Roger Waters

Por Daniel Dutra | Fotos: Bárbara Lopes/T4F

“Isso aqui também é uma família, quer eles gostem ou não.” Àquela altura do show no Maracanã, apenas os mais ingênuos acreditavam que Roger Waters não continuaria a fazer o que sempre fez: transformar a música numa plataforma para se posicionar social e politicamente. Antes do bis, ele puxou um recorte do The Independent e lembrou-se do momento em que leu no jornal britânico a notícia da morte da vereadora Marielle Franco, executada na noite de 14 de março. Foi a deixa para Waters chamar ao palco Anielle Franco, Luyara Santos e Mônica Benício – irmã, filha e viúva de Marielle, respectivamente – para um dos momentos mais marcantes da turnê Us + Them no Brasil. Um momento que pode ser resumido na frase de Mônica que abre este texto, pela lembrança de um caso que, quase oito meses depois, continua sem respostas e solução.

E foi um momento que resumiu bem o efeito nefasto da polarização que tomou conta do atual momento político do país: as vaias de parte da plateia mostraram que questões partidárias já não importavam mais, porque a falta de compaixão foi um sinal alarmante de como o senso de humanidade está comprometido. “Marielle Franco ainda está conosco em nossos corações. De muitas formas, ela é a líder deste país”, disse Waters antes de vestir a camisa com os dizeres “Lute como Marielle Franco”. E à frente do telão com a foto de quatro amigas de Marielle – Talíria Petrone, nona deputada federal mais votada do Rio de Janeiro; e Renata Souza, Monica Francisco e Dani Monteiro, todas eleitas para a Assembleia Legislativa do estado –, Waters fez a arte final do próprio desenho: “Elas representam as sementes que Marielle deixou, porque Marielle acreditava nos direitos humanos. A maioria de vocês também, mas infelizmente nem todos”.

Música? Sim, teve. E música de alta qualidade do início ao fim, como a dobradinha que encerrou a noite. E como se fosse uma continuação da homenagem a Marielle, Mother retornou ao espetáculo numa versão de arrepiar – o clássico presente em The Wall (1979) havia ficado fora do repertório em Belo Horizonte e Salvador –, com uma providencial resposta positiva da maioria do público ao “Nem fodendo” que surgiu no telão depois do verso “Mother, should I trust the government?”. Uma preparação à altura para a formidável Comfortably Numb, e a canção que carrega um dos solos mais bonitos criados neste e em qualquer outro universo – tocado com precisão por Dave Kilminster, apesar de o timbre de David Gilmour ser inimitável – emprestou a beleza necessária para finalizar uma noite com uma carga emocional poucas vezes vista e sentida num show. E numa turnê.

Três horas e dez minutos antes, no entanto, a mesma noite teve início de maneira muito mais leve. Com conceitos retirados principalmente de três álbuns – The Dark Side of the Moon (1973), Animals (1977) e The Wall –, o show começou belíssimo com Breathe, One of These Days e Time, e nem mesma a chuva que, apesar de fraca, insistia em ir e voltar em intervalos irregulares esfriou os ânimos. A soberba performance conjunta das vocalistas Jess Wolfe e Holly Laessig em The Great Gig in the Sky fez cair o queixo de quem compareceu ao estádio – um público estimado de 47 mil pessoas –, enquanto Welcome to the Machine foi um excelente resgate da obra-prima Wish You Were Here (1975). Apesar da visibilidade ligeiramente prejudicada por causa da cobertura montada para proteger músicos e equipamentos da chuva, o impressionante telão prendia a atenção com imagens e, mais até aquele momento, animações espetaculares.

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A sequência de três músicas do álbum mais recente de Waters, Is This the Life We Really Want? (2017), serviu não apenas para destacar a banda – completada pelo ótimo Jonathan Wilson (vocal e guitarra), Gus Seyffert (guitarra, baixo e teclados), Bo Koster e Jon Carin (teclados), Ian Ritchie (saxofone) e Joey Waronker (bateria) –, mas principalmente para mostrar que o baixista e vocalista não é um ativista de ocasião. Não bastasse o sintomático título do disco, a emocionante The Last Refugee foi um espetáculo audiovisual à parte com a história das duas dançarinas no telão, separando o sonho da realidade, na representação de uma letra absolutamente tocante.

Mas é verdade que boa parte presente no Maracanã queria hit. Principalmente aquela parte que aproveitou para ir e vir mais algumas vezes na busca por cerveja, e talvez ela tenha ficado parcialmente satisfeita com o que veio a seguir. Wish You Were Here é sempre muito bem-vinda, claro, ainda mais quando serve de entrada para The Happiest Days of Our Lives e, principalmente, Another Brick in the Wall (Part 2), que contou no coral com a participação de alunos do Centro de Música Jim Capaldi, situado em Vicente de Carvalho, Zona Norte do Rio de Janeiro. Meninas e meninos que subiram ao palco vestidos de macacão laranja, e cada um com capuz preto cobrindo o rosto. Garotas e garotos que, aos poucos, se livraram das vestes de presidiário e mostraram camisas pretas com a palavra “Resist” escrita no peito, num momento de encher os olhos de lágrimas.

Um tapa na cara antes do intervalo de 20 minutos repleto de mensagens sociais e políticas. Entre críticas pesadas (e justas) contra o fascismo, o racismo, a misoginia, o antissemitismo e o poder militar, sobrou também para personalidades como Mark Zuckerberg, não necessariamente por sua rede social, mas por acontecimentos como o vazamento de dados de 87 milhões de usuários para uso da Cambridge Analytica em propagandas políticas – o que levou o CEO a ter de se explicar durante cinco horas no Senado americano; o que também levou sua empresa a ser multada no Reino Unido. E, obviamente, o alerta que causou polêmica no Brasil: a inclusão do candidato de extrema direita à Presidência da República na lista de neofascistas em ascensão ao redor do mundo. Assim como aconteceu já no segundo show em São Paulo, o nome foi substituído pela frase “Ponto de vista político censurado”.

Durante estes 20 minutos percebeu-se uma maioria favorável às mensagens de Waters, que voltou ao palco para ampliar o espetáculo e distribuir respostas – afinal, não é papel do ministro da Cultura acusar publicamente o artista de estar sendo favorecido financeiramente, muito menos é o papel de qualquer veículo insinuar que Roger Waters cedeu ao que a produtora da turnê brasileira achava adequado. Isso é, no mínimo, ignorar a história do artista para taxá-lo de oportunista. E as respostas definitivas vieram com a usina termoelétrica Battersea – aquela da capa de Animals, cujo conceito é baseado em “A Revolução dos Bichos”, de George Orwell – se erguendo como parte de um dos cenários mais sensacionais da noite; e com a dobradinha Dogs e Pigs (Three Different Ones), esta última muito mais do que um tapa na cara. Foi um soco no estômago.

Resgatada para o repertório depois de uma ausência de quase três décadas, Pigs (Three Different Ones) mostrou aos brasileiros exatamente o que os americanos viram entre abril e setembro do ano passado. E não estou falando do porco inflável que sobrevoa a pista com os dizeres “Stay Human” e, em português mesmo, “Continue humano”. Estou me referindo ao manifesto contra o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ridicularizado de inúmeras maneiras com ilustrações no telão e no teatro montado no palco: ao lado de figurantes usando máscaras de porco e empunhando taças de champanhe, Waters, também de máscara, passa a mensagem em três cartazes: “Porcos governam o mundo”, “Foda-se os porcos” e “Trump é um porco”.

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E você aí achando que o veterano músico inglês se curvou a interesses de terceiros. Lembremos todos: é o mesmo músico que, em 2012, homenageou Jean Charles, brasileiro assassinado no metrô londrino pela polícia britânica, que o confundiu com um terrorista. Lamentável mesmo, no entanto, foi a tentativa dos advogados do candidato de extrema direita de impugnar, junto ao Tribunal Superior Eleitoral (STE), a candidatura do adversário de esquerda não exatamente pelos mesmos motivos, mas… Bom, segue um trecho do documento: “Também afirma que Roger Waters age em consonância com o PT ao lamentar as mortes do capoeirista baiano Mestre Moa e da vereadora Marielle Franco, assassinada em março”. Você não leu errado. Não se pode lamentar a perda de uma vida. Duas, na verdade: a de uma vereadora eleita pelo voto, mas que foi executada, algo inconcebível num estado democrático de direito; e a de um senhor de 63 anos esfaqueado 12 vezes por causa de intolerância política. A ausência de compaixão é sintoma de uma assustadora falta de humanidade. É esta a vida que realmente queremos?

Mas vida que segue, e o show chegou a outro dos momentos mais aguardados: o resumo de The Dark Side of the Moon. Com Smell the Roses – a quarta e última canção extraída de Is This the Life We Really Want? – no papel de intrusa, a suíte começou maravilhosamente com Money e, principalmente, Us and Them, com destaques para Ian Ritchie, cujas intervenções no sax foram sempre de tirar o chapéu, e Jonathan Wilson, dono de uma belíssima e suave voz. E o desfecho – antes do encerramento de fato, descrito no início deste texto – com Brain Damage e Eclipse ganhou contornos épicos quando, naquela última, lasers reproduziram tridimensionalmente o prisma da capa do icônico álbum. Um efeito impressionante e um deleite para quem, pouco antes, havia se emocionado cantando “And if the band you’re in starts playing different tunes, I’ll see you on the dark side of the moon”. Sem saber o que ainda viria pela frente…

São Paulo (duas vezes), Brasília, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre. Oito shows na quarta passagem de Roger Waters pelo Brasil – recordando: as três primeiras aconteceram em 2002, 2007 e 2012 –, mas definitivamente a mais emblemática de todas. Waters foi o cara certo no momento certo, mas não precisava driblar, mesmo que com elegância e maestria, uma ameaça velada de detenção como a que aconteceu em Curitiba; e não precisava ter sua integridade e o seu ativismo de toda uma vida questionados – pelo menos, mais gente agora sabe que The Wall não fala de construção civil, que Pigs (Three Different Ones) não é trilha sonora de “Babe, O Porquinho Trapalhão” e que Dogs não é uma ode ao melhor amigo do homem. Portanto, que o eterno Pink Floyd possa voltar daqui a cinco anos e ver que, diante das nuvens negras que se avizinham, a lição foi aprendida. Resist.

