz bonito com material próprio nas mãos, Mustaine acerta a mão em excelentes músicas, como Sleepwalker, Never Walk Alone… A Call to Arms, Washington is Next!, Pray for Blood e Amerikhastan, num trabalho muito acima da média.


E mais do que arriscar a regravação de A Tout Le Monde – agora com a adição de (Set Me Free) ao nome – ao lado da talentosa Cristina Scabbia (Lacuna Coil), Mustaine continua sem controlar a língua. Critica as Nações Unidas (repare no trocadilho do título do álbum) por não apoiar a decisão dos Estados Unidos de invadir o Iraque, alegando que o momento era de pensar nos soldados que estavam sendo enviados à guerra, ao mesmo tempo em que mete o dedo na ferida ao criticar as reais intenções do governo George W. Bush, dizendo que os EUA se tornaram uma subsidiária da empresa de serviços petrolíferos Halliburton. Mais Mustaine, impossível.


Resenha publicada na edição 133 do International Magazine, em junho de 2007