Arch Enemy – Anthems of Rebellion

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Da mesma maneira que existem bandas intocáveis – aquelas que lançam discos que o fã compra sem pensar duas vezes –, há o músico que é sinônimo de qualidade. Seja qual for o trabalho em que ele estiver envolvido, a satisfação é garantida. O guitarrista Michael Amott se encaixa perfeitamente no perfil, conquistado com Heartwork, lançado pelo Carcass em 1994, álbum que fez coro ao saudoso Chuck Schuldiner – ex-guitarrista e vocalista do Death, que um ano antes lançara o marco chamado Individual Thought Patterns – para ajudar a mudar a cara do death metal.

Depois do Carcass, Amott passou a dividir seu tempo entre o stoner rock do Spiritual Beggars (já com quatro discos lançados) e o aclamado Arch Enemy, que acaba de lançar seu quinto trabalho de estúdio, Anthems of Rebellion. Formada em 1996 por Michael e seu irmão e também guitarrista Christopher Amott, Johan Liiva (baixo e vocal) e Daniel Erlandsson (bateria), a banda sueca lançou o primeiro álbum, Black Earth, no mesmo ano e em 1998 – com Martin Bengtsson no baixo e Peter Wildoer na bateria, ambos do Armageddon – gravou Stigmata, trabalhos que fizeram o nome da banda no país natal.

Com o retorno de Erlandsson às baquetas e as quatro cordas a cargo de Sharlee D’Angelo (Mercyful Fate), estava dado o primeiro passo rumo ao posto de um dos melhores grupos de metal. Burning Bridges chegou às lojas em 1999, mas foi em 2001 que aconteceu a cartada definitiva, com a saída de Liiva e a entrada de Angela Gossow, ex-repórter de uma revista alemã que, depois de uma entrevista com a banda, resolveu deixar uma fita demo com os integrantes. A loura causou dúvidas nos fãs, mas Wages of Sin (2002) sepultou todas elas: botando muito marmanjo no bolso, Angela mostrou-se capaz, e seus vocais agressivos e guturais contribuíram para que o disco ganhasse o selo “obra-prima”.


Para a felicidade dos fãs, em Anthems of Rebellion o quinteto fez mais um trabalho perfeito. A vinheta Tear Down the Walls prepara para o massacre que vem a seguir, com Silent Wars – destaque para os magníficos duelos dos irmãos Amott – e o primeiro single, We Will Rise, em que Erlandsson realiza um trabalho espetacular com dois bumbos – o batera, diga-se de passagem, brilha em todo o CD. Uma década depois de o death metal ter deixado de ser uma “massa sonora disforme” (um eufemismo para “barulho”, termo infelizmente ainda usado por muita gente, que um dia ouvi), o Arch Enemy volta a apresentar um instrumental pesado, criativo e construído tendo como base estruturas melódicas irretocáveis.

Dead Eyes See No Future, Leader of the Rats, Dehumanization e Saints and Sinners (esta com backing vocals limpos) convivem muito bem com Anthem e Marching on a Dead Road, temas instrumentais que comprovam aos radicais a existência de feeling na música extrema. Apesar de Anthems of Rebellion ser um trabalho uniforme, é impossível não apontar destaques, a começar por Instinct e Despicable Heroes. A primeira apresenta riffs fantásticos e uma ótima linha vocal, e a segunda, resquícios diretos do death metal, ambas com uma atuação ímpar de Angela Gossow.

End of the Line (mais riffs maravilhosos e novamente backings limpos) e Exist to Exit (que nos remete ao Slayer da fase Seasons in the Abyss) mostram a facilidade do Arch Enemy em renovar o heavy metal – principalmente o death e o thrash – para fazer algo único nos dias de hoje. Para completar, o disco – que tem um belíssimo trabalho gráfico – chega ao Brasil acompanhado de um CD bônus com três músicas gravadas durante a Wages of Sin Campaign 2002: Lament of a Mortal Soul, Behind the Smile e Diva Satanica. Obrigatório a todos que gostam de rock pesado.

Resenha publicada na edição 99 do International Magazine, em dezembro de 2003.

Living Colour – Collideøscope

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Se o leitor conferiu a entrevista com Corey Glover, sabe que o escriba aqui não esconde sua paixão pelo Living Colour. Poderia enumerar as razões por que tenho especial carinho pela banda, mas sou obrigado a resumir: é o melhor, mais ousado e mais criativo grupo de rock surgido nos últimos 20 anos. Se ainda assim for necessário um exemplo prático, ouça Collideøscope, o primeiro álbum de estúdio em dez anos, o trabalho que marca a volta depois de cinco anos do anúncio da separação, depois de sete anos sem Glover (vocal), Vernon Reid (guitarra), Will Calhoun (bateria) e Doug Wimbish (baixo) não tocarem juntos.

Mas não daria para saudar a volta do Living Colour com tanto entusiasmo se não fosse a certeza de que a banda continua relevante. Collideøscope ratifica isso não apenas no campo musical, mas também porque os quatro ainda têm algo inteligente a dizer – e isso faz uma tremenda diferença hoje em dia. Obviamente, os atentados terroristas em 11 de setembro exerceram uma forte influência, ainda mais com Glover estando dentro de um avião rumo a Nova York no fatídico dia.


No entanto, não espere encontrar exemplos típicos de um povo que não consegue enxergar além do próprio umbigo. Não, assim como o Queensrÿche em seu último disco, Tribe, o Living Colour expõe os erros de seu próprio país. Com um quê de The Clash – e propositadamente com a produção mais suja do disco –, a ótima Operation: Mind Control coloca o dedo na ferida: “(…) Isso não parece muito com liberdade / É a operação controle da mente / É a batalha pela alma da América / Apenas vista o casaco da conformidade / Enquanto nós o alimentamos com propaganda / Na TV do Estado / Você está 24 horas sob vigilância do satélite espião / Sempre achado pelo olho que tudo vê / Em Deus nós confiamos / E a alma da América (…)”.

Com elementos eletrônicos e muito peso graças à guitarra e a uma ótima linha vocal, In Your Name aponta a falta de sentido em uma guerra. A ? of When – o maior exemplo do casamento perfeito entre música e tema, com uma interpretação nervosa de Glover – questiona as consequências do evento (no encarte, a letra ocupa uma página inteira, vermelha e com um avião ao fundo). Claro, musicalmente Collideøscope é um bálsamo, de Song Without Sin à curta e bela instrumental Nova. Da oportuna regravação de Sacred Ground – uma das quatro músicas (à época) inéditas da coletânea Pride (1995) – ao acento reggae de Nightmare City – felizmente sem a repetitiva (e muito chata) guitarra característica do estilo.


O disco é recheado de ótimas canções – como Great Expectation, Choices Mash Up e Lost Halo, em que brilham Reid e Glover –, mas ainda assim podemos separar aquelas que conseguem ser diferenciais. Holy Roller e Pocket of Tears são excelentes, principalmente a segunda, uma balada (sem a conotação piegas, por favor) cheia de feeling. Certamente alvo da curiosidade de muitos, Tomorrow Never Knows, dos Beatles, ficou primorosa com os arranjos percussivos do extraordinário Calhoun.

A versão para a música dos Fab Four deve agradar em cheio aos que gostam da banda, mas Back in Black, clássico do AC/DC, já irritou alguns puristas de plantão. Sabe-se lá se o motivo foi o solo de Reid – ou seja, um solo do guitarrista do Living Colour, não de Angus Young – ou a interpretação de Glover – ora soando como ele mesmo, ora soando como Brian Johnson. O resultado? Sensacional. Fazer beicinho é bobagem pura, um conservadorismo que só pode durar até a maravilhosa Flying. Lenta, linda, cheia de groove e com Wimbish, Calhoun e Glover dando um espetáculo. Fora a letra emocionante… Resta agradecer aos deuses da música – enfim, a salvação do rock! – e esperar que o Living Colour realmente chegue ao Brasil no início de 2004.

Resenha publicada na edição 99 do International Magazine, em dezembro de 2003.