Nota do autor: assim como é importante ressaltar o óbvio, ou seja, que este artigo é de inteira responsabilidade do repórter, não representando necessariamente a opinião da ROADIE CREW, é necessário esclarecer também que o mesmo artigo foi propositadamente elaborado ao fim das oito datas de Roger Waters e sua Us + Them Tour no Brasil.

Setlist
1. Breathe
2. One of These Days
3. Time
4. Breathe (Reprise)
5. The Great Gig in the Sky
6. Welcome to the Machine
7. Déjà Vu
8. The Last Refugee
9. Picture That
10. Wish You Were Here
11. The Happiest Days of Our Lives
12. Another Brick in the Wall (Part 2)
13. Another Brick in the Wall (Part 3)
Intervalo
14. Dogs
15. Pigs (Three Different Ones)
16. Money
17. Us and Them
18. Smell the Roses
19. Brain Damage
20. Eclipse
Bis
21. Mother
22. Comfortably Numb

Uli Jon Roth

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

Uli Jon Roth precisou gravar apenas quatro discos de estúdio com o Scorpions – Fly to the Rainbow (1974), In Trance (1975), Virgin Killer (1976) e Taken By Force (1977) – para colocar seu nome na história, e apenas isso seria suficiente para justificar turnês baseadas inteiramente ou não no seu repertório com a banda alemã. Mas ele participou também de Tokyo Tapes (1978), um dos melhores álbuns ao vivo da história do rock, então estamos combinados: o guitarrista pode até lançar o seu Tokyo Tapes Revisited: Live in Japan (2016), registro do giro pela Terra do Sol Nascente para promover, vejam só, o duplo Scorpions Revisited (2015). E foi justamente aquela fase, de mais de 40 anos, que levou um público (infelizmente) apenas razoável ao Teatro Rival para assistir à segunda passagem de Roth pelo Rio de Janeiro, num show de poucas e significativas mudanças em relação ao de 2014.

Não que a casa com um público aquém do esperado tenha desmotivado o veterano alemão. Aos 63 anos, Roth camufla seu jeito tímido com um fácil e largo sorriso de felicidade a cada letra cantada pelos fãs. Exatamente como aconteceu com a matadora sequência de abertura: All Night Long é hit, a ótima Longing for Fire tem um tema de guitarra sensacional, e Sun in My Hand o deixou lado a lado com Niklas Turmann (guitarra e voz) num baita duelo nas seis cordas – Nico Deppisch (baixo), Corvin Bahn (teclados) e Richard Kirk (bateria) completam a banda. Sim, da mesma maneira que Roth assumiu o microfone em Sun in My Hand, afinal, a veia blues pedia uma voz relativamente mais grave, Turmann mostrou-se um habilidoso guitarrista ao longo do espetáculo. Mas vamos com calma, porque Roth era a estrela da noite…

Os gritos de “Uli! Uli! Uli!” ecoaram por todos os cantos do Rival depois de The Sails of Charon, e não há adjetivos suficientes para descrevê-la. Um clássico que arrepia quando você o escuta no Taken By Force em vinil, CD ou cassete, mas ao vivo o negócio é ainda mais mágico. “A próxima música foi escrita pelo meu irmão, que morreu no início deste ano”, disse Roth em seguida, referindo-se a Zeno Roth, falecido no dia 5 de fevereiro. “Um compositor e guitarrista muito talentoso, e ele a fez para vocês.” Começou assim, com Don’t Tell the Wind, a primeira quebra no material do Scorpions. Com um bem-vindo ar de anos 80 no espetáculo – a canção é original do álbum Zeno (1986) –, a bela canção ganhou um emotivo solo de Roth e os backing vocals caprichados de Turmann e Bahn.

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A fase Electric Sun – banda formada por Roth em 1978 e que durou até 1986 – marcou presença com Just Another Rainbow, na qual o guitarrista não esconde sua veneração por Jimi Hendrix, e Enola Gay (Hiroshima Today), que mostrou os primeiros sinais de exageros nas improvisações, apesar da bela seção instrumental no meio da canção. Exageros que não aconteceram nas maravilhosas We’ll Burn the Sky e In Trance, que aumentaram a temperatura do local (principalmente a última), mas que reapareceram com força no set semiacústico que veio a seguir. Sentado num banquinho, o que o fez sumir da vista de quem não estava no gargarejo, por causa do palco baixo da casa, Roth começou um exercício de autoindulgência que, em sua segunda metade, teve a companhia de Turmann, com direito até mesmo a trechos de Mediterranean Sundance/Río Ancho, composição de Al Di Meola e do saudoso Paco de Lucia cuja versão definitiva está na obra-prima Friday Night in San Francisco (1981), disco ao vivo de Meola, Lucia e John McLaughlin.

Depois de a dupla debulhar, a cansativa Rainbow Dream Prelude, incluindo um solo espacial de Bahn, fez surgir alguns bocejos até que Fly to the Rainbow colocasse o show novamente nos trilhos – apesar dos desnecessários ruídos em forma de encerramento instrumental, outro capítulo de um excesso que felizmente não rolou quando pude ver Roth no Monsters of Rock Cruise East, em 2016, graças ao tempo mais curto das apresentações no cruzeiro. Nada, no entanto, que não fosse por terra com a trinca a seguir, mais matadora que aquela que abriu o show. Pictured Life e Catch Your Train, duas sem sair de cima, colocaram os fãs para cantar, e Dark Lady mostrou a sintonia fina entre Roth e Turmann. O ótimo vocalista brilhou nos agudos em contraponto ao vocal do guitarrista, e os dois mandaram ver em mais solos dobrados de tirar o fôlego, com uma cena curiosa: enquanto o vocalista tocava concentrado no que estava fazendo, sem tirar os olhos dos dedos da mão esquerda, Roth fazia o mesmo como se aquilo fosse a coisa mais fácil do mundo. Olhava para os fãs, que babavam, e agradecia com um sorriso de garoto.

Era o fim do set antes do bis que todo mundo sabe que vai acontecer. E foi a volta para o bis mais rápida da história, afinal, os cinco nem saíram do palco depois do agradecimento à plateia. Lembra-se da paixão de Roth por Jimi Hendrix? All Along the Watchtower, o começo do fim da apresentação, veio numa versão à la Electric Ladyland (1968) – afinal, o que fazer se o próprio Bob Dylan disse que Hendrix fez melhor? –, só que mais pesada, cortesia de Kirk, que resolveu descer o braço no seu pequeno kit. O que continuou fazendo em Little Wing, a ponto de Roth virar para trás com um olhar pouco amigo, sinal de que era para o batera segurar a onda. Ainda assim, um bis à altura dos melhores momentos do show e de um guitarrista cuja elegância e classe acabam falando mais alto.

Setlist
1. All Night Long
2. Longing for Fire
3. Sun in My Hand
4. The Sails of Charon
5. Don’t Tell the Wind
6. Just Another Rainbow
7. Enola Gay (Hiroshima Today)
8. We’ll Burn the Sky
9. In Trance
10. Solo Acoustic Guitar (Uli John Roth & Niklas Turmann)
11. Rainbow Dream Prelude
12. Fly to the Rainbow
13. Pictured Life
14. Catch Your Train
15. Dark Lady
Bis
16. All Along the Watchtower
17. Little Wing

Destruction

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

Quando foram anunciadas as primeiras datas no Brasil da Latin Attack 2018, nova turnê do Destruction, bateu aquele desânimo ao imaginar que o Rio de Janeiro ficaria fora do itinerário, afinal, está cada vez mais difícil fazer shows desse porte por aqui. Por razões que vão da situação geral do estado, um reflexo piorado de como está o país, ao desinteresse do público headbanger, pois há quem deixe passar porque “Ah, eles estiveram no Rock in Rio (2013)” ou “Ah, eu vi na última vez (em 2014)” ou, pior ainda, “Ah, eu vi aquele show no Circo Voador (em 2006)”. Bom, felizmente o Rio se juntou às datas em São Paulo (capital e Limeira), Minas Gerais (Belo Horizonte), Brasília e Amazonas (Manaus).

Obrigado, produção; parabéns a quem foi; e meus pêsames aos que ficaram em casa porque acreditam que uma vez já está bom. O cenário local de metal agradece ao público razoável que compareceu ao Teatro Odisseia naquela noite de terça-feira. Um público razoável que foi testemunha de um show simplesmente matador. Provavelmente, o melhor em solo carioca do Destruction, que não poupou parafernália no pequeno palco do Teatro Odisseia.

O pano de fundo estava lá, os painéis laterais também, a iluminação colorida foi uma daquelas raridades na casa, e Marcel “Schmier” Schirmer manteve seus três microfones – um no centro, um à esquerda, um à direita –, e quem já assistiu à banda num espaço maior sabe como é empolgante a performance do baixista e vocalista correndo o tempo todo pelo palco para cantar em cada um deles. Claro, ainda havia a máquina de riffs chamada Mike Sifringer, um dos melhores guitarristas da história do thrash metal, e o experiente novato Randy Black (ex-Annihilator e Primal Fear), que foi um espetáculo à parte. E os caras ainda começam o set com Curse the Gods! Era o prenúncio de uma noite maravilhosamente nostálgica…

“Vocês estão prontos para o thrash metal alemão old school?”, perguntou Schmier antes de Tormentor, e a resposta dos fãs foi do mesmo nível da atuação arrasadora de Black na canção do primeiro ‘full-length’ do Destruction, o clássico Infernal Overkill (1985). E o que aconteceu foi mesmo uma viagem de volta à velha escola germânica, com nada menos que dez das 17 músicas pinçadas dos três primeiros trabalhos do grupo – além de Infernal Overkill, o EP Sentence of Death (1984) e Eternal Devastation (1986). Até fez sentido o fato de as ótimas Armageddonizer, de Day of Reckoning (2011), e Dethroned, de Under Attack (2016), terem tido uma recepção menos calorosa.

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O clima era mesmo o do lançamento de Thrash Anthems II (2017) – como o nome entrega, o segundo álbum com regravações de hinos do estilo forjados pelo próprio Destruction –, então nem vale ficar lamentando a ausência de material de Metal Discharge (2003), Inventor of Evil (2005), D.E.V.O.L.U.T.I.O.N. (2008) e Spiritual Genocide (2012). De jeito nenhum. Não depois de ver uma pista de dimensões modestas receber uma roda como a que os fãs abriram em Mad Butcher. Não depois da roda que começou antes mesmo dos primeiros acordes de Total Desaster, porque bastou Schmier anunciar o nome do rolo compressor.

E, olha só, teve a maravilhosa instrumental Thrash Attack; teve Black Mass fazendo sua estreia no Brasil; teve Eternal Ban com a união entre Brasil e Alemanha, como frisou o baixista e vocalista, e um coro animado dos fãs no antológico refrão; teve Mike e seus riffs mágicos em Release from Agony, faixa-título do homônimo disco lançado em 1987, o terceiro ‘full-length’ do Destruction; e teve Schmier lembrando as passagens anteriores, incluindo o Rock in Rio, antes de Antichrist. E brincando com um fã depois que jogou para ele uma lata de cerveja. “Você deixou cair no chão? Cara, se você faz isso na Alemanha…”, disse ele, fazendo o gesto de cortar o pescoço antes de jogar outra lata. “Foi a menina que conseguiu pegar. Aprenda com ela.”

Mas a noite não foi apenas de clássicos nascidos nos anos 80, porque o Destruction soube se reconstruir no mercado depois que Schmier voltou à banda, em 1999. Tocado no primeiro quarto do show, Nailed to the Cross, de The Antichrist (2001), mostrou mais uma vez ter se tornado um clássico de primeiro escalão: os fãs foram à loucura, e Schmier agradeceu com sinceros “Do caralho!” na boca e sorriso no rosto. De All Hell Breaks Loose (2000), The Butcher Strikes Back, com sua sonoplastia de serra elétrica no início, fechou de maneira espetacular o set antes de um bis que teve de protocolar apenas a certeza de que aconteceria.

Thrash Till Death, mais uma de The Antichrist, iniciou o serviço final antes do único porém para alguns fãs. “Nós sempre gostamos de tocar um punk rock”, disse Schmier antes de Holiday in Cambodia, cover do Dead Kennedys que se justifica no repertório não apenas por ter sido incluída como bônus de Thrash Anthems II, mas por Black, que se divertiu tanto a ponto de tocá-la quase pulando do banquinho – e, diga-se, o excepcional batera deu à canção um groove completamente novo. “Façam mais um mosh pit como aqueles”, pediu Schmier antes da última da noite, Bestial Invasion. E os fãs obedeceram, transformando-se na cereja do bolo de um show absurdo de bom de uma banda que, 36 anos depois, segue dando aula de thrash metal.

Setlist
1. Curse the Gods
2. Armageddonizer
3. Tormentor
4. Nailed to the Cross
5. Mad Butcher
6. Dethroned
7. Life Without Sense
8. Release from Agony
9. Eternal Ban
10. Total Desaster
11. Solo Randy Black
12. Antichrist
13. Black Mass
14. Thrash Attack
15. The Butcher Strikes Back
Bis
16. Thrash Till Death
17. Holiday in Cambodia
18. Bestial Invasion

Cannibal Corpse & Napalm Death

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Croce

Nem mesmo a chuva que desabou em vários pontos do Rio de Janeiro impediu o Circo Voador de receber um belo público para o início da turnê brasileira de dois pesos-pesados do metal extremo: Cannibal Corpse e Napalm Death, que depois tinham devastações marcadas para mais sete cidades (São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba, Manaus, Fortaleza e Recife). Tudo bem que era noite de sexta-feira, mas o pé-d’água resolver dar as caras umas duas horas antes de soar a primeira nota – e olha que a Lapa, onde fica o Circo Voador, é um bairro acostumado a deixar pessoas ilhadas em bares, esperando que as ruas alagadas voltem a ficar transitáveis. Mas, enfim, o que não falta é bar para matar o tempo.

Fazendo valer a origem britânica, o Napalm Death começou pontualmente mais uma apresentação que, preciso fazer o registro, serve como argumento para derrubar viúvas desse ou daquele músico que não faz parte da banda. E me refiro a qualquer banda. Sem nenhum integrante da formação original, o quarteto hoje formado por Mark “Barney” Greenway (vocal), Shane Embury (baixo), Danny Herrera (bateria) e John Cooke (guitarra) matou a pau. Tudo bem que os três primeiros são veteranos, mas o último ainda é calouro – Mitch Harris compõe e grava, mas não sai em turnê desde 2014, quando Cooke passou a substituí-lo no palco.

Multinational Corporations, uma das seis faixas extraídas do clássico álbum de estreia, Scum (1987), abriu os serviços para mostrar uma coisa: é preciso tirar o chapéu para Barney, e não necessariamente pela forte garganta. Na verdade, pela presença completamente hipnótica. Dá gosto de vê-lo agitando como uma criança, correndo até meio desengonçadamente pelo palco – de longe, parecendo até mesmo John Cleese na meia-idade num quadro do Monty Python para zoar maratonistas. Aliás, fico imaginando quantos quilômetros o vocalista não correu nos 70 minutos de show…

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E Barney estava tão alucinado que quebrou o microfone já na segunda música, Instinct of Survival, que contou com Cooke para segurar a onda até um roadie deixar tudo em ordem. “Amor e paz, meus amigos”, foram as primeiras palavras dirigidas ao público, bem inseridas nos pequenos discursos ao longo do set. E os destaques foram vários num repertório de 23 músicos, a ponto de valer citá-los um a um. A começar por Practice What You Preach, massacre sonoro que deixou Barney tão elétrico a ponto de ele ficar dando voltinhas no palco antes da canção seguinte.

Depois, a lembrança da participação do saxofonista John Zorn em Everyday Pox, música que a tornou a roda na pista ainda mais absurda, assim como fizeram Silence is Deafening; Call That an Option? e seu discurso contra armas nucleares; e Suffer the Children, com seu alerta para o mal causado pela religião e suas interferências. Não foi a primeira intervenção política, digamos assim – isso aconteceu com a referência ao fascismo em Control, que precedeu os menos de cinco segundos somados de You Suffer e Dead. “Duas canções muito diferentes”, brincou Barney –, mas a melhor ainda estava por vir.

Bradando “espírito de fraternidade e solidariedade”, Barney anunciou Nazi Punks Fuck Off, do Dead Kennedys. Ao fim da cacetada (e de uma belíssima roda), a resposta do público veio com um coro em homenagem àquele deputado federal fascista, racista, machista, misógino e homofóbico que concorre à Presidência da República: “Pau no cu do Bolsonaro”, com o perdão do bom francês. “Não estou entendendo nada. Alguém pode traduzir para mim?”, pediu o vocalista, que soube o que os fãs estavam gritando e assinou em baixo: “Ótima sugestão”. E se estava bom demais, Inside the Torn Apart foi um desfecho digno de um baita show.

O intervalo poderia ter durado mais de uma hora que os ânimos continuariam exaltados, no melhor sentido. E os fãs fizeram com que o Cannibal Corpse acompanhasse a arrebatadora apresentação da atração de abertura. Sim, os fãs, porque, convenhamos, os integrantes da banda nova-iorquina não passam do palco a mesma energia para a plateia. Isso é fato, mas há um ponto que pode ser discutido como subjetivo: o sentimento de já-ouvi-isso-antes-e-neste-mesmo-show que permeou a apresentação de 75 minutos de George “Corpsegrinder” Fisher (vocal), Pat O’Brien e Rob Barrett (guitarras), Alex Webster (baixo) e Paul Mazurkiewicz (bateria).

Mas, ressaltando de outra maneira, os fãs não estavam nem aí para isso. Bastava reparar na roda animal em Only One Will Die, que veio na sequência de Code of the Slashers e abriu caminho para o riff matador da faixa-título do trabalho mais recente, Red Before Black (2017). Três das quatro músicas extraídas do 14º disco de estúdio da banda. As três primeiras do trabalho que, mesmo em ordem trocada, foram tocadas sem sair de cima – e vamos tirar o chapéu, porque o Cannibal Corpse basicamente passou a limpo a sua trajetória, esquecendo apenas os álbuns Gallery of Suicide (1998) e Gore Obsessed (2002).

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E entre as favoritas dos fãs que mais se destacaram, como Evisceration Plague, Kill or Become, Devoured By Vermin e A Skull Full of Maggots, era impossível não se impressionar com a estupidez instrumental de Webster e O’Brien, porque é simplesmente absurdo o que esses dois tocam. E quando Corpsegrinder deixava de lado seu gutural assustador e parava de bater cabeça alucinadamente – ou seja, quando resolvia falar com o público –, mostrava um senso de humor, digamos assim, que não combina com um sujeito daquele tamanho.

“Você tirou da mão dele. Isso é sacanagem”, disse ele antes de The Wretched Spawn, pegando outra garrafa d’água e entregando com segurança na mão do fã que havia sido surrupiado. “Se vocês estão interessados em bater cabeça, esta é a música. Tentem me acompanhar. Vocês não vão conseguir, mas podem tentar assim mesmo”, provocou antes I Cum Blood, responsável pela roda mais matadora de toda a noite. E não, ninguém conseguiu acompanhar Corpsegrinder. Até mesmo as sete pessoas, incluindo duas meninas, que subiram ao palco na canção seguinte, Make Them Suffer, para bater cabeça e foram gentilmente convidadas a voltar para a pista. Gentilmente, mesmo, porque o oitavo fã não teve a mesma sorte, uma vez que o roadie que ficava ao lado da bateria obviamente havia perdido a paciência.