Alice Cooper – The Eyes of Alice Cooper

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Talvez você não tenha a menor ideia de quem seja Vincent Damon Furnier, mas certamente conhece Alice Cooper. Aos 55 anos, quase 40 de carreira, o pai do “rock horror show” não perde tempo desde que reencontrou o caminho do bom e velho rock’n’roll no meio dos anos 90. Sim, porque Tia Alice não escapou de alguns trabalhos mais comerciais nos anos 80 – Raise Your Fist and Yell (1987) e Trash (1989) –, mas o responsável por clássicos como Killer (1971), School’s Out (1972) e Billion Dollar Babies (1973) não poderia ter esquecido como ser old school.

The Last Temptation (1994) foi uma tentativa tímida, mas ainda assim preparou o terreno para que Alice Cooper voltasse a encher os olhos de quem curte aquela fase da década de 70. O primeiro capítulo atende pelo nome de Brutal Planet (2000), que rendeu no mesmo ano o excelente DVD Brutally Live, registro de uma apresentação no Hammersmith Apollo, em Londres, Inglaterra (em tempo: o vídeo foi relançado em novembro, numa edição especial que inclui também o CD duplo do show).


No ano seguinte, DragonTown chegou às lojas, e com ele Alice finalizou a trilogia iniciada com a bela Only Women Bleed, de Welcome to My Nightmare (1975) – outro clássico, diga-se de passagem. Every Woman Has a Name encerra a ode à força das mulheres cuja segunda parte, em Brutal Planet, ganhou o nome de Take it Like a Woman. Prestígio reconquistado e som renovado, o passo mais recente foi dado com The Eyes of Alice Cooper, um dos melhores discos de rock de 2003.

O novo álbum – “gravado praticamente ao vivo”, segundo o press release – é espontâneo do início ao fim, com 13 músicas simplesmente irresistíveis. A receita não é complicada: riffs muito bem construídos, refrãos empolgantes, solos de guitarra esbanjando feeling – para a felicidade quase geral, nenhum com milhões de notas por segundo – e uma banda de primeira linha, garantindo o resultado orgânico das canções: Eric Singer (bateria), Chuck Garric (baixo) e os guitarristas Eric Dover e Ryan Roxie, além do tecladista convidado Teddy “ZigZag” Andreadis.

What Do You Want from Me? abre o CD em clima de festa, deixando espaço para o vigor de Between High School & Old School e Man of the Year, esta última com uma saudável dose de punk rock. A trinca é arrasadora e já faz valer cada centavo gasto, mas seria injustiça não mencionar Spirit Rebellius, as nervosas I’m So Angry e Backyard Brawl e a participação de Wayne Kramer, guitarrista do legendário MC5, em Detroit City.


Menos pesado e agressivo que os dois discos anteriores, principalmente Brutal Planet, The Eyes of Alice Cooper tem espaço para Novocaine e Love Should Never Feel Like This, deliciosamente comerciais e uma amostra de como o hard rock pode ser acessível sem abrir mão da qualidade (fazendo ou não uso do laquê e das calças de oncinha). Méritos para Dover e Roxie, que compuseram todas as músicas com Alice (Detroit City ainda tem Garric como coautor) e, apesar de mais novos que o chefe, não fugiram à proposta de fazer um disco de rock puro e simples.

The Eyes of Alice Cooper é um resgate ao som dos anos 70 ao mesmo tempo em que soa absolutamente atual, seja na balada Be With You Awhile (enriquecida com um esperto Fender Rhodes) ou no arranjo de metais de Scott Gilman em Bye Bye, Baby. Talvez seja um choque para quem acha que o rock recomeçou com The Strokes, mas é uma bênção para aqueles que, com a paciência necessária às novidades, não deixam de enxergar o óbvio: não se faz mais rock como antigamente. Saudosismo alimentado por This House is Haunted e a excelente The Song That Didn’t Rhyme. Ouvir The Eyes of Alice Cooper traz aquela vontade de tocar guitarra imaginária, sabe como é?


Resenha publicada na edição 99 do International Magazine, em dezembro de 2003.

Rush – Rush in Rio

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Primeiro, a apresentação no Maracanã, no dia 23 de novembro, no encerramento da turnê do último disco de estúdio do trio canadense, Vapor Trails (2002). Um ano depois, chega às lojas o DVD duplo e o CD triplo Rush in Rio, com a íntegra do memorável show realizado para os fãs cariocas. O lançamento do novo trabalho ao vivo do Rush ganhou até mesmo um site para divulgação. Coisa fina.

Para não dizer que o DVD é a nata, a versão apenas em áudio traz duas músicas gravadas no início da turnê: Between Sun & Moon e Vital Signs, que no Brasil foram substituídas por The Trees e Freewill. O acréscimo não deixa de ser interessante, por dois motivos bem simples: Between Sun & Moon, do álbum Counterparts (1993), nunca havia sido tocada ao vivo até então, enquanto Vital Signs, do clássico Moving Pictures (1981), aparece pela primeira vez num registro ao vivo da banda.

Apresentadas as razões para o fã comprar também o CD, vamos ao indispensável DVD. A versão nacional não é digipack como a importada, mas é tão luxuosa quanto: tem sobrecapa e inclui um pôster de quatro dobras, com a capa do vídeo na frente e uma foto lateral do estádio pegando a pista completamente tomada. Claro, vale ressaltar que o capricho na edição brasileira inclui o livreto de 16 páginas com ficha técnica, fotos e um texto escrito por Neil Peart, no qual o batera esmiúça os seis meses de turnê, obviamente destacando os três shows no Brasil – além do Rio, o Rush tocou em Porto Alegre (20) e São Paulo (22).

Peart não esconde a surpresa com a popularidade da banda no país, onde o trio teve o maior público de sua carreira como headliner – 60.000 pessoas em São Paulo, além de 25.000 em Porto Alegre e 40.000 no Rio –, e fala aquilo que todos sabemos: quando quer, o público brasileiro faz parte do show como poucos. “Apenas escute os fãs cantarem nota por nota de YYZ, uma música instrumental, e você perceberá que não é uma audiência qualquer. Eles foram extraordinários, e nós dedicamos nosso show, antes e agora, a eles.” Nós também agradecemos, mas é mesmo emocionante ver tanta gente pulando em YYZ ou todos batendo palmas em The Spirit of Radio.


Independentemente da preferência por material mais antigo ou mais recente, foi assim em todo o show. Particularmente, foi realmente um sonho assistir a Lee, Lifeson e Peart desfilarem Tom Sawyer, The Trees, Free Will, Closer to the Heart, Limelight, La Villa Strangiato e The Spirit of Radio, entre outras, mas nada foi tão espetacular quanto 2112. Àquela altura a compostura já havia ido para o espaço, mas foi impossível segurar as lágrimas – sim, a compostura há muito já havia ido para o espaço, mesmo.

Os extras no segundo DVD não são apenas inevitáveis ao formato, mas aqui um grande complemento. A começar pelo recurso multiângulo em YYZ, La Villa Strangiato e O Baterista, o solo de Peart que ratifica o porquê de o batera ser hors-concours nas principais revistas especializadas em todo o mundo. Além de poder optar pela mesma edição do primeiro disco, você pode assistir às músicas acompanhando apenas um dos músicos – à exceção, claro, de O Baterista, em que há quatro ângulos diferentes de Peart.

O documentário “The Boys in Brazil”, dirigido por Andrew MacNaughtan, apresenta em 55 minutos o humor de Lifeson, a seriedade e o profissionalismo do trio, vários trechos dos shows e ainda abre espaço para os fãs realmente enaltecerem o Rush. Dos anônimos aos famosos, como Andreas Kisser, Paulo Jr. e Derrick Green – guitarrista, baixista e vocalista do Sepultura, respectivamente. Falar demais acaba estragando, então assista a “The Boys in Brazil” com prazer.