“Esta é a última música da noite, mas se vocês agitarem bastante… Bem, ela continuará sendo a última música da noite”, Corpsegrinder deu uma zoada antes de Call That an Option?. Os fãs agitaram como se fosse, mas obviamente não era. E eles sabiam disso. Estavam todos esperando uma canção específica, como bem anunciou o vocalista: “Vamos tocar mais uma, e vocês sabem qual. Mas vou dizer assim mesmo”. E Hammer Smashed Face fez o Circo Voador estremecer com o coro em alto e bom som dos fãs. Duas bandas e duas horas e 25 minutos de música extrema para uma cidade que merece uma sacudida do mesmo nível.

Setlist Cannibal Corpse
1. Code of the Slashers
2. Only One Will Die
3. Red Before Black
4. Scourge of Iron
5. Evisceration Plague
6. Scavenger Consuming Death
7. The Wretched Spawn
8. Pounded Into Dust
9. Kill or Become
10. Gutted
11. Corpus Delicti
12. Devoured By Vermin
13. A Skull Full of Maggots
14. I Cum Blood
15. Make Them Suffer
16. Stripped, Raped and Strangled
17. Hammer Smashed Face

Setlist Napalm Death
1. Multinational Corporations
2. Instinct of Survival
3. When All is Said and Done
4. Unchallenged Hate
5. Smash a Single Digit
6. The Wolf I Feed
7. Practice What You Preach
8. Standardization
9. Everyday Pox
10. Scum
11. Life?
12. Control
13. You Suffer
14. Dead
15. Narcoleptic
16. Victims of a Bomb Raid
17. Suffer the Children
18. Breed to Breathe
19. Silence is Deafening
19. Call That an Option?
20. How the Years Condemn
21. Nazi Punks Fuck Off
22. Cesspits
23. Inside the Torn Apart

Paradise Lost

Por Daniel Dutra | Fotos: Alex Cavalcanti

Não que tenha se tornado arroz de festa, até porque é louvável o Paradise Lost passar a bater ponto com frequência no Brasil. A turnê para promover o ótimo Medusa (2017), com um show no Rio de Janeiro e dois em São Paulo (na capital e em Limeira), é a quinta passagem da banda inglesa por aqui apenas nos anos 2010 – a quinta das oito desde a primeira vez, naquele Monsters of Rock de 1995. Mais louvável ainda é perceber que os três últimos giros (2015, 2016 e agora) incluíram o Rio de Janeiro, mas se levarmos em consideração que o quinteto passou do Circo Voador para o Imperator e, desta vez, para Teatro Rival, fica a pulga atrás da orelha: uma hora não vai mais valer a pena o esforço hercúleo das produtoras para trazer shows de pequeno e médio porte para cidade.

Se você está se perguntando se o local estava lotado, a resposta é não. Com capacidade para 450 pessoas, a casa recebeu um público até razoável para prestigiar o belo show proporcionado por Nick Holmes (vocal), Greg Mackintosh e Aaron Aedy (guitarras), Stephen Edmondson (baixo) e Waltteri Väyrynen (bateria). E apesar de não ter visto as duas apresentações anteriores em solo carioca – sim, não sabia o que era um show do Paradise Lost desde o dia 6 de setembro de 1995 –, posso imaginar que a graça seria igual mesmo que não houvesse a surpresa gerada pelo hiato pessoal de 23 anos.

E teve graça desde o início, com From the Gallows. Graça porque a música, uma das quatro do álbum mais recente, é pesada e hipnótica. Graça porque foi a primeira deixa para a ‘stand-up comedy’ de Holmes, que ironizou o calor gerado por uma iluminação multicolorida que não combina com a banda – “Parece que estamos tocando numa cozinha” – e o insistente ruído que saía do sistema de som – “Esse ‘feedback’ é legal, mas já pode dar um jeito nele”, disse o vocalista, dirigindo-se a quem estava no comando da mesa de som.

E a graça vinha do típico jeito blasé inglês de Holmes, que se veste tão casualmente quanto aquele sujeito que estava passando por perto, depois do trabalho, e foi chamado para subir ao palco e dar uma palhinha. E foi com essa postura descompromissada, mas extremamente competente – e o cara ainda canta demais! – que ele anunciou “uma canção muito, mas muito antiga”. Era de se esperar, aliás, alguma comoção em Gothic, faixa-título do segundo disco do Paradise Lost, lançado em 1991. No entanto, não foi o que aconteceu.

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O negócio esquentou mesmo com as belezuras chamadas One Second, depois de uma piadinha de Holmes sobre seu cabelo (ou a falta de), e Erased, precedida da tentativa do frontman de se lembrar do último show na cidade – “Minhas memórias não são muito claras, pois estava muito bêbado”. Havia os fãs que sabiam tudo de cor e salteado, mas é impressionante como o lado mais melódico e, por que não?, pop do quinteto incendiaram o público – registre-se: respectivamente, as músicas são de One Second (1997), é claro, e Symbol of Life (2002). Uma recepção do nível da que teve Forever Failure, do clássico Draconian Times (1995).

Requiem, de In Requiem (2007), baixou um pouco a bola na pista, e a igualmente pesada Medusa não ajudou a mudar o cenário. Depois de reclamar novamente do ‘feedback’ – de fato, o som não estava em seus melhores dias: alto demais e embolado a ponto de a bateria ser apenas bumbos, caixa e pratos – e agradecer pelo ótimo dia que a banda passou no Rio de Janeiro, Holmes viu que era preciso mudar: “Vamos tocar algo mais alegre e up-tempo”. An Eternity of Lies, de The Plague Within (2015), fez até o vocalista pedir palmas, no que foi razoavelmente bem atendido, mas serviu para mostrar como Mackintosh é uma usina de força nas seis cordas. Nem tanto pelo riff à la Tony Iommi, mas sim por mais uma amostra das melodias e temas que costuma encaixar com precisão nas bases de Aedy. E que refrão!

Uma zoada ao apresentar do tecladista – “Ele está aqui, mas escondido. Vocês não conseguem vê-lo”, disse Holmes, brincando com o fato de as partes serem pré-gravadas – antecipou a excelente Faith Divides Us – Death Unites Us, que dá nome ao álbum de 2009 e é um dos títulos mais maneiros que você pode encontrar no mundo da música. Jogo ganho para a entrada da nova, rápida e pesada Blood and Chaos. A dobradinha funcionou tão bem que arrancou o nome do grupo da boca dos presentes, num coro que botou um sorriso no rosto de toda a linha de frente do grupo no palco.

“Vamos tocar uma música que parece que não tocamos há mil anos, e ela fala sobre a morte”. E foi o refrão de As I Die, de Shades of God (1992), que ecoou forte entre as quatro paredes do Teatro Rival. “Agora, um pouco de doom metal”. E Beneath Broken Fire (a bênção, Black Sabbath!) fez a ponte para o desfecho com Embers Fire, do clássico Icon (1993). Fim antes do protocolar bis, afinal, não foi apenas porque o público cantou o refrão com a mesma vontade de antes que os cinco voltaram ao palco. Mas ainda bem que voltaram, porque o encore foi um luxo só.

No Hope in Sight provou mais uma vez ser uma das favoritas dos fãs, que fizeram bonito com palmas no refrão. “Quem estava em nosso show em 1995, com Ozzy Osbourne?”, perguntou Holmes. Opa! Eu pude levantar a mão, mas a pergunta serviu de passagem de tempo. “Eu queria que o tempo lá fora mudasse, mas não vai”, completou o vocalista antes de mais uma nova, The Longest Winter, que foi curiosamente mais bem recebida. Nada, porém, que se compare a Say Just Words – ah, aquele lado mais melódico e pop do Paradise Lost… E que refrão de rara felicidade! Encerramento alto nível de um show de uma banda singular mesmo nos momentos considerados deslizes por alguns fãs. E foram 16 canções de dez álbuns de uma discografia de 15 álbuns (pode contar ao longo da resenha) para mostrar que ainda há lenha para queimar, porque nada menos que sete foram dos dois últimos trabalhos. Sorte dos fãs.

Setlist
1. From the Gallows
2. Gothic
3. One Second
4. Erased
5. Forever Failure
6. Requiem
7. Medusa
8. An Eternity of Lies
9. Faith Divides Us – Death Unites Us
10. Blood and Chaos
11. As I Die
12. Beneath Broken Earth
13. Embers Fire
Bis
14. No Hope in Sight
15. The Longest Winter
16. Say Just Words

KISS no Brasil – 35 anos: o Big Bang de uma geração

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação, Reprodução e Arquivo Pessoal

Os anos 70 haviam apresentado aos brasileiros os shows de Carlos Santana (1973), Alice Cooper (1974), Rick Wakeman (1975) e Genesis (1977), e os 80 tiveram sua iniciação com Queen (1981) e Van Halen (1983). Mas nada se compara à estreia do KISS no país, seis meses depois da passagem de David Lee Roth, Eddie Van Halen, Michael Anthony e Alex Van Halen. Para uma grande parte da geração que hoje tem entre 40 e 50 anos, o heavy metal – em todas as suas vertentes – começou com Creatures of the Night e ganhou contornos definitivos quando Paul Stanley, Gene Simmons, Eric Carr e Vinnie Vincent desembarcaram no Brasil para apresentações no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e em São Paulo, nos dias 18, 21 e 25 de junho, respectivamente.

Trinta e cinco anos depois do primeiro show, no Maracanã, para o maior público da carreira do KISS, a história ainda é contada em prosa e verso por fãs e pela banda. Para o bem e para o mal. Os detalhes numa época de informação analógica, ingenuidade e romantismo – e ‘business’ para Stanley e Simmons – só foram revelados ao longo dos anos: Creatures of the Night tinha Ace Frehley apenas na capa, o grupo andava em baixa nos Estados Unidos, a turnê no Brasil não foi um mar de rosas… Ainda assim, 35 anos depois, nada disso importa para um sem-número de fãs brasileiros que até hoje acompanham a banda, incluindo aqueles que só puderam ver o KISS nas turnês seguintes (1994, 1999, 2009, 2012 e 2015).

Creatures of the Night

“Para nós, Creatures of the Night foi feito sob o choque e a percepção de havíamos nos perdido completamente”, escreveu Paul Stanley em sua autobiografia, “Face the Music – A Life Exposed” (2014). “O disco foi uma declaração de que estávamos de volta aos trilhos, e Eric (Carr) ficou aliviado, porque era isso o que esperava desde o começo. Ele estava definitivamente mais feliz durante todo o processo.” Sim, é preciso falar do décimo disco de estúdio do KISS, porque ele faz parte do contexto. Depois de namorar o pop e a disco music – Dynasty (1979) e Unsmasked (1980) – e até flertar com o rock progressivo – Music from the Elder (1981) –, o grupo perdeu a sua essência. Não era mais rock’n’roll. Não era mais o inimigo número 1 dos pais. Não metia mais medo.

Musicalmente, Creatures of the Night foi mesmo uma volta às raízes, e com uma boa adição de peso. Hoje, é um clássico, o favorito de muitos fãs, um dos melhores trabalhos da banda, mas à época não foi bem assim. Apesar de ter se saído melhor que o seu antecessor – chegou ao 45º lugar no ranking da Billboard, 30 posições acima de Music from the Elder –, só sentiu o cheiro do Disco Ouro nos EUA em 9 de maio de 1994. Com Ace Frehley somente na foto e nos créditos, o álbum contou com convidados na guitarra solo: Robben Ford, Steve Farris e o até então desconhecido Vincent Cusano, que também assinou a composição de três músicas – duas com Simmons (I Love it Loud e Killer) e uma com Stanley (I Still Love You).


“Nós gostamos de Creatures of the Night e esperávamos pelo melhor, mas ele se saiu mal. Agendamos uma turnê pelos Estados Unidos, a mais malsucedida que fizemos até hoje”, contou o baixista em “KISS and Make-Up” (2001), sua autobiografia. “A cena musical estava mudando, e artistas como Michael Jackson e The Clash encontravam-se em ascensão, então ninguém aparecia para nos ver. Era assim na América do Norte, mas fora dela, especialmente na América do Sul, nós tocamos para as maiores audiências de nossas vidas, em estádios lotados de gente.” Enquanto não se sustentava nos EUA, Creatures of the Night recebia Disco de Ouro no Brasil, em 1983, e emplacava um hit que ultrapassou as fronteiras do heavy metal no país: I Love it Loud.

A 10th Anniversary Tour

Creatures of the Night chegou às lojas em 13 de outubro de 1982, e no dia 29 de dezembro o KISS começou a sua turnê de divulgação, já com Vincent Cusano atendendo por Vinnie Vincent, na persona de Ankh Warrior ao lado de Starchild, The Demon e The Fox – Ankh, a cruz da maquiagem do guitarrista, é um símbolo egípcio que significa vida. Incluindo apenas os EUA e o Canadá, a turnê durou até 3 de abril de 1983 e foi um fiasco para os padrões do grupo: média de público de cinco mil pessoas por show.

“Obviamente, tínhamos de pagar penitência pelo que fizemos em Unmasked e Music from the Elder. E pagamos com Creatures of the Night, mas os fãs não estavam nos perdoando. Foi muito ruim na maioria das cidades. Antes de irmos para o palco, ouvíamos o ‘You wanted the best, you got the best, the hottest band in the land…’, então entrávamos para descobrir que não tinha ninguém na plateia. Algumas vezes havia mil pessoas numa arena que comportava 15 mil”, disse Stanley, ilustrando o desolador cenário. “Nós havíamos lotado aquelas mesmas arenas cinco anos antes, mas se dessa vez eu jogasse minha paleta muito longe, ele passaria pela cabeça das pessoas e cairia no chão.”

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35 anos em uma coleção (Foto: Arquivo Pessoal)
Anúncios do show no Maracanã e da turnê no Brasil (Foto: Montagem/Reprodução)
Anúncios do show no Morumbi (Foto: Montagem/Reprodução)
Ingresso Maracanã (Foto: Reprodução)
Ingresso Morumbi (Foto: Reprodução)
Ingresso Morumbi (Foto: Reprodução)
Capa e contracapa do Tour Book (Foto: Reprodução)
Gene Simmons, Paul Stanley e Vinnie Vincent (Foto: Divulgação)
Gene Simmons, Paul Stanley e Vinnie Vincent (Foto: Divulgação)
Gene Simmons, Vinnie Vincent e Paul Stanley (Foto: Divulgação)
Gene Simmons, Vinnie Vincent e Paul Stanley (Foto: Divulgação)
Eric Carr, Gene Simmons, Vinnie Vincent e Paul Stanley (Foto: Divulgação)
Gene Simmons e Paul Stanley (Fotos: Divulgação)
Eric Carr e Vinnie Vincent (Fotos: Divulgação)
Vinnie Vincent, Paul Stanley, Eric Carr e Gene Simmons (Foto: Divulgação)
Eric Carr, Gene Simmons, Vinnie Vincent e Paul Stanley (Foto: Divulgação)
Eric Carr, Paul Stanley, Vinnie Vincent e Gene Simmons (Foto: Divulgação)
Vinnie Vincent, Paul Stanley, Eric Carr e Gene Simmons (Foto: Divulgação)
Paul Stanley, Vinnie Vincent, Gene Simmons e Eric Carr (Foto: Divulgação)

Depois da tempestade, a bonança. Os rumores da vinda ao Brasil se tornaram realidade no mesmo mês em que o KISS encerrara o giro norte-americano. Outdoors espalhados pelas cidades que receberiam a banda foram suficientes para alavancar as vendas de Creatures of the Night (percebeu a conexão?), causar alvoroço em quem já era fã da banda e começar a formar a geração que, a partir daí, virou membro do KISS Army. Stanley, Simmons, Carr e Vincent chegaram ao Brasil em 14 de junho, quatro dias antes do primeiro show, no Rio de Janeiro, e enfrentaram protestos de cristãos e evangélicos com as alegações de sempre: a banda é satânica e faz apologia ao nazismo – risível, uma vez que Simmons, judeu nascido em Israel, só está entre nós porque sua mãe, Florence Klein, escapou da câmara de gás num campo de concentração na Hungria. A esposa de um oficial da SS precisava de uma cabeleireira.

O Maracanã entra para a história

A melhor de todas, porém, era que os Garotos a Serviço de Satanás pisavam em pintinhos e sacrificam animais no palco. Não foi o que aconteceu em 18 de junho, quando 137 mil pessoas lotaram o Maracanã para assistir à apresentação de estreia no Brasil. “(…) Tocamos para 180 mil fãs enlouquecidos no Estádio do Maracanã, no Rio”, lembrou Stanley, fazendo uma confusão comum em relação ao público presente naquela noite de sábado. “Foi a maior audiência para a qual tocamos até hoje. Ao me apresentar num estádio de futebol na América do Sul, percebi que os estádios que consideramos grandes nos Estados Unidos são muito pequenos em comparação. Minúsculos. Quando você entra num local como o Maracanã, se sente no fundo de um barril de petróleo.”

Alguns dias depois, o show carioca virou um especial de 40 minutos na Rede Globo – que não tem mais a fita master com a gravação bruta da apresentação. O programa incluiu declaração de fãs, como a menina que caiu no conto de dizer que KISS significa (abre aspas, mesmo) “Kids In Service of Satanás”, e da própria banda, que teve de responder se era mesmo verdade que sacrificava animais no palco. A desinformação e a falta de assuntos relevantes estiveram presentes também na coletiva de imprensa, realizada no Rio de Janeiro, e em programas de TV que fizeram a cobertura prévia do evento. O falecido empresário Marcos Lázaro, um dos responsáveis por trazer o grupo ao Brasil, teve de responder que nenhum bichinho seria morto, e houve até matéria com a técnica em retratos falados da Secretaria de Segurança Pública do estado para que ela descobrisse a identidade dos integrantes. Assim como ainda hoje existem protestos de evangélicos – vide a passagem do KISS por Brasília em 2015 –, a grande mídia continua com certos ranços do passado quando o assunto não é do seu domínio. Ou do seu interesse.

Mas aquele 18 de junho ficou marcado a ponto de a banda incluir de alguma maneira o show no Maracanã em vídeos lançados nos anos seguintes. Exposed (1987) tem I Love it Loud na íntegra; X-treme Close-Up (1992) apresenta trechos de Calling Dr. Love e War Machine; Kissology Vol. 2: 1978-1991 (2007) traz 20 minutos do especial da Rede Globo; e um novo videoclipe para Rock and Roll All Nite, editado ainda na década de 80, traz cenas em meio a várias outras colagens. “Não há como descrever a energia que um público daquele tamanho emana. E toda a energia era direcionada para nós em cima do palco”, lembra Stanley. “Você pode dizer que o ar estava eletrificado ou que havia uma sensação de antecipação, uma histeria. Não importa como chame, quando isso é direcionado a você, é como se fosse uma enorme onda que o consome. A quantidade de poder empurrando-o para frente é incrível. Quase pode tirar seus pés do chão.”


O KISS deveria se apresentar dois dias depois no Mineirão, em Belo Horizonte, mas o show acabou adiado para o dia seguinte por causa de problemas elétricos. Então governador de Minas Gerais, Tancredo Neves negou o pedido de líderes religiosos para que a data fosse cancelada, mas um juiz determinou que nenhum menor de 16 anos poderia entrar no estádio sem os pais ou algum responsável legal. Ainda assim, 30 mil fãs assistiram, no dia 21, a uma apresentação com direito a Paul Stanley fazendo média ao usar uma camisa do Atlético-MG.