Em tempo: vale a pena dar uma força e mostrar como se faz para liberar os “easter eggs”. Para ver a animação “By Tour”, de pouco mais de dois minutos, pressione [enter] ou [OK] no controle remoto aos 26 minutos e 40 segundos do documentário, quando Lifeson fala que o grupo parou de tocar By-Tor and the Snow Dog no fim da década de 70. Para ter acesso ao vídeo do grupo tocando Anthem em 1975, volte ao menu do segundo DVD e digite no controle a sequência [2]+[enter]+[1]+[enter]+[1]+[enter]+[2]+[enter], podendo trocar [enter] por [OK]. Bom divertimento.

Resenha publicada na edição 99 do International Magazine, em dezembro de 2003.

Helloween

Por Daniel Dutra | Fotos: Cortesia/Century Media Brasil

Se você leu até o fim a resenha do novo CD do Helloween, Rabbit Don’t Come Easy, e a entrevista com o vocalista Andi Deris, eu diria que elas talvez não tenham sido decisivas para que alguém comparecesse ao Canecão no último dia 16 de setembro. Afinal, não apenas era uma chuvosa terça-feira, mas na mesma noite o Deep Purple se apresentava no ATL Hall, na Barra da Tijuca. Não dá para medir a divisão, mas existe um óbvio ponto de interseção entre os dois públicos. No entanto, quem é fã da banda alemã tinha a obrigação de estar em Botafogo.

Se as duas primeiras passagens do grupo pelo Brasil – em 1996, no Monsters of Rock, e em 1998, abrindo para o Iron Maiden – serviram apenas o aperitivo para os shows como headliner em 2001, ainda assim ficou faltando algo. Nada como uma mexida, portanto, para gerar expectativa. Com Sascha Gerstner (guitarra) e Stefan Schwarzmann (bateria) nos lugares de Roland Grapow e Uli Kusch, respectivamente, e um excelente CD nas lojas, o Helloween começou sua turnê mundial no Brasil e deu aos fãs um presente melhor que o esperado.

Não faltaram surpresas num Canecão que recebeu um bom público – 1.600 pessoas, segundo a produção. O início da apresentação foi uma viagem no túnel do tempo, rumo ao passado de onde a banda garimpou Starlight e Murderer, músicas do primeiro trabalho dos alemães, o miniálbum intitulado simplesmente Helloween (1985). Enquanto os fãs mais novos, muitos deles que conheceram o grupo já com Deris, não entendiam o que estava acontecendo, os mais antigos eram uma mistura de felicidade e incredulidade.

O que veio a seguir, então, foi uma tremenda covardia. Quando Deris anunciou “uma música do Keepers parte dois”, quem poderia imaginar que seria Keeper of the Seven Keys? Houve quem falasse “eu pensei que iria morrer sem assistir à banda tocá-la ao vivo”, e talvez seja esta a melhor maneira de definir o que foi a obra-prima de 13 minutos de duração, uma das canções clássicas e mais bonitas do heavy metal em todos os tempos. Sem tempo para recuperar o fôlego, as obrigatórias Future World e Eagle Fly Free colocaram a casa abaixo. Pronto, o primeiro tempo nem tinha chegado ao fim e a partida já estava vencida por goleada.

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O material mais recente veio na forma de Hey Lord!, I Can e a balada Forever and One, provando definitivamente que o set list havia sofrido uma reformulação e tanto. Claro, Dr. Stein não poderia ficar fora, mas daí para frente continuava uma surpresa atrás da outra. O novo álbum cedeu Open Your Life, Back Against the Wall e Sun 4 the World – todas ótimas, principalmente a primeira –, mas Just a Little Sign (retirada do repertório na última hora) e Listen to the Flies fizeram falta. Como nem tudo são flores, a decepção ficou por conta Schwarzmann, inegavelmente um bom batera, mas que passou longe de muitos licks dos excepcionais Uli Kusch e Mikkey Dee (que gravou Rabbit Don’t Come Easy como músico convidado).

Apesar das espetaculares Sole Survivor e Where the Rain Grows, em que o trabalho primoroso de Kusch ficou no CD, ficou a impressão de que foram escolhidas as músicas mais fáceis da época do ex-baterista (obviamente, nenhuma composição de Grapow foi apresentada). Rabugice à parte, nada que tenha atrapalhado, afinal, mesmo Michael Weikath (guitarrista e líder) estava bem mais solto, e o baixista Markus Grosskopf continua se divertindo como nunca no palco, espaço comandado com maestria por Deris, ótimo vocalista (sim, senhor!) e um frontman como poucos no heavy metal. E como reclamar de uma apresentação dos inventores de um estilo (o restante do metal melódico é conversa para boi dormir) que teve a apoteose de Power e fechou com How Many Tears? Sorte de quem presenciou.

Resenha publicada na edição 98 do International Magazine, em novembro de 2003.

Krisiun

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Impressionante. Não há outra palavra para descrever o nível ostentado pelo Krisiun hoje em dia. Com disco novo na praça, o excelente Works of Carnage, o trio formado pelos irmãos Alex Camargo (baixo e vocal), Moyses Kolesne (guitarra) e Max Kolesne (bateria) prova definitivamente ser um dos grandes nomes do death metal mundial, além de o grande representante do metal brasileiro no exterior, atualmente. No dia 4 de setembro, conversamos por telefone com Alex sobre o CD, que vem recebendo rasgados elogios da imprensa especializada, o lançamento do primeiro DVD, o prestígio alcançado pela banda no cenário do rock pesado e muito mais.

Quando recebi minha cópia de Works of Carnage, ouvi como referência que o novo disco estava “cabuloso”, palavra que foi novidade para mim. Depois que escutei o CD, no entanto, entendi perfeitamente o que quiseram dizer.
(N.R.: rindo) Essa foi boa! Acho que é isso mesmo!

Rolou alguma pressão pelo fato de o Krisiun ser hoje o grande nome brasileiro do metal no exterior?
O novo álbum é uma continuação do Ageless Venomous (2001), mas é claro que demos um novo passo, subimos mais um degrau. Sempre procuramos levar para frente não apenas a banda, mas também o estilo. É preciso conhecer para fazer som extremo, que está ficando mais popular, mas de certa forma ainda é discriminado. Batalhamos muito e ensaiamos para caralho, não de ficar cinco horas por dia tocando guitarra, já que não pregamos isso, mas de deixar o Krisiun 100% entrosado. Procuramos levar nossa proposta para frente e não ficar batendo na mesma tecla, mas é claro que temos muito orgulho do que já fizemos. Quando gravamos o disco anterior, havia uma febre muito grande do death metal esporro, algo sem propósito. Tentamos limpar e fazer uma música brutal e rápida, mas que as pessoas entendessem o que estava acontecendo. Nossa intenção é fazer com que o death metal seja visto como um estilo musical, mas obviamente mantendo a ideologia que sempre esteve conosco. Nunca negamos o fato de a banda ser 100% metal e temos orgulho disso, só que sempre estamos evoluindo e buscando o profissionalismo. Com Works of Carnage, conseguimos manter essa limpeza, mas trouxemos de volta o peso que as pessoas acham que faltou no Ageless Venomous, no qual nós acabamos limpando demais o som.

E o disco é até bem curto (N.R.: 32 minutos).
Sim, porque nossa intenção foi fazer um trabalho dinâmico, sem enrolação, sem ficar repetindo riff para aumentar o tempo de uma música.

Mas aí o fã tem de ficar apertando “repeat” toda hora porque o CD acaba rapidamente (risos), ainda mais que há vinhetas instrumentais como Outro, que encerra o disco. Aliás, qual o conceito das instrumentais bem curtas, como War Ritual e Shadows?
(N.R.: rindo) O lance do fã é esse mesmo! Bom, procuramos manter a atmosfera do álbum usando elementos diferentes. Por mais que a banda esteja satisfeita com o trabalho, não estamos aqui para pregar que o novo disco é o melhor, que o Krisiun é a banda mais foda, entende? Tudo que colocamos no CD é de coração, como as introduções, que são bem naturais para nós. Em todos os trabalhos usamos para dar uma quebrada, mostrar uma faixa diferenciada. A ideia em War Ritual foi fazer algo bem agressivo com a bateria, mas dando sentido ao que estamos fazendo. Tem a ver com a proposta da música.