A apresentação em São Paulo acabou sofrendo com o atraso de um dia no estado vizinho, e o show passou do dia 24 para o dia 25. Na coletiva de imprensa, Stanley, Simmons, Carr e Vincent apareceram sem maquiagem, apenas com lenços cobrindo o rosto. Sessenta mil fãs compareceram ao Morumbi para testemunhar (sem saber, claro) o último show do KISS com as maquiagens até 1996, quando a formação original se reuniu para uma bem-sucedida turnê mundial que passou pela América do Sul, mas não veio ao Brasil. Curiosamente, os paulistas seriam os primeiros a ver o KISS, e em duas datas (10 e 11 de junho), não fosse a necessidade de passar a cidade para o fim da turnê, em virtude das chuvas que castigavam a capital – um agravante também para a mudança de 24 para 25, diga-se. A despedida ainda teve direito a I Love it Loud tocada duas vezes, a segunda no bis, no lugar de Strutter.

Aproximadamente 230 mil pessoas compareceram aos três shows do KISS no Brasil, mas nos bastidores nem tudo correu bem. Os promotores perderam dinheiro com as mudanças de datas e o cancelamento de um show – seriam dois em São Paulo, e no fim houve uma fracassada tentativa de incluir Porto Alegre na logística. A lição do KISS, no entanto, foi diferente. “Apesar de a experiência ter sido depressiva em alguns aspectos, ela abriu nossos olhos para a ideia de que nenhuma cidade e nenhum mercado são definitivos”, disse Simmons. “Se você não está indo bem nos Estados Unidos, vá para o Brasil. Se não está dando certo na Colômbia, tente a Itália.” O baixista se refere aos problemas que a banda teve com a alfândega brasileira, que reteve todo o equipamento durante seis meses. Esta teria sido não apenas a razão de a negociação para uma turnê na Argentina ter morrido – seriam três shows em agosto –, mas também da demora em voltar ao Brasil. Felizmente, águas passadas.

You wanted the best, you got the best!

Por que a primeira vinda do KISS ao Brasil é tão especial? Por que Creatures of the Night é tão especial? Para mim, é especial exatamente porque, 35 anos depois, estou escrevendo estas linhas com prazer e orgulho. Eu tinha 5, 6 anos quando herdei do meu pai a paixão pela música, a começar por Beatles, Elvis Presley e Led Zeppelin, algumas de suas paixões dentro do rock’n’roll – a outra, o Rolling Stones, nunca desceu. E eu tentei, várias vezes, mas achava pior a cada audição. De qualquer maneira, não foi aí que o estrago aconteceu.

Lembro-me como se fosse hoje que, com 8 para 9 anos, assisti ao videoclipe de Shandi no Super Special, programa musical da Bandeirantes (não, a emissora ainda não era chamada de Band). Fiquei fissurado com aqueles quatro caras maquiados, apesar de não saber do que se tratava, apesar de obviamente não saber que Ace Frehley e Peter Criss não estavam mais no KISS. Porque eu não sabia nem mesmo que a banda havia lançado dois discos – Music from the Elder e Creatures of the Night – depois do álbum – Unmasked – que tem aquela música. Eu só sabia que aquilo era melhor coisa que eu já havia escutado. O que meu pai fez? Certamente orgulhoso por ver seu moleque se interessando sozinho por algo, saiu no dia seguinte e comprou o novo álbum daquele grupo chamado KISS.

Não sei precisar quantas vezes ouvi Creatures of the Night (tenho o vinil até hoje, 35 anos depois), mas ele mudou a minha vida. Algumas semanas depois, talvez um mês, os outdoors anunciavam que o KISS iria tocar no Maracanã, a poucos quilômetros da minha casa. Meu pai comprou os ingressos, mas não pôde me levar. Passou mal no dia, e eu, já com 9 anos, só entendi o porquê dois meses e dez dias depois, quando ele faleceu. Aquela noite de sábado, 18 de junho, foi o melhor show que eu nunca vi, porque ele marca o que meu pai fez por mim. E ele esteve comigo em todos os 15 shows do KISS que pude ver desde então. Ele estará comigo no próximo. E ele está comigo sempre que coloco Creatures of the Night para rolar.

E você? Qual a sua história?


Judas Priest – Firepower

Por Daniel Dutra | Fotos: Divulgação

Firepower nem precisou chegar às lojas – ou às plataformas de streaming, para sermos atuais – para se tornar o melhor disco de heavy metal de 2018. Será mesmo? Eu havia o escutado o CD antes mesmo de seu lançamento oficial, e nada mudou depois de quatro meses. As várias novas audições apenas realçaram a minha primeira impressão: o 18º álbum de estúdio do Judas Priest saiu fortalecido com a notícia de que Glenn Tipton não sairia em turnê por causa das limitações causadas pela Doença de Parkinson.

Um hype involuntário, obviamente, mas que causou comoção. E não estou sendo insensível, porque a comoção é justa. Não apenas porque o guitarrista é o alicerce musical da veterana banda inglesa, mas porque entramos na fase em que, de uma maneira ou de outra, os ídolos responsáveis por nossa formação musical estão nos deixando. Sim, não é fácil assimilar o fim de uma era, por mais que estejamos sendo preparados para isso nos últimos anos: Ronnie James Dio, Lemmy Kilmister, Black Sabbath, Slayer…


Firepower é mesmo o melhor trabalho do Judas Priest desde a volta de Rob Halford, em 2003. E se não é mérito algum deixar o insosso Nostradamus (2008) comendo poeira, é louvável que o vocalista, Tipton, Richie Faulkner (guitarra), Ian Hill (baixo) e Scott Travis (bateria) tenham superado o bom Redeemer of Souls (2014). Apesar de os dois discos mais recentes amargarem momentos bem irregulares, o que é bom no novo álbum é bom demais. Por isso, os 58 minutos e dez segundos de música são um exagero.

O quinteto bem poderia ter enxugado o CD de 14 para dez faixas, por exemplo. Há canções que servem para cumprir tabela – casos de Necromancer, Flame Thrower e Spectre, todas não mais que legais – e outras duas completamente dispensáveis: Sea of Red, uma baladinha de bocejar que fecha o álbum de maneira broxante, e a chatíssima Never the Heroes, que troca seu breve início à la Turbo (1986) para uma sonoridade que remete ao Fight da fase A Small Deadly Space (1995), e isso tem seus prós e contras.


Firepower tem outras duas remissões à banda formada por Halford depois de sua saída do Judas Priest, e especificamente ao segundo trabalho. Children of the Sun é a mais gritante, e Evil Never Dies, a melhor. Esta, aliás, fecha a ótima trinca de abertura do álbum, que começa com a rápida faixa-título e a sensacional Lightning Strike, que contagia com sua bateria cavalgada e um refrão de primeira. Portanto, vamos falar de coisas boas. Como Lone Wolf, na qual brilham Halford e Faulkner (belo solo).

Ou vamos falar das melhores. Muito bem escorada pela curta instrumental Guardians, Rising from Ruins é um heavy rock que flerta com balada e dá gosto de ouvir. E Traitors Gate com seu dedilhado inicial que, por um momento, dá a impressão de vai entrar Battle Hymn, do Manowar? Depois, uma sequência de riffs maneiros e um andamento empolgante. Para terminar, a favorita da casa: o bem-sucedido casamento com o hard rock que atende por No Surrender (e alguém falou em W.A.S.P. na guitarra do início?).


Firepower não é essa obra-prima toda, repito, mas é mais um bom capítulo do rejuvenescimento do Judas Priest – e Faulkner tem muito a ver com isso, diga-se. É também uma boa união do passado com o presente, incluindo o veterano Tom Allon – responsável por todos os discos de estúdio de British Steel (1980) a Ram it Down (1988) – para a coprodução ao lado do queridinho Andy Sneap (que, vocês sabem, está substituindo Tipton na turnê). Se este pode ser o canto dos cisnes, os fãs têm de se acostumar.

Faixas
1. Firepower
2. Lightning Strike
3. Evil Never Dies
4. Never the Heroes
5. Necromancer
6. Children of the Sun
7. Guardians
8. Rising from Ruins
9. Flame Thrower
10. Spectre
11. Traitors Gate
12. No Surrender
13. Lone Wolf
14. Sea of Red


Banda
Rob Halford – vocal
Glenn Tipton – guitarra
Richie Faulkner – guitarra
Ian Hill – baixo
Scott Travis – bateria

Lançamento: 09/03/2018
Produção: Tom Allom e Andy Sneap
Mixagem: Andy Sneap
Engenharia de som: Andy Sneap e Mike Exeter


Angra

Por Daniel Dutra | Fotos: Gustavo Maiato

Sabe aquela noite que valeu a pena mesmo que nem tudo tenha dado certo? Na verdade, que valeu a pena mesmo que algo tenha dado muito errado. É possível resumir assim a primeira passagem do Angra pelo Rio de Janeiro na turnê para promover o novo álbum, ØMNI (2018). Sim, primeira, porque falta agora uma apresentação sem… Bem, vamos por partes. O Circo Voador já estava lindamente abarrotado de gente – acredite, feriado no Rio de Janeiro, ainda mais prolongado, não significa casa cheia em shows – quando Fabio Lione (vocal), Rafael Bittencourt e Marcelo Barbosa (guitarras), Felipe Andreoli (baixo) e Bruno Valverde (bateria) mandaram ver Nothing to Say, o início de um “set list especial e variado”, como Lione anunciaria pouco depois. Desnecessário dizer que a lona entrou em ebulição, afinal, é um dos maiores clássicos da banda – e é de Holy Land (1996), um dos trabalhos emblemáticos do metal brasileiro.

E aí veio a nova Travelers of Time, que todos sabiam cantar, sem contar a turma que abriu a primeira roda da noite, para alegria de Bittencourt. Angels and Demons surgiu em seguida e, apesar de já na estar na hora de algum outro exemplar de Temple of Shadows (2004) entrar no repertório, mostrou por que é uma das favoritas dos fãs. De Secret Garden (2014), Newborn Me e aquela seção instrumental espetacular no meio da canção soaram arrasadoras e foram muito bem acompanhadas pelo público, que continuou respondendo maravilhosamente bem ao passado – com Time, uma joia à la Queensrÿche presente em Angels Cry (1993) – e ao presente do Angra, porque Light of Transcendence foi a prova definitiva de que ØMNI caiu em suas graças. Não à toa, o coro com o nome da banda ecoou forte na casa, e o set list especial mostrava que o caminho seria um pouco de cada álbum – à exceção de Aqua (2010), com boa dose de razão.