Você falou em mostrar o death metal como estilo musical, acabando com o estigma de “barulho mal feito”, como se barulho pudesse ser bem feito (risos). Você não acha que a resposta está justamente no som do Krisiun, que não é nem um pouco fácil de fazer?
Sim, é por isso que ficamos gratos pelas oportunidades que temos para mostrar nosso trabalho. Por mais que a banda esteja solidificada, o apoio que recebemos é sempre muito importante. Mas ainda há muito preconceito, infelizmente.

Houve uma evolução natural da banda, mas vocês sempre se mantiveram fiéis às raízes do death metal. Qual sua opinião a respeito das subdivisões dentro do estilo, como a vertente mais melódica de grupos como Children of Bodom?
Olha, como não temos rabo preso com ninguém, vou ser sincero com você (risos). Algumas pessoas podem ver esse filão como uma evolução, mas é algo que eu não consigo ouvir. Não me identifico com o som e o acho um pouco artificial. Só que eu não tenho nada contra, afinal, todo mundo é livre para tocar e gostar do que quiser.


E a palavra “melódico” pode dar a entender que o death metal não tem melodia.
Claro, não é o caso de ter velocidade e agressividade na raiz e adicionar melodia. Toda música é melódica, por mais brutal que seja. Se ela é tocada corretamente, tem melodia. Para mim, essa nova divisão não é feita de maneira natural, ela já nasce com uma ideia preestabelecida. Nosso propósito é fazer música naturalmente, criar o que estamos sentindo, sem querer atingir determinados padrões. Nossas influências são as bandas tradicionais de metal dos anos 80, e depois vieram o thrash, o death e o black metal. Ouvimos o que nos agrada, mas é aquilo: não posso desmerecer ninguém. Apenas não me identifico com esse filão.

Isso tudo serve também para o black metal sinfônico de bandas como o Dimmu Borgir, então?
Exatamente. Inclusive, nós já fizemos turnê com o Dimmu Borgir e nos damos muito bem. Existem elementos legais na música da banda, muito bem feita e profissional, mas não faz a minha cabeça. E até disse isso a eles (risos). É como um trem que vai numa direção e de repente dá uma guinada brusca em busca de outro caminho (risos). Isso é pessoal, na verdade, porque eu curto o black metal mais direto de bandas como Dark Funeral e Marduk.

Não à toa vocês gravaram In League With Satan, do Venom. De quem foi a ideia, já que a versão ficou bem Krisiun, mas sem perder as características originais?
Estávamos ensaiando meio que de brincadeira e ficou bem legal, ou seja, surgiu de improviso. O Venom sempre está presente com a gente, já que quando começamos a curtir metal era a banda que mais tinha atitude, no sentido de ser objetivo no som agressivo da época. Acho que a identificação rola até mesmo por ser um power trio que remou muito contra a maré e foi muito discriminada, mas que se fortaleceu junto ao público que acreditava no som. Aquela história de “isso é barulho” (risos). In League With Satan é uma música vibrante, por isso mantivemos o andamento e procuramos colocar nosso espírito nela, como uma homenagem ao Venom. Se fosse por um esquema comercial, nós não a gravaríamos no nosso CD, mas participaríamos de um disco-tributo. Espero que um dia eles saibam disso (risos).

Falando em discriminação, não bate uma ponta de decepção com o fato de grande mídia e gravadoras ‘majors’ não darem valor a uma banda brasileira que está com um cartaz enorme lá fora, que é respeitada por toda a imprensa especializada e fãs de metal?
Nós temos muito orgulho de estar fazendo o que sempre sonhamos, de estar levando lá para fora nossa proposta, temos muito orgulho de ser uma banda brasileira se destacando no cenário, sem pagar pau para gringo. Mostramos que é possível sair do Brasil e fazer bonito lá fora, que aqui se faz música tão boa ou até melhor. Sem querer desmerecer ninguém. O problema é que hoje não há mais espontaneidade, rola muito jabá, há muito grana rolando, e as gravadoras compram espaço para veicular seus artistas. Até mesmo na época áurea do metal, no meio dos anos 80, tudo era mais espontâneo, as bandas estavam na cena porque tinham tesão. Hoje está tudo misturado, e a mídia fecha os olhos para determinadas coisas porque não interessa trazer algo novo, o negócio é bater na mesma tecla até o fim. No meio de toda essa competição, nós mandamos um foda-se e fazemos o que podemos. No metal há muita gente séria e as bandas estão mais profissionais, por isso as gravadoras especializadas estão fortes e lançando mais material na praça. Caminhamos de maneira independente, mas é claro que às vezes um ou outro programa de TV abre as portas e quer dar uma força. Nós estamos aí para o que der e vier na intenção de levar o metal para frente.

Essa mistura no metal tem muito a ver com o panorama nos EUA, que hoje não tem ideia do que realmente é heavy metal. Você acha que ficar forte por lá é definitivamente importante para o estilo?
Eu entendo o que você quer dizer. Essa tendência de impor bandas nunca vai mudar, é algo programado. Agora, uma banda que tem história e compromisso com o rock’n’roll não vai fazer parte dessa mídia de massa, aparecer todo dia na TV e de uma hora para outra desaparecer. Para o Krisiun, não deixa de ser uma surpresa poder fazer turnês nos Estados Unidos e ter os discos lançados lá. O metal ainda é considerado um estilo maldito, mas tem crescido muito nos EUA. Como o mercado é de altos e baixos, o metal corre por fora, mas não morre nunca.

Esse “maldito” tem a ver apenas com o fato de as pessoas terem medo do que não conhecem.
Exatamente. Discriminação e preconceito são as primeiras coisas que vêm à cabeça da pessoa, aqueles clichês de dizer que o metal é mal tocado, negativo e coisa do Diabo (risos). Da nossa parte, apesar do reboliço, existe sempre o orgulho de ser uma banda de metal e uma bande de metal brasileira, mas sem patriotismo barato, tipo usar boné ou camisa do Brasil em todos os lugares. O lance é estar na cena e contribuir para o crescimento. Aqui no Brasil tem muito grupo bom. Com o profissionalismo, a tendência é que muitos despontem.

Tem alguma que você considere estar pronta para estourar?
Olha, velho, eu aprendi a não apostar em ninguém. Só o tempo pode dizer, pois aparece e some muita coisa ao mesmo tempo. Musicalmente falando, tem muita coisa boa, mas às vezes é uma febre, as coisas demoram a acontecer, e a banda acaba sumindo. Há grupos que eu curto bastante, que são fiéis e ajudam a solidificar o metal, mas vamos ver quem vai estar firme daqui a sete ou oito anos. Nós começamos em 1988 e estamos aí até hoje, depois de ter tomado muita lambada nas costas (risos). É fácil pegar uma fórmula e ficar flutuando com ela, o difícil é ver quem vai dar a cara à tapa, porque a hora do “vamos ver” é o que importa.

Voltando ao disco, na Europa ele será lançado com uma faixa bônus, They Call Me Death (N.R.: no Brasil, o CD também foi lançado com esta música, além de uma faixa interativa com o videoclipe de Murderer). Foi decisão da gravadora?
Na verdade, ela é antiga (N.R.: da primeira demo tape do Krisiun) e foi regravada com mais duas músicas para servir de bônus do relançamento do Apocalyptic Revelation (1998) nos EUA. Até mesmo por uma necessidade de deixar o novo disco mais longo, a Century Media resolveu lançar They Call Me Death como bônus na Europa, onde a música era inédita.


A capa de Works of Carnage (N.R.: feita por Jacek Wisniewski) é a melhor de todos os álbuns do Krisiun. De quem foi a ideia e como ela se relaciona com a temática do disco?
A ideia foi em conjunto com o artista, sendo que tentamos passar com a arte o que mundo vem atravessando nos últimos tempos. De uma maneira mais explícita, mostrar esse apocalipse disfarçado que está rolando, o fato de o mundo estar ficando cada vez menos humano. Nós não estamos aqui para pregar o mal ou adorar o Diabo, isso já foi debatido há muito tempo, mas para discutir para onde estamos caminhando. Não exploramos o tema apenas sob a visão apocalíptica, mas também pelo aspecto da experiência e daquele lado negro que todo ser humano tem. Não nos conformamos com muita coisa, mas nossa maneira de expressar isso é com a música, não podemos sair na rua matando um monte de gente (risos). Gostamos de dar valor às culturas mais antigas e abordar o caos, mostrar que o mundo surgiu dele e está voltando a ele. A cidade retratada na capa é a de Hiroshima, no Japão, um simbolismo do extermínio total. É um círculo em que não pregamos o mal nem dizemos às pessoas o que eles devem fazer.

O lançamento do DVD Live Armageddon foi adiado. O que aconteceu e quando ele deve finalmente sair?
Nós tivemos um problema com a gravadora antiga, a Gun Records, da Alemanha, detentora dos direitos dos dois primeiros discos (N.R.: Black Force Domain, de 1995, e Apocalyptic Revelation). Como nós tocamos seis músicas deles, rolou uma burocracia que demora um tempo para sair da fila. Foi chato porque ele deveria ter sido lançado logo depois do novo disco, em outubro, e houve uma expectativa grande. Mas por causa desse atraso, vamos incluir mais um show no DVD e imagens da gravação do Works of Carnage. Até o fim do primeiro trimestre de 2004 ele certamente estará na mão.

A turnê começa no fim de outubro. Vocês vão para os EUA e depois seguem para a Europa. Como está o esquema do Krisiun para o Brasil?
Vamos fazer o que der para fazer aqui, pois sempre fizemos questão de tocar no Brasil. Estivemos recentemente no Nordeste e vamos tocar em Belo Horizonte antes de ir para os EUA fazer a turnê com o Deicide e o Hate Eternal. Voltamos ao Brasil na segunda quinzena de dezembro e já temos shows marcados para Porto Alegre e São Paulo. No começo do ano que vem iremos à Europa, mas ainda estamos esperando fechar o pacote, saber quais as bandas que irão acompanhar. Depois disso, esperamos tocar no Rio de Janeiro com uma boa infraestrutura, num lugar legal. Queremos realizar um bom show para os fãs cariocas.

Nos últimos 15 anos, quais foram as maiores dificuldades? Houve algum momento em que vocês pensaram em desistir?
Todo mundo passa por dificuldades no Brasil, mas nunca deixamos de acreditar. Todos da banda já tiveram um emprego paralelo aqui em São Paulo. Vivemos dias bem difíceis, trabalhando duro para manter o Krisiun, conseguir comer, ter onde morar e pagar as contas. Sempre corremos por fora, sem vergonha nenhuma das dificuldades, mas felizmente estamos firmes até hoje.

Vocês ressaltaram a importância da mudança do Rio Grande do Sul para São Paulo. Alguma vez rolou de ir morar no exterior?
Sim, chegamos a cogitar e tivemos a oportunidade na época do Apocalyptic Revelation, quando ficamos seis meses na Alemanha. Na verdade, ainda rola a oportunidade, e nunca negamos a possibilidade de passar uma temporada maior fora. Agora, é mais viável ficar no Brasil enquanto der para conciliar turnês, gravações e tudo mais. Nós estamos tranquilos aqui, afinal, pagamos conta aqui da mesma maneira que pagaríamos lá fora (risos).


Não é muito comum uma banda ficar tanto tempo sem mudanças na formação. O fato de serem três irmãos acaba ajudando, certo?
Sim, facilita na questão do compromisso. Olhamos um na cara do outro e sabemos que ninguém é traíra. Claro que às vezes quebra o pau (risos), mas são coisas que nunca abalam nossa união. A banda está junta há tanto tempo não apenas porque são três irmãos, afinal, se alguém estiver insatisfeito ou sem trabalhar direito, o melhor é cair fora. Mas ajudou no sentido de acreditar e de um ter firmeza no outro.

E o começo de tudo, ou seja, o que levou vocês três a formarem o Krisiun?
A culpa é de nosso irmão mais velho, que foi criado na capital, enquanto nós éramos moleques do interior, perdidos e sem manjar nada (risos). Lembro que a primeira banda que ouvimos foi o AC/DC. Ele colocou o som, e nós ficamos fissurados, mas não tínhamos ideia de montar uma banda, era só curtir Iron Maiden, Motörhead, Judas Priest e outras bandas. No colégio é que começou o lance de querer tocar, pois sempre tinha alguém com uma guitarra, um baixo.

Alex, obrigado pela entrevista. Parabéns pelo Works of Carnage e por tudo alcançado pelo Krisiun até agora.
Obrigado a você, irmão! Depois de tudo que você falou, eu só tenho a agradecer. Foi firmeza pura (risos). Esperamos tocar em breve no Rio de Janeiro, num lugar bacana para fazer uma puta show!

Entrevista publicada na edição 98 do International Magazine, em novembro de 2003, mas aqui reproduzida sem a edição para o jornal.

Superjoint Ritual

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Uma das bandas de heavy metal mais bem-sucedidas dos anos 90, o Pantera virou mesmo história. O hiato depois da turnê do álbum Reiventing the Steel, lançado em 2000, fez com que os integrantes se interessassem muito mais por seus projetos (antes apenas) paralelos. Os irmãos Vinnie Paul (bateria) e Dimebag Darrell (guitarra) estão envolvidos com o Damageplan, Rex Brown (baixo) vem trabalhando com o Crowbar, e Phil Anselmo resolveu colocar também um ponto final no quarteto texano. Líder do Superjoint Ritual – cujo segundo álbum, A Lethal Dose of American Hatred, chegou recentemente às lojas –, o vocalista afirmou categoricamente que o “Pantera é coisa do passado”. No dia 27 de agosto, conversamos por telefone com Anselmo, que parecia, digamos assim, ter acabado de acordar para conceder a entrevista. Tido como uma pessoa difícil, o vocalista não faz mesmo o tipo brincalhão, mas mostrou-se educado e sincero, ou seja, sem papas na língua e disparando sua metralhadora verbal sem o menor pudor. Do som mais direto e objetivo do Superjoint Ritual – que conta ainda com os guitarristas Jimmy Bower (Eyehategod) e Kevin Bond (Christ Inversion e Body and Blood), o baixista Hank III e o baterista Joe Fazzio – ao novo disco do Metallica, confira aqui os melhores momentos da conversa.

O som do Superjoint Ritual é bem mais old school, nada parecido com o que você fazia no Pantera. Quais são as principais influências?
Sim, é absolutamente diferente do Pantera! É algo na linha de bandas como Discharge, Agnostic Front, Black Flag e do som dos anos 80. Realmente algo bem old school, como você disse, mas gostaria de deixar claro que não há nada de punk rock. Eu gosto de hardcore e metal, não de rock alegre (risos).

Apesar da mudança radical, existe a possibilidade de um dia você voltar a fazer thrash metal?
Não, estou com o Superjoint Ritual e ponto final. E eu não voltarei para o Pantera. Não olho para o passado, e o Pantera é coisa do passado.

Isso significa que você está em casa, ou seja, é o que você sempre quis fazer?
Sem dúvida alguma, apesar de eu sempre ter feito tudo honestamente na minha carreira. Pior seria estar tocando essa merda de new metal ou fazendo pop para as rádios.