Com Bittencourt substituindo sozinho os corais do início, Running Alone, de Rebirth (2001), foi uma agradável surpresa, apesar de a expectativa por Acid Rain, originalmente no set, ter sido frustrada. Um momento de calmaria com a bela Storm of Emotions e um momento de “eu já sabia!” com Insania, porque estava na cara que seu refrão iria pegar fácil, fácil. Rolou piada com a falta de gasolina, “especialmente no Rio de Janeiro”, na hora de Bittencourt agradecer a todos por terem ido ao show; teve solo de bateria – curto, felizmente; e houve problemas. Lione, que desde antes vinha sofrendo com problemas técnicos, não escondeu sua irritação em Black Widow’s Web, uma das mais aguardadas da noite. Daí para frente, a situação só piorou. Fosse o microfone, fosse o fone/monitor ‘in ear’ de retorno, a situação fez com que Lione ficasse cada vez mais puto – mas muito puto – com o técnico da mesa de som lateral.

Nem mesmo um vocalista da excelência de Lione consegue acertar o tom da música quando não consegue ouvir o que está acontecendo, então imagine tendo de fazer também as partes de Alissa White-Gluz – Bittencourt assumiu os vocais gravados pela Sandy. Mas o show tinha de continuar, apesar de te rolado uma esfriada no clima em Upper Levels – uma pena, porque aquele trecho instrumental ‘mezzo’ Kansas, ‘mezzo’ Rush merecia ovação – e em ØMNI – Silence Inside, a ponto de Lione inflar o público para tirá-lo de uma apatia que havia evaporado durante uma baita versão de Z.I.T.O. com Bruno Sá (Geoff Tate) na flauta. A ótima Ego Painted Grey, única de Aurora Consurgens (2006), quase foi esquecida pelo vocalista, que voltou a sofrer com microfone/retorno em Lisbon (tome esporro no técnico, diga-se) e, ao fim do maior clássico de Fireworks (1998), atirou o pedestal no chão.

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O público? Ciente de que algo estava errado, fez a sua parte. Voltou ao estado normal de espírito em Lisbon e gritou com vontade o nome de Lione depois da excepcional Magic Mirror. Uma recompensa e um merecido reconhecimento ao vocalista que, com nova falha no microfone logo no início da música, transformou a raiva numa interpretação matadora junto ao instrumental técnica e criativamente impecável conduzido por Andreoli, Barbosa, Bittencourt e Valverde (entenda-se: cantou para cacete). Uma deixa providencial para o bis que começou com Bittencourt numa versão voz e violão de Reaching Horizons. Melhor, uma versão vozes e violão, porque foi bonito ver e ouvir os fãs cantarem sozinhos boa parte da “primeira música que o Angra compôs”, como lembrou o guitarrista, hoje o único integrante da formação original.

“Este é o Angra de hoje, o Angra do futuro, o Angra do ØMNI”, disse Bittencourt, mandando um “obrigado a todos os ex-integrantes da banda” por terem ajudado a construir uma história de 28 anos, praticamente. E na apresentação da banda de hoje e do futuro, justiça feita a Lione, o mais aplaudido. Ele foi novamente prejudicado em Rebirth, uma vez que o microfone mal funcionou, mas contou com o apoio dos fãs, que cantaram um clássico da segunda fase do Angra que muito bem se aplica à nova era – com trocadilho – do grupo tendo o italiano nos vocais.

Antes de Reaching Horizons, Bittencourt mencionou as rodas abertas na pista ao longo da noite: “Vontade de pular aí”. Promessa cumprida no medley de Angels Cry com Nova Era, que transformou o Circo num pandemônio. Por um instante parecia que o guitarrista havia largado o instrumento porque havia algum problema, mas não. Foi mesmo para se atirar na plateia e ser devolvido ao palco depois de uma breve seção de ‘crowd surfing’. Definitivamente, foi a imagem de um noite que valeu a pena, a imagem de uma banda que, apesar dos problemas, felizmente insiste em se renovar e se fortalecer. E que a noite tenha sido realmente apenas a primeira no ciclo de divulgação de ØMNI, para fazer com que aquela quinta-feira seja lembrada com um ensaio de luxo.

Nota de rodapé: a abertura coube ao Maieuttica, formado por Allan Sampaio e Frank Lima (vocais), Rubens Junior e Lucas Rodrigues (guitarras), Bruno Pinho (baixo) e Vitor Arante (bateria). Promovendo seu segundo disco, Hiatus: Ausência (2018), o sexteto carioca apresentou um metalcore que pode agradar em cheio a ouvidos menos exigentes. Se o estilo se popularizou de tal forma que o déjà vu é inevitável, a banda também não ajuda com seu som genérico. Imagine o Linkin Park resolvendo virar uma banda de heavy metal com algumas pitadas de Faith No More (muito por causa de alguns trejeitos vocais de Lima, responsável pelas partes extremas/guturais).

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É isso o que se ouviu em músicas como Brame, Hidra, Além da Lei e O Paciente: Cárcere – que contou até com a participação da modelo, dançarina e coreógrafa Thalita Ferreira –, somado a uma arrogância juvenil em algumas declarações de Lima, como “Nós somos o Maieuttica. Sim, é um nome difícil de falar” e “Quem não fugiu das aulas da filosofia sabe o que significa”. Acredite, Maieuttica não é um nome difícil de falar. Difícil é decifrar alguns logos de bandas de black metal. E imagino que, assim como o vocalista, aqueles que se formaram em filosofia ou que são da área de humanas em geral lembrem tudo o que aprenderam nas aulas de matemática, geometria, física, química…

Set list
1. Nothing to Say
2. Travelers of Time
3. Angels and Demons
4. Newborn Me
5. Time
6. Light of Transcendence
7. Running Alone
8. Storm of Emotions
9. Insania
10. Bruno Valverde Solo
11. Black Widow’s Web
12. Upper Levels
13. Z.I.T.O.
14. ØMNI – Silence Inside
15. Ego Painted Grey
16. Lisbon
17. Magic Mirror
Bis
18. Reaching Horizons
19. Rebirth
20. Carry on / Nova Era

Clique aqui para acessar a resenha no site da Roadie Crew.

Armored Saint

Por Daniel Dutra | Fotos: Daniel Dutra + Divulgação

Prepara-se para uma aula de heavy metal. E heavy metal clássico, puro em sua melhor essência. Trinta e seis anos depois de dar os primeiros passos em Los Angeles, contando os sete anos de hiato na década de 90 e momentos de incerteza nos anos 2000, o Armored Saint finalmente chega ao Brasil para uma única apresentação em nosso país em sua turnê sul-americana: dia 3 de junho, no Fabrique Club, em São Paulo (a banda também passa por Argentina, Peru, Colômbia e Chile). John Bush (vocal), Phil Sandoval e Jeff Duncan (guitarras), Joey Vera (baixo) e Gonzo Sandoval (bateria) ainda curtem a ótima recepção ao seu mais recente álbum, o excelente Win Hands Down (2015), mas têm também um catálogo de clássicos presentes em March of the Saint (1984), Delirious Nomad (1985), Raising Fear (1987) e, principalmente, no emblemático Symbol of Salvation (1991) – são sete álbuns de estúdio, dois ao vivo, um EP e uma coletânea na discografia do quinteto. Musicalmente tão relevante hoje como foi no início de carreira, o grupo vai mostrar por que atualmente está na linha de frente dos shows de metal. Para falar da primeira vez e de mais um pouco, principalmente o “mais um pouco”, Gonzo atendeu a ROADIE CREW e deu o tom do que virá pela frente. Não perca (a entrevista e o show).

Uma espera de 36 anos. É muito tempo, mas finalmente o Armored Saint está vindo ao Brasil. A primeira pergunta é óbvia: qual é a sua expectativa?
Gonzo Sandoval: Ao longo dos anos, sempre ouvi que os brasileiros são apaixonados e incríveis, então espero uma noite cheia de energia e diversão curtindo heavy metal junto com vocês.

John e Joey já estiveram aqui com o Anthrax e o Fates Warning, então acredito que tenham adiantado alguma coisa. Mas eu diria que o público não tem ideia do que o aguarda. Posso dizer que hoje em dia ninguém faz um show de heavy metal melhor do que Accept, Metal Church e Armored Saint.
Gonzo: John e Joey compartilharam com o restante da banda os ótimos sentimentos que têm sobre o público daí. O Armored Saint adora uma plateia realmente agitada, por isso encoramos todos vocês a ir ao show e ter um ótimo momento rock’n’roll conosco. E muito obrigado pelo elogio em relação ao nosso show! Nós somos uma banda para tocar ao vivo, mesmo.

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A propósito, vocês não tocarão o Symbol of Salvation na íntegra no Brasil. Faz sentido, afinal, a banda nunca tocou aqui…
Gonzo: Nós temos dois anos de planos para o Armored Saint, incluindo muitas estreias, como essa primeira vez no Brasil… E viva o Brasil! Também estamos compondo e nos preparando para gravar um novo álbum, a ser lançado em 2019, então faremos uma turnê mundial que entrará por 2020.

Vamos falar um pouco de história, começando pela formação da banda e o lançamento do EP Armored Saint em 1983. Quais são suas lembranças?
Gonzo: David Prichard, Phil Sandoval e eu formamos o núcleo inicial da banda. John Bush tinha um sistema de PA e queria cantar, então se juntou a nós logo em seguida. Finalmente, Joey Vera, que vivia nos cercando com seu baixo, foi o último a entrar. E Jeff Duncan se tornou integrante quando David perdeu, aos 26 anos, a batalha contra a leucemia. Gravamos o EP, que inicialmente era uma demo com cinco músicas, para o Brian Slagel, da Metal Blade, em 1982. Daquela demo, Lesson Well Learned foi usada na coletânea Metal Massacre II, bem no comecinho da história da gravadora. Armored Saint nasceu dessa sessão de gravação e foi nossa primeira vez num estúdio de verdade. Ele se chamava Track Record e ficava na Melrose Avenue, em Hollywood, Califórnia.