Interessante você mencionar o new metal, já que atualmente sempre está na pauta das entrevistas que faço. Você acredita que bandas como o Superjoint Ritual nos Estados Unidos e a geração de bandas suecas como Soilwork, Arch Enemy e In Flames são o que faltava para mostrar o que realmente é o heavy metal?
Ótima pergunta. No nosso caso, o objetivo e dar às pessoas o que, para mim, é a verdadeira essência do metal, algo que você encontrava no Venom, Destruction, Slayer, Celtic Frost e mais um monte de bandas que poderia citar aqui. Queremos não apenas oferecer isso aos fãs antigos, mas também mostrar aos mais novos que o new metal é um lixo (risos). Nos EUA, os mais jovens têm sido enganados por essa por essa porcaria, por bandas maquiadas e com fantasias, em vez de aprenderem de onde vem a verdadeira música. Hoje os shows se resumem a explosões, laser e todo o tipo de efeitos especiais, isso porque esses grupos precisam disfarçar sua música, que é ruim. Para tocar, o Superjoint Ritual apenas desce de ônibus e vai para o palco, usamos as mesmas roupas que vestimos no dia a dia, algumas luzes e temos uma plateia alucinada. É assim que deve ser. A música deve falar mais alto que os negócios.

Mas e o quanto ao KISS? Não é segredo que você gosta da banda, que usa todos esses artifícios e gravou pelo menos uns quatro discos obrigatórios para qualquer fã de rock?
(N.R.: rindo) Mas eles fazem isso há 30 anos! Bom, no início também não tinha nada a ver com negócios (risos).


Em uma entrevista quer fiz com o Dan Lilker ano passado, ele disse que uma das razões da volta do Nuclear Assault era justamente para acabar com o new metal. Há muitas bandas dos anos 80 ressurgindo com força, mas algumas sempre estiveram no topo e parece que estão virando as costas para os próprios fãs, caso do Metallica. Você concorda com isso?
Honestamente, o Metallica esqueceu que é Metallica há muito tempo. De qualquer maneira, Dan Lilker deveria olhar para o próprio rabo antes de falar dos outros. Eu posso tocar thrash, death ou qualquer outro estilo do metal, mas nunca vou usar maquiagem como ele em sua banda de black metal (N.R.: The Ravenous). Por mais que o Nuclear Assault tenha voltado para acabar com alguém, é melhor medir as palavras. O Superjoint Ritual é a arma para acabar com essa bosta de new metal, não o Nuclear Assault.

Mudando de assunto, como a anda a House Core Records (N.R.: gravadora independente fundada por Anselmo)?
Cara, obrigado por perguntar! (risos) Na verdade, os últimos lançamentos foram os dois CDs do Superjoint Ritual (N.R.: o primeiro, de 2002, chama-se Use Once and Destroy), numa parceria com a Sanctuary Records. A gravadora é 100% minha, mas não há tempo para mais nada que não seja dedicação total à banda, já que A Lethal Dose of American Hatred vem tendo um ótimo desempenho. O disco estreou na 55ª posição na Billboard e continua no Top 200, sendo que chegou ao segundo lugar no ranking de independentes e permanece entre os cinco primeiros.

E como estão sendo os shows (N.R.: a turnê começou em julho, e em novembro a banda faz um giro pelos EUA com Sepultura e Morbid Angel)?
Fizemos uma pequena apresentação de aquecimento e, na sequência, dez shows no Texas, além de termos tocado no Novo México. Posso dizer a você que tivemos plateias alucinadas. Você sabe que o Texas é a casa do Pantera, por isso os fãs estão do meu lado.

Falando nisso, o assunto está mesmo encerrado para você, ou seja, o Pantera acabou?
Definitivamente! Vinnie Paul e Dimebag Darrell andaram dizendo muita merda a respeito do Superjoint Ritual, mas eu não desço ao nível deles e não devolvo as palavras… (N.R.: Anselmo faz uma pausa) Você quer saber? A reação deles foi de medo do Superjoint Ritual, que sempre os assustou porque, de certa maneira, é muito melhor que o Pantera. Eles temiam que os fãs do Pantera gostassem mais da minha banda, e foi isso que aconteceu! O que nós fizemos no Texas foi inédito. O Superjoint Ritual destruiu a porra da cidade! (risos) Todos os shows foram devastadores e memoráveis para os fãs, e sei que posso falar por eles.

Você consegue imaginar uma volta do Pantera com outro vocalista?
Não. Fazer algo assim seria estupidez.


Em relação à letra de The Destruction of a Person, ela é destinada a alguém especificamente?
Bem, sei o que você quer dizer (N.R.: Anselmo descreve a reação de alguns daqueles que o chamavam de “amigo” antes de uma overdose de heroína que deixou o vocalista clinicamente morto por seis minutos em meados dos anos 90). Em geral, todas as letras são bem pessoais, mas estão abertas a interpretações. Você me entende, certo?

Sem dúvida. E quando veremos o Superjoint Ritual no Brasil?
Eu espero que em janeiro de 2004. Talvez até antes, mas quero tocar aí no começo do ano que vem, em quantas cidades eu puder.

Obrigado pela entrevista, Phil, e o espaço é seu.
Obrigado a você, e sinto muito pelos problemas. Não sei o que aconteceu (N.R.: Anselmo refere-se às duas vezes que a linha caiu e ele levou alguns minutos para conseguir ligar novamente). Os fãs brasileiros sempre foram extremamente leais e insanos! Eu respeito isso. Nunca farei nada que decepcione vocês, que desaponte a mim e ao metal também. Sempre tento fazer o melhor e dou aos fãs 100% de mim.

Entrevista publicada na edição 98 do International Magazine, em novembro de 2003.

Iron Maiden – Dance of Death

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Toda vez que o Iron Maiden lança um trabalho é a mesma coisa: um verdadeiro evento, uma festa para muitos convidados. É o preço que se paga pelo status de maior banda de heavy metal do planeta. No entanto, também não é de hoje que o um disco da banda é a mesma coisa. O grande problema de Dance of Death reside justamente no fato de que Bruce Dickinson e Adrian Smith já voltaram à Donzela, ou seja, não houve a euforia causada por Brave New World (2000). Sem novidades, volta a ser um risco e um teste de paciência analisar o novo CD de um grupo que criou verdadeiras obras-primas, mas cujo último grande álbum foi lançado em 1988 e atende pelo nome de Seventh Son of a Seventh Son.

Não, Dance of Death está longe de ser controverso como os dois discos – The X Factor (1995) e Virtual XI (1998) – nos quais o microfone era de Blaze Bayley. Mas também não é animador, apesar de ser infinitamente melhor que o ruim No Prayer for the Dying (1990) e o irregular Fear of the Dark (1992) – está vendo? Não vamos colocar toda a culpa na voz de Bayley. Como na capa do novo álbum só se salva o mascote Eddie (com o restante feito digitalmente, é inegavelmente a mais feia de todas), o lance é colocar o CD no aparelho.

Primeiro single, Wildest Dreams é a típica música de abertura. Bacana, apesar de mais simples. Não assusta, assim como Rainmaker, que tem pique e refrão bem legais. Até aí tudo bem, não há nada de novo, o velho estilo Iron Maiden está intacto, e o fã já afirma que é o melhor disco do ano. Mas chega a vez de No More Lies, e com ela vem um dos vícios mais irritantes da banda. Alguém ainda tem paciência para as longas introduções comandadas pelo baixo de Steve Harris? Se tem, leva um pote de doce de leite. São quase dois minutos com aquele dedilhado batido e, para piorar, uma repetição de “no more lies” que dá nos nervos (pode contar, porque você vai desistir quando passar de 20).


O nível de boa vontade diminui, mas ganha um refresco com a boa Montségur, canção que remete ao clima do maravilhoso Powerslave (1984), principalmente da instrumental Losfer Words (Big ‘Orra). São os velhos clichês do Iron Maiden que, guardadas as devidas proporções, ainda agradam. Mas não demora e a faixa-título traz o que de volta? Mais uma introdução longa, muito longa e maçante. Fica difícil acreditar que Steve Harris, o melhor cabeção de acorde da história do metal (trata-se de um elogio), realmente não se cansa disso. Ainda assim, para aliviar um pouco, Dance of Death (a canção) tem uma interessante levada medieval na melodia, o que não acontece em Gates of Tomorrow, de longe a pior música do CD. Janick Gers, guitarrista e dublê de contorcionista, resolveu fazer uso do autoplágio e requentou The Angel and the Gambler (péssima canção de Virtual XI).

Primeira música do Iron Maiden com a participação do baterista Nicko McBrain na composição, New Frontier só por isso seria interessante, mas também é um dos bons momentos do álbum. Depois, você pode cortar os dois minutos iniciais de Paschendale e o primeiro de Face in the Sand (sim, são quatro faixas começando com a introdução-chata-de-guitarra-dedilhada-e-baixo!) para obter duas canções muito boas, mas o melhor de Dance of Death ficou para o fim.

Riff de guitarra muito legal e um refrão ótimo, um dos mais comerciais escritos pela banda, fazem de Age of Innocense a segunda melhor música do disco, já que a linda balada Journeyman ocupa o primeiro lugar com louvor. Bom gosto nos arranjos, clima melancólico e um ótimo trabalho de orquestração resultam na única novidade do disco. Apesar dos velhos hábitos (uns ainda bons, outros longe disso), é impossível fugir de três aspectos que, ainda bem, são imutáveis: as letras inteligentes, a classe de Adrian Smith e a garganta de Bruce Dickinson, que não apenas continua cantando muito, mas dá às músicas interpretações recheadas de sentimento.

Resenha publicada na edição 98 do International Magazine, em novembro de 2003.

Living Colour

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Dezembro de 2000. No palco do lendário CBGB, em Nova York, o show era do HeadFake, grupo do baterista Will Calhoun e do baixista Doug Wimbish, mas a frase “featuring surprise guests” estampada no cartaz era o prenúncio de que algo especial iria acontecer. E foi mais do que isso: a noite reservou uma das melhores notícias – senão a melhor – do mundo da música nos últimos anos: ao lado de Calhoun e Wimbish estavam o vocalista Corey Glover e o guitarrista Vernon Reid. Depois de sete anos sem que os quatro tocassem juntos ao vivo, seis depois do anúncio da separação, o Living Colour estava de volta. A apresentação foi o ponto de partida para o retorno da melhor banda de rock surgida nas últimas duas décadas. Daí em diante a agenda foi tomada por turnês, mas o primeiro registro em estúdio da reunião foi a participação de todo o grupo no último trabalho do brasileiro Lenine, Falange Canibal, de 2002. Apenas um aperitivo para os fãs, claro, já que no início de outubro chega às lojas o tão aguardado novo disco, Collideøscope. Para falar de tudo isso e mais um pouco, no dia 12 de setembro batemos um divertido papo telefônico com Corey Glover, que ratificou tudo aquilo que falam dele: é um tremendo boa-praça!

A volta do Living Colour aconteceu há quase três anos. Por que tanto tempo para lançar o novo disco?
Nós esperamos sete anos para voltar, por isso não estávamos com tanta pressa (risos). Bom, nós queríamos ter certeza de que o disco ficaria bom, de que estávamos preparados para gravá-lo. Não era suficiente apenas sentar e começar a fazê-lo, por isso levou todo esse tempo.

Obviamente, as turnês realizadas durante o período ajudaram a ter essa certeza, não?
Sim, porque fazer apenas por fazer não teria sentido algum. Era necessário saber o que as pessoas pensavam e como seria trabalharmos todos juntos novamente. Trabalhar não musicalmente, mas pessoalmente, descobrir como seria nossa relação agora.

Em Collideøscope vocês gravaram Back in Black, do AC/DC, e Tomorrow Never Knows, dos Beatles. Por quê?
Back in Black pode soar um tanto quanto óbvio, não? (risos) Na verdade, sempre quisemos gravá-la, e o momento era certo. Precisávamos apenas ver se ficaria legal, mas ficou ainda melhor do que esperávamos! Tomorrow Never Knows deveria ter feito parte de um tributo aos Beatles, mas o projeto foi cancelado. Decidimos colocá-la no disco porque gostamos muito dela.


E como foi juntar todas as experiências acumuladas nos sete anos de separação, já que o Living Colour sempre foi uma banda sem limites criativos?
Um dos principais motivos por que assinamos com a Sanctuary Records foi não precisar fazer um “disco da volta”. Era algo que não queríamos, e Collideøscope definitivamente está longe disso. Podemos falar que é uma continuação do Stain (N.R.: último álbum de estúdio, lançado em 1993), uma evolução do que fizemos nele. Trabalhamos muito duro para fazer com que soasse ao mesmo tempo contemporâneo e Living Colour, mas o mais importante é que temos algo a dizer a respeito do mundo atual.

E as expectativas para o novo disco, já que o cenário musical mudou bastante nos últimos anos?
Uma das razões para termos voltado foi a certeza de que podemos fazer alguma diferença. Quer dizer, há muita música boa por aí, mas mesmo assim estamos muito bem no meio de tudo isso.

Depois da turnê do Stain, você gravaram uma versão de Sunshine of Your Love, do Cream (N.R.: para a trilha sonora do filme “True Lies”, com Arnold Schwarzenegger)…
… Sim! Mas depois disso ainda lançamos as quatro músicas inéditas (N.R.: Release the Pressure, Sacred Ground, Visions e These Are Happy Times, gravadas em outubro de 1994) do Pride (N.R.: coletânea lançada no ano seguinte).

Exatamente, e também por isso o anúncio do fim do Living Colour foi surpreendente. Na verdade, à época não se sabia até mesmo se a banda havia acabado definitivamente.
Honestamente, nós precisávamos de um tempo… Um tempo de sete anos (risos). Nós chegamos a um ponto em que estávamos realmente cansados de tudo aquilo. A comunicação na banda estava difícil. Não musicalmente, mas pessoalmente. Muitas coisas estavam acontecendo em nossas vidas, e não nos falávamos como antes. No fim já havia um problema de comunicação, não sabíamos como fazer as coisas funcionarem. Em uma banda sempre é preciso ir a diferentes lugares, por isso é preciso falar a mesma língua. Quando voltamos, fizemos um esforço e aprendemos novamente a nos relacionar, como falar um com o outro.

E de quem foi a ideia da volta, do show no CBGB?
Foi do Will, na verdade, mas já vínhamos conversando sobre a possibilidade de voltar com a banda. Falamos o que poderíamos fazer para que as coisas dessem certo, mas não era hora, e também não estávamos preparados. Quando Will deu a ideia do lance com o HeadFake, pensamos que era o momento certo, tipo “vamos ver o que pode acontecer, vamos tocar no CBGB, onde já estivemos várias vezes”. Foi muito bom todos estarem juntos novamente. Depois de cada um ter realizado vários projetos individuais, percebemos que a música nunca foi o nosso problema. Nós nos sentimos muito bem, mas aí fomos ver se as pessoas ainda se importavam com o Living Colour, se ainda queriam nos ver e ouvir, se tínhamos algo importante para dizer. E a repercussão foi ótima, mas não apenas isso, porque aproveitamos a chance para nos relacionar melhor e entender o que precisamos um do outro.

Vocês tocaram em vários lugares depois disso, foram à Argentina mas não vieram ao Brasil. Muito se falou de uma turnê por aqui em 2001, mas por que não aconteceu?
Nós tínhamos um acordo para uma turnê brasileira, mas houve uma série de problemas, de dificuldade na nossa agenda à dificuldade dos promotores para acharem um local adequado para os shows. Acabou que tudo deu errado, e infelizmente não fomos ao Brasil, mas definitivamente isso não irá acontecer novamente. Iremos tocar aí novamente, provavelmente no início do próximo ano.