E logo depois vocês assinaram com a Chrysalis Records para lançar March of the Saint, em 1984. Apesar dos problemas com a produção de Michael James Jackson, é um álbum clássico, mas creio que a mudança para um grande selo teve mais contras do que prós. Phil deixou a banda durante as gravações de Delirious Nomad, e em Raising Fear o Armored Saint era um quarteto…
Gonzo: Foi um período muito empolgante para o heavy metal na região de Hollywood, em 1984, porque bandas e clubes estavam surgindo a todo instante. As ruas viviam cheias de gente se divertindo. Muitos daqueles grupos estavam conseguindo um contrato com grandes gravadoras, e fomos um deles. Acreditamos que a Chrysalis seria boa para nós, afinal, ela tinha UFO, Jethro Tull, Huey Lewis and The News e Billy Idol, entre outros, e fomos a primeira banda realmente heavy metal do seu cast. A saída do Phil, enquanto gravávamos Delirious Nomad, foi realmente triste, mas hoje me sinto extremamente feliz por estar tocando e me divertindo com ele, um dos guitarristas mais incríveis que existem por aí. Ah! E Raising Fear foi coproduzido pela banda com Chris Minto, nosso engenheiro de som em March of the Saint. Era raro uma banda produzir seu próprio disco àquela época, mas nós fizemos isso.

O Armored Saint marcou seu retorno à Metal Blade com Saints Will Conquer, o primeiro disco ao vivo da banda, e deu boas-vindas a Jeff Duncan como segundo guitarrista. Foi uma transição simples?
Gonzo: Saints Will Conquer foi gravado ao vivo para uma rádio em Cleveland, Ohio, mas decidimos lançar oficialmente para ganhar tempo durante essa transição da Chrysalis para a Metal Blade. E foi aí que trouxemos Jeff Duncan, porque queríamos abandonar o formato de quarteto para novamente ser um quinteto.


E chegamos ao Symbol of Salvation. Resumindo, como foi compor e gravar uma obra-prima tendo de lidar com a doença e o falecimento de David Prichard?
Gonzo: Este foi um disco que nós tivemos de fazer. Passamos dois anos e meio compondo e gravando demos enquanto David lutava contra a leucemia. Depois que ele se foi, ficamos inativos durante um bom tempo, então decidimos que a música que criamos com David precisava viver. Trouxemos Phil de volta para a guitarra, e ele formou uma nova dupla com Jeff. As gravações de Symbol of Salvation foram uma experiência e um aprendizado inspiradores, divertidos e edificantes. David Jerden, nosso produtor, e Brian Carlstrom, o engenheiro de som, pavimentaram o caminho para que todo o Armored Saint tomasse as rédeas no estúdio. Nós tínhamos as canções, e eles, o método. Que David Earl Richard descanse em paz e sua memória viva para sempre, como no Symbol of Salvation.

Infelizmente, a banda esteve num hiato durante a maior parte dos anos 90, um período que não foi bom para o heavy metal. Mas você e Phil montaram o Life After Death. O que pode nos contar dessa empreitada?
Gonzo: Eu e meu irmão começamos a versão inicial do Life After Death com o guitarrista Gumby, o baixista Ray Burke e um vocalista incrível chamado Jack Emrick. A segunda versão já contava com os guitarristas Terry Williams, que ele descanse em paz, e Giovanni Santos, e foi com eles que gravamos nosso autointitulado álbum de estreia (N.R.: em 1996) com Roy Z na produção, para a extinta gravadora Indivision.


A propósito, como foi participar do MX Machine no fim dos anos 2000?
Gonzo: Quando entrei na banda, ela era um divertido trio semipunk, e havia apenas um integrante da formação original (N.R.: o baixista Diego Negrete). Mas foi algo muito breve para mim.

E sobre o Black Raven? Agora que o álbum Native Knight foi lançado, quais são os planos?
Gonzo: Pretendemos fazer shows e estamos trabalhando para isso, porque felizmente temos a oportunidade de fazer acontecer num futuro próximo (N.R.: a banda conta com Gonzo e Phil Sandoval ao lado de Daniel Hicks na flauta indígena; Chris O’Brian nos teclados; Louis Metoyer no baixo; Mike Smothers na segunda guitarra; e Evan Perlman no didgeridoo, um instrumento de sopro aborígene). Nosso disco está disponível para download e compra física no CD Baby e também se encontra no iTunes e outras plataformas digitais, mas no momento estamos buscando um contrato de licenciamento. Native Knight é, como chamamos, uma “medicação sonora com a intenção de ajudar a curar a condição humana”. É progressivo com world music e música nativo-americana. Vocês devem conferir, acreditem.


De volta ao Armored Saint, a banda retomou as atividades em 1999 e lançou Revelation no ano seguinte. Em 2001 saiu Nod to the Old School, mas um novo disco de inéditas só veio em 2010. Por que tanto tempo até La Raza?
Gonzo: A banda ficou num hiato enquanto John estava no Anthrax, mas ele e Joey começaram a compor em 2000, e o resultado foi Revelation. Nod to the Old School foi a ideia que tivemos para uma coletânea com quatro demos, o EP Armored Saint e algumas outras surpresas (N.R.: juntando todas as versões, são oito demos, e ainda havia duas novas canções, Real Swagger e Unstable). Depois disso, passamos por um período bem estranho e só saímos dele em 2009, quando John e Joey se juntaram para compor as músicas do La Raza. Concordo com você, porque dez anos de espera é tempo demais, mas muita coisa aconteceu. Hoje, estamos felizes por prosperar com o Armored Saint, que está mais forte e ocupado do que nunca.

E a banda levou metade desse tempo para soltar Win Hands Down, um de seus melhores discos. O que você pode falar dele agora, três anos depois do lançamento e de várias turnês para promovê-lo?
Gonzo: Win Hands Down é o álbum no qual o Armored Saint finalmente acertou em cheio na hora de fazer o seu melhor. Tem o melhor som e a melhor produção da banda em todos os tempos, apesar de o processo de gravação ter sido uma novidade para nós. Jay Ruson mixou o disco, Josh Newell gravou a bateria, e Joey produziu o nosso trabalho mais forte até hoje. Eles formaram um time que funcionou perfeitamente. Obrigado, rapazes! Particularmente, sob a direção do Joey, toquei no máximo das minhas habilidades e consegui a melhor performance da minha carreira. Para completar, a turnê tem sido bem cheia e nos levado a todos os lugares do mundo.


E um novo disco ao vivo foi lançado em 2016, mas permita-me uma reclamação. Carpe Noctum tem apenas oito músicas, assim como Saints Will Conquer, e foi pouco para os fãs…
Gonzo: Carpe Noctum é o exemplo do Armored Saint em seu melhor cenário: ao vivo em cima de um palco. Foi gravado numa perna europeia de nossa turnê mundial, e tenho orgulho da minha performance e do som de bateria que consegui tirar. No entanto, como produtor do álbum, Joey optou por um trabalho de curta duração e por não incluir as músicas que já estão no Saints Will Conquer. Mas nós vamos gravar um DVD da turnê que faremos tocando o Symbol of Salvation na íntegra. Continuaremos na estrada até 2020, pelo menos, e lançaremos um novo álbum em 2019 depois do DVD. Então, fiquem ligados!

Além de tocar, você customiza sets de bateria para outros músicos. O que mais pode dizer sobre esse outro lado da sua carreira?
Gonzo: Comecei fazendo o design e customizando um set de bateria na cor preta para James Perse, e o kit está em exposição em sua loja na Highland Avenue, em Hollywood (N.R.: Perse é o dono de uma grande rede de lojas nos EUA. Começou com uma franquia de roupas esportivas, mas ampliou para uma série de produtos de todos os tipos). O site Gonzo Drums of Thunder servirá para encorajar os jovens a seguir pelo caminho da percussão e da bateria. Será um canal educacional. Sou um aliado da música e estou fazendo isso porque quero ajudar esses jovens a entrar no rock’n’roll e a formar bandas, então quem sabe um dia alguns não possam ser grandes nomes do rock. O site ainda está em construção, mas fiquem de olho!


A música não é a única arte pela qual você é apaixonado. Há a fotografia. Como começou? O que você já fez e o que vem pela frente?
Gonzo: Sim, sou apaixonado por arte e criatividade. Amo fotografia e fui abençoado com um bom olho para esta arte. Comecei cedo, como consumidor de câmeras mais amigáveis, mas comprei a minha primeira DSLR assim que decidir levar a sério. Tudo mudou para mim, e desde então minha jornada foi ficando cada vez melhor. Quando vou fotografar alguma coisa, qualquer coisa, procuro sempre criar a imagem correta do ponto de vista criativo. Sou afiliado da Atlas Icons, agência criado e presidida pelo Neil Zlozower (N.R.: conceituado fotógrafo que cobre o cenário rock/hard rock/heavy metal desde o fim dos anos 70), e vocês podem ver alguns dos meus trabalhos no site da empresa, assim como na minha página pessoal. E há muito mais por vir.


O espaço final é seu, Gonzo. Sinta-se à vontade para acrescentar o que quiser.
Gonzo: Aguardo ansiosamente por essa visita ao Brasil. Levarei comigo a minha câmera e um senso de gratidão, porque estou pronto para tocar bateria e levá-la a novos níveis de projeção. Quero encontrar o público brasileiro de heavy metal e me divertir com todos no show. Cuidem-se, mantenham a fé e também o amor pelo futebol. Será a minha primeira vez no seu país, mas espero que não seja a última. Obrigado pelo apoio ao Armored Saint durante todos esses anos. Viva o Brasil, viva o Armored Saint e viva o heavy metal! Vejo vocês na estrada! Muito amor e rock’n’roll!


Clique aqui para acessar a entrevista original no site da Roadie Crew.