Isso é ótimo! O Living Colour esteve no Brasil em duas oportunidades, sendo que em situações bem peculiares. O Hollywood Rock, em 1992, foi a estreia do Doug Wimbish…
(N.R.: interrompendo, empolgado) Isso! Foram os primeiros shows do Doug na banda! Encerramos a turnê (N.R.: do álbum Time’s Up, de 1990), e o Muzzy (N.R.: o ex-baixista Muzz Skillings) saiu da banda, mas nos reunimos e ensaiamos com Doug para fazer o festival. Foi um dos nossos maiores shows como headliners, e nos divertimos bastante. Abrimos para o Rolling Stones em 1989, mas nunca havíamos tocado num estádio (N.R.: Morumbi em São Paulo, Praça da Apoteose no Rio de Janeiro) como atração principal. O Hollywood Rock foi ótimo, com Seal, Extreme… Havia milhares de pessoas, e foi incrível ver todas elas indo a um estádio para assistir ao nosso show! Eu não sabia que gostavam tanto de nós (risos). No dia seguinte, pegamos os jornais e ficamos impressionados com as resenhas, com o entusiasmo das pessoas depois da nossa apresentação. Foi interessantes saber que o nosso show foi eleito o melhor do festival (risos)

No ano seguinte, a banda fez apenas um show no país (N.R.: no dia 23 de novembro, no Palace, em São Paulo). Foi o último antes da separação, não?
Sim, foi nossa última apresentação. Nossa! Você se lembra disso? (risos)

Eu estava lá. Lembro-me que foi uma passagem com boa cobertura da MTV, programas inusitados, como a visita ao Instituto Butantã e você maravilhado com refrigerante de guaraná…
(N.R.: interrompendo, muito empolgado) Eu adoro guaraná! Eu adoro guaraná! (risos) Você não tem ideia! Eu adoro guaraná e não consigo achar esse refrigerante em lugar nenhum (risos). Eu tive de voltar para os Estados Unidos levando várias caixas comigo! (risos)

Você falou que foi necessário ver se as pessoas ainda se interessariam pelo Living Colour. Fora isso, a banda sempre gozou de grande prestígio junto à imprensa. Como tem sido a recepção nesse sentido?
Parece que as pessoas realmente adoram o Living Colour! Fizemos várias entrevistas nas últimas semanas, incluindo a imprensa brasileira, e todos têm elogiado bastante o novo álbum. Um dos comentários feitos até agora realmente me deixou muito feliz, pois o jornalista comparou Collideøscope ao Sandinista! (1980), no sentido de ser um disco clássico. Eu adorei essa comparação, pois o The Clash é uma das minhas bandas favoritas. Em todos esses anos foi raro ler algo ruim a nosso respeito, por isso me assusta a possibilidade de deixarem de gostar da banda (risos).

Durante o hiato do Living Colour, você gravou algumas músicas para tributos ao Deep Purple e Jimi Hendrix, apresentou um programa no VH1 (N.R.: canal musical de TV a cabo)…
(N.R.: interrompendo, rindo) Você também se lembra disso? (risos) Sim, fui VJ da VH1 durante cinco meses.


Mas em sete anos você gravou apenas um disco solo (N.R.: Hymns, de 1998). Por quê?
E eu adoraria ter tocado na América do Sul para promovê-lo, pois acho que é um ótimo álbum. O problema é que as vendas não foram boas nos Estados Unidos, por uma série de razões. A gravadora (N.R.: LaFace Records) rescindiu o contrato comigo quando eu estava no meio das gravações do segundo disco. Depois, quando já estava acertando com um novo selo, aconteceu a volta do Living Colour.

E você pretende lançar esse álbum? Mesmo que o Living Colour vá tomar bastante tempo com o novo trabalho, de repente daqui a três ou quatro anos?
Pode apostar que sim, e não vai demorar tanto! Minha intenção é finalizar o próximo disco solo e, se tudo der certo, lançá-lo no fim de 2004. Assim, poderei ir ao Brasil outra vez, tocar com a minha banda e beber mais guaraná! (risos)

Uma das coisas mais legais no Living Colour é que vocês sempre tocam uma mesma música de maneiras diferentes. A cada show há improvisos, e sua interpretação é diferente. Dá para colecionar bootlegs e ter várias versões de uma mesma canção (risos). Como funcionam para você essas improvisações instrumentais?
Sim, o legal é que somos realmente músicos. Eu mesmo me vejo como um instrumento na banda. Ao mesmo tempo, nós nos completamos musicalmente e em energia. Se alguém vai por um caminho, os outros vão atrás. Se um de nós faz algo interessante, o restante tem capacidade de acompanhar. A maneira como vejo a música muda dia a dia, e o modo como escuto música também.

Você falou em energia, e ela não falta ao Living Colour. No Hollywood Rock você desceu até o público, em São Paulo se atirou na plateia umas três vezes… Não acha que está cada vez mais difícil encontrar bandas, principalmente as mais novas, que realmente sintam prazer em estar no palco, tocando para os fãs?
Bom, há bandas com bastante energia por aí. Eu adoro P.O.D., Linkin Park e Incubus, por exemplo. São grupos que têm isso de sobra. A questão é se divertir ou não. O mais importante é gostar do que está fazendo, porque sempre há dias ruins, em que os shows acabam não sendo bons. Nós mesmos já subimos no palco e estivemos longe de fazer o melhor show do mundo, mas sempre tentamos fazer o melhor. Hoje em dia, o problema é que muitas músicas são feitas por pessoas que parecem estar furiosas, mas é uma raiva manufaturada. Eu não sei de onde surge tanto ódio, mas talvez seja minha idade. Estou mais velho e não vejo sentido em tanta raiva. Claro que algumas coisas me deixam irritado às vezes, inclusive música, mas não faço disso um produto. Nossa música vem do que somos, das nossas frustrações e do orgulho que sentimos de nós mesmos. Não há raiva apenas pela raiva, mas um pouco de cada uma das emoções que temos.


Você citou P.O.D. e Linkin Park, bandas de um estilo que é adorado e detestado com a mesma intensidade. O que você acha da polêmica envolvendo o new metal?
Há muitos grupos que surgem e desaparecem com a mesma facilidade. Estilos musicais são assim também. Infelizmente, nenhuma banda dura para sempre. Se você souber esperar, a música que você gosta terá sua vez. É preciso aprender a lidar com isso, pois há muita coisa não muito boa por aí que as pessoas aprendem a suportar. O negócio é procurar saber o que está acontecendo e as pessoas se preocuparem com a música que curtem.

Em nenhum momento foi cogitada a participação do Muzz Skillings nessa volta. Na verdade, não se falou muito a respeito da saída dele em 1991. Por quê? Você tem contato com ele?
Sim, encontro com Muzzy de vez em quando. Ele está bem, montou uma banda e quer fazer seu próprio trabalho. Na verdade, a razão da saída foi a tensão interna que levou ao fim da banda em 1995. Muzzy tinha problemas particulares da mesma maneira que todos nós, sendo que também não encontrava tempo para resolvê-los. Entendemos quando ele quis sair, já que o problema não era individual, mas coletivo. Doug entrou numa época em que já não conseguíamos mais nos comunicar muito bem, por isso Muzzy quis pular fora.

A turnê de Collideøscope começa em 20 de setembro, na Europa. Como estão os preparativos?
Ficaremos três semanas e meia na Europa, passando por Inglaterra, Holanda, França, Bélgica, Alemanha… No fim do ano faremos a primeira parte da turnê nos Estados Unidos, indo para a América do Sul em janeiro ou fevereiro de 2004. Voltamos para os EUA e depois começamos tudo de novo na Europa.

Há algum DVD ou CD ao vivo nos planos? Pergunto porque o único disco ao vivo (N.R.: Dread, de 1993) do Living Colour foi lançado apenas no Japão.
Por enquanto, iremos lançar uma edição especial do Collideøscope com som 5.1 surround, incluindo algumas faixas ao vivo. Isso deve acontecer no início do próximo ano. A próxima prensagem do disco terá material enhanced (N.R.: para computadores), com material ao vivo, entrevistas e coisas do tipo.

Como o Living Colour vem ao Brasil daqui a alguns meses, o lançamento de Collideøscope por aqui, em outubro, vai amenizar a expectativa (risos). Obrigado pela entrevista e até breve!
(N.R.: rindo) Sim! Obrigado a você, e vamos tomar muito guaraná e nos divertir bastante (risos).


Entrevista publicada na edição 97 do International Magazine, em outubro de 2003.